2015. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. [Material didático - EGeS\\CLAM]]

May 23, 2017 | Autor: Silvia Aguião | Categoria: Gender and Sexuality, Intersectionality, Gênero E Sexualidade
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Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS Disciplina 3 – Sexualidade Material suplementar

A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença Silvia Aguião

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São muitos os debates contemporâneos que procuram compreender os modos como diferenças múltiplas, expressas em termos de sexualidade, gênero, raça, etnicidade, geração, classe, religião etc, podem conformar-se em situações de desigualdade e privilégio. Nessa tarefa, no Brasil, há pouco mais de uma década tem se destacado o campo de estudos que se dedica à análise de "categorias de articulação ou interseccionalidades" (Piscitelli, 2008), marcadores sociais da diferença ou que, como propõe Brah (2006), toma a "diferenciação social" ou a "diferença" como categoria analítica. Tais proposições vêm funcionando como ferramentas conceituais e metodológicas acionadas no sentido de apreender os mecanismos através dos quais certas marcas sociais são reconhecidas como tendo mais relevância em detrimento de outras, ou ainda, como certos eixos de classificação, sempre contingentes, contextuais e relacionais, são produzidos, objetivados e cristalizados na produção cotidiana de identidades, subjetividades e agenciamentos. Essas abordagens podem também ser bastante úteis no acompanhamento do campo de reconhecimento de direitos e da produção governamental de políticas direcionadas para determinados sujeitos.

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Doutora em Ciências Sociais (Unicamp) e mestre em Saúde Coletiva (IMS/UERJ). Pesquisadora associada do Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos (LIDIS/UERJ).

1 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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Adriana Piscitelli (2008) localiza, no plano internacional, o final dos anos 1990 como o período do surgimento dos estudos sobre as "categorias de articulação" e/ou das "interseccionalidades", a partir de formulações desdobradas da reflexão sobre as múltiplas diferenciações, para além do gênero, que interagem na vida social. Essas formulações podem ser compreendidas como releituras dos planos teórico e político realizadas no interior do movimento feminista, desenvolvidas principalmente por intelectuais negras e lésbicas que, desde o final dos anos 1980, criticavam o pensamento feminista dominante até aquele momento. A perspectiva criticada seria aquela que desconsideraria as desigualdades de classe, bem como contextos de opressão variados nos quais mulheres não brancas e não heterossexuais estariam inseridas. Desse modo, o surgimento desses desenvolvimentos apontava para alguns vieses limitadores do pensamento feminista então predominante e interrogava a centralidade do gênero e da sexualidade em análises que se propunham a refletir sobre uma multiplicidade de experiências e posicionamentos desiguais de sujeitos. Essa inflexão acabou por questionar a própria possibilidade de existência da categoria "mulher" enquanto sujeito político universal da

luta

feminista.

Colocou

ainda

significativos

desafios,

tanto

para

o

desenvolvimento de reflexões que considerem diversas categorias de pertencimento inter-relacionadas ou interseccionadas, quanto para a construção de agendas comuns nos processos de mobilização política. Apesar das origens serem mais antigas, a proposta das interseccionalidades ou da análise dos marcadores sociais da diferença começa a ganhar mais corpo no Brasil nos primeiros anos da década de 2000. O dossiê publicado em 2002, pela Revista de Estudos Feministas sobre a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban no

2 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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ano anterior, é um indicativo dessa tendência . O conjunto de artigos reunidos destaca o impacto da atuação de mulheres negras no evento e nas reflexões a respeito do entrecruzamento entre racismo e sexismo. Nessa publicação, encontramos um artigo de Kimberlé Crenshaw, autora que figura como uma das precursoras do esforço de produção de uma crítica teórica e política a respeito da articulação de diferentes formas de opressão. O texto foi elaborado por ocasião de um dos encontros preparatórios para a Conferência realizada em Durban e, nele, a autora procura elaborar e apresentar uma metodologia para a análise dos "aspectos raciais da discriminação de gênero, sem perder de vista os aspectos de gênero da discriminação racial" (Bairros, 2002: 170). De acordo com Crenshaw, a perspectiva interseccional seria uma maneira de abordar a interação entre múltiplas formas de subordinação. A autora oferece como metáfora a imagem de avenidas constituídas por "eixos de poder" - como raça, etnia, classe e gênero - que "estruturam os terrenos sociais, econômicos e políticos" (Crenshaw, 2002:177). Crenshaw afirma que tais “avenidas” ou "eixos de subordinação", muitas vezes definidos como distintos, cruzam-se e frequentemente se sobrepõem, formando "intersecções complexas". Assim, conforme a autora, "grupos marcados por múltiplas opressões, posicionados nessas intersecções em virtude de suas identidades específicas, devem negociar o tráfego que flui através dos cruzamentos”. Esta seria, segundo Crenshaw, "uma tarefa bastante perigosa quando o fluxo vem simultaneamente de várias direções". A autora então propõe apreender os desdobramentos de "dinâmicas de interação entre um ou mais eixos de subordinação" no processo de formação das condições estruturais de desigualdade colocadas por tais "sistemas discriminatórios" (Idem). A sua 2

