2015. Coberturas jornalísticas (de)marcadas: a greve dos professores na mídia paranaense em 2015

June 15, 2017 | Autor: C. Quesada Tavares | Categoria: Journalism, Jornalismo
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COBERTURAS JORNALÍSTICAS

(DE)MARCADAS

A greve dos professores na mídia paranaense em 2015

Sérgio Luiz Gadini (Org.)

série referência

coleção

EDITORA ESTÚDIO TEXTO Diretora Josiane Blonski Editora-chefe Ana Caroline Machado

Conselho Editorial Dra. Anelize Manuela Bahniuk Rumbelsperger (UFPR) Ms. Antonio José dos Santos (IST/SOCIESC) Esp. Carlos Mendes Fontes Neto (UEPG) Dr. Cezar Augusto Carneiro Benevides (UFMS) Dr. Edson Armando Silva (UEPG) Dr. Erivan Cassiano Karvat (UEPG) Dra. Jussara Ayres Bourguignon (UEPG) Dra. Lucia Helena Barros do Valle (UEPG) Dra. Luísa Cristina dos Santos Fontes (UEPG) Dr. Marcelo Chemin (UFPR) Dr. Marcelo Engel Bronosky (UEPG) Dra. Marcia Regina Carletto (UTFPR) Dra. Maria Antonia de Souza (UTP/UEPG) Dra. Marilisa do Rocio Oliveira (UEPG) Dr. Niltonci Batista Chaves (UEPG) Conselho Editorial ad hoc Prof. Dr. Juliano Maurício de Carvalho (UNESP)

COBERTURAS JORNALÍSTICAS

(DE)MARCADAS

A greve dos professores na mídia paranaense em 2015

Sérgio Luiz Gadini (Org.)

série referência

coleção

© Sérgio Luiz Gadini Coordenação editorial Editora Estúdio Texto Capa e projeto gráfico Ana Caroline Machado Diagramação Ana Caroline Machado e Sidnei Blonski Revisão Sérgio Luiz Gadini Supervisão Editorial Josiane Blonski Foto de Capa Rafael Schoenherr

Ficha Catalográfica Elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação BICEN/UEPG

C655

Coberturas jornalísticas (de)marcadas : a greve dos professores na mídia paranaense em 2015 [livro eletrônico]/ organizado por: Sérgio Luiz Gadini. Ponta Grossa : Estúdio Texto, 2015. (Série Referência) 217 p.; il.; pdf. ISBN: 978-85-67798-52-3 1. Comunicação. 2. Paraná – história. 3.Greve – professores. 4. Mídia. I. Gadini, Sérgio Luiz. II. T. CDD: 070.43

A coordenação editorial e a organização da presente coletânea não se responsabilizam pelos conceitos, avaliações e tampouco pelas citações ou referências bibliográficas dos textos. Tais escolhas, estruturas e abordagens são de exclusiva responsabilidade de autores/as que assinam os respectivos textos (artigos ou ensaios).

Rua Augusto Severo, 1174, Nova Rússia – Ponta Grossa – Paraná – 84070-340 (42) 3027-3021 www.estudiotexto.com.br

SUMÁRIO Prefácio - El valor de explicar los hechos: rigurosidad científica y compromiso social ..................................................................... César Arrueta Apresentação Denise Cogo ........................................................................................................

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Memórias, vidas em risco e alguns desafios da pesquisa em jornalismo no Paraná .................................................................................... Sérgio Luiz Gadini

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“29 de abril”... Para pensar o acontecimento discursivo na cobertura jornalística da greve dos professores do Paraná .............. Angela de Aguiar Araújo

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A cobertura da greve no Paraná pelas redes sociais: uma análise do conteúdo publicado pela página da Gazeta do Povo no Facebook ............................................................................................................... Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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A cobertura do ‘massacre’ de 29 de abril 2015 pelos diários impressos paranaenses ................................................................................... Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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A greve das universidades estaduais em portais de jornais paranaenses: enquadramentos e temas predominantes no primeiro momento da mobilização de 2015 .......................................... Fernanda Cavassana de Carvalho, Rafael Silva Buiar e Emerson Urizzi Cervi

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As mediações de um fato social: o uso do frame “black blocs” na cobertura midiática do ‘massacre de 29 de abril’ ........................... Felipe Simão Pontes

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Critérios de noticiabilidade em mídias digitais na greve do Paraná em 2015 – Relatos de três veículos ............................................. 100 Cintia Xavier e Manoel Moabis Giletepress e conformidades do jornalismo regional: a reprodução dos conteúdos da Agência Nacional de Notícias pelos Diários dos Campos e Jornal da Manhã no período da greve dos professores 2015 .......................................................................... 117 Hebe Maria Gonçalves de Oliveira Massacre 29 de abril: exemplo de fotojornalismo e construção da memória do Paraná ................................................................................... Elaine Schmitt e Marcia Boroski

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Memes do 29 de abril: Uso de metáforas digitais para narrar a greve dos professores do Paraná fora da mídia tradicional ............. 144 Isadora Ortiz de Camargo e Sérgio Luiz Gadini Mídia e propaganda política na greve dos servidores públicos do Paraná: Impasses do direito à comunicação democrática ................. 163 Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos O acontecimento em 140 caracteres: os protestos de 2015, no Paraná, pelo Twitter ......................................................................................... Denis Renó e Andressa Kikuti

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O Jornalismo como fragmentador da memória coletiva: o caso 29 de Abril ............................................................................................ Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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O uso das charges como estratégia comunicativa no contexto da greve do funcionalismo público do Paraná em 2015 ................... 202 Rozinaldo Antonio Miani Sobre os autores e autoras ............................................................................ 216

Prefácio El valor de explicar los hechos: rigurosidad científica y compromiso social Dr. César Arrueta1

“Las ciencias sociales oficiales trabajan para la autosatisfacción académica, para tener cada vez más lecciones y hacer cada vez más disertaciones. Se han olvidado del compromiso ético de ayudara los hombres en la solución de los problemasmás importantes…” M. Horkheimer

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l libro “Coberturas jornalísticas (de)marcadas: a greve dos professores na mídia paranaense em 2015”, organizado por Sérgio Luiz Gadini (UEPG) resulta un esfuerzo de la academia regional brasilera por entender circunstancias concretas de su entorno: el conflicto sucedido a partir del reclamo de los servidores públicos y la desmedida reacción del Estado. Se aborda esta cuestión desde una mirada participativa, crítica y convergente que busca, en esa integración, sumar perspectivas complementarias a una problemática compleja e injusta. Así el conflicto puede entenderse, con horizonte teórico ybase empírica,desde diferentes planos: publicitario, opinión pública, entornos digitales, movimientos sociales, prácticas periodísticas y discursos. En todos los casos, subyace un interés historiográfico desde el cual se intenta asignar sentido a las prácticas identificadas. 1. Prof° de Comunicação Social da Universidad Nacional de Jujuy (UNJu), Argentina, Pesquisador do CONICET. César Arrueta

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Puntualmente quiero destacar el trabajo de campo realizado, pues denota un conocimiento y compromiso académico con los actores sociales involucrados, a quienes se interpela desde sus propias significaciones. Según criterio personal, la posición explícita y vivencial de los investigadores frente a su objeto enriquece los marcos de abordaje e interpretación, favoreciendo la producción de explicaciones contextuadas y transparentes. En coordenadas de producción, no dudo en afirmar que cada artículo que integra esta compilación contiene una matriz responsable en términos teóricos y empíricos. Es decir, no son (y hubiese sido un tentación para muchos) meros panfletos promovidos por sentimientos radicales o puentes ideológicos. Son artículos científicos estructurados como tales, que contienen -en todos los casos- marcos teóricos y bases empíricas verificables. Esa característica lo convierte en un producto respetable y de consulta para la comunidad universitaria, en particular, y la sociedad brasilera en general. Se trata de un trabajo que da cuenta del esfuerzo que realizan docentes/investigadores por entender cuestiones que atraviesan su propia cotidianeidad y de la cual no pueden escapar. La respuesta de la academia resulta, entonces, una forma directa de involucramiento, sin dejar de lado valores epistémicos y mecanismos de validación tan necesarios como indispensables en esta instancia de producción de conocimiento. En este contexto, el libro realiza, a mi entender, tres aportes fundamentales: Construcción del campo comunicacional. Aporta a la construcción del campo comunicacional, con mirada regional, desde la integración colectiva, a partir de la identificación de demandas y necesidades (empíricas, teóricas y epistemológicas) concretas que surgen en diferentes instancias: áulicas, de investigación, intercambio e inclusive, en la protesta. Dar cuenta de esas demandas y necesidades teóricas y metodológicas es una responsabilidad del docente/investigador, que no debe circunscribirse únicamente a la función del diseño curricular y con ello, a las estrategias pedagógicas. Eso sería, en cierto modo, solo cumplir una función descriptiva. La otra tarea es la problematización y producción de conocimiento, en contexto, que sí aporta este libro. Se trata, entonces, de un mirada comprometida, pero rigurosamente científica. Conocimiento social. La convicción de que el conocimiento excede el ámbito de la teoría y que debe ser estudiado en su componente práctico, está en la base de la ciencia. Hablo de la ubicación geográfica, social y profesional delos autores y con ello, el contexto en el cual se realiza ese saber, en sus condiciones de producción, circulación y apropiación. César Arrueta

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Esto nos lleva a pensar entonces que los científicos sociales no pueden dejar de forma parte de las relaciones sociales de su época porque todo saber acerca de la sociedad esta precedido por una situación de pertenencia a una historia, a una noción de prioridades. Lo que este libro pone en evidencia son las prioridades temáticas que cada autor enfoca en su trabajo y con ello, el valor del compromiso social. No existe un conocimiento o enunciados explicativos que estén por fuera de los intereses de la comunidad y este libro es un buen ejemplo para retratar esta vinculación, tan necesaria e imperiosa en América del Sur. Integración. Advertir que una cuestión tan sensible como compleja debe ser “mirada” por distintos autores, con procedencia académica divergente, es un acierto. No se trata de enfoques unívocos pues ello derivaría en cierto sectarismo que poco suma a la ciencia. A lo largo del libro puede identificarse el gran esfuerzo que hace su organizador por aglutinar distintos horizontes como “ventanas” desde la cual mirar el conflicto. Sería un pecado convertir este esfuerzo en una espada biliosa de la academia. Afortunadamente se trata de un faro de luz que ayuda a la interpretación de los hechos, con motivación crítica y vocación de cambio. Esos son valores que deben cultivarse en las Universidades Públicas.

Con estos aportes, el libro que tengo en mis manos duplica su carácter amplificador. La significancia asignada por los autores y los sentidos que circulan desde y hacia el conflicto son un terreno que posibilita indagar acerca de los procesos de construcción de identidad y cultura, expresando el valor estratégico de la comunicación. Es un buen parámetro para entender que la densidad de estos procesos no radica –necesariamente- en la simple dimensión descriptiva del hecho, sino en saber dar cuenta de la trascendencia contextual que las organizaciones (cualquiera sea su matriz) pueden construir simbólicamente. El estudio que aquí se presenta es un ejemplo contundente de ello. Por otra parte, rescato su aporte desde la periferia. Personalmente he investigados en escenarios de tensión entre centralidad y periferia, partiendo de la idea que es necesario explorar y dar cuenta de las particularidades de fenómenos que suceden por atención central. El libro, en concordancia con este planteo, aborda la cuestión comunicacional a partir de la consideración de hecho no ubicado en la centralidad de Brasil (al menos en sus grandes ciudades). Por ende, hace visibles procesos detensión y negociación que ayudan a comprender la diversidad de la cartografía académica/comunicacional del hermano país. Finalmente quiero rescatar su valor de convergencia. El tema abordado tiene la gran característica de hacer converger, en su planteamiento y objetivo integrador, un conjunto de líneas teóricas César Arrueta

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y demandas académicas que están estrechamente vinculadas con el carácter multidimensional de la comunicación. Por lo expuesto, es válido concluir que se trata de un libro de actualidad, valioso y obligatorio, que desnuda -por un lado- la vocación crítica y de transformación de un grupo de colegas que tengo el gusto de conocer y trabajar. Por otro lado, da cuenta de la importancia de la producción académica puesta al servicio de los temas sociales. Sólo con intervenciones responsables es posible pensar en un cambio de contexto, circunstancias y mentalidades. De nada sirven docentes apacibles, en un mundo cada vez más hostil. Afortunadamente, pese a la adversidad, siguen publicándose trabajos que valen el esfuerzo producir, circular y socializar; con vocación militante y ante todo, la satisfacción de la tarea cumplida. Que este libro sea, entonces, otro paso más para intervenir responsablemente en la gravitación de los temas que captan la atención popular y la comprensión sus razones, derivaciones posibles y campos de acción.

Jujuy, septiembre de 2015.

