2014-\"Um mundo em negativo: fossos, fossas e hipogeus entre o Neolotico Final e a Idade do Bronze na margem esquerda do Guadiana (Brinches,Serpa) \". 4º Coloquio de Arqueologia do Alqueva. O plano de Rega (2002-2010). pp. 55-74. EDIA-DRCLAREN.

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Descrição do Produto

4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002-2010)

MEMÓRIAS d’ODIANA 2.ª Série Estudos Arqueológicos do Alqueva

FICHA TÉCNICA MEMÓRIAS d’ODIANA - 2.ª Série TÍTULO

4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002 – 2010) EDIÇÃO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva DRCALEN - Direcção Regional de Cultura do Alentejo COORDENAÇÃO EDITORIAL

António Carlos Silva Frederico Tátá Regala Miguel Martinho DESIGN GRÁFICO

Luisa Castelo dos Reis / VMCdesign PRODUÇÃO GRÁFICA, IMPRESSÃO E ACABAMENTO

VMCdesign / Ligação Visual TIRAGEM

500 exemplares ISBN

978-989-98805-7-3 DEPÓSITO LEGAL

356 090/13

Memórias d’Odiana • 2ª série

FINANCIAMENTO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva INALENTEJO QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional Évora, 2014

ÍNDICE 9

INTRODUÇÃO

11

PROGRAMA

15

LISTAGEM DOS PÓSTERES APRESENTADOS

17

CONFERÊNCIAS

19

“Alqueva – Quatro Encontros de Arqueologia depois...”. António Carlos Silva

34

“O património cultural no Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva: caracterizar, avaliar, minimizar, valorizar …”. Miguel Martinho

45

“O Acompanhamento no terreno do Projecto EFMA na área da Extensão de Castro Verde do IGESPAR”. Samuel Melro, Manuela de Deus

53

COMUNICAÇÕES

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“Um mundo em negativo: fossos, fossas e hipogeus entre o Neolítico Final e a Idade do Bronze na margem esquerda do Guadiana (Brinches, Serpa)”. António Carlos Valera, Ricardo Godinho, Ever Calvo, F. Javier Moro Berraquero, Victor Filipe e Helena Santos

74

“Intervenção arqueológica em Porto Torrão, Ferreira do Alentejo (2008-2010): resultados preliminares e programa de estudos”. Raquel Santos, Paulo Rebelo, Nuno Neto, Ana Vieira, João Rebuje, Filipa Rodrigues, António Faustino Carvalho

83

“Contextos funerários na periferia do Porto Torrão: Cardim 6 e Carrascal 2”. António Carlos Valera, Helena Santos, Margarida Figueiredo e Raquel Granja

96

“Intervenção Arqueológica no sítio de Alto de Brinches 3 (Reservatório Serpa – Norte): Resultados Preliminares”. Catarina Alves, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

103

“Caracterização preliminar da ocupação pré-histórica da Torre Velha 3 (Barragem da Laje, Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra, António M. Monge Soares, Marta Moreno-Garcia

112

“Questões e problemas suscitados pela intervenção no Casarão da Mesquita 4 (S. Manços, Évora): da análise intra-sítio à integração e comparação regional”. Susana Nunes, Miguel Almeida, Maria Teresa Ferreira, Lília Basílio

119

“Um habitat em fossas da Idade do Ferro em Casa Branca 11, na freguesia de Santa Maria, concelho de Serpa”. Susana Rodrigues Cosme

125

“Poço da Gontinha 1 (Ferreira do Alentejo): resultados preliminares”. Margarida Figueiredo

132

“Currais 5 (S. Manços, Évora): diacronia e diversidade no registo arqueoestratigráfico”. Susana Nunes,; Mónica Corga, Miguel Almeida, Lília Basílio ÍNDICE

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5

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6

137

“A villa romana do Monte da Salsa (Brinches, Serpa): uma aproximação à sua sequência ocupacional”. Javier Larrazabal Galarza

145

“Dados para a compreensão da diacronia e diversidade do registo arqueológico na villa romana de Santa Maria”. Mónica Corga, Maria João Neves, Gina Dias, Catarina Mendes

155

“A pars rústica da villa da Insuínha 2, freguesia de Pedrógão, concelho da Vidigueira”. Susana Rodrigues Cosme

162

“A villa da Herdade dos Alfares (São Matias, Beja) no contexto do povoamento romano rural do interior Alentejano”. Mónica Corga, Miguel Almeida, Gina Dias, Catarina Mendes

171

“A necrópole de incineração romana da Herdade do Vale 6, freguesia e concelho de Cuba”. Susana Rodrigues Cosme

178

“Necrópole romana do Monte do Outeiro (Cuba)”. Helena Barranhão

185

“O conjunto sepulcral do Monte da Loja (Serpa, Beja)”. Sónia Cravo e Marina Lourenço

191

“O sítio de São Faraústo na transição da Época Romana para o Período Alto-Medieval, freguesia de Oriola, concelho de Portel”. Susana Rodrigues Cosme

197

“O sítio romano da Torre Velha 1. Trabalhos de 2008-09 (Barragem da Laje, Serpa)”. Adriaan De Man, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

203

“Análise preliminar dos contextos da Antiguidade Tardia do sitio Torre Velha 3 (Barragem da Laje - Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

212

“A Necrópole de São Matias, freguesia de São Matias, concelho de Beja”. Susana Rodrigues Cosme

219

“Xancra II (Cuba, Beja): resultados preliminares da necrópole islâmica”. Sandra Brazuna, Ricardo Godinho

225

“Funchais 6 (Beringel, Beja) – resultados preliminares”. Manuela Dias Coelho, Sandra Brazuna

231

PÓSTERES

233

“Primeiros resultados da intervenção arqueológica no sítio Torre Velha 7 (Barragem da Laje - Serpa)”. Adriaan De Man, André Gregório, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

237

“A Torre Velha 3 (Serpa) no espaço geográfico. Uma abordagem morfológica de um “sítio” arqueológico”. Miguel Costa, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

242

“O contributo da Antropologia para o conhecimento das práticas funerárias pré e proto -históricas do sítio de Monte da Cabida 3 (São Manços, Évora)”. Maria Teresa Ferreira

246

“Villa Romana da Mesquita do Morgado (S. Manços, Évora): considerações acerca das práticas funerárias”. Maria Teresa Ferreira

ÍNDICE

“Monte da Palheta (Cuba, Beja): dados para a caracterização arqueológica e integração do sítio à escala regional”. Mónica Corga, Gina Dias

256

“Aldeia do Grilo (Serpa): contributos para o estudo do povoamento romano na margem esquerda do Guadiana”. Carlos Ferreira, Mónica Corga, Gina Dias, Catarina Mendes

261

“Resultados preliminares de uma intervenção realizada no sítio Parreirinha 4 (Serpa)”. Carlos Ferreira, Susana Nunes, Lília Basílio

267

“Depósitos cinerários em Alpendres de Lagares 3”. Maria Teresa Ferreira, Mónica Corga, Marta Furtado

271

“Workshop Dryas’09: Estruturas negativas da Pré e Proto-história peninsulares – estado actual dos nossos conhecimentos... e interrogações”. Miguel Almeida, Susana Nunes, Maria João Neves, Maria Teresa Ferreira

276

“Intervenção arqueológica na Horta dos Quarteirões 1, Brinches, Serpa”. Helena Santos

280

“A Intervenção Arqueológica no Monte das Covas 3 (S. Matias, Beja): Os contextos romanos de época republicana”. Lúcia Miguel

284

“O Sítio do Neolítico antigo da Malhada da Orada 2 (Serpa): resultados preliminares”. Ângela Guilherme Ferreira

289

“Intervenção arqueológica nas necrópoles do Monte da Pecena 1 e Cabida da Raposa 2”. Andrea Martins, Gonçalo Lopes, Marisa Cardoso

7

ÍNDICE

Memórias d’Odiana • 2ª série

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“UM MUNDO EM NEGATIVO: FOSSOS, FOSSAS E HIPOGEUS ENTRE O NEOLÍTICO FINAL E A IDADE DO BRONZE NA MARGEM ESQUERDA DO GUADIANA (BRINCHES, SERPA)”.23 ANTÓNIO CARLOS VALERA, RICARDO GODINHO, EVER CALVO, F. JAVIER MORO BERRAQUERO,VICTOR FILIPE E HELENA SANTOS Resumo No presente texto apresentam-se sumariamente os resultados preliminares de um conjunto de seis sítios, dos vários que a ERA Arqueologia S.A. intervencionou no âmbito da minimização do bloco de rega de Brinches, Serpa, (empreendimento da EDIA, S.A.). É realçado o carácter revolucionário, em termos empíricos, dos resultados obtidos para a Pré-História Recente, nomeadamente ao nível dos sítios com estruturas negativas (fossas, hipogeus e recintos de fossos), enunciando-se um conjunto de problemáticas que poderão ser desenvolvidas a partir destes contextos, nomeadamente ao nível da Arqueologia da Morte, das dinâmicas diacrónicas de ocupação dos mesmos espaços e do debate em torno da interpretação deste tipo de estruturas negativas (concretamente dos recintos e dos sítios de fossas).

Abstract This paper presents the preliminary results for six archaeological sites, of the several excavated by ERA Arqueologia, S.A., in the context of the impact assessment project of water supplying network of Alqueva dam promoted by EDIA. S.A.. Empirical data is considered to be quite revolutionary to regional Recent Prehistory, namely concerning sites with negative structures (pits, hypogeum and ditched enclosures). A set of problems that can be addressed through those archaeological contexts is discussed, namely regarding the Archaeology of Death, the temporality of certain sites and its meaning, and the debate on the interpretation of this kind of negative structures (such as ditched enclosures and “fields of pits”).

1. Introdução O presente texto reúne um conjunto de comunicações e posters de trabalhos realizados pela ERA Arqueologia S.A., para a Edia S.A., no âmbito do plano de minimização da execução do Bloco de Rega de Brinches (Serpa)24. Neste âmbito foram intervencionados numerosos sítios cronológica e culturalmente enquadráveis entre o final do Neolítico e o Bronze Pleno, alguns dos quais foram objecto da apresentação de resultados preliminares no 4º Colóquio de Arqueologia de Alqueva (Beja, 2010). Sendo o espaço geográfico abrangido relativamente restrito (Figura 1) e dada a relevância da dimensão diacrónica que a conjugação dos diferentes contextos permite tratar, decidiu-se abordar conjuntamente os sítios apresentados. Esta opção permite-nos, ainda que de uma forma preambular e meramente exploratória, ir além da apresentação dos dados preliminares e equacionar alguns dos problemas que decorrem da verdadeira revolução empírica que se tem vindo a produzir no Sul do País na sequência da implementação do empreendimento de Alqueva (tomado na sua globalidade), centrando-nos, neste caso concreto, na informação obtida para a área de Brinches. Se o primeiro grande impacte de Alqueva no conhecimento arqueológico da Pré-História Recente regional se fez sentir essencialmente a Norte da Serra de Portel, ou seja, na etapa da construção da barragem e formação do seu regolfo, a implementação da rede de rega do empreendimento viria a estender para Sul, para o distrito de Beja, essa mesma dinâmica.