Para mais detalhes sobre a participação da delegação brasileira, em especial de mulheres negras na Conferência e o impacto na agenda não apenas do movimento social, mas também nas reflexões desenvolvidas a respeito da intersecção entre raça e gênero, ver os artigos de Suely Carneiro, Luiza Bairros, Nilma Bentes, entre outros, na Revista de Estudos Feministas, v.10, n.1, 2002.

3 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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argumentação é desenvolvida através da análise de episódios trágicos de violação de direitos humanos. Por exemplo, a violência sexual, relacionada também à etnia, contra mulheres refugiadas de regiões como Bósnia, Burundi, Kosovo, Ruanda. Uma série de fatores interagiria, de maneira interseccional, de modo a aumentar a "vulnerabilidade" à violência de mulheres inseridas nesses contextos. Ainda no mesmo dossiê, Maylei Blackwell e Nadine Naber abordam as "intolerâncias correlatas" de que tratava parte do título da conferência, "ou seja, os modos pelos quais o racismo se intersecta com a pobreza, a discriminação de gênero e a homofobia" (Blackwell e Naber, 2002: 191). As autoras destacam "novas tendências" e "novos atores" que, naquele momento, corroboravam para o "alargamento de nossa definição de racismo" e da sua intersecção com "múltiplas formas de opressão". Ressaltam ainda a importância de, durante a conferência, se ter incorporado questões de gêneroa discussões diversas, como migração, globalização e pobreza. Além disso, conferem especial destaque à inserção da opressão relacionada à orientação sexual na agenda dessas discussões. Ao traçar a trajetória do surgimento e dos usos da noção de interseccionalidades e/ou categorias de articulação, Adriana Piscitelli (2008) indica duas abordagens predominantes. A primeira delas, chamada de "linha sistêmica", seria justamente representada pelos desenvolvimentos de Kimberlé Crenshaw, nos quais se destacam os efeitos de estruturas de opressão sobre a formação de identidades. Piscitelli argumenta que os termos mobilizados nas reflexões de Crenshaw são bastante eficazes para os casos trabalhados pela autora, que se utiliza amplamente de categorias como "vulnerabilidade" e "desempoderamento". Entretanto, também retoma algumas visões críticas à formulação "sistêmica". De acordo com essas críticas, o caráter de determinação que vincula a formação de identidades a sistemas de subordinação de gênero, raça e classe, presente nesse tipo de formulação, estaria baseado em uma concepção de poder que considera apenas 4 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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o seu caráter repressivo, sem levar em consideração a sua dimensão relacional e pontuada por conflitos e resistências, também produtoras de sujeitos (Piscitelli, 2008: 267). Esse tipo de aproximação dificultaria, segundo a autora, a captura das possibilidades de agência dos sujeitos. Outro aspecto destacado seria a fragilidade oriunda da fusão das noções de diferença e desigualdade. Assim, essa visão crítica nos lembra que a existência de diferenças não implica necessariamente sua hierarquização e a estruturação de desigualdades. A segunda linha de desenvolvimentos, chamada de "construcionista", pode ser acompanhada através do trabalho de outras duas autoras: Anne McKlintock e Avtar Brah, cujas abordagens privilegiam "os aspectos dinâmicos e relacionais da identidade social". Comprendem, assim, como coisas distintas as categorias de articulação de diferenças e os sistemas de discriminação, de modo que as identidades seriam conformadas e se modificariam em relação a essas articulações. Logo, são abordagens que valorizam a dimensão relacional do processo de constituição de categorias sociais, políticas e culturais (Piscitelli, 2008). De acordo com Avtar Brah, as diferenças não podem ser tidas sempre como marcadores de hierarquia e opressão, pois há que se considerar a "variedade de maneiras como discursos específicos da diferença são constituídos, contestados, reproduzidos e resignificados" (Brah , 2006: 374). Logo, os aspectos contextuais e contingentes são fundamentais para distinguir entre situações nas quais a diferença se desdobra em opressão e desigualdade ou em agência e igualitarismo. Para desenvolver a sua reflexão, a autora explora os usos do termo "black" no contexto da Grã-Bretanha do pós-guerra. Uma das questões que discute gira em torno dos modos como a "diferença racial" se conecta a "diferenças e antagonismos" relacionados a gênero e classe. A autora demonstra como um sujeito político foi constituído através da resistência aos "racismos centrados na cor", transformando um termo pejorativo – “black” - em identidade coletiva e afirmativa de grupo (Idem: 333). 5 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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Na proposta de Brah, destaca-se o esforço em considerar as maneiras como marcadores da diferença constituem-se mutuamente, enfatizando a noção de articulação em detrimento da simples soma linear de elementos tidos como separados. Assim, conforme a autora, "estruturas de classe, racismo, gênero e sexualidade não podem ser tratadas como 'variáveis independentes' porque a opressão de cada uma está inscrita dentro da outra – é constituída pela outra e é constitutiva dela" (Idem: 351). A visão de "opressões múltiplas" concebidas não como a soma de termos essencializados, mas através de "seus padrões de articulação", faz com que o enfrentamento de opressões não seja pensado de maneira compartimentada e deixa espaço para o desenho de estratégias baseadas no entendimento de suas interconexões em contextos determinados. Anne McKlintock (2010) é outra autora que enfatiza a dimensão relacional implicada nesta noção de categorias de articulação. No contexto do imperialismo, analisa os modos como gênero está relacionado com sexualidade e também ao trabalho e intersecciona-se com raça que, por sua vez, é atravessada por gênero. Desse modo, em sua análise, demonstra como classe, raça e gênero não são esferas de experiência distintas que possam ser isoladas umas das outras. A autora recorre à imagem do Lego para explicitar que, para serem considerados em conjunto, esses marcadores não podem ser simplesmente encaixados como peças separadas, pois é preciso justamente analisar a sua existência, uns em relação aos outros, mesmo que tais articulações ensejem contradições e conflitos. Ao percorrer o trabalho dessa autora, Piscitelli (Piscitelli, 2008) destaca as aberturas para mudanças e negociações justamente colocadas por tais contradições: "McKlintock explora políticas de agência diversificadas, que envolvem coerção, negociação, cumplicidade, recusa, mimesis, compromisso e revolta" (Idem: 268). Vemos então que a arena de estudos que propõem o debate das interseccionalidades abriga mais de uma perspectiva e que estas podem ser 6 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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caracterizadas em função do modo como concebem as relações de poder na análise da articulação de diferenças. Como nota Laura Moutinho (Moutinho, 2014), o campo que se forma em torno das interseccionalidades entrecruza política e academia. As principais referências bibliográficas mobilizadas são análises produzidas por mulheres e é possível ler essas produções através dos modos como são informadas pelas experiências particulares das autoras. Vejamos três das referências que mencionamos até aqui. Kimberlé Crenshaw, nascida nos Estados Unidos, produz sob a influência do contexto do movimento pelos direitos civis. Moutinho (2014) destaca a percepção da lógica da estrutura legal do racismo norte-americano imbuída em suas reflexões. Avtar Brah nasceu na Índia, cresceu em Uganda, desenvolveu o início de sua formação nos Estados Unidos e, nos anos 1970, migrou para a Inglaterra, 3