César Arrueta

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Apresentação Denise Cogo1

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obra “Coberturas jornalísticas (de)marcadas: a greve dos professores na mídia paranaense em 2015”, organizada por Sérgio Gadini, reúne um conjunto de pesquisadores que, de diferentes ângulos teórico-conceituais e posicionamentos metodológicos, convergem no esforço de sistematização e compreensão crítica das múltiplas dimensões que marcaram a cobertura midiática de um dos episódios de grande relevância na história dos movimentos sociais e sindicais brasileiros na atualidade – a greve dos professores do estado do Paraná ocorrida em 2015. Em interface com as teorias da comunicação e do jornalismo, noções conceituais como acontecimento, mediações, memória, opinião pública, política, cidadania e movimentos sociais, são convocadas pelos autores da obra na perspectiva de proporem leituras sobre a construção midiática da greve na educação do estado do Paraná em 2015. Leituras que colaboram para reafirmar que as mídias se consolidaram, no Brasil, como instâncias de disputa simbólica e política capazes de pautar, conduzir e consolidar visões e agendas estratégicas envolvendo a vida social brasileira e alguns dos principais atores que dela participam – professores, sindicalistas, políticos, empresários, etc. No entanto, os textos aqui publicados informam que as lutas simbólicas em ambientes midiáticos, especialmente no contexto da ascensão da cultura e comunicação digitais, continuam a ser tecidas também nas resistências dos próprios atores sociais que, na condição de partícipes diretos ou indiretos das mobilizações, se engajam, de

1. Dra. Denise Cogo, Professora titular do Programa de Pós-Graduação e Comunicação e Práticas de Consumos da ESPM (SP), Pesquisadora do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Denise Cogo

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forma crescente, na produção de fluxos comunicacionais contrahegemônicos para, a partir de apropriações de suportes e linguagens das mídias digitais, oferecerem outros sentidos e legitimarem suas lutas por cidadania. Se, por um lado, as abordagens dos textos reafirmam a força das organizações midiáticas tradicionais na construção da realidade social, inclusive a partir de sua presença em ambientes digitais, por outro lado, nos deixam antever as dinâmicas comunicacionais de desestabilização dos discursos midiáticos hegemônicos que derivam do engajamento de diferentes setores dos movimentos sociais e da sociedade na disputa pública e política de versões de um mesmo acontecimento. Como um empreendimento coletivo de reflexão científica, a obra organizada por Sérgio Gadini colabora efetivamente para a reconstrução e permanência na memória coletiva de um acontecimento social, midiático e jornalístico, de extrema relevância para a agenda cidadã do Brasil contemporâneo, em um contexto sócio-comunicacional em que a velocidade, a fragmentação e a transitoriedade – como traços característicos da sociedade rede e da cultura digital – têm colaborado para o debate público, mas também para a rápida diluição da memória sobre fatos de nossa vida social recente. Resultantes de abordagens empíricas possibilitadas por experiências vivenciais de pesquisadores-educadores que participaram como atores-espectadores da greve de professores do estado do Paraná, os textos aqui reunidos revelam o compromisso acadêmicosocial de seus autores com a produção de um conhecimento situado e crítico que se nutre de inquietações cidadãs e políticas, assim como do desejo de intervenção na realidade social e midiática contemporânea.

São Paulo, Setembro de 2015.

Denise Cogo

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Memórias, vidas em risco e alguns desafios da pesquisa em jornalismo no Paraná Sérgio Luiz Gadini (Organizador) “Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada” Eduardo da Costa

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ano de 2015 não deve ser esquecido facilmente pelos mais de 250 mil servidores públicos do Paraná. Dentre estes, cerca de 100 mil professores da rede estadual (ensino médio e fundamental) e nove mil docentes que atuam nas sete universidades mantidas pelo Estado. E a marca memorial não reside apenas no recorde de mais de 100 dias de um movimento grevista unificado, mas também na forma (assumidamente autoritária) como o governo do Paraná tratou e agiu durante todo o conflito. As manifestações críticas, nos mais diversos segmentos, registram experiências e o uso específico de uma variedade de dispositivos,

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meios e técnicas. Em cada época e circunstância, movimentos sociais lançam mão das condições mais acessíveis e, ao mesmo tempo, sintonizadas com práticas culturais vigentes. A greve dos servidores públicos do Paraná, desde o início de fevereiro de 2015, e em alguns setores da administração (como as universidades estaduais) registrada durante mais de três meses (de 9/02 a 12/03/2015, retomada em 26/04 e encerrada em 26/06/2015), possibilitou o uso de incontáveis recursos e dispositivos de expressão. A presente coletânea reúne e publica textos, seja como reflexão, análise e critica, sobre a cobertura jornalística – nos mais diversos espaços, formatos e suportes técnicos – dos movimentos grevistas dos trabalhadores do serviço público paranaense, que envolveram diretamente centenas de milhares de servidores e afetaram o cotidiano de mais de dois milhões de pessoas em todo o Estado. Os 13 textos que integram o livro (em formato e-book) sintetizam, ainda que parcialmente, a cobertura jornalística de diversos momentos de uma greve que iniciou no verão e só terminou na entrada do inverno de 2015. Coincidências à parte, o outono paranaense teve bem menos flores, e muito mais bombas, tiros com balas de borracha, disparos de bombas com gás de pimenta e gás lacrimogêneo, tropa de chope escondida no subsolo da Assembleia Legislativa, além de cães pit bull treinados, deixando muito governo ditatorial envergonhado... tamanho o abuso da força policial recrutada pelo governo do PSDB, Demos e aliados para impor um projeto de desmonte da previdência pública e, poucas semanas depois, também para aprovar o descumprimento da legislação que assegurava reposição de índices inflacionários aos salários dos servidores do Estado. É por este motivo que se pode afirmar que o 29 de abril, por exemplo, foi um triste e lamentável episódio, que fica registrado na história do Paraná como um “massacre”. Gostem ou não do termo, inegável é que toda a operação de guerra arquitetada pelo governo vislumbrava uma execução, tiro certeiro no olho de quem ousava filmar ou fotografar as agressões e desrespeitos aos direitos humanos. Durante mais de três horas, tudo o que se podia ver no Centro Cívico de Curitiba era professor limpando sangue do olho, rosto, colegas levando feridos até uma enfermaria improvisada no prédio da Prefeitura de Curitiba, pessoas correndo das bombas, desviando dos dois helicópteros em

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voo rasante jogando bombas para ‘surpreender’ os manifestantes que tentavam se esconder na praça e laterais de prédios públicos.1 E, como em tempos de ditadura solidariedade pouca é bobagem, os cerca de 4,8 mil policiais militares (entre recrutados, cordão de isolamento e apoio) não demonstraram qualquer constrangimento em jogar milhares de bombas, disparar armas e acionar spray de pimenta contra os servidores públicos. Para quem não viveu os horrores do regime militar brasileiro (1964/85), o “massacre de 29 de abril de 2015” não envergonha os generais da ditadura. E a decisão só teve um sentido (em nada justificado): mostrar a força do aparelho repressivo do atual governo estadual, que é bancado pelos contribuintes. O conceito de massacre, aqui utilizado, portanto, não se refere ao número de mortes, mas à operação de guerra, que foi montada para massacrar os servidores públicos que ousassem não deixar os deputados governistas aprovar o desmonte do ParanáPrevidência, que possibilitou ao executivo estadual se apropriar do fundo custeado pela contribuição dos próprios trabalhadores do serviço público.2 Para quem vivenciou ou cobriu as infindáveis horas de tortura em praça pública, não resta dúvida: se considerar apenas a dimensão genocida que, não fosse pelo instinto de sobrevivência dos trabalhadores, poderia ter resultado em mortes e execuções, é preciso ser honesto com a história humana... foi massacre, sim! Este debate, longe de ser mera renomeação, diz respeito à defesa da memória e da vida de quem ousa, em diferentes situações, questionar governos autoritários. Professores, estudantes, servidores públicos e outros cidadãos que vivenciaram a mais longa greve unificada na educação paranaense materializaram, por incontáveis e contraditórios momentos, a múltipla 1. Levantamento realizado pela APP-Sindicato revela que, dos 392 professores feridos, mais de 90% foram atingidos da cintura para cima: cabeça, tronco, rosto, até nos olhos. Como se vê, nada foi casual! 2. “No Paraná, em pouco mais de quatro anos, Richa provocou caos nas finanças públicas. A dívida com fornecedores ultrapassa a 1,6 bilhão de reais. Para tentar recompor esse déficit, um dos projetos enviado e aprovado pela Assembleia prevê que 34,5 mil aposentados com mais de 73 anos passem a receber seus benefícios do Fundo de Previdência e não mais do governo. Essa medida vai sangrar a poupança previdenciária dos servidores em 142,5 milhões de reais mensais, e até o final da gestão peessedebista a soma atingirá 7,4 bilhões de reais. A partir de agora, o futuro dos funcionários públicos paranaense estará seriamente comprometido”. (RUSCHEL, René. “Paraná - O governo Richa desmancha-se no ar”. In: Carta Capital, 30/04/2015. Disponível em http://www.cartacapital.com.br/politica/o-governo-richa-desmanchano-ar-7464.html) Sérgio Luiz Gadini

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função de intelectual (orgânico) preconizada por Antonio Gramsci. A ironia da coincidência é que, nos dois diferentes momentos históricos, a violência orquestrada, racionalmente planejada, e imposta pela força autoritária do Estado, tinha um objetivo claro: proibir manifestações contrárias ao modelo hegemônico determinado pelo grupo político de plantão no governo. Da Itália dos anos 1920/30 ao Paraná de 2015, a relação possível está longe de ser imaginária. Qualquer similaridade, pois, não seria uma eventual coincidência! Por isso mesmo, as memórias de regimes ditatoriais já não são exclusividade de trabalhadores (militantes) que ousaram resistir ao último governo autoritário de abrangência nacional, que torturou e matou milhares de brasileiros. No Paraná, durante o primeiro semestre de 2015, os servidores do Estado que saíram às ruas para questionar o autoritarismo do governo do PSDB tiveram uma “recepção” de invejar tiranos medievais, que não aceitavam qualquer crítica ou questionamento público. Nos momentos de lutas, em que mais de 20 mil trabalhadores foram cercados por 4,8 mil policiais (militares ou infiltrados na manifestação), armados dos pés aos dentes, o Governo impôs – com apoio aberto da maioria dos deputados e do poder judiciário – uma nova legislação, retirando direitos sociais já custeados pelos próprios trabalhadores. Coincidências transversais, ao menos metade dos autores/coautores dos textos aqui apresentados participaram direta e ativamente do movimento grevista ao longo do denominado Verão/Outono da Resistência dos Trabalhadores no Paraná. O convite para participar da coletânea não foi dirigido, pois partiu do Programa de Mestrado em Jornalismo da UEPG, foi aberto e divulgado nas redes sociais, em julho de 2015. Em todos os casos, o esforço reflexivo foca produções midiáticas, com ênfase em formatos e variações editoriais jornalísticas, que durante a greve dos professores pautaram ou foram pautados por ações que marcaram as lutas dos servidores públicos paranaenses no primeiro semestre de 2015. A coletânea apresenta os artigos e ensaios em três eixos temáticos: conceitos e versões panorâmicas dos movimentos, os movimentos grevistas na mídia comercial em nível de estado e estudos de caso em torno das manifestações em redes informativas. Nos referidos tópicos, o(a) leitor(a) encontra aqui abordagens conceituais (sobre acontecimento, mediações dos fatos sociais, agendamento editorial, interferências publicitárias em cobertura, história e memória do Sérgio Luiz Gadini

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cotidiano), análises metodológicas (de sites de assessoria institucional, blogs jornalísticos, conteúdo e capas de diários impressos), intervenções institucionais na mídia, além de expressões envolvendo imagem fotográfica, charge e memes, bem como a tematização da greve em redes sociais (twitter e facebook). E o que o Mestrado de Jornalismo da UEPG tem a ver com isso? Um Programa de Pós-Graduação tem, entre suas tarefas, estudar e compreender fenômenos sociais que dizem respeito à respectiva área de atuação investigativa. Um Mestrado com foco em “processos jornalísticos”, para além de um desafio que diz respeito ao quadro docente permanente, não poderia ignorar a tarefa de olhar (e avaliar, em perspectivas conceituais e metodológicas) as relações do cotidiano regional com as produções jornalísticas a respeito das manifestações dos servidores públicos no Paraná em 2015. E, por fim, trata-se igualmente de uma tarefa e desafio a qualquer intelectual das sociedades contemporâneas: registrar memórias individuais ou coletivas em qualquer situação que envolva desrespeito aos direitos humanos. E isso os autores dos 13 ensaios que integram a presente coletânea deixam, aqui, ao conhecimento de leitores/ internautas como uma modesta contribuição reflexiva aos estudos em Jornalismo sobre um episódio (triste) que passa a fazer parte da história do Estado do Paraná em 2015. Uma ótima leitura!