O presente artigo agrega a comunicação “Outeiro Alto 2 (Brinches, Serpa): resultados preliminares” e os seguintes pósteres: “Intervenção arqueológica nos sítios Ourém 7 e 8 - Brinches, Serpa”; “Intervenção arqueológica nos Cadavais - Brinches, Serpa”; “Intervenção arqueológica na Magoita - Brinches, Serpa”; “Intervenção arqueológica na Mina das Azenhas 6 - Brinches, Serpa” e “Intervenção arqueológica na área de Cortes – Brinches, Serpa”. 24 Projecto da ERA coordenado por Sandra Brazuna.

COMUNICAÇÕES

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De facto, o conhecimento do povoamento da margem esquerda do Guadiana (no actual território português) a Sul da Serra de Portel entre os finais do 4º e os meados 2º milénio AC apresentava, à data do início da implementação do plano de minimização dos impactes da construção da rede de rega, desequilíbrios geográficos e insuficiências, sendo a informação disponível para a zona de Brinches muito escassa. Depois de trabalhos mais antigos e pontuais (especialmente o de José Fragoso Lima, 1988, para o concelho de Moura), um primeiro avanço para um estudo sistemático da região remonta ao início da década de 80 do século passado, quando se inicia um projecto de prospecções entre o Ardila e o Chança (Parreira e Soares, 1980) que viria a revelar uma série de sítios arqueológicos, nomeadamente povoados. Dos vários sítios então referenciados, dois foram objecto de intervenções arqueológicas pontuais: S. Brás (Parreira, 1983) e Igreja de S. Jorge de Vila Verde de Ficalho (Soares, 1996), ambos no concelho de Serpa. Mais recentemente, e com outros enquadramentos, novos trabalhos de escavação foram efectuados na zona, igualmente no concelho de Serpa. No sítio da Foz do Enxoé realizaram-se três campanhas de escavações em 1995, 1997 e 1998, integradas num projecto de investigação sobre a neolitização do interior alentejano (Diniz, 1999), enquanto que no sítio da Casa Branca 7, face às ameaças de uma exploração de pedra, se efectuou uma intervenção de emergência em 2002 (Rodrigues e Martins, 2005). Quanto às evidências funerárias, e face ao carácter pontual da expressão do megalitismo na zona, refira-se as intervenções nos monumentos do Monte da velha, junto a Ficalho (Soares e Arnaud, 1984 e Soares, 2008) e, já no que respeita à Idade do Bronze, o conhecimento de várias necrópoles (Soares, 1994), as quais se distribuem em zonas periféricas à abordada neste texto. Assim, a área de Brinches era quase um “deserto arqueológico” à partida, no qual a expressão dos contextos de estruturas negativas, totalmente desconhecida na região (mas talvez não insuspeitada), acabaria por ser revelada em contexto de Arqueologia de salvamento. A Arqueologia de salvamento aplicada a empreendimentos de grande impacte territorial tem sempre a possibilidade de proporcionar abordagens a problemáticas abrangentes, dada a pluralidade contextual que faculta e as dimensões espacial e diacrónica que permite cobrir. Essas abordagens, contudo, estão largamente condicionadas pela natureza dos projectos (nomeadamente no que respeita ao espaço que é afectado e ao carácter da afectação) e pelos modelos de actuação adoptados. Ora, no caso de Alqueva, ambas as condicionantes apresentam diferenças relevantes entre a minimização da albufeira e a da rede de rega. Ao nível da natureza do impacte, o regolfo incidiu numa área alargada, limitada por uma cota e, portanto, com uma abrangência espacial claramente determinada pela configuração do relevo e rede hidrográfica. Foram sobretudo os grandes vales, das linhas de água mais importantes, a serem afectados. Com frequência, também, a afectação era exercida sobre o sítio inteiro e mais raramente apenas sobre uma sua parcela. Por seu turno, o modelo de intervenção então adoptado, e apesar da natureza de salvamento arqueológico, elegeu acções programadas num enquadramento de planos de investigação com objectivos bem definidos, procurando que os trabalhos ultrapassassem um mero enquadramento técnico. A integração dos contextos a intervencionar num conjunto de problemáticas e a sua referenciação teórica impuseram-se como forma de proporcionar um questionário orientador dos trabalhos de campo realizados. Já no caso da rede de rega, o carácter de linearidade das infraestruturas (embora pontuado por áreas alargadas para a implantação, por exemplo, de reservatórios) e a abrangência de áreas de maior variabilidade topográfica, originaram um impacte com características espaciais e afectações distintas: zonas de cotas mais elevadas eram agora também afectadas (com reflexo no tipo de contextos atingidos), enquanto que, ao nível dos sítios, agora predominavam largamente as afectações parcelares sobre as intervenções em área, bastante mais raras. No caso em concreto do bloco de Brinches, dos inúmeros sítios intervencionados apenas dois foram sujeitos ao que poderemos considerar intervenções em área, o que desde logo estabelece fortes condicionantes à compreensão e interpretação da larga maioria que foi escavada apenas no trajecto das valas (com alargamentos pontuais). Por outro lado, o modelo de intervenção foi outro. Uma vez que, ao contrário do regolfo, a grande maioria dos contextos, pela sua natureza (essencialmente constituídos por estruturas em negativo), foi identificada pelo acompanhamento arqueológico em fase de execução, a minimização foi realizada em fase de obra e sem um enquadramento prévio de investigação que lhe tenha estabelecido problemáticas e questionários específicos à partida e informado as práticas metodológicas. Apesar destas condicionantes, a informação proporcionada pelas intervenções de minimização na área de Brinches, quer pelo tipo de contextos, quer pela abrangência temporal envolvida, quer ainda pelo carácter inovador que aporta ao conhecimento da Pré-História Recente regional, apresenta um potencial de tratamento científico de grande relevância, facto que se traduz, por exemplo, na integração de diversos contextos num projecto de investigação apresentado à FCT ou em pós-graduações académicas. Assim, este texto tem por objectivo apresentar informação preliminar relativamente a seis contextos intervencionados na área de Brinches e que, no seu conjunto, para além de preencherem um quase vazio de informação para aquela zona da margem esquerda do Guadiana, permitem iniciar e aprofundar várias problemáticas, das quais se destacam

COMUNICAÇÕES

desde já três: o contraste nas práticas funerárias que se estabelece com o território imediatamente a Norte da Serra de Portel; a extensa diacronia de uma tradição funerária de tipo fossa/hipogeu; o papel dos recintos de fossos e a sua associação a necrópoles na configuração de espaços de socialização e forte carga simbólica.

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Listagem de sítios: 01 – Magoita 02 – Covas 1 03 – Mte da Zambujeira 2 e 3 04 – Zambujeira 1 05 – Mina das Azenhas 6 06 – Mte da Magoita 1 e 2 07 – Mte de Cortes 2 08 – Mte de Cortes 1 09 – Vila Jorge 10 – Mte do Pinheiro 11 – Mte de Cortes 3 12 - Charneca

)LJXUD²/RFDOL]DomRGRVVtWLRVFRPRFXSDo}HVGD3Up+LVWyULD5HFHQWH 1HROtWLFRD%URQ]H Pleno) intervencionados pela ERA no Bloco de Brinches, integrando sítios anteriormente conhecidos. Os sítios abordados neste texto são os nºs 1, 5, 7/8, 20, 16/17 e 28.

13 - Figueirinha 14 – Ribeira de Pias 2 15 – Mte Novo 1 e 2 16 – Ourém 8 17 – Ourém 7 18 – Ourém 5 e 6 19 – Barranco do Pinheiro 20 – Cadavais 21 – Várzea de Cima 2 22 – Várzea de Cima 1 23 – Rib de S. Domingos

24 – Monte Velho 25 – Gato de Cima 26 – Horta dos Quarteirões 1 27 – Centirã 28 – Outeiro Alto 2 29 – Navegados 4 30 – Mte Caramujeira 2 e 3 31 – Mte Gargantas 32 – Corça 1

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A – Foz do Enxoé; B – São Lourenço; C - Sala 1; D – Toca dos Galiados; E – Três Moinhos

COMUNICAÇÕES

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A área em questão, integrada na freguesia de Brinches, concelho de Serpa, distrito de Beja, corresponde a uma superfície, tendencialmente aplanada, de relevos suaves e ligeiramente ondulantes, de inclinação Este – Oeste, drenada directamente para o Guadiana, que a limita a Oeste, ou para o Barranco da Amoreira a Norte / Noroeste e Rio Enxoé a Sul, ambos afluentes directos daquele rio. Forma-se, assim, um espaço de cerca de 12 km2, com uma configuração sub trapezoidal, tendo como lado maior a Ocidente o Rio Guadiana e o lado menor aberto a Este, por onde se estende em planície. Os lados Norte e Sul são, respectivamente, delimitados pelo Barranco da Amoreira e Rio Enxoé. As linhas de água apresentam genericamente uma tendência para abarrancamento, que se acentua naturalmente com a proximidade à foz. Esta circunstância acaba por proporcionar um aspecto mais ondulante e acidentado da morfologia do terreno do lado Oeste e Sul, com a aproximação respectivamente aos rios Guadiana e Enxoé (também eles bem encaixados) e Sul, e uma paisagem mais suave e aplanada para Este e Norte.