onde se envolveu em movimentos anti-racistas, feministas e socialistas . Anne McKlintock nasceu no Zimbábue, ainda criança se mudou para a África do Sul, onde se envolveu no movimento anti-apartheid e, mais tarde, desenvolve seus estudos na Inglaterra e nos Estados Unidos. Vemos nesses três casos trajetórias pessoais marcadas por questões que posteriormente seriam trabalhadas e incorporadas em suas produções acadêmicas. Podemos dizer que atualmente a abordagem das “interseccionalidades”, “categorias de articulação” ou “marcadores sociais da diferença” refere-se tanto a um campo específico de estudos, quanto a uma perspectiva metodológica, que pode estar mais ou menos incorporada e/ou explicitada em pesquisas sobre os mais variados temas, mobilizando não apenas gênero, sexualidade, raça, etnia, classe, como vimos, mas também geração, território, deficiências, religião etc. Lançar mão dessa proposta metodológica, através da consideração de como se articulam os 3

Avtar Brah: "I have lived on four of the five continents of the globe – Africa, Asia, America and Europe. These experiences of displacement and dispersal have rendered questions of difference, solidarity and identity central to my work" (http://www.bbk.ac.uk/about-us/fellows/avtar-brah, acesso em junho de 2015).

7 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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variados marcadores sociais da diferença pertinentes ao problema ou questão a ser analisada, pode ajudar a enfrentar a dificuldade de lidar com campos de produção de saber que muitas vezes constituem-se de maneira separada. Ao realizar pesquisa entre migrantes brasileiras em países do “Norte”, Piscitelli (2008) demonstra como essas experiências são forjadas através do entrelaçamento de noções de raça, etnicidade, nacionalidade, gênero e sexualidade, sendo impossível compreendê-las a partir da consideração de apenas uma ou duas dessas categorias. O fato das migrantes serem “brasileiras”, no contexto dos países pesquisados, as classifica como mestiças, independentemente da cor da pele ou de serem consideradas brancas ou negras no país de origem. É a nacionalidade que as posiciona como mestiças, logo, a classificação racial aqui se entrelaça com os modos como o Brasil é representado no cenário global. Piscitelli ainda demonstra como essa racialização é sexualizada. A inserção do Brasil em certo circuito do turismo sexual nos últimos anos acentuaria a relação entre essas categorias. As brasileiras migrantes são associadas ao trabalho sexual, ainda que a maioria não possua vinculação com essa atividade. Em diálogo com outras pesquisas relacionadas a contextos de migração, a autora demonstra que muitas migrantes brasileiras engajam-se nos setores de comércio e de serviços, especialmente em serviços domésticos relacionados ao cuidado de crianças e idosos. Para a associação com o trabalho sexual corroboram noções estereotipadas segundo as quais as brasileiras, por serem mestiças, seriam dotadas de uma disposição inata para o sexo e daí de uma certa tendência para a prostituição. Essas ideias interagem ainda com certas concepções de feminilidade associadas à submissão, domesticidade e disposição para a maternidade. A investigação aponta que podem existir variações a respeito dessas considerações a depender do contexto migratório específico, dos países de origem, da posição de classe ocupada e do tom da pele e fenótipo das mulheres. As 8 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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"tropicalizações" ou "imagens sexualizadas e racializadas" que reverberam nas latino-americanas que migram para os países do “Norte” operam de maneiras distintas a partir da interação desses marcadores com aqueles que atravessam os seus países de origem. Assim, Colômbia, Brasil e Cuba, representados por misturas raciais de traços mais africanos, são aqueles relacionados com as noções mencionadas acima. Já sobre as migrantes originárias de países latino-americanos nos quais seria mais presente a mestiçagem indígena não incidiriam com a mesma intensidade os traços de sensualidade dessas "tropicalizações". Piscitelli demonstra então que a articulação entre "nacionalidade, gênero e sexualidade e o particular estilo de racialização permeado por essas diferenças incide em um racismo etnicizado" (Idem: 271). A autora ainda chama a atenção para os espaços de "resistência e rejeição" e para as brechas e possibilidades colocadas pelas contradições e ambiguidades dispostas por esses mesmos processos de racialização/sexualização articulados a outros marcadores sociais de diferença. Buscando negociar os posicionamentos desiguais nos quais estão inseridas nesse contexto de migração internacional, as brasileiras podem manejar performativamente determinados atributos que são a elas associados: "tanto no mercado de trabalho como no mercado de casamento, as conexões da feminilidade brasileira com a ideia de serem amigáveis, de terem um compromisso com a domesticidade, de serem muito limpas e de terem uma natural propensão para o cuidado e também para a sensualidade, se tornam parte do arsenal que essas mulheres utilizam na luta por um lugar melhor nesses cenários" (Idem:271). Assim, valendo-se de alguns dos desenvolvimentos de Avtar Brah, Piscitelli consegue descortinar aspectos fundamentais dessas experiências e trajetórias, que revelam dinâmicas complexas entre situações que envolvem discriminação e opressão, mas também estratégias e negociações.