Campos Gerais do Paraná, Primavera de 2015.

Sérgio Luiz Gadini

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“29 de abril”... Para pensar o acontecimento discursivo na cobertura jornalística da greve dos professores do Paraná Angela de Aguiar Araújo

INTRODUÇÃO endo como referencial teórico-metodológico a Análise de Discurso (AD), propõe-se uma análise de como episódio que ficou conhecido como “29 de abril” funcionou, na cobertura jornalística, como um ponto de ruptura face à memória que significa a greve a partir de sentidos de desordem no espaço público. Acredita-se que, nas sociedades capitalistas contemporâneas, o discurso jurídico funciona como um ponto de regulação daquilo que, indesejável ao espaço público, sofrerá uma interdição ao dizer. Não diferente, o discurso jornalístico, embora sustentado pelo princípio da objetividade, também se constitui sob a égide dessa regulação. Utiliza-se um corpus heterogêneo composto por material que circulou através do sistema de comunicação do governo, de jornais que fizeram a cobertura ou reproduziram o conteúdo veiculado pelo governo e de conteúdos divulgados por sites de revista e de jornal de circulação nacional. Embora uma determinada interpretação fixe sentidos acerca de movimentos sociais - entre eles, os movimentos de greve deflagrados pelos sindicatos dos trabalhadores - significando-os como ilegítimos, uma deriva se constitui, sobretudo, pelo potencial aglutinador das mídias digitais, que funcionam não somente como um espaço de

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Angela de Aguiar Araújo

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mobilização, mas também como alternativa de circulação de conteúdos face ao funcionamento das mídias hegemônicas tradicionais. PARA PENSAR O QUADRO TEÓRICO DA ANÁLISE DE DISCURSO Nesta análise, utiliza-se o referencial teórico-metodológico da Análise de Discurso (AD), vertente fundada pelo filósofo francês Michel Pêcheux e desdobrada, no Brasil, por Eni Orlandi. O pressuposto de que o discurso é afetado pelo funcionamento do político é um dos pilares que sustenta os estudos discursivos. Por discurso, entende-se o efeito de sentidos entre interlocutores (PÊCHEUX, 1993[1969]). Já o político representa a projeção, na língua, do jogo de forças que marca a disputa de poder em toda formação social. Para compreender os processos discursivos é preciso perceber que há uma exterioridade que constitui a linguagem. Ou seja, sujeitos e sentidos se constituem mutuamente quando a língua faz inscrição na história, o que resulta do processo de interpelação dos indivíduos em sujeitos pela ideologia. Portanto, de um lugar no mundo, onde se encontram indivíduos de carne e osso (por exemplo, professores, governador, pais, alunos, etc.), se projetam posições-sujeito, que representam diferentes tomadas de posição interpretativa. A diferença entre as posições interpretativas é o que permite descrever a dispersão dos sentidos e dos sujeitos como marca do funcionamento do político. O analista de discurso realiza o recorte de regularidades, marcas mapeadas a partir daquilo que se fixa na superfície da materialidade significante. Considera-se como materialidade significante os diferentes tipos de textualização, o que não se restringe à materialidade verbal, mas abrange a imagem, o som, etc. (ORLANDI, 2003, p. 62). A AD não parte de um método pré-definido. A constituição do dispositivo de análise resulta do gesto de interpretação do analista. O recorte, tal como descrito por Orlandi (1984), é o procedimento inicial na constituição do dispositivo de análise. Através dele, se dá o gesto de identificar as regularidades que, destacadas da superfície das materialidades significantes, são indícios de funcionamentos discursivos. Postos em série, esses recortes permitem descrever como o dizer se inscreve em uma rede sócio-histórica de filiação dos sentidos. De forma complementar ao gesto que produz o recorte, o arquivo, tal como propõe Pêcheux (1997), representa a reunião de documentos para a interpretação de determinada questão. Por essa junção de Angela de Aguiar Araújo

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documentos, associada ao recorte, que se faz a passagem da superfície da materialidade significante para o processo discursivo. O gesto de leitura do analista de discurso leva em consideração também o que Pêcheux (1993[1969]) considera como efeito metafórico, noção que permite descrever o movimento de estruturaçãoreestruturação-transformação dos sentidos nos processos discursos. Ao retomar a formulação proposta por Pêcheux, Orlandi (2003, p. 79) destaca que o efeito metafórico representa a transferência de sentidos na forma de um “fenômeno semântico produzido por uma substituição contextual”. Para Orlandi (2003, p. 79), visto sob essa perspectiva, “o processo de produção de sentidos está necessariamente sujeito ao deslize, havendo sempre um “outro” possível que o constitui”. Outra noção que está diretamente relacionada à irrupção de uma posiçãosujeito no discurso é a formação discursiva (FD). É na identificação do sujeito a uma FD que o sentido se constitui. A formação discursiva é a região, no espaço da memória, que estabiliza a interpretação. A descrição do processo discursivo se dá, portanto, pelo recorte de formulações que, postas em série, permitem identificar a tensão presente no jogo parafrásico-polissêmico que constitui o arquivo de análise. A paráfrase representa o mesmo, aquilo que se repete pela retomada do que se estabiliza no espaço da memória e que pode ser retomado pela identificação a uma formação discursiva. Já a polissemia, por sua vez, se apresenta como uma abertura – na forma de uma falha, equívoco, no sense - à diferença pela ruptura no dizer (ORLANDI, 2003). O espaço de realização da análise discursiva recai sobre os pontos deriva: “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro (a não ser que a proibição da interpretação própria ao logicamente estável se exerça sobre ele explicitamente)” (PÊCHEUX, 2008, p.53). Reivindicando um lugar de disciplina de interpretação para a AD, Pêcheux (2008, p. 44) destaca a possibilidade de ampliação do gesto de leitura contrapondo o “que é dito aqui (em tal lugar), e dito assim e não de outro jeito, com o é dito em outro lugar e de outro modo, a fim de se colocar em posição de “entender” a presença de não-ditos no interior do que é dito”. A presença-ausência, que se articula na lógica de construção de uma narrativa, remete ao que Mariani (1998, p. 34-35) define como sendo a Memória Social: Entendemos por memória social (...) um processo histórico resultante de uma disputa de interpretações para os acontecimentos presentes Angela de Aguiar Araújo

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ou já ocorridos, sendo que, como resultado do processo, ocorre a predominância de uma de tais interpretações e um (às vezes aparente) esquecimento das demais. Naturaliza-se, assim, um sentido “comum” à sociedade, ou em outras palavras, mantém-se imaginariamente o fio de uma lógica narrativa. Isso não quer dizer, porém, que o sentido predominante apague (anule) os demais ou que ele(s, todos) não possa(m) vir a se modificar. Muitas vezes os sentidos ‘esquecidos’ funcionam como resíduos dentro do próprio sentido hegemônico. (MARIANI, 1998, p. 34-35)

O espaço da memória é especialmente importante para a AD pelo fato de o dizer sempre se sustentar, enquanto condição de possibilidade de uma formulação, em uma memória. Ao conjunto de todos os dizeres já formulados antes e em outro lugar, e, muitas vezes, deixados no esquecimento, Orlandi (2003) define como memória discursiva. Não sendo possível recuperar tudo o que já foi dito, resta ao analista de discurso, face ao que se apresenta como possibilidade de organização do corpus, constituir um arquivo e operá-lo a partir da noção de recorte a fim de produzir sequências discursivas produtivas à descrição das disputas de poder que presidem isso que Mariani e Orlandi destacam como a tensão entre sentidos hegemônicos e não hegemônicos, bem como entre o dito e o não dito. No caso específico desta análise outra noção, que foi formulada por Pêcheux (1997), é mobilizada. É o acontecimento discursivo que representa o encontro entre a memória e a atualidade. O autor considera a atualidade o que, no momento de formulação do dizer, representa uma ruptura, enquanto diferença, na ordem do discurso, em relação ao que se fixa, na memória, como um sentido estabilizado, como uma interpretação já dada. A noção de acontecimento discursivo será fundamental para a análise de como a formulação “29 de abril” - face aos contornos de significação dados a ela e visibilizados, sobretudo, a partir das mídias digitais e, em especial, as redes sociais – representará um ponto de ruptura em relação à interpretação hegemônica que, na memória social, associa, aos movimentos sociais (entre eles, os movimentos de greve promovidos pelos sindicatos), o sentido de ilegitimidade, fazendo significar o sujeito manifestante e a ação de protestar como desordem no espaço público.

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PARA PENSAR AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO: “FORAM BLACK BLOCS” E “A GREVE É POLÍTICA” Para descrever como, a partir da formulação “29 de abril”, operou-se uma ruptura em relação à FD que tende a estabilizar uma interpretação negativa sobre os movimentos de greve, associando-os ao sentido de ilegitimidade e de desordem no espaço público, é preciso considerar ainda o que a AD entende por condições de produção. A noção diz respeito a dois eixos de sustentação do discurso. O primeiro é o fio intradiscursivo, que representa as condições mais imediatas da enunciação. Já o segundo é o fio interdiscursivo (equivalente à memória discursiva), que demanda implicar o dizer ao contexto sócio-histórico ideológico mais amplo. Pelo fio intradiscursivo, leva-se em consideração a disputa que se deu – mas que não se reduz a essa questão - em torno da votação do Projeto de Lei 252/2015, que propunha alteração do regime Paraná Previdência. Nesse sentido, essa dimensão diz respeito ao espaço mais imediato da enunciação, em que dizeres são formulados sobre o acontecimento que se fixou na memória do(s) movimento(s) de greve como o “29 de abril”, projetando o jogo de forças que se dá na disputa de poder entre governo e servidores. Destacam-se, nesse contexto, dois enunciados que circularam a partir da fala do governo1 e que foram reproduzidos pelo discurso jornalístico. SD 1: “Foram black blocs” SD 2: “A greve é política”.

Os dois recortes indicam que a posição-sujeito governo se projeta ao mesmo tempo em que se constituem sentidos acerca do “29 de 1. No dia 29 de abril, a Agência Estadual de Notícias (AEN) divulgou uma nota do governo apresentando uma versão sobre a violência empregada pela Política Militar contra os manifestantes, justificando que, entre eles, havia integrantes do movimento black blocs (Disponível em http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=83927). No mesmo dia, o E-Paraná divulgou vídeo que comprovava a suposta participação de black blocs no dia 29 de abril (Disponível em http://www.e-parana.pr.gov.br/modules/ video/showVideo.php?video=15029). O vídeo foi reproduzido por diversos veículos de comunicação. A versão da atuação de black blocs foi, posteriormente, negada pela Defensoria Pública do Estado do Paraná e as pessoas, presas pela PM, foram soltas. No dia 12 de maio, a AEN divulgou a matéria “Beto Richa reforça diálogo e pede aos professores retorno imediato às aulas”, que traz a afirmação feita pelo governador de que a greve seria política. Essa afirmação foi, por vezes, reiterada pelo governador. Disponível em http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=84073. Acessado 01 de agosto de 2015. Angela de Aguiar Araújo

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abril”, deslizando uma leitura que já vinha sendo construída (pelos órgãos de comunicação do governo e pelas declarações do governador) e que continuou se desdobrando, tendo em vista que a “greve dos professores” antecede o episódio e continuará após essa data. Os enunciados recortados se inserem em uma lógica narrativa construída tendo em vista lugares no mundo (o governador, a e-Paraná – Rádio e TV Educativa e AEN – Agência Estadual de Notícias) a partir dos quais irrompem interpretações que resultam da inscrição do sujeito a FDs que determinam, o que pode e deve ser dito sobre o(s) movimento(s) de greve. No caso específico da posição-sujeito governo, a identificação se dá às FDs da desordem e a da ilegitimidade. Expandindo, a partir do eixo interdiscursivo, a compreensão do que se identifica no espaço da enunciação, a partir da posição-sujeito governo, é possível lançar um questionamento acerca de como, ao longo do processo sócio-histórico, a tensão ordem versus desordem faz significar o espaço público, cobrindo certos sujeitos e ações de sentidos de inferioridade moral, como é o caso das manifestações e dos sujeitos manifestantes e, por extensão, dos movimentos de greve promovidos pelos sindicatos dos trabalhadores. Nas sociedades capitalistas contemporâneas, irrompe a formasujeito de direito (sujeito de direitos e de deveres) que, segundo Orlandi (2005, p. 6), “é o efeito de uma estrutura social bem determinada, a sociedade capitalista. Esta estrutura condiciona a possibilidade do contrato, da troca, da circulação”. Essa sobredeterminação, que assujeita o indivíduo ao estado, tal como sustenta Orlandi, permite o questionamento, neste artigo, de como se dá a regulação, via discurso jurídico, nas sociedades capitalistas contemporâneas, das condições de pertencimento ao corpo social, enquanto sujeito de direito. A condição de exercício da cidadania está diretamente ligada a essa condição que faz incluir e excluir sujeitos por adequação ao preceito jurídico: “a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social” (Dallari, 1998, p. 14)2. 2. Tendo vista o conceito de cidadania, Garrel e Silva (2014) realizam uma discussão acerca dos projetos de lei antiterrorismo que, prevendo o uso da “tecnologia do Estado de Exceção”, abandonaria, à mera existência biológica e sem o direito ao exercício da cidadania, aqueles que são considerados “inimigos perante o direito penal”. Para os autores, este seria o caso dos manifestantes nos atuais projetos de lei “antiterrorismo”. Angela de Aguiar Araújo