Figura 2 – Geologia da área em estudo, com implantação dos sítios intervencionados pela ERA Arqueologia S.A. É notória a preponderância de implantações nas áreas das formações sedimentares calcárias e detríticas (M e PQ), embora também ocorram em contextos geológicos graníticos (Va3), de xistos (XM), de gabros (T) e basaltos (VB3). Carta Geológica GD3RUWXJDOÁ

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Do ponto de vista geológico, a área pode ser dividida em duas metades, uma a Norte / Noroeste e a outra a Sul / Sudeste. A N-NE dominam os depósitos miocénicos calcários e detríticos, que se prolongam para Norte até Moura, apenas cortados pela formação dos granitos de Pias, que se desenvolve ao longo do vale do Barranco da Amieira, limite setentrional da área de estudo. A Oeste, estes depósitos detríticos e formações calcárias apresentam-se cobertos por terraços fluviais elevados do Guadiana (Q2 – 50-60 m), terminando, já no vale do Guadiana, numa estreita faixa de rochas cristalofílicas (micaxistos e corneanas) e graníticas. Na sua zona mais central, esta sub área apresenta ainda uma mancha de afloramento de rochas graníticas e quartzo-feldespáticas (xistos e gnaisses). A segunda área, correspondente sensivelmente à metade S-SO, apresenta uma geologia mais heterogénea, mas dominada por formações de xistos, gabros e basaltos, com pequenas intercalações de depósitos conglomerados, arenitos, margas e argilas, assim como de mármores. A cartografia (à escala 1:200000) da distribuição dos sítios intervencionados, todos eles com estruturas negativas, revela que a grande maioria se implanta em substratos geológicos calcários e detríticos miocénicos, que dominam a geologia a Norte e Este de Brinches (Figura 2). Acresce que, devido à escala da carta, alguns dos sítios que se situam nos limites cartográficos das áreas de xistos e graníticas, na realidade estão ainda implantados em substratos calcários ou detríticos. Assim, e tendo em conta que a amostragem já poderá ser considerada significativa (embora condicionada pelo “design” espacial da obra), estes contextos, não sendo exclusivos destas formações sedimentares, parecem multiplicar-se nas áreas por elas constituídas. Trata-se de uma circunstância que, para além do interesse que terá para a compreensão das estratégias de utilização do território por parte destas comunidades, tem uma importância significativa para o planeamento e definição de critérios de actuação de futuros empreendimentos que impliquem impactes significativos em áreas da região com estas características. COMUNICAÇÕES

3. Os contextos: dados preliminares Os seis sítios apresentados (Figura 1) genericamente correspondem a sítios “simples” de fossas, caso de Magoita, Mina das Azenhas 6 e Cadavais; a um sítio de fossas e hipogeu, caso de Ourém 7/8 e a sítios mais complexos, onde se encontram recintos de fossos, fossas, hipogeus de diferentes cronologias e morfologias e, num caso, menires: casos de Cortes e do Outeiro Alto 2. Naturalmente, nesta primeira diferenciação genérica terá que se levar em linha de conta que a maioria destes contextos foi intervencionada exclusivamente nas zonas de afectação (de configuração linear), com alargamentos pontuais, o que nos deixa com perspectivas muito parcelares das suas reais dimensões, configurações e tipos de contextos presentes. A excepção será o caso de Outeiro Alto 2, escavado em área por se situar numa zona de reservatório, e que é por isso um bom exemplo da complexidade de que estes sítios se podem revestir, apresentando uma organização espacial polinucleada e separada por várias dezenas de metros, a qual não seria percebida caso a zona fosse afectada simplesmente pela passagem de uma vala. Os dados contextuais preliminares dos seis sítios serão seguidamente apresentados, numa sequência de Norte para Sul.

3.1. Magoita25

25

Direcção de escavação da responsabilidade de Helena Santos.

COMUNICAÇÕES

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O sítio da Magoita localiza-se perto do topo de uma longa colina de superfície aplanada, a uma cota média de 142 metros de altitude, parte integrante da peneplanície a Norte de Brinches, numa zona pouco acidentada, com declives ondulados suaves, mas já próxima do vale de encaixe do Barranco das Amoreiras (Figura 1: 1). Sem particular destaque na paisagem, do local, devido à sua cota de implantação, obtém-se um extenso domínio visual sobretudo para o quadrante Norte e um pouco para NO e NE, tendo-se a Serra de Portel como limite do horizonte nessa direcção. Para Sul, o limite visual é restrito às imediações do sítio (uma vez que este não se encontra exactamente no topo da colina, mas já ligeiramente sobre o início da sua vertente Norte). A intervenção arqueológica, que pela abrangência espacial pode ser considerada como uma intervenção em área restrita (ainda que tendencialmente linear) incidiu sobre 12 estruturas de tipo fossa escavadas no substrato rochoso (caliços), registando-se a absoluta ausência de estruturas em positivo ou depósitos arqueológicos exteriores. Estas estruturas negativas apresentam alguma variabilidade formal, a qual pode ser sistematizada da seguinte forma: Tipo 1 – Fossas 1 e 2 - plano sub-circular, com cerca de 1,80m de diâmetro, corpo globular, perfil irregular e cerca de 1m profundidade. Tipo 2 – Fossa 7 - plano circular, diâmetro de 2,70m, com pouca profundidade (0,70m), paredes rectas e fundo plano, socalco estrutural em todo o perímetro (“banco” ?) e “buracos de poste” na base. Este tipo de estruturas tem sido tradicionalmente interpretado como “fundos de cabana.” (para uma crítica recente a este tipo de interpretações ver Jímenez Jáimez, 2006-07 e 2009). Tipo 3 – Fossa 3 – grandes dimensões, plano circular com 1,5m de diâmetro, paredes côncavas e perfil em “saco”, com 1,70m de profundidade. Tipo 4 – Fossas 4 e 8 - pequenas dimensões, planta sub-circular ou sub-ovalada com 1m diâmetro, pouca profundidade (0,20m), perfil côncavo. Tipo 5 – Fossas 5, 6, 9, 10, 11 e 12 – corpo troncocónico, planta sub-circular ou sub-ovalada com diâmetros entre os 0,70 e 1m, 1m de profundidade no máximo, paredes rectas que podem ser verticais ou oblíquas e fundo plano. Apenas as fossas 2, 3, 6, 7, 8 e 9 forneceram materiais arqueológicos que permitem uma atribuição cronológica. Verifica-se que existem, pelo menos, dois momentos de utilização do local: um atribuível genericamente ao Neolítico Final / Calcolítico Inicial (cronologia ainda difícil de precisar sem um estudo completo da componente artefactual específica de cada uma das fossas), em que se enquadram a grande maioria das estruturas negativas, e outro da Idade do Bronze, correspondente a um contexto funerário em fossa (Fossa 2). No que respeita aos materiais genericamente enquadráveis no Neolítico Final ou num momento já de arranque do calcolítico regional destaca-se a presença de taças carenadas; pratos carenados de bordo espessado ou de bordo simples, recipientes globulares com pegas mamilares, recipientes tipo copo, um globular achatado com perfurações horizontais para suspensão, pesos placa alongados, provenientes das fossas 3, 6, 7, 8 e 9. Quanto ao contexto de enterramento da Idade do Bronze, aos restos osteológicos de um indivíduo encontrava-se associada uma taça carenada inteira.

3.2 Mina das Azenhas 626 O sítio da Mina das Azenhas 6 localiza-se numa zona de relevo ondulante, provocado por um maior encaixe das linhas de água, junto ao Barranco da Zambujeira e a cerca de 2km do Guadiana, a uma altitude média de 103m (Figura 1: 5). A intervenção arqueológica consistiu na escavação de três estruturas negativas escavadas no substrato geológico, correspondentes a um conjunto de fossas de planta circular ou subcircular, paredes mais ou menos reentrantes na metade superior e fundos planos. A Fossa 1 apresentava um enterramento humano na base, numa posição anatómica pouco comum. Nesta fossa foram registados três depósitos de enchimento distintos, sendo que o estrato que cobria o enterramento era maioritariamente constituído por calhaus de pequena e média dimensão, alguns deles directamente colocados sobre os restos osteológicos, observando-se a presença frequente de calhaus rolados de quartzo e quartzito, bem como de Figura 3 – Magoita. 1. e 2.Vistas da fossa tipo cabana; 3. Recipiente mamilado fragmentado e calcário, xisto e granito. disperso, mas completo; 4. Pesos placa; 5. Prato. O esqueleto humano registado encontrava-se em decúbito ventral com o ante-braço esquerdo sob o abdómen e a mão direita junto ao coxal direito. O fémur esquerdo estava localizado junto ao coxal, mas não em conexão. A tíbia e perónio esquerdos encontravam-se em conexão entre si mas não com o fémur, situando-se sobre a omoplata direita e costelas. Por sua vez, o fémur direito apresentava-se em conexão com o respectivo coxal. A tíbia, perónio e pé direitos encontravam-se em conexão entre si, mas não com o fémur e localizavam-se sobre o cotovelo direito. O indivíduo é adulto de sexo indeterminado, não tendo sido detectados quaisquer indícios patológicos. Escassos e incaracterísticos materiais cerâmicos (três pequenos bojos de cerâmica manual) foram exumados no depósito que cobria o referido nível de calhaus. Uma datação de radiocarbono realizada sobre o esqueleto permitiu enquadrar o enterramento no terceiro quartel do 4º milénio a.C. (Beta-318380, 4590+30: 3490-3200 a dois sigma). Relativamente às restantes duas fossas, revelaram uma dinâmica de colmatação semelhante entre si, onde poderá ter ocorrido uma primeira colmatação intencional, possivelmente apenas parcial. À semelhança da Fossa 1, os materiais arqueológicos exumados resumem-se a pequenos bojos de cerâmica manual inclassificáveis.

Memórias d’Odiana • 2ª série

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3.3 Monte de Cortes 1 e 227 Os sítios de Monte dos Cortes 1 e 2 (Figura 1: 8 e 7) localizam-se entre o Barranco de Zambujeira a Norte e Ribeira de Pias a Sul, ambos afluentes directos do Guadiana e que confluem sobre o mesmo meandro do Rio. Apesar de

26 27

Direcção de escavação da responsabilidade de Victor Filipe. Direcção de escavação respectivamente de Javier Moro e Ever Calvo.