9 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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Também podemos perceber possibilidades de agência e de contornar situações

desiguais

nas

dinâmicas

envolvendo

o

cruzamento

entre

(homos)sexualidade, cor/raça, classe e violência, expostas no trabalho desenvolvido por Moutinho (2006). Ao abordar relacionamentos inter-raciais através das trajetórias de jovens gays moradores dos subúrbios e favelas do Rio de Janeiro, surge com destaque o "campo de possibilidades" mais amplo de que o "gay mais escuro e mais pobre" disporia em relação "as mulheres e os homens heterossexuais e travestis que também vivem em regiões empobrecidas da cidade do Rio de Janeiro" (Idem:113). A autora demonstra como o entrecruzamento de diferentes marcadores sociais da diferença não pode ser compreendido apenas segundo a lógica da simples soma de subjugações. Orientação sexual e raça podem se consubstanciar, através de atribuições que articulam diferenças de classe e o mesmo pode acontecer com gênero, nacionalidade, raça e sexualidade, como vimos. Mas essas articulações produzem “fissuras”, que permitem deslocamentos e de negociações por parte dos sujeitos de seus posicionamentos em contextos de desigualdades. Ao lidar com outro tipo de contexto, relacionado aos ativismos políticos, Guilherme Almeida & Maria L. Heilborn (Almeida e Heilborn, 2008) discutem o percurso de formação da "identidade lésbica" e as nuances implicadas em torno de sua mobilização política. Os autores tecem considerações fundamentais a respeito da relação entre cor/raça, classe e performances de gênero nas trajetórias de mulheres integrantes de movimentos de lésbicas. Para tratar dos estereótipos sexuais associados a "mulher-negra-lésbica", os autores acionam alguns dos desenvolvimentos de Moutinho (2004) a respeito de como o vetor "cromático" que se articula às assimetrias de gênero pode imprimir sentidos particulares aos trânsitos "libidinais" envolvidos em relações heterocrômicas (ou inter-raciais). Esses estereótipos sexuais associados à exotização racial são refletidos nas figuras da "mulata lésbica" - "constituída nos moldes dos atributos de gênero feminino" e da 10 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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"fancha negra" - "comumente constituída nos moldes do homem negro" (Idem: 245). Nesse sentido, os autores argumentam que raça, gênero e classe social são aspectos inter-relacionados e inseparáveis da discussão sobre os modos de engajamento político acionados pelos sujeitos desse campo e que considerar as maneiras como se interseccionam contextualmente é fundamental para a 4

compreensão de formas de produção das diferenças e de sua hierarquização . Por fim, como nos chama a atenção Moutinho (2014), cabe apontar para a importância da perspectiva interseccional em projetos políticos e acadêmicos que se dedicam não apenas à reflexão sobre a constituição de sujeitos, subjetividades e agenciamentos, mas também sobre o reconhecimento de identidades e a construção de políticas de enfrentamento às desigualdades sociais. Nesse sentido, essas produções enfrentam o desafio de traduzir experiências múltiplas em termos de classe, raça, etnia, religião, nacionalidade etc, em uma linguagem inteligível e que permita o acesso a direitos. Na cena política, em diferentes situações, muitas vezes os marcadores sociais de diferença são agregados de forma a somar sujeições e a "lógica das opressões combinadas" é utilizada na busca de legitimação de direitos. E, na elaboração de políticas públicas, a consideração das múltiplas diferenciações que podem corroborar na estruturação de desigualdades por vezes tem sido traduzida na 5

adjetivação de características cada vez mais específicas aos sujeitos . O fato das interseccionalidades surgirem como um campo particular de estudos, em expansão no Brasil a partir do início dos anos 2000, não significa que 4

Para uma abordagem mais detalhada das relações de engajamento mobilizadas por sexualidade, gênero e raça entre ativistas lésbicas, ver Almeida (2005). 5

Como exemplo, podemos olhar para o Plano Nacional LGBT lançado pelo governo federal em 2009. Na introdução do documento temos os “recortes” que devem ser considerados em todas as suas ações: "Garantir os recortes de gênero, orientação sexual, raça/etnia, origem social, procedência, nacionalidade, atuação profissional, religião, faixa etária, situação migratória, especificidades regionais, particularidades da pessoa com deficiência, é uma preocupação que perpassa todo o Plano e será levada em conta na implementação de todas as suas ações" (Brasil, 2009: 9).