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O questionamento acerca da relação do sujeito de direito e a interpretação que tende a significar os movimentos sociais numa posição de inferioridade é visível na sequência discursiva 3 (SD3), a partir da qual se pode ainda refletir sobre como o discurso jurídico participa nas sociedades capitalistas contemporâneas, em sua função de regulação das relações sociais, na interdição ao poder de poder dizer. O recorte é retirado de uma reportagem que mostra a posição do ministro do Supremo Tribunal Federal3 (STF), Luiz Fux, acerca de greve realizada, em 2013, por servidores públicos no Estado do Rio de Janeiro. SD 3: A Constituição Federal, a meu ver num rasgo demagógico, permitiu a greve dos servidores públicos”, disse Fux. “A verdade é que a greve do servidor público não tem nenhuma eficácia. Ela só prejudica aqueles que dependem do serviço”, afirmou. O ministro criticou a greve dos professores do Rio e as manifestações de rua promovidas por funcionários das redes estadual e municipal. “Tudo o que (isso) consegue é facilitar a infiltração de black blocs e destruir a nossa belíssima cidade do Rio de Janeiro”, disse. (“Permitir greve de servidor é demagogia, diz ministro Luiz Fux”, Folha S. Paulo, 02 de dezembro de 2013)4

O recorte indica que a posição-sujeito ministro do STF – cuja legitimidade para falar sobre os movimentos sociais advém do lugar de representante da instância máxima do poder judiciário – se constitui pela identificação às FDs que significam o movimento de greve (do servidor público) como ilegítimo (ainda que legalizado), associando-o à desordem no espaço público. Percebe-se, portanto, que embora o direito à greve seja definido no espaço do discurso jurídico, como condição de reivindicação e de negociação de direitos por parte do trabalhador, como princípio 3. A fala do Ministro Luiz Fux foi proferida no mesmo ano em que se deu o que ficou conhecido como as Manifestações de Junho de 2013 (GARREL, SILVA, 2014), que podem ser pensadas na relação com outras realizadas em outros países - como a Primavera Árabe, Occupy Wall Street, Indignados, etc. – em que o uso das novas tecnologias de comunicação foi fundamental para a mobilização dos manifestantes. Outra questão que se coloca é que a figura do black bloc, ainda que não tenha sua origem nesse momento, ganha projeção e destaque na mídia, sendo associada às imagens de baderneiro e vândalo. Uma reação - pelos poderes judiciário e legislativo levará à revisão de sanções, no campo do direito penal, e à retomada da discussão do Projeto de Lei Antiterrorismo, no Congresso Nacional. 4. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/12/1379505-permitirgreve-de-servidor-e-demagogia-diz-ministro-luiz-fux.shtml . Acessado em 01 de agosto de 2015. Angela de Aguiar Araújo

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regulador do campo de forças que representa a relação entre empregador e empregado, acredita-se que recai sobre esse movimento social, na forma de uma construção imaginária, o sentido de ilegitimidade cujas razões podem ser pensadas a partir do eixo interdiscursivo que dá sustentação ao dizer. A essa leitura é possível acrescentar o fato verificado por Baboin (2013) de haver uma tendência na doutrina e na jurisprudência brasileira de caracterizar como ilegal a greve de caráter político (aquela de caráter ideológico ou de motivação atípica, fora do contrato de trabalho), ainda que haja questionamentos e direcionamentos diversos sobre o tema. O autor mostra como algumas posições chegariam a reivindicar, no espaço do discurso jurídico, um a-politismo, como forma de preservar o estado, as empresas e a sociedade de um prejuízo que poderia ser causado pela greve. Numa análise histórica, é possível descrever que os aparatos estatais foram mobilizados, nos últimos séculos, para regular a greve, a partir da crescente organização da classe trabalhadora em movimentos sociais. Ao final do século XIX, destaca o autor, a tônica da reivindicação era a busca por melhores condições de trabalho. Na virada do século XIX e início do século XX, a ascensão das doutrinas socialistas e anarquistas passa a influenciar a organização dos movimentos dos trabalhadores, incorporando, às suas pautas, reivindicações que seriam, supostamente, restritas ao campo político. Além da leitura possível, pelo viés do discurso jurídico e do discurso da história, de como o sentido de ilegitimidade é associado ao movimento greve sustentando um suposto lugar “a-político” (o que se acredita ter funcionamento equivalente a uma equívoca interdição à participação do trabalhador nas decisões políticas que se relacionam não somente ao campo do trabalho) para o exercício do direito de reivindicar direitos trabalhistas, é possível acrescentar outras leituras que permitam identificar, no longo processo sócio-histórico, a mudança que se dá pela associação do espaço público a um lugar de inferioridade moral. Em análise histórico-discursiva do termo rua e seus derivados, Nunes (2001) toma como objeto de análise dicionários dos séculos XVIII, XIX e XX. O autor descreve como as definições desses verbetes, ao longo de três séculos, projetam o fato de que novas redes de sentidos se constituem, associando-os (os termos), sobretudo, a partir do século XIX, a sentidos pejorativos. Nunes identifica o acontecimento discursivo ligado à palavra rua. Para o autor, uma ruptura se dá com o Angela de Aguiar Araújo

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surgimento do termo arruassa (arruaça, que significa motim provocado por arruadores), no século XIX, momento em que a rua, além de sentidos de organização do espaço, passa a ser vista como um local de confrontos e desorganizações. O termo arruassa surge para definir o que acontece na rua como “motim” e “baderna”. O autor ainda destaca que se intensifica o sentido de desordem com outros termos (por exemplo, arruaceiro, que significa o sujeito que faz arruaça; arruadeira, mulher que está na rua, prostituta; ruaceiro, o mesmo que arruaceiro; arruaçar, que promove arruaça). Essa derivação no campo semântico do termo rua, associando-o ao sentido de desordem, representa uma mudança na interpretação do espaço público. Não por acaso, Nunes (2001), retomando Senett, destaca que o final do século XIX é um momento de grandes revoluções que, entre outras questões, estão associadas à ascensão do capitalismo industrial nacional. Sujeito (ruaceiro), práticas (arruassa) e ações (arruaçar) passam a ser nomeados dando contornos de significação ao espaço público como algo afetado pelo político, tal como essa noção é compreendida no campo da AD. O estudo do campo de rua nos conduz a dizer, por fim, que certas transformações nos processos discursivos estão ligadas ao aparecimento e ao declínio do espaço público na história das cidades. E produzir sentido público hoje implica em inscrever-se nessa memória de palavras, discursos e significações e nas delicadas relações entre a ordem e desordem nas cidades. (NUNES, 2001, p. 109)

Em sua análise, Nunes (2001, p. 109) ainda destaca que “no momento em que o corpo social, com suas contradições, ganha historicamente um lugar político na cidade, esse lugar passa a ser representado como inferior e como passível de desmoralização”. Acredita-se que a reflexão de como “a(s) greve(s) dos professores” foi(foram) representada(s) na cobertura jornalística reflete como, historicamente, no espaço público das cidades, aquilo que se apresenta como o “indesejável” – vagabundos, prostitutas, manifestantes, black blocs, professores-manifestante, etc. – encontra, no discurso jurídico, uma forma de controle dos sentidos e dos sujeitos.

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PARA PENSAR O DISCURSO JORNALÍSTICO: O PODER DE PODER DIZER... As sequências discursivas propostas abaixo são recortes de manchetes das notícias divulgadas pela Agência Estadual de Notícias (AEN) que integra o sistema de serviços de comunicação mantidos pelo governo do Estado do Paraná. Observa-se que, da posiçãosujeito governo projeta uma imagem acerca de seu interlocutor (o professor grevista) que faz significar a greve como algo que prejudica a sociedade. SD 4: Greve dos professores atrapalha alunos e Estado confirma o desconto nos salários (AEN, 27/4/2015, grifos nossos) SD 5: Manutenção da greve dos professores prejudica ainda mais o calendário escolar do Paraná (AEN, 5/5/2015, grifos nossos) SD 6: Pequenos agricultores e transporte escolar são prejudicados pela greve dos professores no Paraná (AEN, 25/5/2015, grifos nossos) SD 7: Greve dos professores no Paraná prejudica preparativos de alunos do 3º ano para o Enem (AEN, 25/5/2015, grifos nossos) SD 8: Greve dos professores do Paraná prejudica Olimpíadas de Matemática (AEN, 1/6/2015, grifos nossos) SD 9: Greve dos professores pode diminuir em até 40 por cento a renda do comércio no Litoral (AEN, 2/6/2015, grifos nossos)5

A construção narrativa, que circulou pelos órgãos de imprensa do governo, ao tratar a greve no singular, projeta a imagem de um movimento unificado, o que tem um efeito de silenciamento do fato de que as negociações realizadas pelo governo não eram feitas com a participação de todos os comandos de greve. Mesmo assim a posiçãosujeito governo projeta, para si, uma imagem de negociador, que se empenha pelo diálogo, com tolerância e respeito às posições contrárias. E, estabelecendo um jogo antagônico, projeta para seu interlocutor a imagem de excesso e de prejuízo. SD 10: Beto Richa reforça diálogo e pede aos professores retorno imediato às aulas SD 11: Temos tolerância, respeito às pessoas e sabemos conviver bem com as opiniões contrárias”, disse. SD 13: “Nós continuamos com o diálogo, estamos confiantes que o sindicato possa encerrar a greve, porque não dá mais para suportar esta situação”, afirmou. SD 14: Richa lembrou que mais de um milhão de alunos estão sem 5. Sequências discursivas disponíveis no site http://www.aen.pr.gov.br/. Acessado em 01 de agosto de 2015. Angela de Aguiar Araújo

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aula, e que os pais estão impacientes por ver seus filhos fora da escola. O governador disse que o diálogo com os professores existe desde o início do governo. “Atendemos praticamente com a integralidade dos itens que compõem a pauta de reivindicações dos professores”. (AEN, 12/05/2015, grifos nossos)6

É importante ressaltar que jornais chegaram a divulgar, na íntegra, como conteúdo de assessoria, algumas das matérias da AEN. É o caso do Jornal O Comércio que, na edição do dia 28 de abril, junto a matéria (“Professores cruzam os braços novamente”) produzida pelo próprio veículo, também reproduziu o conteúdo da AEN: “Professores do Paraná têm remuneração média de R$ 4,7 mil”. Mesmo conteúdo da AEN, também foi reproduzido, na íntegra, pelo Diário dos Campos, na edição de 26 e 27 de abril. Vale ressaltar que esse conteúdo foi publicado pela AEN na sexta-feira que antecedeu o episódio “29 de abril”. No final de semana, as tropas da Polícia Militar começaram a ocupar o Centro Cívico, formando o cerco que impediu o acesso dos manifestantes às galerias da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, durante a votação do PL 252/2015, que se deu, em primeiro turno, na segundafeira, dia 27 de abril, e em segundo turno, na quarta-feira, dia 29 de abril. Isso colabora para a compreensão de que uma versão oficial foi produzida, com apoio da assessoria de comunicação do governo, para produzir uma imagem favorável ao governo e desfavorável ao movimento de greve. Além da produção e reprodução de uma versão oficial, deve ainda ser considerada a liberação, nos dias subsequentes ao “29 de abril”, de verba no valor de R$ 2,7 milhões7 para uso em publicidade pelo governo. Esse dado chegou a ser destacado, na edição de 13 de maio, pela revista Carta Capital8, que ressalta a mudança de humor por parte de alguns veículos, que passam a criticar o movimento de greve. Um 6. Sequências discursivas disponíveis no site http://www.aen.pr.gov.br/. Acessado em 01 de agosto de 2015. 7. A estratégia de uso de verba de publicidade, durante período de greve de servidores da rede de ensino, também foi utilizada pelo governo do Estado de São Paulo (governador Geraldo Alckmin – PSDB), que chegou a publicar 10 páginas na revista Época, de acordo com publicação do site Diário do Centro do Mundo. Disponível em http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/com-professores-em-greveha-70-dias-governo-de-sp-paga-dez-paginas-de-publicidade-na-epoca/. Acessado em 01 de agosto de 2015. 8. Disponível em http://www.cartacapital.com.br/blogs/midiatico/propaganda-debeto-richa-muda-postura-da-rpc-gazeta-com-os-professores-7238.html. Acessado em 01 de agosto de 2013. Angela de Aguiar Araújo