COMUNICAÇÕES

COMUNICAÇÕES

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referenciados como dois sítios, entendemos tratar-se de um mesmo espaço (que genericamente designaremos por Monte de Cortes), eventualmente polinucleado, e que poderá eventualmente estender-se de forma a incorporar ainda os sítios do Monte da Magoita 1 e 2 (Figura 1: 6 - área não tratada neste texto). O local abrange duas colinas em sequência, largas e aplanadas, a uma cota média superior aos 140 m. Esta localização confere-lhe uma extensa visibilidade sobre a paisagem envolvente, em praticamente todos os quadrantes: uma topografia de relevos suaves com cursos de água encaixados a Norte e a Sul e um declive mais extenso para o vale do Guadiana a Oeste. O horizonte Norte é marcado pela Serra de Portel, a oeste estende-se pela margem direita do Guadiana, a Este pela serra de Ficalho e a Sul por Serpa e pelo relevo ondulante que lhe fica por trás. O núcleo de Cortes 1 é constituído por um pequeno recinto definido por um fosso aparentemente circular e com cerca de 21m de diâmetro interno, o qual foi atravessado quase a meio pela conduta. O fosso apresentava 2,5 a 3 metros de largura na boca, 0,5 metros de profundidade e um perfil sub-trapezoidal. Sensivelmente ao centro existia uma estruturação de três fossas associadas, sobre a qual se implantava um menir. Um outro menir encontrava-se tombado à superfíFigura 4 – Monte de Cortes. 1.Vista geral a partir de SE; 2. a 4. cie, sendo o seu local exacto de origem &RUWHVUHFLQWRFRPYLVWDGRSHUÀOGRIRVVRHPHQLUTXHVHLPSODQWDYDQXPDiUHD desconhecido (não terá sido abrangido próxima do centro. pelo traçado da vala). Ainda no interior do recinto foram detectadas outras duas pequenas fossas de planta tendencialmente ovalada, contendo um elevado número de elementos pétreos, (quartzitos e granitos, mós manuais ou percutores). Numa primeira leitura deste núcleo, os dados parecem apontar para a existência de um recinto circular, de pequenas dimensões, com um menir localizado sensivelmente no seu centro. Um segundo menir, localizado à superfície, existiria no local, mas a sua localização precisa é, de momento, desconhecida. Pelo exterior do recinto, tanto para Este como para Oeste, registaram-se várias fossas escavadas no substrato rochoso, cujos depósitos de colmatação não forneceram materiais arqueológicos. No núcleo de Cortes 2, localizado a cerca de 300 metros a Este do recinto atrás referido, identificaram-se 11 estruturas negativas (fossas e um hipogeu). Estas estruturas prolongam-se pela vertente Este, onde se registaram mais cinco estruturas tipo fossa (tendo estas sido inicialmente identificadas como um sítio distinto: Monte da Magoita 1), uma das quais (Estrutura 3) com um enterramento humano. No seu conjunto, tratam-se de estruturas identificadas ao longo de valas, o que deixa antever uma densidade significativa no local. As fossas apresentam várias morfologias, por vezes com canais de conexão entre si, sendo de destacar a aparente nuclearização de quatro estruturas de grandes dimensões (três com 4 metros de diâmetro e uma com 6, por uma profundidade média de 1,5 metros preservados), sendo que a identificada como Estrutura 2 corresponderá a um hipogeu, cuja arquitectura se viu bastante afectada quer por estruturas negativas posteriores, quer por

túneis realizados por animais. De notar que, no interior de uma das outras grandes fossas, foi recuperado um grande fragmento de menir. Os materiais, genericamente, indicam cronologias do Neolítico final e do Calcolítico. No caso concreto da Estrutura 2, onde foram identificadas duas fases de enterramento, obtiveram-se três datações de radiocarbono que colocam este sepulcro no 3º milénio a.C. (Beta-318382: 4050+30, 2830-2490; Sac-2574: 3920+50, 2568-2212; Sac2575: 3970+70, 2838-2210, datas calibradas a dois sigma). Em termos antropológicos, na Estrutura 2 identificou-se um indivíduo em posição fetal, sobre o lado esquerdo do corpo ([1511]); um crânio de sub-adulto que poderá ter sido afectado pela abertura mecânica de uma vala (subsistindo apenas o referido crânio); um conjunto de ossos que poderá pertencer a um indivíduo ([1507]) que foi afectado por perturbações pós-deposicionais de origem natural e possivelmente antrópicas contemporâneas, não sendo possível afirmar inequivocamente a sua posição original. O mau estado de preservação geral dos ossos condiciona as conclusões subsequentes. Assim, a análise da estimativa da idade à morte e da diagnose sexual apresentam diversas limitações. Em termos paleopatológicos, contudo, destaca-se um possível caso de osteocondrite dissecans localizado na superfície articular proximal da primeira falange proximal do pé esquerdo do esqueleto [1511].

3.4. Cadavais28

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O sítio Cadavais localiza-se numa plataforma natural situada a meio de uma encosta suave e discreta, com relativo bom domínio da paisagem, com excepção da zona sudeste, a Sul da Ribeira de Pias e a uma altitude de cerca de 127m, a cerca de 1,5 km do rio Guadiana (Figura 1 : 20). Foram realizadas sete sondagens arqueológicas e escavados contextos atribuíveis à Pré-história recente e ao período Romano, apresentando-se aqui apenas os contextos relativos à cronologia mais antiga. Na sondagem 2 foi escavada uma fossa de planta subcircular, paredes reentrantes e base côncava, reutilizada como estrutura funerária depois de parcialmente colmatada. Foi exumado um indivíduo sem espólio votivo associado, resumindo-se os materiais cerâmicos a alguns bojos de cerâmica manual de cronologia indeterminada. Na sondagem 3 foi igualmente escavada outra fossa de planta subcircular, paredes ligeiramente reentrantes e base côncava, com uma altura máxima de 1,75m e diâmetro máximo de 1,50m. Registou-se, em níveis próximos da base, a deposição do crânio de um animal de grande porte (bovídeo ? Equídeo?) e de alguns outros ossos de fauna em muito mau estado de preservação. Após a colmatação parcial da fossa, observou-se uma estruturação peculiar, com uma grande laje disposta na vertical e encostada à parede Este da fossa e calçada por várias pedras de médias dimensões. Foi recolhido um fragmento de fundo de base plana de um vaso troncocónico no fundo da fossa, junto à fauna, indicando uma cronologia provável da Idade do Bronze. Finalmente, na sondagem 6, foi intervencionado uma estrutura de tipo hipogeu, bastante afectada pela abertura da vala, o que dificulta a caracterização da sua morfologia arquitectónica (a cripta funerária seria de planta subcircular, com paredes reentrantes e base plana, com um diâmetro máximo observável é de 1,60m e altura máxima é de cerca de 1m.). O espólio associado (uma tigela funda e outra fechada, ambas inteiras e sem decoração), estava localizado junto ao crânio. Duas datações para ambos os contextos funerários colocam-nos genericamente na primeira metade do 2º milénio a.C. (Beta-318382: 3430+30, 1870-1680 para o indivíduo da estrutura 2; Sac-2583: 3550+70, 2126-1692, para o indivíduo da estrutura 6, com datas calibradas a dois sigma). Quanto aos enterramentos, na estrutura em fossa foi exumado um indivíduo que se encontrava em posição fetal, sobre o lado esquerdo, orientado SE – NO, sem espólio funerário associado. Da estrutura que corresponderá a um possível pequeno hipogeu foram exumadas duas conexões anatómicas ([612] e [613]). Não foi possível concluir inequivocamente qual a posição em que o primeiro indivíduo teria o torso, assim como a posição os membros superiores e o crânio. Concluiu-se, contudo, que se encontraria orientado no sentido SO-NE, com os membros inferiores flectidos à esquerda e que tinha espólio funerário associado. O segundo indivíduo consiste num membro superior (braço e ante-braço) em conexão anatómica, localizando-se sobre as pernas do primeiro indivíduo. Devido a afectações sofridas não é possível aferir inequivocamente se ambas as conexões serão do mesmo indivíduo ou se de indivíduos distintos. Os dados paleobiológicos são extremamente condicionados pelo mau estado de preservação dos ossos. A estimativa da idade à morte é de um adulto e outros dois possíveis adultos, não sendo possível em nenhum dos casos a diagnose sexual. Destaca-se a presença de um elevado grau de desgaste da dentição do indivíduo [205].

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Direcção de escavação da responsabilidade de Victor Filipe.

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3.5. Ourém 7 e 829 Os sítios Ourém 7 e Ourém 8 distam entre si cerca de 500m e apresentam uma ocupação coetânea, razão pela qual se optou pela sua apresentação conjunta. O sítio Ourém 7 implanta-se numa zona plana, próximo da margem direita do Barranco do Pinheiro, sem qualquer domínio visual sobre a paisagem circundante, a Nordeste de Brinches e a uma altitude de cerca de 160m. Ourém 8 localiza-se na vertente Norte de uma pequena elevação sobranceira à margem esquerda do Barranco do Pinheiro, igualmente sem grande domínio visual da paisagem envolvente e a Nordeste de Brinches, a uma altitude de 157m (Figura 1: 16 e 17). Em Ourém 7, na sondagem 1, foi registada uma fossa escavada no substrato geológico, a qual mais tarde, quando parcialmente colmada, foi transformada num pequeno hipogeu, com a escavação de uma cripta funerária na sua parede. A fossa passou a funcionar como antecâmera e a entrada para a cripta, onde foi realizada uma deposição funerária individual, foi encerrada por com lajes e argila. O indivíduo, aparentemente adulto e de sexo Figura 5 – Cadavais. 1. Enterramento individual em possível estrutura de hipogeu; indeterminável, encontrava-se em posição fe2. Fossa com estrutura de laje e pedras encostada à parede Este; 3. Enterramento individual em fossa. tal sobre o lado esquerdo, orientado NO – SE, voltado com a face para a parede N da estrutura e não apresentava qualquer espólio funerário associado. Na sondagem 2 escavou-se uma fossa de planta subcircular aberta no substrato geológico, de paredes irregulares e inclinadas e fundo côncavo. Sob o primeiro depósito de enchimento foi registado o esqueleto de um cão de pequena dimensão, em conexão anatómica e em muito mau estado de preservação e parcialmente cortado pela vala das tubagens. Foram exumados alguns fragmentos de bojo de cerâmica manual. Já na sondagem 4, foi intervencionada outra fossa de plano circular, paredes ligeiramente reentrantes e fundo aplanado, com 1,66m de profundidade e 1m de diâmetro. Nos níveis de base recolheram-se bastantes materiais arqueológicos, entre os quais se destacam vários fragmentos de cerâmica manual, muitos deles pertencentes à mesma peça (um grande recipiente de armazenagem de perfil bi-troncocónico), grãos/sementes de cereal carbonizados, fauna mamalógica e cerâmica de revestimento. O espólio recolhido pode ser enquadrado na Idade do Bronze. Em Ourém 8, foi escavada uma fossa de plano subcircular, paredes reentrantes e fundo aplanado, com um diâmetro máximo de 1,20m e 1,29m de profundidade. Registaram-se vários depósitos de enchimento, tendo-se observado a presença de taças carenadas, incluindo um bordo com perfuração, taças de bordo reentrante e fundos planos com o arranque da parede bem marcado, atribuíveis à Idade do Bronze.