11 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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muitas análises anteriores já não trouxessem essa perspectiva . No entanto, podemos notar certa correlação entre a expansão desse referencial para o campo acadêmico e algumas das orientações que, no mesmo período, começavam a ser desenhadas no campo político, seja do ativismo, seja das políticas públicas.. Através de uma leitura das relações políticas engendradas entre aquele que já foi conhecido como "Movimento Homossexual" e que hoje denominamos "Movimento LGBT" e esferas de governo na última década, podemos perceber como progressivamente a homossexualidade como o termo englobante que caracterizaria a experiência de um conjunto de sujeitos começou a dar lugar à expressão “orientação sexual e identidade de gênero”. O uso do termo identidade de gênero, forjado especialmente para “incluir” sujeitos que se definiriam mais pelos atributos de gênero incorporados ou desempenhados do que pela orientação sexual, também parece ter ganhado corpo progressivamente a partir da primeira década dos anos 2000. Da leitura extensa apresentada por Simões e Facchini (2009) sobre os processos de incorporação de "identidades" no Movimento LGBT, os autores ressaltam que até 1992 os encontros nacionais do movimento eram chamados de "Encontro de Homossexuais". Em 1993, o termo "lésbica" foi incorporado. Em 1995, a denominação utilizada foi "Encontro de Gays e Lésbicas" e a reunião de 1997 ganhou a adesão do termo "travestis". Apenas em 2005 passa-se a fazer referência aos termos "transexuais" e "bissexuais" e também nesse ano foram formadas redes e associações nacionais para esses “segmentos”. Vemos então nessa trajetória um movimento que começou majoritariamente composto por homens "gays" e que, ao longo da década de 1990, foi acrescentando e multiplicando o seu

6

Operando nessa chave, Moutinho (2014) os trabalhos de Landes (2002[1947]), Pacheco (1986), Stolcke (1991), Sansone (1994), Corrêa (1996 e 2000), Carrara (1996), entre outros.

12 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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alfabeto de "identidades" . Como destaca Carrara (2013), a "implosão da categoria homossexualidade" e a progressiva segmentação em diferentes identidades sociais do que anteriormente estaria abarcado sob a categoria - está relacionada a disputas por recursos e representatividade. Se ainda na década de 1990 mulheres lésbicas passaram a reivindicar maior visibilidade, alegando que a categoria homossexual pressuporia um sujeito masculino, nos anos 2000 são travestis e transexuais que pleitearão mais espaço e reconhecimento político. O autor também aborda o modo como a "fragmentação da homossexualidade" destacou, no plano político, os debates que também vinham ocorrendo no plano teórico, como as discussões trazidas pelas "críticas feministas e queer" que questionavam a coerência linear 8

compulsória entre sexo, orientação sexual e identidade de gênero . Devemos considerar ainda que tais formulações são influenciadas também por relações e estratégias mobilizadas pelo movimento social a partir da leitura de conjunturas e contextos políticos determinados. Nesse sentido, cabe destacar a intensificação da organização do movimento de travestis e transexuais a partir da metade da primeira década dos anos 2000 (Carvalho e Carrara, 2013) e lembrar que, em 2008, foi instituído o processo transexualizador no âmbito do SUS, fruto

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Para uma leitura da história do Movimento ver MacRae (1990), Facchini (2003 e 2005). Para um percorrido histórico mais amplo sobre a trajetória da "homossexualidade no Brasil do século XX", ver (Green, 2000). 8

Vianna (2009) destaca as “provocações ruidosas” e as “dissidências inscritas no e pelo gênero” que surgem com a entrada em cena de travestis e transexuais que reivindicam o tratamento de seus relacionamentos afetivosexuais como relações heterossexuais. Dessa forma, provocam a “matriz de inteligibilidade” que pressupõe a coerência linear e encadeada entre sexo anatômico, performance de gênero e orientação sexual (Butler, 2008). O início dos anos 2000 é marcado por um período de inflexão e multiplicação do campo de estudos e pesquisas em gênero e sexualidade. Para um balanço dos estudos sobre diversidade sexual e de gênero no Brasil, a partir de uma leitura feita do campo socio-antropológico, ver Simões e Carrara (2014).

13 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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de debates que já vinham ocorrendo anteriormente . E, especialmente nos últimos anos, podemos indicar o crescimento da organização e visibilidade do movimento de homens transexuais (Almeida, 2012). Constitui-se assim um contexto mais abrangente que amplia a visibilidade de diferentes identidades e experiências de sujeitos na cena pública; experiências e identidades sociais que se articulam através da complexo cruzamento de diferentes marcadores sociais da diferença.Fica claro, enfim, que identidades cada vez mais específicas vão sendo construídas e reconstruídas, compreendidas e assimiladas de forma diferente ao longo do tempo. Além de uma relativa autonomização do movimento de lésbicas, travestis e transexuais em relação à coletividade LGBT, para além da orientação sexual e da identidade de gênero, outros marcadores passam a compor o leque de especificidades a serem contempladas para a "correta" representação de 10.