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dos exemplos apontados pela revista é o editorial, publicado no dia 10 de maio, pelo jornal Gazeta do Povo. O editorial - A greve dos professores. Ao ter cruzado os braços sem pauta definida, sindicato desafia a Justiça e coloca ambições políticas à frente do bom senso e do direito dos alunos – retoma argumentos difundidos pela AEN, que sustentam o sentido de um governo negociador e aberto ao diálogo, ao mesmo tempo em que ressalta o direito à greve, concluindo, no entanto, que o movimento teria perdido sua legitimidade pelas ambições políticas de sua liderança9. A relação antagônica que se estabelece na disputa entre governo e professores pode ser compreendida por aquilo que Bobbio (1995) descreve como sendo próprio ao campo da política que, num nível mais abstrato, se rege pelo antagonismo “amigo-inimigo”. Mas como pensar a incorporação/reprodução desse antagonismo pelo discurso da imprensa? Para a compreensão do processo de discursivização da imprensa, é preciso perceber que o trabalho ideológico de construção dos sentidos por essa instituição nas sociedades ocidentais implica, de acordo com Mariani (1998), no reconhecimento: a) da ilusão de neutralidade versus a interpretação presente em toda representação do mundo; b) dos procedimentos de controle do dizer da sociedade jurídica ocidental; c) na reprodução da dicotomia Bem/Mal da moral ocidental cristã através da perseguição a tudo que possa desestabilizar o modelo de sociedade e de sujeito de direito. Para a autora, isso demanda compreender ainda como se deu a formação das imagens da imprensa do século XV ao XIX, quando a regulação da liberdade da escrita passou do controle religioso para o controle jurídico. O discurso de neutralidade técnica da imprensa resultou de um longo processo histórico de assujeitamento às exigências do poder religioso, político e jurídico que, segundo Mariani, tem o “intuito de preservar o status quo de uma elite dominante”. A primeira lei de imprensa de Portugal (1821) - depois copiada pelo Brasil - descrevia quatro tipos de abusos ou delitos cometidos pela imprensa: “contra a religião católica romana”, “contra o Estado”, “contra 9. O editorial da Gazeta do Povo, assim como as matérias divulgadas pela Agência Estadual de Notícias, ainda que ressaltem a posição de negociação do governo, silenciam o fato de que essa negociação não se deu com representatividade de todos os comandos de greve, nem levou em consideração as especificidades de cada categoria de professores e de instituição de ensino público, seja a rede pública de ensino, sejam as universidades estaduais. Angela de Aguiar Araújo

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os bons costumes” e “contra os particulares”. Nesse período, os jornais deveriam defender o cristianismo, o Estado, os bons costumes e as propriedades. Não caberia somente à Igreja vigiar e punir, mas a qualquer cidadão “tornando-se natural vigiar tudo o que fosse dito/escrito contra a Igreja, o Estado, a Moral e a Propriedade” (MARIANI, 1998, p. 57). No século XIX, a imprensa já havia se institucionalizado a partir de um discurso jurídico. Um processo que fez do jornal um lugar de afirmação da imagem do sujeito ocidental. Ao serem limitadas as condições da comunicação e da informação, foi regulamentada a textualização dos acontecimentos a partir disso que a autora define como a limitação do “poder de poder dizer”. Não por acaso, na análise sobre o imaginário dos comunistas em jornais, a autora mostra uma deriva, ao longo de quase 70 anos, em torno das imagens da “ameaça”, “perigo” e “inimigo” vermelho que são retomadas nas imagens projetadas acerca dos black blocs e de manifestantes no espaço público. Vale ressaltar que a ruptura que permitiu significar o “29 de abril” a partir de uma posição-sujeito que resiste “aos limites do poder de poder dizer” se configurou, em boa medida, pela produção e circulação de informação via internet. Destaca-se a rede de compartilhamento de informação via blogs, Twitter e Facebook. Através dela, foi possível a mobilização em torno de um “nós” político, que tende a funcionar discursivamente como um lugar de identificação, incluindo aqueles que se sentiam solidário ao que se projetava imaginariamente a partir da posição-sujeito manifestante, uma solidariedade que se manifesta pelos professores terem sido alvo da violência promovida pelo aparato policial do estado. SD 15: “Somos todos professores”

A partir dessa posição-sujeito manifestante, enunciados circularam deflagrando, pelo viés de um equívoco, falha, o ponto de ruptura em relação à imagem de violência que se sobrepôs, na leitura do acontecimento “29 de abril”, projetando uma imagem de truculência e de excesso para o governo. Junto ao material de campanha (faixas, banners, adesivos, botons, etc), foram criados factuais, como a manifestação realizada em 5 de maio, em Curitiba, que reuniu cerca de 25 mil pessoas, o que funcionou simbolicamente para dar visibilidade a outros lugares de dizer que sustentaram uma interpretação da greve como um movimento legítimo que, embora provoque uma agitação no espaço público, não representa uma ameaça.

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SD 16: “Menos Bala. Mais Giz” SD 17: “Luto pela educação”

A visibilidade dos eventos/factuais gerados pelos movimentos de greve dá corpo ao social provocando um agendamento da mídia – não só da mídia alternativa, mas também da hegemônica – por um enquadramento que deu voz ao movimento social ou que promoveu uma leitura do acontecimento, a partir da perspectiva do movimento de greve. No recorte abaixo, a posição-sujeito cronista, aquela que realiza o relato diário do cotidiano da greve, projeta uma imagem para o governo de repressão pelo uso político de instrumentos legais e pelo uso do aparato policial em benefício próprio. Uma relação de confronto se estabelece com aquilo que se sustenta, na narrativa do governo, significando o sujeito manifestante como ameaça ao espaço público. Ou seja, os sentidos de desordem e de ilegitimidade se invertem. SD 18: Justiça dá aval para Richa descer a borracha nos professores do Paraná O juiz de plantão Eduardo Lourença Bana, de Curitiba, concedeu ontem (24) à noite um “interdito proibitório” contra a greve dos professores que se iniciará nesta segunda-feira (27). O magistrado estipulou multa diária de R$ 100 mil contra a APP-Sindicato e, descumprida a decisão, autorizou a repressão com violência policial à manifestação, caso haja ocupação do prédio da Assembleia Legislativa do Paraná. Na prática, o judiciário dá aval para que o governador Beto Richa (PSDB) coloque a cavalaria e o choque da PM para massacrar os professores que protestarem pelos seus direitos. (Blog do Esmael, 25/04/2015, grifos nossos)

A crônica – política e do cotidiano – da greve funcionou, a partir dessa rede de compartilhamento de informações, como uma forma de dar resposta e flagrar as versões oficiais em seus pontos de interdição e silenciamento. O material produzido, que circulou, sobretudo, via internet, abre espaço para uma reflexão (que não será desenvolvida neste artigo) acerca de como o gênero documental – transmissões ao vivo, o fotojornalismo e o webdoc – funcionou sustentando essa crônica do cotidiano/crônica política. Imagens da greve alimentaram blogs, vlogs, fanpages, canais pessoais no You Tube, Instagram, Twitter e Facebook, contrapondo narrativas e personagens outros à narrativa oficial. Um exemplo é o documentário e livro de fotos “Massacre 29

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de Abril”10, ambos realizados pelo projeto Lente Quente, do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa. O “29 de abril”, através da posição-sujeito manifestante, acaba por fixar na narratividade urbana um lugar de dizer que reivindica uma revisão da memória através de uma constante vigilância. A descomemoração que se dá todos os dias 29, o enterro simbólico dos “inimigos da educação” e a criação de uma escola, para formação de professores, com o nome “29 de Abril”, na sede da APP-Cascavel, são exemplos de como um determinado dizer se inscreve no espaço público reivindicando outras interpretações para o episódio “29 de abril”, dando sustentação ao movimento sindical como um lugar de dizer legítimo e que deve pertencer, ao espaço urbano, com suas formas próprias de funcionamento, a saber, a forma-sujeito manifestante que, necessariamente, se constitui tendo como base um litígio. CONCLUSÃO Esta análise buscou compreender como a cobertura jornalística da(s) greve(s) dos professores do Estado do Paraná fez circular diferentes interpretações acerca do litígio que se constituiu face ao enfrentamento que se deu entre governo e professores/servidores. Acredita-se que da posição-sujeito manifestante, na qual se inscreve parte dos professores que se engajaram no movimento de greve, irrompe uma interpretação que reivindica um lugar de dizer enquanto diferença na ordem do discurso que faz significar os movimentos sociais no espaço urbano. REFERÊNCIAS BANBOIN, José Carlos de Carvalho. O tratamento jurisprudencial da greve política no Brasil. Dissertação de Mestrado. Dissertação - Faculdade de Direito - Universidade de São Paulo, 2013. BOBBIO, Noberto. Direita e esquerda, razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Unesp, 1995. DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.

10. O vídeo, que chegou a sofrer censura por parte do poder público às vésperas de seu lançamento, está disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=N9wF0XtlR44. Não por acaso, a alegação, para a censura, o fato de sua produção ter motivação política. Acessado em 01 de agosto de 2015. Angela de Aguiar Araújo

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GARREL, SILVA. Manifestações Populares e os recentes Projetos de Lei “Antiterrorismo”: expansão do Estado de Exceção? Anais do VIII Andhep “Políticas Públicas para a Segurança Pública e Direitos Humanos. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, abril de 2014. MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa. Os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989). Rio de Janeiro, Revan; Campinas, SP: Unicamp, 1998. NUNES, José Horta. O espaço urbano: a “rua” e o sentido público. In: ORLANDI, E. (org.) Cidade atravessada: os sentidos públicos no espaço urbano. Campinas, SP: Pontes, 2001, pp. 101-109. ORLANDI, E. Segmentar ou recortar? In: GUIMARÃES, Eduardo (org.) Lingüística: Questões e Controvérsias. Série Estudos, n. 10, Uberaba, Fiube, 1984. _______ Análise de Discurso. Princípios & procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2003. _______ O Sujeito Discursivo Contemporâneo: um exemplo. Anais do II Sead. UFRGS, Porto Alegre, 2005. PÊCHEUX, Michel. O discurso. Estrutura ou acontecimento. Campinas, SP: Pontes, 2008. _______ Ler o arquivo hoje. In: ORLANDI, Eni P. (org). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 1997. _______ Análise automática do discurso (AAD-69) - parte I e II. In: GADET, Françoise; HAK, Toni. (Org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, SP: Unicamp, 1993[1969], pp.61-145.

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A cobertura da greve no Paraná pelas redes sociais: uma análise do conteúdo publicado pela página da Gazeta do Povo no Facebook Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