3.6. Outeiro Alto 230 O sítio do Outeiro Alto 2 localiza-se num suave e alongado cabeço, na extremidade Ocidental de uma área aplanada que se estende desde a povoação de Pias, a Este. Trata-se de um interflúvio que separa a rede hidrográfica do

29 30

Direcção de escavação da responsabilidade de Victor Filipe. Direcção de escavação da responsabilidade de Victor Filipe.

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Figura 6 – Ourém 7. 1. e 2. Pequeno hipogeu, com enterramento individual, que reaproveita fossa

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Enxoé, a Sul, e a da Ribeira de Pias, a Norte (Figura 1: 28). Sendo parte integrante deste interflúvio, é local de origem de várias pequenas linhas de água que lhe cortam as vertentes. A Este é delimitado por um ribeiro afluente do Barranco da Grafanes, afluente da margem Norte da Ribeira do Enxoé; a Sul a vertente é cortada por duas linhas de água igualmente subsidiárias do Grafanes; a Oeste e a Norte outras linhas nascem, estas pertencentes à rede de drenagem do Barranco das Várzeas, afluente directo do Guadiana, que corre cerca de 6,5 km a Oeste do sítio. Como o topónimo indicia, trata-se de um sítio com uma cota relativamente elevada (187 m). Não é um sítio que se destaque particularmente no suave ondulado da paisagem intercortada por barrancos. Contudo, situa-se a uma cota suficientemente elevada para dela se ter um extenso domínio visual sobre a paisagem em todos os quadrantes. Para Sul a vista estende-se até Serpa, sendo visível, por trás desta, o enrrugamento do terreno que forma a serra que recebe o nome da vila. Para norte os limites visuais são estabelecidos pela Serra de Portel (e a sua ligação à Serra Morena), “fronteira” natural que separa a peneplanicíe de Évora da de Beja. Para Oeste, é a própria Beja, já bem para lá do vale do Guadiana, que marca o horizonte, que para Este se estabelece nas elevações mais setentrionais da Serra Morena. A visibilidade a partir deste pequeno outeiro é, pois, extraordinária e a 360º. Esta circunstância não deverá ser alheia á escolha do local para acolher as práticas e as construções que ali foram realizadas ao longo de cerca de 2000 anos. Os trabalhos, realizados em várias etapas, decorreram em locais que, no âmbito do inventário do processo de minimização, receberam designações separadas (Monte do Gato de Cima 3 e Outeiro Alto 2), mas que consideramos como um mesmo sítio polinucleado, adoptando a designação global de Outeiro Alto 2, com o qual foi publicada uma primeira notícia (Valera e Filipe, 2010). Os contextos arqueológicos detectados e intervencionados estão distribuídos por uma grande área (onde foi construído um reservatório de água de grandes dimensões e instalações anexas) e por valas de tubagens. Desta forma, algumas das realidades arqueológicas puderam ser abordadas em área, enquanto outras (as que surgiram nas referidas valas) não permitiram perceber o seu real desenvolvimento espacial (está nesta circunstância sobretudo a área correspondente ao Gato de Cima 3 - núcleo D). Genérica e preliminarmente, podemos definir 4 núcleos de estruturas negativas: o núcleo A, localizado na extreCOMUNICAÇÕES

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midade SE do outeiro; o núcleo B, localizado a extremidade NO; o núcleo C a Norte, no “ístemo” de ligação do outeiro à súperfície de topo aplanado que se prolonga para N /NO e o núcleo D, mais a Nordeste, já plenamente integrado nessa superfície. Existem ainda algumas estruturas isoladas, por vezes contendo deposições funerárias, caso da fossa 64 entre os núcleos A e B. O núcleo A, localizado na extremidade SE do outeiro, é caracterizado pela presença de um recinto composto por um fosso sinuoso e um alargado conjunto de fossas, que se distribuem tanto pelo interior do recinto como pelo seu exterior. O fosso, sondado em duas áreas, apresenta uma largura à superfície variável (mas dominantemente entre os 2 a 3 metros), uma profundidade de cerca de 1,5 e um perfil trapezoidal. A planta é sinuosa, formando seis semi-círculos, com uma entrada a SE (121º), alinhada com o eixo longitudinal do outeiro. Pelo exterior, tem um diâmetro que varia entre os 30 e os 33m. Este pequeno recinto apresenta uma planta que reproduz, de forma muito semelhante, a já conhecida para o recinto interior de Santa Vitória (Dias, 1996), em Campo Maior, o qual igualmente revela uma planta sinuosa formada por seis semi-círculos. No que que respeita à cronologia, o recinto pode ser atribuído ao Calcolítico, com base nos materiais que forneceu nas sondagens realizadas. Porém, há que referir a presença neste núcleo de algumas fossas escavadas no exterior do recinto que revelaram conjuntos artefactuais que, numa primeira análise, podem ser atribuíveis ao Neolítico Final e outras ao Calcolítico e numa datação de radiocarbono que o coloca na segunda metade do 3º milénio a.C. (Beta-339604: 3920+30, 2480-2300, calibração a dois sigma). O núcleo B é contituído por cinco estruturas de tipo hipogeu e um conjunto de mais de uma dezena de fossas e localiza-se no lado NO do Outeiro, a cerca de 200m do recinto descrito. Os hipogeus apresentam uma antecâmara de planta rectangular ou quadrangular (por vezes com uma depressão em fossa central). Essa antecâmara dava acesso a pequenas criptas de tendência circular (estado as entradas encerradas por grandes pedras verticalizadas) onde se encontravam os restos funerários humanos (deposições primárias) e material votivo associado. Em planta, estas estruturas, sobretudo as de antecâmara rectangular, apresentam um claro antropomorfismo. O registo evidenciou que as criptas seriam totalmente subterrâneas, tendo o seu tecto abatido em altura indeterminada, mas momento seguramente antigo. Pelo material associado às deposições, tanto cerâmico como metálico, são atribuíveis à Idade do Bronze. Apresentam enterramentos individuias, excepto num caso, em que surgem dois indivíduos. Estes hipogeus do núcleo B encontravam-se circundados por fossas circulares de profundidades variadas, por vezes com enterramentos primários, mas sem espólio associado ou com enchimentos igualmente sem materiais arqueológicos, ou com conjuntos artefactuais neolíticos. Uma outra estrutura funerária, fossa 54, era composta por uma fossa circular com acesso a uma pequena câmara oval (pouco mais que um nicho) escavada na extremidade SE daquela. A pequena cripta encontrava-se selada com lajes colocadas verticalmente e conservava os restos osteológicos de um indivíduo jovem, cujo espólio votivo era constituído apenas por um punção de cobre ou bronze. Entre este núcleo e o núcleo C encontrava-se uma outra estrutura funerária da Idade do Bronze, com câmara encerrada por lajes e possível átrio, que foi mais afectada pela obra. O núcleo C está localizado um pouco mais a Norte, a cerca de 50m para NE do núcleo B e a cerca de 250m do núcleo A, na zona do “ístemo” de ligação do outeiro à plataforma aplanada que se desenvolve para N/NE. Neste núcleo foram identificados três hipogeus, compostos por criptas de pequenas dimensões e acessos em poço lateral com a entrada entre o poço e a cripta encerrada por acumulação de pedras. Num dos sepulcros, após o encerramento final deste tipo de entrada, terá sido aberto um poço no tecto da cripta, que permitiu a continuação da sua utilização funerária. Estas tipologias arquitectónicas aproximam-se das dos Sepulcros 1 e 2 da nerópole da Sobreira de Cima, situada mais a Norte, já nos contrafortes da Serra de Portel (Valera, 2009). Relativamente a estes últimos, tratam-se de sepulcros de deposições funerarias primárias, sempre colectivas e com evidências de manipulação das ossadas durante a utilização dos sepulcros. Os conjuntos artefactuais associados indicam uma cronologia atribuível ao Neolítico Final, tal como acontece para os já datados sepulcros da Sobreira de Cima (Valera, Soares e Coelho, 2008). Estes materiais correspondem essencialmente a pequenas lâminas, geométricos (alguns dos quais com restos da substância de fixação que, tal como na Sobreira de Cima – Dias, 2008 -, revelam tratarem-se de pontas de projectil transversais), machados ou enxós de pedra polida e pulseiras de glycimeris. Tal como na Sobreira de Cima (Valera 2009), a cerâmica está ausente do ritual. Ainda neste núcleo, numa das fossas que o integram (fossa 32), igualmente localizada na periferia do conjunto, registou-se um enterramento de um indivíduo jovem sem espólio votivo associado, sobre o qual foi depositado um nível de calhaus irregulares, incluindo dois dormentes de granito. As estruturas funerárias estão, assim, integradas numa área com um grande número de fossas (cerca de três dezenas), a grande maioria das quais não forneceu materiais arqueológicos ou proporcionou apenas alguns fragmentos de cerâmica manual inclassificáveis. Um dos aspectos mais interessantes deste conjunto é a forte nuclearização de todas estas

fossas, que no conjunto formam uma mancha circular, ocorrendo a localização dos contextos funerários sempre na pariferia do conjunto. Finalmente, o núcleo D localiza-se mais a Norte, já na zona aplanada que se estende para N/NE (designado no âmbito da minimização por Monte do Gato de Cima 3). Ao contrário dos restantes corresponde a evidências detectadas em vala de tubagem, pelo que não temos a percepção da sua real extensão e distribuição espacial. Aqui foi identificado um outro hipogeu “antropomórfico”, composto por antecâmara de tendência rectangular (parcialmente cortada pela vala de obra) e cripta funerária circular (com uma deposição primária de um único indivíduo) encerrada por grandes pedras verticalizadas, em tudo idêntico aos registados no núcleo B. Foi igualmente identificado um outro enterramento primário individual em fossa circular e mais algumas fossas cuja interpretação e cronologia é, de momento, difícil de estabelecer. De acordo com os materiais provenientes de ambos os contextos funerários, os mesmos são atribuíveis à Idade do Bronze Pleno, o que é confirmado por três datações de radiocarbono (Beta-318381: 3300+30, 1660-1500; Sac-2573: 3260+50, 1663-1430; Beta-318379, 3360+30, 17401540, calibrações a dois sigma).