determinados sujeitos, como raça, local de moradia, geração etc

Se girarmos o foco novamente para o âmbito mais amplo da gestão de políticas governamentais, a orientação de abordar determinados temas através de políticas transversais e intersetoriais vem sendo adotada, sobretudo em relação a gênero e raça, mas também em relação a algumas populações específicas, tais como: LGBT, juventude, idosos, pessoas com deficiência, indígenas, pessoas em situação de rua. A adoção da transversalidade e da intersetorialidade as concebe como diretrizes imprescindíveis para alcançar condicionantes "multidimensionais" de situações de desigualdade, ancoradas na "perspectiva da universalidade, 9

Instituído pela primeira no SUS pela Portaria nº 1.707, de 18 de agosto de 2008. Uma reconstrução do percurso dos debates políticos e acadêmicos que envolveram a publicação da Portaria pode ser encontrado em : Arán et al. (2008) e Murta (2011). 10

Percorrendo o campo do ativismo LGBT podemos notar como na última década o apelo e adesão às "especificidades" forjam sujeitos particularmente definidos como "negros e negras LGBT", "LGBT moradores de favelas e/ou periferias" ou "jovens e adolescentes LGBT". Especialmente para uma reflexão sobre LGBT moradores de favelas, ver Leite Lopes (2011). A respeito da discussão sobre a constituição de "adolescentes LGBT" como uma nova categoria para as políticas públicas, ver Leite (2014). Para uma reflexão sobre as disputas e negociações internas às diferentes identidades que compõem a coletividade LGBT, ver Aguião (2014b).

14 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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indivisibilidade e interdependência dos direitos" (Brasil, 2010). A ampliação de ações e políticas governamentais direcionadas para populações específicas e a ampliação do "elenco de direitos" (Adorno, 2010) reconhecidos pelo Estado brasileiro intensificam-se na primeira década dos anos 11

2000 . Um indicativo da maneira como essa perspectiva foi ganhando espaço pode ser percebida através da inflexão que se inicia na passagem da década de 1990 para o início dos anos 2000 na própria estrutura do governo executivo federal. A progressiva autonomização da Secretaria de Direitos Humanos,

de

instância

subordinada a um ministério até chegar ao estatuto de ministério, e o modo como “populações específicas” ganharam instâncias administrativas destacadas em sua 12

estrutura, podem ser lidas como um reflexo dessa inflexão . Hoje, na Secretaria de Direitos Humanos (SDH) existem coordenações e programas específicos para crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e LGBT. Além disso, em 2003, foram criadas a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

11

Mais uma vez, o fato de ganharem destaque nos anos 2000 não significa que não sejam processos que já vinham sendo desenhados há algum tempo. Carrara e Vianna (2008: 335) apontam a Constituição de 1988 como um "marco fundamental a partir do qual a sexualidade e a reprodução se instituíram como campo legítimo de exercício de direitos no Brasil", apesar da tentativa de inclusão de "orientação sexual" no artigo que trata da proibição de discriminação com base em "origem, raça, sexo, cor e idade" não ter logrado. Os autores destacam as "políticas de corte identitário" que ganharam terreno progressivamente pós-constituição, processo correlato a "reelaboração dos Direitos Humanos no século XX, [que] tem seu lugar no texto de 1988 em diversos momentos, indicando a necessidade de se reconhecer a qualidade diferenciada dos problemas que atingem 'segmentos' diversos (mulheres, crianças, povos indígenas etc)" (Idem:353). Portanto, tal disposição seria reflexo de certa concepção internacional a respeito dos direitos humanos e teria como desdobramento uma determinada maneira de articulação política que relega "aos 'sujeitos' o lugar principal nesse jogo" (Idem:353). 12

Em 1997 a Secretaria dos Direitos da Cidadania foi substituída pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, tendo entre as suas atribuições monitorar as ações do Programa Nacional de Direitos Humanos, ainda compondo a estrutura do Ministério da Justiça. Em 1999, a secretaria foi transformada em Secretaria de Estado de Direitos Humanos e ganhou assento nas reuniões ministeriais. Como mencionado acima, a III Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban em 2001, e a série de eventos preparatórios que a antecederam, têm grande influência na forma como se dará esse processo. Para mais informações sobre esse processo ver Aguião, 2014.