INTRODUÇÃO

E

ste artigo tem como objetivo analisar a cobertura da greve dos professores no Paraná, em 2015, a partir da página no Facebook do jornal Gazeta do Povo1. Parte-se do pressuposto de que as redes 1. A greve dos professores da rede estadual do Paraná foi dividida em dois períodos: o primeiro começou no dia nove de fevereiro e tinha como principal ponto de reivindicação a retirada do projeto de lei que autorizava o governo a sacar dinheiro da Paraná Previdência e a mudar o sistema da aposentadoria dos servidores. Graças à pressão da categoria, houve a retirada da proposta da Assembleia Legislativa (Alep) e foi formulada uma “carta de compromisso” assinada por representantes do governo, no dia 6 de março. Devido a isso, a paralisação foi suspensa e as aulas foram retornadas em meados de março. A segunda etapa da greve iniciou-se no dia 27 de abril, após o governo descumprir um dos itens estabelecidos na carta de compromisso, que era de promover um amplo debate sobre a lei que mudava o fundo previdenciário. O projeto foi à votação na Alep no dia 29 de abril, que ficou conhecimento como “massacre”, devido à truculência da Polícia Militar para com os professores e servidores que tentavam impedir a aprovação da proposta do governo. O projeto foi aprovado e sancionado pelo governador no dia seguinte. No início de maio, começou o debate sobre a data-base, já que o governo não garantiu a reposição inflacionária do período 2014/2015, que ficou em 8,17%. As negociações seguiram pelos meses de maio e junho. No dia nove de junho, os servidores da rede básica de ensino, ligados ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP Sindicato), decidiram aceitar a proposta do Executivo de reposição de 3,45%, referente ao ano de 2014, e demais parcelas a serem quitadas nos anos seguintes, e encerraram a greve. Já os professores e servidores do ensino superior mantiveram a paralisação por serem contrários à proposta e exigiam o pagamento integral do índice. Apesar dos esforços, o projeto foi aprovado no dia 16 de junho, e a greve foi suspensa no dia 25. 34 Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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sociais são utilizadas como ferramentas de disseminação de conteúdo jornalístico na internet, possibilitando que a informação chegue a várias sub-redes (Recuero, 2009). Ou seja, o conteúdo que é replicado na página oficial de veículos jornalísticos no Facebook atinge mesmo aqueles que não possuem necessariamente contato direto com o post produzido (Aggio e Reis, 2013), por meio de opções como “curtir” e “compartilhar”, o que confere maior visibilidade e circulação das informações. As notícias transmitidas pelas redes sociais tendem a alcançar um público mais abrangente e, inclusive, leva-lo até o portal do veículo, onde estão publicados os textos completos, pois trata-se do que Aggio e Reis (2015) chamam de ecologia dos fluxos de informação online. Dessa maneira, entender quais conteúdos foram publicados no Facebook e de que forma foram abordados, pode indicar de que maneira os usuários da rede receberam informações sobre a greve, já que nem tudo o que sai no site do veículo é postado nas redes sociais, havendo uma espécie de seleção. O Facebook constitui-se, neste sentido, como um meio de relação entre os usuários e os portais, sendo usados para acessar o conteúdo. Para este estudo, foram coletados todos os posts da página da Gazeta do Povo no Facebook2 entre os dias 15 de abril a 26 de junho de 2015. Embora a segunda paralisação dos docentes tenha se iniciado no dia 23, optou-se em acompanhar a cobertura uma semana antes, quando o tema já estava presente no debate público. Ao todo, durante o período selecionado, a página da Gazeta do Povo publicou 1141 posts, dos quais 132 tratavam exclusivamente da greve dos professores. A metodologia empregada é a quantitativa de análise de conteúdo, por meio da qual se observam algumas características das postagens e das referidas notícias a elas relacionadas, tais como o tema específico, enquadramento e gênero (opinativo e informativo). Os resultados indicam que a cobertura por meio do Facebook foi extremamente factual, concentrada na semana do dia 29 de abril, além de predominarem textos sobre o confronto e as votações, com ênfase nas decisões do executivo/legislativo.

2. A página oficial da Gazeta do Povo no Facebook possuía, em julho de 2015, mais de 410 mil curtidas. Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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A RELAÇÃO ENTRE JORNALISMO E REDES SOCIAIS Com a popularização da internet e, mais recentemente, com o uso constante das redes sociais, o cidadão ganhou novas possibilidades para buscar informação, tornando-se menos dependente da cobertura televisiva ou dos grandes veículos impressos. Na prática, isso significa que os veículos jornalísticos deixaram de ser centrais no processo de consumo (Heinrich, 2011), e transitam junto com outros espaços online, como redes sociais, blogs, fóruns, e-mails e sites de conteúdos variados na composição do ambiente informativo dos cidadãos (Primo, 2011; Dalmanso, 2012). Segundo Primo (2011), o indivíduo consome toda e qualquer informação que estiver online, o que vai muito além dos sites jornalísticos. O autor nomeia esse cruzamento de informação de “composto informacional midiático” (Primo, 2011), que gera a visão de mundo que cada cidadão terá. No entanto, isso não significa dizer que os veículos informativos perderam sua função, mas que precisaram se adaptar a essa tendência. Uma das maneiras de os veículos informativos se adaptarem é por meio da apropriação dos espaços nos sites de rede social. Os jornais impressos passaram a ter os próprios portais na rede, sendo que agora também ocupam as redes sociais e oferecem conteúdo informativo através das postagens, gerando um fluxo de informação entre tais espaços, embora cada um com suas lógicas de produção. Essa migração para o online tem relação, ainda, com o aumento significativo de sua proliferação. O tempo gasto pelos brasileiros nas redes aumentou consideravelmente nos últimos anos. De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia (PBM, 2014)3, 48% dos brasileiros utilizam a internet, sendo que 37% acessam a rede todos os dias. Dos usuários frequentes, 67% afirmam que a usam para consumir notícias e se informar. No que concerne às redes sociais, o Facebook aparece como a rede mais utilizada, com 83% da preferência dos brasileiros. O Twitter, por outro lado, foi mencionado por apenas 5% dos entrevistados (PBM, 2014). Segundo survey realizado pelo Pew Research Center (2015)4, 63% dos usuários do Facebook consideram a rede como uma boa fonte de informação – mesmo percentual 3. Disponível em: . Acesso em 10 de julho de 2015. 4. Diponível em: . Acesso em 17 de julho de 2015. Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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verificado entre os usuários do Twitter. Além disso, a pesquisa indica ainda que os cidadãos que possuem conta no Facebook estão mais propensos a postar e responder ao conteúdo quando se tratam de notícias referentes ao governo ou à política em geral. Com a forte presença nas redes sociais online, uma estratégia adotada pelos jornais – foco deste estudo – para garantir outro espaço de divulgação e circulação da notícia foi criar páginas oficiais do veículo em sites como Facebook e Twitter. Dessa maneira, além de garantir maior proximidade com o público graças às ferramentas interativas, os veículos podem divulgar conteúdos paralelos ao site e, assim, ampliar o sistema de difusão e circulação de informações (Dalmanso, 2012; Zago, 2012; Zago e Bastos, 2013). Nas redes sociais, a atividade do usuário – como curtir e compartilhar - tem um impacto significativo na difusão das notícias de cada jornal (Zago e Bastos, 2013). Essa replicação confere visibilidade às noticias, que passam a receber maior atenção e maior audiência, porque permeiam as sub-redes (Recuero, 2009) e chegam até mesmo àqueles usuários que não estão em contato direto com a publicação. A divulgação do material do site no Facebook, por exemplo, pode fazer com que alguns temas ganhem destaque e maior visibilidade ao passo que outros podem ser obstruídos (Zago e Bastos, 2013). No caso de jornais ou portais de notícia, nem tudo o que está no site é replicado no Facebook, ou seja, há um filtro que determina o que segue para a rede social. Partindo-se do pressuposto de que a internet garante espaço ilimitado e hipermidialidade, o conteúdo divulgado pelos grandes veículos em seus portais deveria ser mais bem trabalhado em relação àquele encontrado em outros formatos, como no impresso, por exemplo. As matérias produzidas para o site, e divulgadas posteriormente nas redes sociais, podem agregar informações aprofundadas e proporcionar pluralidade de fontes e visões sobre os acontecimentos, conforme prevê a estrutura do texto para web (Canavilhas, 2006). Ainda nesse sentido, o número de matérias produzidas sobre o mesmo assunto poderia aumentar, já que se trabalharia com essas informações complementares. No caso deste estudo, que se limita a verificar a cobertura online da Gazeta do Povo sobre a greve dos professores - e somente aquilo que é replicado pelas redes sociais, o objetivo vai ao encontro das indicações feitas na literatura, principalmente no que diz respeito considerar que nem tudo o que está no site de fato aparece na rede social. Por entender que o Facebook ocupa um espaço considerável no composto Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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informacional midiático (Primo, 2011) de boa parte dos cidadãos, é importante conhecer de que maneira as pessoas que buscaram informação sobre a greve por meio da página da Gazeta nessa rede social foram informadas sobre os acontecimentos do período. Embora todo post fizesse direcionamento ao site do jornal onde se encontrava a matéria sobre a greve, ainda assim existia uma frase ou texto que acompanhava o link, não sendo fruto de publicação automática, como ocorre em muitos casos (Zago, 2006; Dalmanso, 2012). A análise do conteúdo se dá baseada principalmente nas matérias jornalísticas cujo link integrava o post já que se observa além do tema, o gênero, enquadramento e as fontes. Como ressaltado anteriormente, o post chega a várias micro redes, que fazem com que a visibilidade desse conteúdo aumente, justificando a observação desse conteúdo e como ele apareceu ao longo do período analisado. Segue no tópico seguinte o aporte metodológico e, na sequência, a análise dos dados. DEFINIÇÃO DA METODOLOGIA E APRESENTAÇÃO DAS VARIÁVEIS DE ANÁLISE Os dados referentes a esta pesquisa foram coletados a partir do aplicativo Netvizz5 e correspondem ao período do dia 15 de abril a 26 de junho. O recorte considera todo o período da segunda paralização realizada pelos docentes, a qual teve início no dia 23 de abril e terminou somente no dia 25 de junho. O período agrega, ainda, uma semana anterior ao dia 23 de abril, já que o assunto estava bastante presente no debate público e o dia seguinte da decisão. Ao todo, foram publicadas na página da Gazeta do Povo 1.141 postagens, replicando o conteúdo noticioso publicado no portal do veículo. Desse total, apenas 132 correspondiam à temática da paralisação dos docentes no estado. A metodologia empregada é a análise quantitativa de conteúdo, sendo que todas as postagens e as respectivas notícias publicadas no portal foram codificadas a partir de um livro de códigos produzidos previamente. O conteúdo foi categorizado a partir de quatro variáveis principais: tema, enquadramento, gênero e fontes. Além disso, considera-se na 5. O Netvizz é um aplicativo disponibilizado pelo próprio Facebook que permite a captação das postagens de páginas públicas. O aplicativo permite fazer o download a partir de uma quantidade de posts específica ou por delimitação do período de tempo. No caso deste estudo, optou-se pela segunda opção. Um banco de dados com todas as informações é criado e a categorização dos posts é feita a partir dessa planilha. Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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análise a distribuição ao longo do tempo. As definições das categorias das variáveis foram elaboradas a partir do livro de códigos utilizado pelo grupo Jornalismo e Política: atores e representações sociais (UEPG) e pelo Núcleo de Estudo em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP/UFPR), e adaptadas à temática e objeto analisado. Dentre os temas específicos das postagens que tratavam sobre a greve têm-se: negociações, confronto, manifestações, votação e efeitos sociais da paralisação. Sobre os enquadramentos, utilizam-se cinco categorias: impacto da greve, foco nas ações dos professores, imagem do legislativo/executivo e violência. No “gênero” busca-se identificar se o conteúdo do texto é informativo ou opinativo (Beltrão, 1976; Assis, 2010). Também se considera a análise de fontes, a partir de uma categorização que leva em conta as distinções apontadas por Santos (2001), Molotch e Lester (1993) e Habermas (2008). O objetivo deste artigo é mostrar que tipo de notícias eram replicadas pelo Facebook da Gazeta quando o acontecimento dizia respeito à greve, principalmente que temas eram enfatizados, que enquadramento predominava e qual o nível de pluralidade de informação obtido através das fontes citadas, além de como o assunto apareceu ao longo do tempo. A COBERTURA DA GREVE NO FACEBOOK DA GAZETA DO POVO O primeiro dado a ser destacado é que durante as oito semanas de análise – 15 de abril a 27 de junho – do total de 1.141 postagens feitas pela Gazeta do Povo no Facebook, 11,5% do total diziam respeito à greve dos professores. Portanto de cada 10 posts, um deles se referia ao tema em análise, o que resultou em 132 entradas codificadas a partir das variáveis citadas acima. Considerando esse universo, observam-se os temas centrais das postagens e das respectivas notícias. Destaca-se que as postagens apresentam um link que direciona o leitor ao portal da Gazeta do Povo, sendo que o post do Facebook, na maior parte dos casos, apresentava uma foto, seguido de uma breve chamada sobre o assunto e o link. Dessa forma, caso o leitor se interessasse pelo tema, seria direcionado ao site para a leitura da notícia completa. Tendo em conta isso, observou-se ambos os conteúdos, considerando o que Zago e Bastos (2013) ressaltam, sobre o fato que o conteúdo dos portais serem ampliados e possuírem mais visibilidade quando replicados no Facebook. Como se trata de uma escolha, inclusive com a apresentação de uma prévia da notícia no Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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post, a tabela 1 indica que subtemas foram selecionados para replicar na rede social6. Tab 1. Distribuição das postagens entre os temas específicos Frequência

Percentual

Negociações

26

19,7

Confronto

34

25,8

Manifestação

20

15,2

Votações

33

25,0

Efeitos da paralisação

13

9,8

Outro

6

4,5

Total

132

100,0

Fonte: Elaboração própria (2015)

A análise das notícias replicadas no Facebook indica que entre todos os subtemas identificados, dois deles tiveram mais presença nas postagens: informação sobre o confronto e sobre as votações. “Entenda quais pontos devem ser foco dos inquéritos do Ministério Público e da Polícia Militar que investigam o ataque da polícia aos professores no dia 29 de abril” (14 de maio de 2015) é um exemplo de texto em que o tema é o confronto ocorrido no dia 29 de abril. Também concentrando 25% dos casos estão os textos sobre as votações, como, por exemplo, “Veja quem votou pela mudança na Paraná Previdência” (30 de abril de 2015). No entanto, destaca-se que grande parte das postagens ocorridas na semana do dia 29 de abril, embora remetessem ao confronto e suas consequências, tinham como link a notícia sobre a votação da Paraná Previdência. Isso indica que embora o post chamasse a atenção para o confronto, o texto da notícia não condizia exatamente com a mensagem do Facebook. Como a análise considerava o que predominava, os dados levaram a um alto número de postagens que tratavam sobre

