2014 - Trabalho \"A História Política na escrita de Euclides da Cunha: notas acerca do ensaio Da Independência à República publicado na obra À Margem da História (1913)\"
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Universidade do Vale do Rio dos Sinos Programa de Pós-Graduação em História DOUGLAS SOUZA ANGELI
A História Política na escrita de Euclides da Cunha: notas acerca do ensaio Da Independência à República publicado na obra À margem da História (1913) Apresentação para a disciplina Tópicos especiais de História II: Os impérios nos livros: circulação de ideias, práticas de escrita e de leitura na América; Profª. Drª. Eliane Cristina Deckmann Fleck 2014/1
História, Literatura e Práticas de Escrita “Para Chartier (1990, p. 62-3), todo documento, seja literário ou de qualquer outro tipo, é representação do real que se apreende [...]. Todo tipo de texto possui uma linguagem específica,
na qual foi produzido, própria de um segmento particular de produção, e está ocorre considerando dadas regras peculiares ao meio intelectual de onde emerge, ao veículo em que será veiculada e ao público a que se destina” (BORGES, 2010, p. 96). “É a partir daí que se cria um real em conformidade com a historicidade dessa produção e à
intencionalidade dessa escrita, tanto o literato quanto a literatura, a linguagem e a sociedade, estão aprisionados nas teias da cultura e do tempo, ocorrendo entre tais instâncias influências recíprocas diversas” (BORGES, 2010, p. 103).
Euclides da Cunha (1866-1909) formou-se engenheiro pela Escola Militar, aderindo às ideias positivistas e republicanas. Atraído
pelas notícias acerca do conflito entre tropas do governo e os seguidores de Antônio Conselheiro, viajou como repórter para o sertão baiano – o que resultou na sua principal obra, “Os Sertões”. Ingressando no Ministério
das Relações Exteriores, fez viagens de reconhecimento das fronteiras entre Brasil, Peru e Bolívia (PEREIRA, 2000, p. 299).
Fonte:http://www.cmcantagalo.rj.gov.br/ subpaginas/euclides.html
“A prosa de Euclides da Cunha talvez represente o máximo envolvimento possível entre literatura e outras áreas das Ciências Humanas, em especial a Sociologia e a Antropologia” (PEREIRA, 2000, p. 299).
“As nações se desenvolvem criando, além de riqueza, mitos. Canudos é um mito nacional. Em Os sertões, Euclides da Cunha deu a forma acabada que o mito passou a ter: seu espaço se desenha entre a epopeia da luta militar e a tragédia de um punhado de desesperados” (CARDOSO, 2013, p. 65).
À margem da História Foi escrito em 1908 e publicado somente após sua
morte pela Livraria Chardon, de Lelo e Irmão editores (Porto). A obra está dividida em quatro partes:
1) Terra sem história (Amazônia); 2) Vários estudos (Viação Sul-Americana – Martim
Garcia – Primado do Pacífico); 3) Esboço de História Política: da Independência à República; 4) Estrelas indecifráveis
Da Independência à República (Esboço Político) Expansão territorial expressa pelos Tratados de Madrid (1750) e
de Santo Ildefonso (1777); Pontos extremos do território; Questões de fronteiras (diplomacia);
Vastidão do território e isolamento; “Insulados no paiz vastíssimo em que se perdiam, os nossos patrícios de ha cem anos tinham frajeis laços de solidariedade. Distanciava-os o
meio:
isolavam-nos
destinos
diverjentes;
separavam-nos
profundamente as discordancias etnicas” (1913, p. 267).
Ação de Napoleão Bonaparte e translado da Família Real;
“D. João VI, um medíocre, foi um predestinado” (p. 270); Narra a tomada de Caiena (1809) e a questão do Prata (1812); Destaca o desenvolvimento intelectual e os atos administrativos; Cita a Revolução Pernambucana de 1817 e a Revolução do Porto;
“Houve, então, na nossa história uma antinomia notável. O nativismo nacional que [...] tolerara o absolutismo da realeza, começou a ser rudemente aferroado pelo liberalismo portuguez. Contravindo ao espírito superior que as inspirava, as Côrtes de Lisboa planejaram revogar as reformas feitas anteriormente e adotaram, quanto ao
Brazil, o programa extravagante da recolonização” (p. 285).
“Aqui, a discordância dos partidos, espelhando todos os cambiantes, do nativista exaltado ao reacionário ferrenho, engravecia-se com o antagonismo crescente dos dois elementos nacional e portuguez crescentemente malavindo. [...] Dado o divórcio, que até aquelle tempo izolára uns de outros os vários agrupamentos em que se dividia o paiz, punha-se de manifesto o seu desmembramento. [...] Impediu-o o Príncipe Rejente” (p. 287). “Lejislar para o Brazil gregário de 1823 – agrupamentos étnica e historicamente distintos – seria tudo, menos obedecer à consulta lucida do meio. Era trabalho todo subjetivo, ou capricho de minoria erudita discorrendo dedutivamente sobre alguns preceitos abstratos, alheia ao modo de ser da maioria. [...] Invertidas as sua fontes naturaes, as reformas liberalíssimas [...] iriam a decer
a golpes de decretos, à maneira de decizões tirânicas” (p. 300).