15 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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(SEPPIR) e a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM)13 e, em 2005, foi criada a Secretaria Nacional de Juventude. Assim como a SDH, todas essas secretarias têm como um de seus principais propósitos incentivar e acompanhar a promoção de "políticas transversais" e a inserção de seus temas nas agendas dos demais ministérios. Não coincidentemente, a partir do mesmo ano de criação da SPM e da SEPPIR, a formulação do Plano 14

Plurianual (PPA) 2004-2007

introduziu a transversalidade como diretriz para a

gestão federal "especialmente no que diz respeito às ações voltadas para determinados grupos populacionais e aos temas que os afetam" (IPEA, 2009: 779). O documento ainda aponta que a transversalidade se colocaria como um "desafio" para a concepção mais comum de condução de políticas de "forma setorial", seguindo a "divisão da administração pública em setores" (educação, saúde, trabalho etc.). Essa forma de atuar precisaria ser superada para que o enfrentamento de "determinados problemas existentes na sociedade" não seja feito 15

de "modo fragmentado e superficial" (Brasil, 2006) . Podemos afirmar, então, que mesmo que seja através de termos, abordagens e leituras distintas, a consideração dos diversos marcadores sociais da diferença configura-se hoje como um desafio para as reflexões acadêmicas, para a composição 13

A mesma lei criou a Secretaria Especial de Direitos Humanos. Em 2010, a Secretaria deixou ter caráter especial, através de uma medida provisória presidencial (de 25 de março de 2010) e então passa a ser chamada apenas de Secretaria de Direitos Humanos (SDH). 14

O Plano Plurianual ou PPA é o planejamento de gestão governamental que estabelece “objetivos,diretrizes e metas” para um período de 4 anos de administração. 15

A "mensagem presidencial" publicada junto com a divulgação do Plano Plurianual 2004 – 2007, diz: "O Governo assume como objeto permanente, por meio do Plano Plurianual 2004 – 2007, o princípio da transversalidade de gênero na formulação e desenvolvimento das políticas públicas, incluindo-se aí todos os setores de atuação e segmentos de poder. Na intensa discussão estabelecida com a sociedade sobre desigualdade social, as variáveis relativas a sexo, raça e etnia tornam o quadro ainda mais complexo e dramático. As diferenças de gênero e raça, em relação à qualidade de vida e acesso a oportunidades, demonstram que a igualdade de direitos no Brasil ainda é um princípio não concretizado" (Brasil, 2003).

16 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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das pautas e agendas do ativismo e também para a construção e gestão de políticas públicas. _____________ Referências bibliográficas ADORNO, Sergio. História e Desventura: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Novos Estudos CEBRAP, 86, março, 2010. AGUIÃO, Silvia. "Fazer-se no Estado": uma etnografia sobre o processo de constituição dos 'LGBT' como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Tese de Doutorado. Programa de Doutorado em Ciências Sociais. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, 2014a. AGUIÃO, Silvia. "Não somos apenas um conjunto de letrinhas": disputas internas e (re)arranjos da política "LGBT". Comunicação apresentada no GT33 - Sexualidade e gênero: sujeitos, práticas, regulações do 38o Encontro Anual da ANPOCS Caxambu/MG, 2014b. ALMEIDA, Guilherme S. de. Da invisibilidade à vulnerabilidade: percursos do “corpo lésbico” na cena brasileira face à possibilidade de infecção por DST e Aids. [Tese de doutorado] Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PPGSC/ IMS/ UERJ, 2005. ALMEIDA, Guilherme S. de. Homens Trans: novos matizes na aquarela das masculinidades. Revista Estudos Feministas. 20 (2), maio-agosto. Florianópolis, 2012, pp. 513-523. ALMEIDA, Guilherme; HEILBORN, Maria Luiza. Não somos mulheres gays: identidade lésbica na visão de ativistas brasileiras. Gênero (9), Rio de Janeiro, UFF, 2008, pp. 225-249. ARÁN, Márcia; LIONÇO, Tatiana; MURTA, Daniela; VENTURA, Miriam; LIMA, Fátima; GONÇALVES, Lidiane. Transexualidade e saúde pública: acúmulos consensuais de propostas para atenção integral, 2008. (Disponível em: http://www.ccr.org.br/uploads/eventos/seminariomar10/transexualidade%20%20ac%C3%BAmulos%20consensuais.pdf, acessado em junho de 2015). BAIRROS, Luiza. Apresentação do Dossiê III Conferência Mundial Contra o Racismo. Revista Estudos Feministas (10), nº 1, Florianópolis, UFSC, 2002, pp169-170.

17 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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19 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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20 Como citar: AGUIÃO, Silvia. A produção de identidades e o reconhecimento de sujeitos e direitos: algumas possibilidades da perspectiva interseccional e da articulação de marcadores sociais da diferença. Curso de Especialização em Gênero e Sexualidade - EGeS. Disciplina 3 – Sexualidade. Material Suplementar. Rio de Janeiro, CLAM/IMS/UERJ, 2015.

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