4. Uma primeira aproximação diacrónica ao tratamento funerário dos corpos

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Figura 7 – Outeiro Alto 2. 1. Planta geral dos núcleos registados. 2. e 3. Núcleo C, As intervenções realizadas no bloco de núcleo de fossas com hipogeus na periferia e materias provenientes dos mesmos rega de Brinches revelaram a presença de di(Neolítico Final); 4. a 8. Núcleo B, fossa com quatro enterramentos sem materiais versas estruturas negativas com uso funerário DVVRFLDGRVHKLSRJHXVDQWURSRPyUÀFRVGD,GDGHGR%URQ]HHUHVSHFWLYRVPDWHULDLV de diferentes características arquitectónicas e YRWLYRV1~FOHR$UHFLQWR &DOFROtWLFR GHÀQLGRSRUIRVVRVLQXRVR IRWRGH3DXOR Marques), com fossas pelo interior e exterior; 10. e 11. Núcleo D, fossa com enter funerárias e períodos crono-culturais. Neste UDPHQWRHKLSRJHXDQWURSRPyUÀFR ,GDGHGR%URQ]H  ponto, onde se procura uma caracterização preliminar no âmbito da antropologia, será dado maior ênfase à vertente funerária, procurando-se enunciar as características dos diversos períodos identificados. Os ritos funerários traduzem evidências de gestos rituais (Fogelin, 2007) que constituem símbolos dos sistemas culturais a que se encontram associados (Geertz, 1993) e são claros indicadores da forma como os vivos se comportavam perante os mortos (Crubezy, 2000). Enquanto elemento cultural de um contexto macro-cultural os ritos funerários encontram-se sujeitos a mudanças influenciadas por factores intrínsecos e extrínsecos (Malefijt, 1968) devendo as variações observadas neste contexto reflectir mudanças e/ou variações noutros aspectos da vida social (Pearson, 2005). Deve ser também enfatizado que embora as culturas sejam definidas de acordo com princípios comuns, de mínimos denominadores comuns, apresentam, não obstante, variabilidade, integrando no seu seio diversas sub-culturas (Crespi, 1997) sendo plausível que se observem variações de um mesmo aspecto. O reconhecimento da potencial heterogeneidade cultural é fulcral uma vez que embora um determinado contexto crono-cultural possa apresentar aparentes predominâncias rituais funerárias estas podem sempre contrastar com novos dados que possam surgir. Neste texto são abordadas estruturas de uso funerário dos seguintes períodos cronológicos: Neolítico, Calcolítico, Idade do Bronze e algumas de cronologia indeterminada dentro da Pré-História Recente. A apresentação dos dados

COMUNICAÇÕES

é ainda de natureza preliminar, podendo estes ser consultados mais detalhadamente nos relatórios das respectivas intervenções. A informação paleobiológica apresentada reporta-se aos esqueletos e/ou partes esqueléticas em conexão anatómica, não sendo tratados os ossários. Importa salientar que os dados se encontram condicionados pelo estado de conservação do espólio osteológico. Estes são influenciados também por factores culturais, dos quais são exemplo o tipo de rito funerário. De facto este último constitui um importante factor tafonómico que condiciona decisivamente o potencial informativo dos contextos funerários (Nawrocki, 1995; Roksandic, 2002).

4.1. Neolítico e Calcolítico 4.1.1. Aspectos funerários Foram intervencionadas quatro estruturas funerárias de cronologia neolítica e calcolítica no Outeiro Alto 2, Cortes 2 e Mina das Azenhas. Os hipogeus do Outeiro Alto 2 apresentam, genericamente, diversas semelhanças em termos de uso funerário. Destaca-se que todas as estruturas funerárias apresentam indivíduos em conexão anatómica e ossários, embora de dimensões variáveis. Em duas destas foi identificada a presença, junto à passagem da antecâmara para a câmara, de esqueletos praticamente completos em conexão anatómica (em posição fetal, sobre o lado direito e esquerdo, orientação Sul - Norte), podendo estes representar a última deposição funerária de indivíduos. Para além destes foram igualmente identificadas conexões anatómicas muito incompletas no(s) ou sob o(s) ossário(s) de todas as estruturas funerárias. Atendendo aos dados descritos é proposto que os hipogeus terão constituído um local de utilização colectiva e, provavelmente, de deposição primária. Durante o seu uso deverá ter ocorrido a reutilização do espaço funerário com a manipulação dos ossos presentes, sendo as conexões anatómicas sucessivamente perdidas e formados os ossário, que deverão representar não apenas um momento de deposição/formação mas antes o resultado de diversos momentos de manipulação do espaço funerário e do conteúdo das câmaras. A estrutura funerária de Cortes 2 apresenta características aparentemente distintas, relativamente às estruturas intervencionadas no Outeiro Alto 2. Desta, foi exumado um indivíduo em posição fetal, sobre o lado direito do corpo, sem que apresentasse qualquer evidência de perturbação post-mortem. Inversamente ao Outeiro Alto 2 não se registou a presença de qualquer ossário neste nível. Há, contudo que ressalvar que a estrutura foi alvo de perturbações que limitam a sua leitura e interpretação. De facto, foi, também, exumado um crânio de sub-adulto cuja proveniência estratigráfica não é inequívoca devido às referidas perturbações. Estas não permitem inferir inequivocamente se este crânio se encontraria isolado ou se constituirá o remanescente de um indivíduo que se encontraria possivelmente completo. Não é possível, igualmente, concluir quais as características funerárias que apresentaria, assim como aspectos paleobiológicos mais específicos. Destaca-se que foi recolhido espólio votivo em todas as estruturas, encontrando-se este em alguns casos em associação directa a indivíduos. Noutros casos esta associação não foi possível. Por fim refere-se o caso da Mina das Azenhas 6, sítio do qual foi exumado um indivíduo que, embora se encontre no seu local de deposição primária, apresenta evidências de perturbações peri-mortem. De facto, embora se encontre em conexão anatómica, encontrando-se preservada a posição anatómica de articulações lábeis, verifica-se a deslocação de partes esqueléticas que preservam, também elas, conexões anatómicas, embora fora da sua posição anatómica expectável.

4.1.2. Aspectos paleobiológicos

COMUNICAÇÕES

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Dos possíveis 11 indivíduos, e/ou partes esqueléticas em conexão anatómica, exumados desta cronologia a grande maioria são adultos e/ou possíveis adultos (para a definição de adulto usada ver: Buikstra e Ubelaker, 1994). Apenas um apresenta uma idade à morte inequívoca de sub-adulto, sendo esta de 12 a 13 anos. A diagnose sexual foi indeterminada na esmagadora maioria dos casos, encontrando-se este facto correlacionado com factores tafonómicos na maioria dos casos. O esqueleto que se enquadra no neolítico exumado de Cortes 2 apresenta características femininas, constituindo o único caso em que foi possível realizar uma diagnose sexual fidedigna. Em termos patológicos destaca-se um possível caso de osteocondrite no indivíduo exumado de Cortes 2, ressalvando-se, contudo, que é necessária uma observação mais atenta da lesão para confirmação deste caso. Para além deste caso foi igualmente identificada a presença de: uma hipoplasia do esmalte dentário, uma cárie e tártaro em indivíduos do Outeiro Alto 2. O conjunto de ossos não permitiu uma diagnose sexual inequívoca sendo, aparentemente, em termos etários, de adulto. Não se registaram quaisquer aspectos patológicos.

4.3. Idade do Bronze 4.3.1. Aspectos funerários Registou-se a presença de estruturas negativas da Idade do Bronze com uso funerário em diversos sítios arqueológicos. No total foram intervencionadas 15 estruturas funerárias nos seguintes sítios: Monte do Gato de Cima 3, Outeiro Alto 2, Ourém 7, Magoita e Cadavais31. Neste grupo de estruturas intervencionadas foi possível verificar uma aparente heterogeneidade ritual funerária, tendo sido registados diversos tipos de uso das diversas estruturas. Foram identificadas estruturas que continham apenas um indivíduo em conexão anatómica. A par destas foram, igualmente, intervencionadas estruturas que evidenciavam a presença de indivíduos em conexão anatómica e outros que denunciavam processos de reorganização do espaço através da deslocação de indivíduos pré-existentes. Fruto destes processos formaram-se, em múltiplos casos, ossários com um número mínimo de indivíduos (NMI) variável entre um a cinco, quando este foi determinado. Registou-se, igualmente a presença de um ossário numa estrutura sem qualquer esqueleto em conexão associado, não sendo conclusivo se este ossário se deverá à reorganização do espaço com indivíduos pré-existentes na estrutura ou se será o resultado de processo(s) de trasladação. De acordo com estes dados infere-se que terá ocorrido: (i) a deposição individual de corpos; (ii) a deposição de mais de um indivíduo tendo a deposição do último causado a perturbação do(s) corpo(s)/esqueleto(s) pré-existente(s) e, em múltiplos casos, a formação de ossário(s); (iii) a formação de ossário, não sendo conclusivo se este resulta da reorganização do espaço com indivíduos pré-existentes nessa estrutura ou se de processos de trasladação. A posição dos corpos é, também, variável, tendo sido registada a presença de indivíduos em: posição fetal, decúbito lateral com os membros inferiores semi-flectidos, aparente decúbito ventral e, possivelmente, decúbito dorsal. Se as duas primeiras posições mencionadas não oferecem dúvidas interpretativas as restantes não são inequívocas. De facto não é possível, no caso do indivíduo em aparente decúbito ventral excluir a hipótese deste ter sido depositado em decúbito lateral e ter ocorrido a posterior rotação do torso, assumindo o corpo, assim, a posição referida. O indivíduo em possível decúbito dorsal é de difícil leitura devido ao seu péssimo estado de preservação, não sendo possível afirmar inequivocamente que é esta a sua posição de deposição. A orientação dos esqueletos é, novamente, variável, tendo esta variado entre: NE – SO, NO – SE, E – O, SO – NE, S – N, O – E, N – S e, finalmente, SE – NO. Os indivíduos apresentavam, na grande maioria dos casos, espólio funerário associado.

4.3.2. Aspectos paleobiológicos Dos 17 indivíduos/porções anatómicas em conexão anatómica da Idade do Bronze exumados a grande maioria são adultos e/ou possíveis adultos, sendo as únicas excepções constituídas por: um indivíduo, proveniente do Outeiro Alto 2, em que não foi possível qualquer estimativa devido ao péssimo estado de preservação; um sub-adulto que apresenta uma idade à morte de 8 a 10 anos, tendo sido exumado do Outeiro Alto 2. A diagnose sexual foi indeterminada na maioria dos indivíduos. Nos casos diagnosticáveis foi equitativa, tendo sido identificados três homens e três mulheres. Em termos paleopatológicos apenas foram detectados, até ao momento, casos de patologia oral e patologia degenerativa articular e não articular. Os primeiros foram identificados no Outeiro Alto e no Monte do Gato de Cima 3, consistindo estes em: elevado desgaste dentário, perda ante-mortem de dentes; cáries. Os casos de patologia degenerativa articular e não articular foram identificados num dos esqueletos exumados do Monte do Gato de Cima 3, consistindo em osteoartrose ligeira no esqueleto axial e em entesopatias na tíbia e rótulas direitas.