6. Ressalta-se que os resultados aqui apresentados dizem respeito somente aos conteúdos replicados na rede social. Portanto, não dizem respeito a toda a produção sobre a greve feita pelo portal da Gazeta do Povo. Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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as votações7. As negociações entre professores, sindicatos e governo estadual aparecem como tema de 19,7% dos textos, seguido da cobertura das manifestações e eventos promovidos pelos professores. Por último aparecem como tema dos textos os efeitos da greve, com 9,8%. De modo geral, destaca-se que mais da metade dos textos centralizou a cobertura entre o confronto – o que leva a uma tendência a textos factuais – ou sobre as votações, que também tratam estritamente das decisões do Legislativo. A presença desses temas aqui não considera as mudanças ao longo do tempo, o que será identificado, mais adiante. A próxima tabela mostra os gêneros das publicações replicadas no Facebook sobre a greve, considerando os formatos: notícias, editoriais, artigos e blogs de colunistas que também faziam algum tipo de referência à paralização dos professores. Tab 2. Distribuição de gêneros das notícias Frequência

Percentual

Opinativo

29

22,0

Informativo

103

78,0

Total

132

100,0

Fonte: Elaboração própria (2015)

Conforme os dados acima mostram, predominam no Facebook as publicações de notícias informativas (78%) em contraposição aos textos opinativos (22%). No entanto, vale ressaltar que grande parte dos textos opinativos eram referentes às postagens feitas no blog “Caixa Zero”, sobre a greve. Também apareceram alguns editoriais sobre o tema, assim como postagens que direcionavam o leitor ao blog “Conexão Brasília”. Mas, de modo geral, o objetivo das postagens é repassar informação dos jornalistas e não dos colunistas. A partir da observação das 132 postagens e seus respectivos links direcionados para o Portal da Gazeta do Povo, observou-se o 7. Outra informação importante para ser destacada é que embora a análise tenha sido feita considerando 132 postagens, algumas postagens remetiam para a mesma notícia. Portanto, embora a informação da postagem fosse diferente, o link da notícia era o mesmo. O que significa que não foram exatamente o número de 132 notícias replicadas na rede social, mas um número menor devido aos casos de repetição de link. Isso aconteceu com bastante frequência no dia 29 de abril, data do confronto, em que a cobertura, ainda que parecesse contínua pelo Facebook, não tinha o mesmo ritmo no Portal da Gazeta do Povo. Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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enquadramento das notícias (Entman, 1993), considerando as diferentes abordagens dos acontecimentos relacionados à greve. Os textos, em 50% dos casos, tinham como ênfase as decisões do Legislativo ou do Executivo, assim como a imagem do governo do Estado e as opiniões e fatos diretamente ligados ao Legislativo. “Deputados aliados descartam reajuste de 5% para os servidores e não aceitam votar reposição total da inflação” (26 de maio de 2015) exemplifica esse tipo de abordagem. Depois, com 20% dos casos, está o foco nos professores, suas reivindicações, suas ações e decisões sobre a paralização. Também aparecem 14,4% dos textos voltados exclusivamente para tratar da violência ocorrida no confronto do dia 29 de abril e 8,3% enquadrando a paralização a partir de seus impactos, seja para os pais, alunos ou para a própria educação. Exemplo disso é a postagem “Ano letivo já teve 40 dias perdidos no Paraná somando os dois períodos de paralisação” (7 de maio de 2015). Tab 3. Enquadramento das notícias referidas nas postagens Frequência

Percentual

Impacto da greve

11

8,3

Foco nos professores

27

20,5

Ênfase no Legislativo/Executivo

67

50,8

Violência

19

14,4

Outro

8

6,1

Total

132

100,0

Fonte: Elaboração própria (2015)

Esse dado indica uma cobertura mais voltada às decisões da esfera política do que das próprias manifestações feitas pelos professores e que embora estes sejam os personagens principais, acabam aparecendo como tal em somente 20,5% do conteúdo. Dessa forma, os leitores que utilizaram as redes sociais, em especial o Facebook, para se manterem atualizados quanto à greve, tiveram acesso a uma cobertura mais voltada às decisões do Executivo e do Legislativo e menos da atuação dos professores e suas reivindicações. Essa opção de enquadramento também é ressaltada quando se observam as fontes, em que há prioridade pelo uso de fontes oficiais, como indica o gráfico 1.

Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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Graf 1. Classificação das fontes citadas nas notícias

Fonte: Elaboração própria (2015)

Ao analisar a classificação da primeira fonte observa-se que 45 dos textos não possuem nenhum tipo de fonte citada. Ainda que estejamos falando da internet, em que não há problema ou restrição quando ao espaço, ao observar os dados verifica-se que não há lugar para fontes, o que indica que a rotina de atualizações contínuas tende a não contribuir com o aprofundamento da informação. Em segundo lugar aparecem as fontes oficiais em 49 textos como primeira citada. Os sindicatos – enquadrados aqui como disruptiva social - embora fossem os principais atores da greve, aparecem como primeira fonte em apenas 25 notícias. Em relação a uma cobertura contextualizada, com opinião de pesquisadores e especialistas – sociólogos, cientistas políticos, psicólogos, técnicos –, esta foi quase irrisória, com apenas cinco especialistas como primeira fonte. Manifestantes e cidadãos comuns, tais como alunos e participantes dos movimentos apareceram em oito notícias como primeira fonte, apenas. Nota-se que essa relação se repete ao observar a segunda fonte citada, com o adendo de que a segunda fonte não aparece em 86 textos analisados, o que representa que 65% da cobertura replicada pelo Facebook teve apenas um ponto de vista/opinião considerado sobre o tema da greve ou nenhuma. E, consequentemente, uma cobertura centrada exclusivamente em fontes oficiais. Para complementar a análise, observa-se como o tema aparece

Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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ao longo do tempo nas postagens do Facebook. Esse dado considera o período dividido em oito semanas8 e o número de postagens. Graf 2. Distribuição das postagens no Facebook ao longo do tempo

Fonte: Elaboração própria (2015)

O gráfico 2 mostra uma cobertura extremamente focada na segunda semana, que condiz com o confronto do dia 29 de abril, quando 50 publicações sobre o assunto foram postadas. A primeira semana de análise, a partir do dia 15 de abril, ao contrário, não teve nenhuma postagem sobre o tema. Com o início da paralisação, no dia 23 de abril, e com o confronto do dia 29, a atenção dada ao tema aumentou consideravelmente no Facebook, sendo que o jornal optou em replicar tal conteúdo nas redes sociais, dando ao tema potencialmente mais visibilidade, conforme as proposições de Zago (2012). A linha ao longo dos dois meses indica, ainda, que apesar da centralidade no início do período analisado, a cobertura diminuiu

8. Na primeira semana analisada (semana 1), prévia a semana do confronto do dia 29 de abril, não houve qualquer menção à paralização que se iniciaria e nada relacionado a votação da Paraná Previdência. Por isso, o eixo X do gráfico inicia a contagem das notícias diretamente na semana 1. Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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consideravelmente por meio do Facebook9. Mesmo com grande replicação das notícias relacionadas ao conflito, principalmente no dia 29 e seguintes, depois a pauta da greve perdeu espaço, pelo menos como tema a ser replicado na rede social. Além desse dado, sobre a cobertura exclusivamente voltada para o conflito e não exatamente para o tema da greve e seus desdobramentos, é possível notar diferenças quanto aos temas que aparecem ao longo do tempo. As postagens sobre a greve sofreram não só queda ao longo dos dois meses de análise, como também mudança nos subtemas: o conflito que aparece no início é substituído pelos efeitos sociais e negociações, mas se mantêm os textos focado nas votações. Graf 3. Distribuição dos temas durante as oito semanas analisadas

Fonte: Elaboração própria (2015)

Obviamente que há uma diminuição de toda a replicação do conteúdo da greve no Facebook, no entanto, nas primeiras semanas o 9. Os dados indicados no gráfico dizem respeito à republicação de mensagens no Facebook. Não se sabe se o Portal continuou fazendo ou não cobertura sobre o tema da greve. O que se pode dizer, por meio do gráfico é que, no Facebook, a greve perdeu espaço. Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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tema com maior número de entradas visíveis na rede social foram as votações, seguidas do confronto. No mesmo período também aparecem as manifestações. Já nas semanas cinco e seis, o que predomina são as negociações entre os sindicatos, professores, governo estadual e deputados. Nas semanas seis e sete, nota-se ainda uma presença maior de textos sobre votações, que coincide com o período em que o projeto sobre a reposição inflacionária e mudança da data-base passou a ser discutida na Assembleia Legislativa. A partir da semana quatro as postagens indicando textos para discutir os efeitos do confronto, por exemplo, aparecem pouco. E na última semana, com o maior número de postagens, estão entre os temas os efeitos da greve, principalmente aos alunos. Nota-se, portanto, com a análise do tema ao longo das semanas, uma mudança no tipo de cobertura, pelo menos naquela replicada nas redes sociais, em que além, da diminuição das postagens sobre o assunto, houve também uma mudança na abordagem. Primeiro uma cobertura gerada pela presença do conflito, sendo o dia 29 de abril a data com maior número de replicações (16 postagens) e ao final uma cobertura muito menor, voltada para as negociações e para os efeitos da paralização. CONCLUSÃO Este artigo permitiu – ainda que de forma breve – apresentar um panorama da cobertura da greve dos professores, a partir das postagens feitas no Facebook da Gazeta do Povo. A pesquisa parte do pressuposto de que os jornais escolhem os temas que vão aparecer nas redes sociais, já que estas são grandes ampliadoras deste conteúdo, através dos seguidores que curtem, comentam e compartilham o conteúdo (Zago, 2012; Aggio e Reis, 2013). Portanto, o conteúdo destinado a esses espaços tendem a ter maior visibilidade. Em relação ao conteúdo das notícias que foram replicadas na página da Gazeta do Povo no Facebook, nota-se uma atuação do jornal extremamente voltada ao factual, já que o tema ganhou destaque apenas a partir dos confrontos da semana do dia 29 de abril, sendo que nas semanas seguintes, até o final da paralização, o tema perdeu espaço e foi substituído por outros assuntos na página da rede social. O que se nota também – além da queda – é a mudança na forma de abordagem, partindo do confronto e terminando com efeitos sociais da paralização. Além disso, percebe-se a preferência por fontes oficiais, Camilla Quesada Tavares e Michele Goulart Massuchin

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mesmo quando havia a possibilidade apontar opiniões dos próprios manifestantes, especialistas e entidades. Há também diferença entre os subtemas dentro da temática paralização e o foco voltado para as decisões do legislativo e executivo. Considera-se que esta análise possa ser complementada – numa fase seguinte - incluindo outras variáveis, tal como a observação do nível de engajamento dos seguidores e demais usuários às postagens sobre a greve – por meio das ferramentas de curtir, comentar e compartilhar conteúdo – em relação aos demais temas abordados no período. Acredita-se que por ser um assunto de proximidade considerável com os usuários das redes sociais e seguidores do veículo, as postagens sobre a greve tenham sido altamente compartilhadas, além do número considerável de curtidas e comentários sobre o assunto. Até então, os resultados obtidos já conseguem dar alguns indícios quanto à cobertura feita pela Gazeta do Povo e replicada pelas redes sociais, enfatizando a importância das redes sociais para os veículos como espaço para circular informação (Zago e Bastos, 2013) e direcionar os usuários para seus portais de notícia, além de mostrar o perfil deste conteúdo quando se trata de um tema que envolve um tema de impacto social e político de alta proximidade com os leitores. REFERÊNCIAS AGGIO, C; REIS, L. Campanha eleitoral no Facebook: usos, configurações e o papel atribuido por três candidatos eleitos nas eleições municipais de 2012. In: ALDÉ, A; MARQUES, F. Intrenet e Poder Local. Salvador: Edufba, 2015. __________. Campanha eleitoral no Facebook: usos, configurações e o papel atribuído a esse site por três candidatos eleitos nas eleições municipais de 2012. In: Revista Compolítica, 2013. ASSIS, F. Fundamentos para a compreensão dos gêneros jornalísticos. In: ALCEU, vol. 11, núm. 21, pp 16-33, 2010. BELTRÃO, L. Jornalismo interpretativo: filosofia e técnica. 2ed. Porto Alegre: Sulina, 1976. 12 p. CANAVILHAS, J. Webjornalismo: da pirâmide invertida à pirâmide deitada. In: BOCC – Biblioteca Online de Ciências da Comunicação. Disponível em: . Acesso em 05 de julho de 2015. DALMASO, S. Usos do Facebook na publicação de conteúdo jornalístico: um estudo inicial das postagens do Jornal A Razão. In: 10º. Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Curitiba, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2012.