“Reuniram-se as melhores conquistas liberais [...] na Constituição jurada a 25 de março de 1824. Tinham cravado um marco, ao lonje, no futuro. A nossa história daí por deante recorda um fatigante esforço para o alcançar” (p. 303). “Embora a Rejencia, com ser eletiva, exemplificasse a praticabilidade da república, foi
providencial a atitude dos que lhe prorrogaram o advento. Seria, então, artificial e forçada. Contraviria à situação social. [...] O segundo império foi uma parada. Digamos melhor: uma
situação de equilíbrio. Predominara, em boa hora, o elemento conservador” (p. 329). “O império constitucional atinjira, de facto, o termo de suas transformações; e, de acordo com a
própria lei evolutiva que o constituíra, iria desintegrar-se submetendo-se por sua vez ao meio, que até então dominara, e aos excessos de movimentos que este adquirira” (p. 374).
“Impertinente em 1822, inoportuna em 1831, abortícia em 1848, era-o a República,
sobretudo porque se não podia inverter a série natural da evolução humana” (p. 376).
História no século XIX e Positivismo “Há muito tempo se estabeleceu que o século XIX foi o século da história. Essa afirmação banal encobre, no entanto, duas realidades diferentes e complementares. De um lado, esse é o século da história no sentido da profissionalização da prática histórica [...]. De outro lado, foi também o século da história, pois o historiador foi encarregado pela sociedade de enunciar o tempo laicizado, de narrar o telos, de afirmar a direção para a qual se dirige a humanidade” (DOSSE, 2010, p. 15). “Chega a ser irônico, aliás, que Comte defina o estágio positivo como aquele que exclui totalmente a especulação em favor da prática científica e da observação da realidade observável, mas que rigorosamente falando não esteja mais do que, com sua Lei dos Três Estágios, produzindo uma nova especulação sobre os destinos humanos e sobre o padrão de progresso da humanidade através da história. Comte, nesse momento, está produzindo uma ‘filosofia da história’ como qualquer outra. Em contrapartida, e a despeito disto, o Positivismo (mas não a Teoria dos Três Estágios do Comte filósofo da história) pode ser certamente classificado como uma das teorias mais importantes entre aquelas que surgiram no século XIX” (BARROS, 2011, p. 131).
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“Todos os homens que exerceram uma ação real e durável sobre a espécie humana, tanto no domínio temporal como no espiritual, foram guiados e apoiados por esta verdade fundamental, que o instinto comum do gênio lhes fez entrever, embora sem estar ainda alicerçada por uma demonstração metódica. Descobriram, em cada época, quais eram as
mudanças que tendiam a efetuar-se, segundo o estado da civilização, e proclamaram-nas, propondo aos seus contemporâneos as doutrinas ou as instituições correspondentes” (COMTE apud GARDINER, 1995, p. 101).
“Acreditava [Euclides da Cunha] ser inevitável a passagem da monarquia à República. Sua formação positivista e evolucionista o levava a crença fatalista em uma série linear de etapas do
desenvolvimento humano” (VENTURA, 2012, p. 17).
Euclides da Cunha, influenciado em sua formação pelo republicanismo e pelo positivismo, exerce seu papel de intelectual oferecendo ao público uma narrativa acerca da monarquia e da passagem para a república. Pelo caráter fatalista, a escrita de Euclides
da Cunha nos oferece um precioso exemplo de visão positivista da história política brasileira, considerando que por vezes esse termo é utilizado sem muito critério. É
também um documento capaz de nos oferecer uma pista sobre a forma como os acontecimentos políticos foram percebidos pelas elites intelectuais do final do século XIX e do início do século XX. Diante de um novo – e problemático – regime, intelectuais como Euclides da Cunha buscaram orientar a nação quanto aos caminhos por ela percorridos – o que pode explicar a opção do autor em produzir o que chamou de “esboço
de história política”. História, e não outra narrativa.
Referências BARROS, José D’Assunção. Teoria da História – Vol. I – Princípios e conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, 2011. BORGES, Valdeci Rezende. História e Literatura: algumas considerações. Revista Teoria da História. Universidade Federal de Goiás. Ano 1, número 3, junho/2010. p. 94-109.
CARDOSO, Fernando Henrique. Pensadores de inventaram o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. CUNHA, Euclides. À margem da História. 2 ed. Porto: Chardon, 1913. DOSSE, François. História e historiadores do século XIX. In: MALERBA, Jurandir (org.). Lições da História. Porto
Alegre: Edipucrs, 2010, p. 15-31. COMTE, Auguste. Política e sociedade. In: GARDINER, Patrick. Teorias da História. Lisboa: Fundação Caloustr Gulbenkian, 1995, p. 101-104.
PEREIRA, Helena Bonito. Toda a Literatura Portuguesa e Brasileira. São Paulo: FTD, 2000. VENTURA, Roberto. Euclides da Cunha e a República. In: FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES. Euclides da Cunha (O pensamento político brasileiro). Brasília: FUG, 2012, p. 13-50.
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