4.4. Indeterminados

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4.4.1. Aspectos funerários Para além das estruturas com uso funerário dos períodos referidos foram igualmente intervencionadas estruturas que não apresentavam qualquer espólio funerário cronologicamente director, não sendo, assim, possível proceder ao seu

31 2HQTXDGUDPHQWRQRFRQWH[WRGD,GDGHGR%URQ]HGHVWDHVWUXWXUDQmRpDEVROXWDPHQWHLQHTXtYRFRSRGHQGRLQVHULUVHQXP espectro temporal mais abrangente. Para mais detalhes ver o relatório dos trabalhos arqueológicos.

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enquadramento crono-cultural. Estas foram intervencionadas no Outeiro Alto 2 (seis estruturas). Na maioria dos casos estas estruturas continham somente um indivíduo. Embora o seu uso individual seja generalizado foi possível verificar heterogeneidade nas características funerárias que os indivíduos apresentam. A sua posição de deposição varia entre: decúbito ventral, aproximadamente sentado, posição fetal sobre ambos os lados do corpo e, por fim, decúbito lateral. A orientação dos indivíduos observada foi, igualmente, bastante heterogénea, variando entre: N – S, O – E, NO – SE e SE – NO. Do total das estruturas intervencionadas apenas uma continha mais que um indivíduo. Desta foram exumados quatro indivíduos, encontrando-se estes em posição fetal e em decúbito lateral com os membros inferiores flectidos. A sua orientação variava entre S – N, N – S e SO – NE. Se em alguns casos os indivíduos não apresentavam qualquer indício de perturbações pós-deposicionais, constituindo as estruturas funerárias locais primários de inumação, noutros casos estas terão ocorrido. Numa das fossas intervencionadas apenas se encontrava um reduzido número de ossos de sub-adulto de um NMI de um, não tendo sido observada inequivocamente qualquer conexão anatómica. Não é, assim, claro se esta fossa constituirá um local de deposição primária com perturbação posterior, de origem desconhecida, dos contextos ou se poderá constituir um local de deposição secundária. Há, igualmente, que considerar obrigatoriamente a questão da preservação diferencial, podendo esta constituir um factor de relevo neste caso. Na já referida fossa que continha quatro indivíduos localizada no Outeiro Alto 2, e que constituirá um local de deposição primária, apenas um dos indivíduos apresentava indícios de perturbação pós deposicional, encontrando-se um dos fémures sob as pernas de outro dos esqueletos aí depositados. Os restantes não apresentavam perturbações pós-deposicionais. Deve ser sublinhada a quase total ausência de espólio funerário associado aos indivíduos deste grupo. Não obstante, há, igualmente, que mencionar que um dos indivíduos exumados do Outeiro Alto 2 apresentava uma quantidade significativa de fauna sobre o seu esqueleto, encontrando-se em decúbito ventral, com os membros inferiores sob o torso, os fémures flectidos dorsalmente e os pés sobre a superfície posterior dos coxais.

4.4.2. Aspectos paleobiológicos A estimativa da idade à morte dos quase 10 esqueletos exumados do Outeiro Alto 2 permitiu concluir a presença de: quatro sub-adultos (idade mínima de 6 a 10 anos e máxima de 13 a 18), quatro possíveis adultos e dois adultos inequívocos. Na diagnose sexual apenas foi possível concluir a presença de duas mulheres e um possível homem, sendo os restantes de sexo indeterminado. Em termos paleopatológicos registou-se, em dois indivíduos, elevados graus de desgaste do esmalte dentário. Para além destes registou-se, igualmente, casos de patologia degenerativa ligeira, articular e não articular, em três esqueletos.

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Em termos funerários os hipogeus neolíticos intervencionados no Outeiro Alto 2 apresentam uma aparente assinalável homogeneidade ritual, sendo de destacar o uso colectivo dos monumentos com a aparente sucessão de deposições e reorganização do espaço, resultando estes diversos momentos no aparente remeximento dos contextos pré-existes e na formação de ossários. Deve ser sublinhada a presença de indivíduos em conexão anatómica, com retenção da posição anatómica de articulações lábeis e persistentes, assim como de partes de esqueletos, que sugerem que estes monumentos poderão constituir locais de deposição primária. A estrutura de Cortes 2 apresenta um indivíduo isolado sem qualquer evidência de perturbação post-mortem. Foi igualmente exumado um crânio de sub-adulto cuja proveniência estratigráfica é de difícil leitura devido a perturbações que a estrutura sofreu. Concomitantemente as inferências paleobiológicas e funerárias são manifestamente limitadas por este factor. Parecem, assim, existir claras diferenças em termos de uso ritual funerário dos monumentos intervencionados no Outeiro Alto 2 e em Cortes 2. Foi intervencionado um elevado número de estruturas funerárias da idade do bronze, maioritariamente no Outeiro Alto 2. Neste contexto foi identificada alguma aparente heterogeneidade de soluções funerárias, sendo assinalável, genericamente, a existência de estruturas que: (i) continham apenas um indivíduo; (ii) continham um indivíduo em conexão anatómica e, na maioria dos casos, ossários que poderão resultar da reorganização do espaço e remobilização dos ossos de indivíduos pré-existentes; (iii) continham um ossário, não sendo inequívoco se este resultará da reorganização de indivíduos em conexão anatómica que se localizariam no interior da estrutura ou de processos de trasladação. As estruturas funerárias de período indeterminado revelaram uma assinalável heterogeneidade de soluções funerárias no que concerne à disposição dos corpos. Esta afirmação é suportada, por exemplo, pela variabilidade na orientação dos esqueletos e na sua posição. Independentemente desta heterogeneidade há também aspectos comuns à maioria

das estruturas. Na sua maioria contêm um indivíduo que não apresenta qualquer indício de perturbação pós-deposicional antrópica, devendo estas estruturas constituir o local primário de deposição. Há contudo, excepções, sendo estas constituídas por: uma fossa em que não é possível concluir se esta será um local de deposição primário, com afectação por factores de carácter tafonómico indeterminados, ou secundário; uma fossa que continha quatro indivíduos, apresentando um deles afectações pós-deposcionais, possivelmente associadas à deposição de outro dos indivíduos. Em termos paleobiológicos é importante reiterar que a recolha de dados se encontra directamente condicionada pelo estado de preservação dos vestígios osteológicos. A par deste aspecto há igualmente que sublinhar a problemática da representatividade da(s) amostra(s). A reduzida dimensão genérica das amostras é, assim, neste momento, um aspecto claramente limitador relativamente ao conhecimento de padrões paleodemográficos, paleopatológicos e paleoepidemiológicos. Estas limitações estão também correlacionadas com a já referida natureza das intervenções realizadas, encontrando-se estas dependentes dos condicionalismos impostos pelas necessidades das obras em curso. Não obstante, o estudo cuidado dos contextos osteológicos humanos recuperados deverá proporcionar informações relevantes para que se possa começar a abordar problemáticas relacionadas com o conhecimento de, por exemplo, aspectos demográficos e patológicos das populações, e respectivos períodos cronológicos, a que pertencerão as amostras exumadas. A par destes permitirá, igualmente, abordar mais aprofundadamente questões de foro funerário e cultural, uma vez que o tratamento dos mortos pode estar claramente correlacionado com variáveis de foro biológico processados por sistemas culturais. A idade à morte constitui um claro exemplo deste aspecto (Crubezy, 2000; Lewis, 2007).

5. Revolução empírica e problemáticas teóricas: antevisão de um debate em torno GHXPD´1RYD3Up+LVWyULDGR6XOGH3RUWXJDOµ

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Os contextos aqui sumariamente apresentados correspondem a uma pequena amostragem do carácter revolucionário da informação empírica face à situação de partida conhecida para a área de Brinches, circunstância que, por sua vez, é representativa do que tem vindo a acontecer nos últimos anos em várias áreas do interior alentejano. O contraste é gritante, por exemplo, quando recordamos que na área de Brinches aqui apreciada apenas se conheciam dois contextos da Pré-História Recente (Figura 1), Foz do Enxoé e Toca dos Galiados. Assim, os trabalhos da rede de rega têm vindo a proporcionar uma quantidade de informação que altera a percepção que se tinha da densidade de ocupação do território em questão e, simultaneamente, permite perspectivar um forte impacto renovador do conhecimento que se tinha da Pré-História Recente do Sul de Portugal. Uma primeira questão, que emerge com grande realce, é a questão funerária. Até 2006 desconheciam-se arquitecturas neolíticas ou calcolíticas de tipo hipogeu no interior alentejano e para a Idade do Bronze apenas era conhecida a situação de Belmeque (que eventualmente se pode configurar como uma estrutura de tipo hipogeu – Schubart, 1975). Foi nesse ano que se identificou e escavou a necrópole da Sobreira de Cima (Valera, 2009; Valera, Soares e Coelho, 2008), a qual se afigurava, na altura, como um contexto totalmente excepcional nesta região. A sua localização, na vertente Sul da Serra de Portel, coincidia com o termo sul da grande mancha megalítica do interior alentejano, a qual encontra precisamente na Serra de Portel o seu limite de extensão meridional. Da serra para sul, pela peneplanície de Beja, o megalitismo clássico tem uma expressão residual (apenas alguns tholoi, como os que estão a surgir associados ao complexo de recintos do Porto Torrão (Valera, 2010), vão amenizando o contraste já dentro do 3º milénio AC) e, na margem esquerda, os escassos monumentos conhecidos junto a Moura e a Ficalho (Lima, 1988; Soares, 2008) apenas reforçam a imagem. Se a Sobreira de Cima surgia, em 2006, como uma situação de origem exógena, hoje, com a informação disponível para a zona de Brinches e para outras áreas do distrito de Beja, percebemos que há toda uma tradição funerária em fossa e sobretudo hipogeu que se desenvolve para sul daquela serra e que a Sobreira de Cima se implanta, precisamente, na zona de contacto desta realidade funerária com a área de implantação do fenómeno megalítico alentejano. Assim, a Serra de Portel parece constituir-se como uma “fronteira” entre uma arquitectura da morte predominantemente (mas não exclusivamente) dolménica que se desenvolve para Norte e uma arquitectura da morte predominantemente (mas também não exclusivamente) subterrânea (em fossa ou hipogeu) que se desenvolve para sul. É interessante notar que o contraste com as práticas funerárias associadas ao megalitismo não se resume às diferentes soluções arquitectónicas, mas que se manifesta igualmente nos rituais, como, por exemplo, na ausência de cerâmica nos hipogeus do Neolítico Final, na espacialização particular que as deposições votivas assumem em alguns destes contextos, no papel simbólico concedido a determinadas matérias-primas (como o anfibolito na Sombreira de Cima – Valera, 2009). É certo que a condicionante geológica não é de desprezar, já que as grandes manchas de granitos estão a Norte da Serra de Portel. Mas o facto é que a sul também há granitos e xistos e até ocorrem menires em granito de grande porte, como documenta Cortes 1 e 2. Será, pois, na questão cultural que a tónica terá que ser colocada.

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Assim, o tratamento explicativo e interpretativo destes contrastes será uma das problemáticas mais interessantes da Arqueologia da Morte no Sul de Portugal nos próximos anos, sendo que as implicações que se anunciam (por exemplo ao nível das diferenças de esforço económico e logístico inerentes) obrigarão a repensar o papel desempenhado pelas estratégias de gestão da morte na organização social e territorial destas comunidades a norte e a sul da Serra de Portel. Por outro lado, verifica-se agora que as soluções arquitectónicas funerárias para a Idade do Bronze são mais diversificadas do que anteriormente se supunha, onde, tal como aconteceu com a Sobreira de Cima para o Neolítico Final, o sepulcro de Belmeque foi, durante algum tempo, um caso isolado, situado um pouco mais a leste da área em análise. Verificamos agora que, a par das conhecidas soluções em cista (estruturadas ou não em tumulus pétreos), nomeadamente das conhecidas na áreas periféricas a Brinches (Soares, 1994), surgem soluções de enterramento em fossa ou em hipogeu (de tipo antropomórfico ou de cripta e antecâmara circulares/ovaladas), mas onde aparentemente o ritual é bastante semelhante: inumações preponderantemente individuais; o mesmo tipo de materiais votivos ou ausência de materiais. Desta forma, vai-se definindo uma tradição construtiva e ritual de tumular em estruturas subterrâneas escavadas na rocha, que se desenvolve desde o Neolítico Final à Idade do Bronze, à qual se reúne, neste último período, a solução cista (simples ou com tumulus). A questão da tradição, isto é do enraizamento no tempo de práticas e sítios, é, precisamente, outra das problemáticas que se abre à reflexão futura. Vários são os contextos intervencionados que apresentavam estruturas negativas de diferentes períodos, por vezes do Neolítico Final até à Idade do Bronze. Sendo as evidências de que dispomos caracterizadas por uma forte invisibilidade, que mecanismos manteriam estes sítios activos, no sentido de atraírem a construção de estruturas e práticas associadas durante tão longos períodos, previsivelmente de forma descontinuada? Existiriam elementos arquitectónicos exteriores que os visibilizariam? Perpetuar-se-iam na memória colectiva por tão longos períodos através de outros mecanismos? Seria a sua carga simbólica (Valera, 2003) a principal razão para as recorrências de ocupação/frequência? A exemplo de outras regiões, seria a formação natural (a colina) que assumiria, ao congregar em si espaços rituais, o papel de elemento significante reconhecível na paisagem? Estas problemáticas são particularmente evidentes num sítio como o Outeiro Alto 2, para o qual se podem levantar várias linhas de reflexão relacionadas com estas questões. A sua temporalidade estende-se do final do Neolítico à Idade do Bronze, passando pelo Calcolítico, ou seja, durante cerca de 2000 anos. Um dos problemas que se coloca é, precisamente, se essa continuidade se traduz numa reocupação de um espaço sem que exista grande conexão (a não ser do ponto de vista físico) entre cada reocupação e o que a precedeu ou se, pelo contrário, existiu um efeito catalizador simbólico do prévio sobre o novo (ao nível do que aquele espaço significava). Existirá apenas uma continuidade de ocupação de uma mesma colina, ou haverá uma continuidade de sentidos (ainda que sempre presentificados), que lhe confere um estatudo de espaço de sociabilização previligiado, que ao longo do tempo atrai estruturas e práticas sociais diversas que lhe conferem uma carga simbólica e provavelmente sagrada, capaz de o transformar num lugar estruturante das paisagens e dos territórios locais durante cerca de dois milénios? De facto, e apesar da nuclearização aparentemente pouco interpenetrada em termos da cronologia dos vários momentos de utilização do cabeço do Outeiro Alto 2, o que ressalta é a escolha do mesmo local para um conjunto de construções e práticas sociais onde a carga simbólica parece ser o cimento e o catalizador de uma recorrência de utilização tão prolongada no tempo. A ritualização funerária daquele espaço está bem patente para o Neolítico Final e para a Idade do Bronze. Para o Calcolítico temos o recinto e com ele o debate sobre se este tipo de contextos são povoados ou locais de agregação comunitária para práticas fortemente ritualizadas de gestão e reprodução da ordem social. Se os dados empíricos deste contexto estão numa fase preliminar de estudo, é ainda assim pertinente sublinhar que a natureza arquitectónica do recinto (planta e tamanho) e a sua implantação num local já sacralizado são circunstâncias que se increvem melhor na segunda opção. A ser assim (e a contrastação empírica da hipótese interpretativa está ainda por realizar), o Outeiro Alto 2 terá sido, ao longo de quase dois milénios, um local de forte carga simbólica, capaz de atrair diferentes práticas sociais ritualizadas ligadas à gestão da morte e da vida. A sua própria posição espacial, de grande visibilidade sobre um vasto território, pode ter contribuído para a sua constituição como lugar especial relativamente ao povoamento local. Mas problemas semelhantes podem também ser enunciados para o outro recinto (Cortes 1) e para outros sítios de fossas e hipogeus intervencionados, onde as cronologias sugerem frequentes reocupações/reutilizações em épocas distintas. No caso de Cortes 1, o recinto é também muito pequeno e o fosso apresenta uma significativa desproporcionalidade de dimensões entre largura (de 2,5 a pouco mais de 3 metros) e profundidade (cerca de meio metro). Se acrescentarmos a quase inexistência de materiais e a presença de menires no seu interior, assim como a proximidade de contextos funerários, começamos a obter uma imagem que remete, uma vez mais, para um espaço de socialização de carácter essencialmente cerimonial, que também se localiza numa pequena colina de grande visibilidade sobre a paisagem, mantendo contacto visual com o Outeiro Alto 2. Deste modo, o actual debate sobre a natureza funcional destes contextos (Márquez Romero, 2003; Márquez Romero e Jímenez Jáimez, 2008; Valera e Filipe, 2004; Valera 2008), sejam os sítios de fossas ou os recintos de fossos,

cuja diversidade não permite interpretações monolíticas (Valera e Filipe, 2004), assim como os confrotos teóricos que subjazem a esse debate, encontram terreno de expansão no sul de Portugal. Torna-se, pois, fundamental que futuras intervenções neste tipo de contextos sejam enquadradas pelas problemáticas que informam esse actual debate. Mas para além destes, outros problemas de natureza mais restrita e concreta podem ser levantados em face do actual acréscimo de informação. Questões como a “estranha” ausência de campaniforme, quando este está presente a Norte, no Outeiro de São Bernardo (Bubner, 1979), a Sul, em São Brás (Parreira, 1983), a Oeste (já na margem direita do Guadianha) em Três Moinhos (Soares, 1992) ou a Este, na anta do Monte da Velha 1 (Soares, 2008). Ou o significado da igualmente estranha proliferação de fossas colmatadas apenas por sedimentos, sem qualquer material arqueológico, frequentemente lado a lado com outras que fornecem abundantes quantidades de materiais ou utilizações funerárias. Ou ainda o problema da ausência de estruturas em positivo e de depósitos arqueológicos fora das estruturas negativas, cujas interpretações têm degladiado argumentos tafonómicos e argumentos culturais (para uma síntese recente ver Jímenez Jáimez, 2009). Neste sentido, cabe salientar as significativas diferenças contextuais entre os sítios intervencionados e sítios vizinhos, como a Foz do Enxoé (Diniz, 1999) ou, mais a Sul, São Brás (Parreira, 1983), onde depósitos e estruturas em positivo são conhecidos, mas as estruturas em negativo primam pela total ausência. Finalmente, a base documental antropológica está a sofrer um considerável incremento, para o qual se espera que tenhamos a capacidade de potenciar e transformar em conhecimento. De facto, apesar de uma quantidade significativa de contextos funerários terem sido escavados no Sul de Portugal ao longo da ultima década, proporcionando dados de natureza antropológica em quantidade e qualidade nunca antes disponíveis, o seu estudo sistemático e transformação em conhecimento efectivo das paleo populações é ainda incipiente, sendo, também aqui, um problema de capacidade de potenciar investigação a partir das intervenções de emergência. Em suma, a abrangência territorial do projecto Alqueva tem permitido a identificação e intervenção arqueológica em centenas de sítios e a obtenção de dados que, seguramente, irão revolucionar a percepção que tínhamos da Pré-História Recente do Sul de Portugal. A área de Brinches é apenas uma dessas situações, que se repetem um pouco pelo Alentejo interior. Resta agora potenciar científica e patrimonialmente todo este trabalho, justificando-o. Foi no sentido de criar condições para ultrapassar uma minimização minimalista que a ERA Arqueologia apresentou, em conjunto com o Intituto Politécnico de Tomar, a área de Antropologia da Faculdade de Ciências de Coimbra e o ISEG, um projecto de investigação à FCT (com o interesse declarado da EDIA e da REN), o qual, a ser aprovado e financiado, possibilitará o aprofundamento da investigação dos principais contextos intervencionados na área de Brinches, e a consequente produção de conhecimento e conteúdos para divulgação pública. Finalmente, pensamos fundamental sublinhar o facto de que a consciencialização da natureza, da abundância e do potencial deste património arqueológico no Sul do país, terá que ter necessariamente consequências nas futuras estratégias de gestão do património e de minimização de impactes de grandes empreendimentos, nomeadamente ao nível do planeamento e do enquadramento científico da abordagem a este tipo de contextos, para os quais (como para qualquer outra realidade arqueológica) é manifestamente insuficiente um enquadramento meramente técnico.

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COMUNICAÇÕES

Memórias d’Odiana • 2ª série

VALERA, António Carlos (2008), “Mapeando o Cosmos. Uma abordagem cognitiva aos recintos da Pré-História Recente”, ERA Arqueologia, 8, Lisboa, Era Arqueologia / Colibri, p.112-127.

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