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A cobertura do ‘massacre’ de 29 de abril 2015 pelos diários impressos paranaenses Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS “Os funcionários não funcionam. Os políticos falam mas não dizem. Os votantes votam mas não escolhem. Os meios de informação desinformam. Os centros de ensino ensinam a ignorar. Os juízes condenam as vítimas. Os militares estão em guerra contra seus compatriotas. Os policiais não combatem os crimes, porque estão ocupados cometendo-os.” (E. Galeano)

O

dia 29 de abril de 2015, se depender dos milhares de servidores públicos que vivenciaram as agressões militares determinadas pelo governo do Paraná, muito provavelmente deve ficar na memória (e história) dos movimentos sociais que se pautam pela defesa da democracia e liberdade de expressão no Estado. Não é preciso ser um árduo defensor dos direitos humanos e tampouco militante da moderna esquerda universal para entender e, por diferentes modos, defender que as agressões registradas na tarde de quarta-feira, 29/04/15, não foram casuais, eventuais incidentes ou resultados de provocações de manifestantes. Um verdadeiro aparelho de guerra – com cerca de 4,8 mil soldados de prontidão que cercavam os prédios públicos do centro administrativo da capital paranaense (ironicamente denominado de ‘centro cívico’), cães treinados, milhares de bombas de gás lacrimogênio, gás de pimenta e armas com balas de borracha, centenas de civis à paisana entre os professores, dispersos

Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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estrategicamente para incitar agressões, ameaças ou provocações, todos filmando os manifestantes, entre os milhares de armas e demais artifícios de luta disponibilizados pelo Governo do Estado, através da Polícia Militar e Secretaria de (in)segurança. A operação de “guerra” montada, portanto, em todos os momentos e cenas, ficou bem distante de qualquer insinuação de acidente! O resultado, mais que previsível – e comemorado pelos governistas do alto dos prédios públicos, além das parabenizações às chefias militares responsáveis pela execução – não poderia ser diferente. Entre 14h45 e 17h10 horas de 29 de abril de 2015, foram oficialmente registradas 392 feridos, 213 procuraram atendimento médico emergencial nos corredores do prédio da Prefeitura Municipal de Curitiba, porque não havia qualquer serviço público (diferente do que afirmou o Governo PR em nota oficial, no mesmo dia). No dia seguinte, de acordo com o blog BR29 (lutando contra a mídia golpista), que fez um breve levantamento sobre a repercussão do caso na mídia fora do Brasil, a imagem do campo de batalha militar, que o Governo do Paraná exibiu como troféu aos seus comissionados internos, mostrou um Estado marcado por práticas de um autoritarismo capaz de envergonhar os generais do último regime militar brasileiro (1964-1985). “PSDB vira destaque na imprensa mundial”, informou o BR29, destacando que as expressões mais frequentes no noticiário internacional faziam referência ao uso explícito da ‘violência’, ‘ditadura’, ‘batalha campal’ e ‘covardia’. Imagens da covardia do governo do Paraná contra manifestantes na tarde de ontem (29) foram destaques nos principais veículos de mídia do mundo. A imprensa internacional noticiou a vergonha “tucana” que deixou 170 feridos, e destacou que a ação de Beto Richa foi violenta e “desastrosa”. “Batalha campal”, publicou o italiano “La Repubblica”, argumentando que há tempos não se via tanta violência no país. “A polícia liberou uma onda de balas de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral em professores grevistas”, disse o “New York Times”. O alemão “Die Welt” disse que a polícia usou “furiosamente” balas de borracha, cassetetes e gás de pimenta contra os professores. No jornal chileno “La Tercera”, um professor chamou o governo do Paraná de “ditadura regional” que não respeita os direitos humanos. (BR29, 30/04/2015).

No presente texto estão alguns recortes da repercussão editorial em torno das formas como os diários impressos (todos com versão digital na internet) cobriram as agressões resultantes da operação de guerra montada e executada pelo Governo do Paraná, ao dia 29/04/2015, no Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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centro da capital do Estado. As bases da leitura proposta reivindicam uma perspectiva conceitual e metodológica jornalística, na medida em que os elementos que orientam a observação dos referidos produtos periodísticos tomam por base as orientações e estratégias de produção jornalística em nível regional. Em todos os casos, busca-se considerar e dialogar com características e marcas editoriais que habitualmente tipificam o fazer cotidiano em veículos de pequeno ou médio porte, como se pode ver ao longo do presente texto. CONTEXTO, METODOLOGIA E MÍDIA REGIONAL A orientação metodológica do texto considera o jornalismo como uma "forma de produção singular de conhecimento" (GENRO FILHO, 1987), que impacta nas relações da vida cotidiana dos respectivos espaços de circulação, como um produto simbólico que dialoga e interage no espaço social. A partir desta perspectiva conceitual, o estudo observa e destaca algumas das características editoriais que tipificam o jornalismo: título (pela leitura da manchete e chamada de capa), imagem fotojornalística da edição e a escolha editorial (para abordar o acontecimento). Tal abordagem possibilita reivindicar, aqui, uma análise jornalística da cobertura editorial apresentada pelos jornais diários impressos paranaenses ao conhecido "massacre" de 29 de abril de 2015, na capital do Estado. Outra referência conceitual que orienta o presente estudo é a caracterização do jornalismo sistematizada por Otto Groth (2011). É neste texto que o pesquisador-jornalista germânico melhor organiza o que ele denomina como “características” principais do fazer jornalístico. A leitura analítica aqui apresenta segue, pois, também a referida abordagem conceitual que, ao mesmo tempo, possibilita uma leitura estratégica como dispositivo metodológico. Assim, o objeto empírico do estudo foca a capa da edição do dia 30/04/2015 de 25 diários impressos que circulam em diferentes cidades do Paraná. Os diários da amostra totalizam, de acordo com dados dos próprios periódicos, uma tiragem aproximada de 350 mil exemplares. Ainda que tais números sejam questionáveis - principalmente porque a maioria dos diários não tem qualquer indicador de checagem de circulação e, pois, o limite é a informação que os respectivos jornais afirmam da própria circulação -, é Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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oportuno considerar que o alcance e, em certos aspectos, influência editorial de tais produções não se limita à projeção física do produto impresso, pois emissoras radiofônicas, bem como sites e redes sociais, repercutem matérias e informações divulgadas diariamente pelos diários locais ou regionais. Tabela 1 – Sede, formato e tiragem de 25 jornais diários do Paraná

ABREV.

DIÁRIO

SEDE

FORMATO

TIRAGEM

CP

Correio Paranaense

Curitiba

Tablóide

15000

JOC

Jornal do Ônibus de Curitiba

Curitiba

Tablóide

33000

BP

Bem Paraná

Curitiba

Tablóide

10500

I&C

Indústria&Comércio

Curitiba

Standart

9500

AP

Agora Paraná

Pinhais

Standart

12000

JH

Jornal Hoje

Cascavel

Tablóide

8000

OPR

O Paraná

Cascavel

Tablóide

18000

DC

Diário dos Campos

Ponta Grossa

Standart

11000

TV

Tribuna do Vale

Santo Antônio da Platina

Standart

5000

DN

Diário do Noroeste

Paranavaí

Standart

7500

DS

Diário do Sudoeste

Pato Branco

Tablóide

12000

PU

Página Um

Castro

Standart

3000

GP

Gazeta do Povo

Curitiba

Standart

41000

TP

Tribuna do Paraná

Curitiba

Berliner

28000

JB

Jornal de Beltrão

Francisco Beltrão

Berliner

6000

CPP

Correio do Povo do Paraná

Laranjeiras do Sul

Tablóide

5000

JM

Jornal da Manhã

Ponta Grossa

Standart

10000

FL

Folha de Londrina

Londrina

Standart

30000

OP

O Presente

Marechal Candido Rondon

Tablóide

7500

AGI

A Gazeta do Iguaçu

Foz do Iguaçu

Tablóide

7500

UI

Umuarama Ilustrado

Umuarama

Tablóide

13500

TN

Tribuna do Norte

Apucarana

Berliner

10000

Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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TI

Tribuna do Interior

Campo Mourão

Standart

8500

TC

Tribuna de Cianorte

Cianorte

Standart

12000

JL

Jornal de Londrina

Londrina

Berliner

25000

Fonte: Os autores, 2015.

A mídia impressa diária paranaense, se considerar os números de tiragem/circulação de outros estados (como o RS, SP ou RJ), registra pouca expressão e consumo cotidiano. Enquanto os três principais diários do RS, por exemplo, atingem a marca de 400 mil exemplares ao dia, o maior jornal em tiragem do Paraná (Gazeta do Povo) fica em torno de 41 mil exemplares diários. E, aí, o cálculo proporcional, que considera a relação entre população absoluta e exemplares de jornais ao dia, obviamente, deixa o Paraná em situação não confortável no ranking do acesso aos impressos. Com 10,7 milhões de habitantes (IBGE, 2014) e pouco mais de 350 mil exemplares diários, o Paraná revela a média de 1 exemplar para cada 30 habitantes. Numero que, inclusive, fica um pouco abaixo da média nacional, tendo por base os indicadores de 2014. O cenário de uma mídia regional não concentrada na capital, entretanto, registra um aspecto peculiar ao Paraná (GADINI, 2011). No mapa da mídia impressa paranaense, a distribuição dos diários apresenta uma abrangência que contempla representação editorial em praticamente todas as regiões do Estado e, se considerar a tradicional concentração de mídia nas capitais, uma menor centralidade em Curitiba (são seis diários editados na capital e 20 em outras 16 cidades de diferentes regiões). Longe de qualquer insinuação a um mundo de mídia plural, as produções jornalísticas dos impressos paranaenses reproduzem alguns vícios editoriais, que marcam a mesma história da mídia brasileira: dependência (política e financeira) de setores de governo - federal, estadual ou municipal -, habitualmente com mais ênfase e 'pressão' dos poderes locais e regionais sobre escolhas editoriais. E, de outro aspecto, a dependência de produções de agências noticiosas, seja para imagem ou texto jornalístico. O terceiro vício, entretanto, que mais caracteriza as produções da mídia regional paranaense, está no 'alinhamento' de identificação editorial, que se materializa na publicação - parcial ou completa, mas em geral da forma como chega - de materiais produzidos pela assessoria do governo do Estado, que no Paraná se mostra como Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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'Agência Estadual', e veicula diariamente a agenda, compromissos e versões dos dirigentes governistas aos mais diversos temas que fazem o cotidiano da população. Estudo de Hebe Gonçalves (2013) revela uma constante dependência ou 'identificação' editorial de veículos regionais aos materiais diariamente disponibilizados por profissionais, na maioria contratados como cargos comissionados, que fazem a tal blindagem da representação imaterial governista. E isso, obviamente, marca as mais diversas edições, formatos e suportes que, ainda, se apresentam como jornalísticos em todo o Paraná. É oportuno lembrar, aqui, que este modelo da dependência ou alinhamento governista não é exclusividade do atual grupo gestor que ocupa o palácio do Iguaçu, pois se reproduz, ainda que em variadas tonalidades, desde a gestão Lerner (PFL e afins, 1994/2002). Aliás, um levantamento da Folha de São Paulo (2003) mostrou a suposta justificativa ou alegação dos editores dos principais diários regionais que já recebiam valores de invejar os tradicionais descansos públicos, que sobrevivem com minguados recursos. O QUE MOSTRAM AS CAPAS DOS DIÁRIOS PR NA EDIÇÃO PÓS-MASSACRE? O levantamento mostra que 21 dos 25 impressos analisados ao presente estudo abrem manchete sobre os acontecimentos do dia anterior. E os cinco que não dedicam manchete optam por uma chamada de capa, com ou sem imagem. Tabela 2 - Cobertura dos diários paranaenses (30/04/2015) sobre o massacre de 29 de abril nas capas DIÁRIO

MANCHETE

CHAMADA CAPA

VALÊNCIA EDITORIAL

Nº FOTOS

PROD. FOTO

CP

Confronto no Centro Cívico tem mais de 200 feridos

Prefeitura atende vítimas das manifestações

Indep.

2

APP, SMCS

JOC

Praça de Guerra!

Pró-Serv

3

APP, SMCS, G1

BP

Praça de Guerra

Pró-Serv

1

Própria

Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

54

I&C

Professores e PM entram em confronto no Centro Cívico

Indep.

1

SMCS

AP

Governador lamenta incidentes provocados pelos Black Bocs

Pró-Gov

1

Divulgação

JH

Greve dos professores

Indep.

0

---

POR

Batalha campal – conflito deixa dezenas de feridos

Pró-Serv

4

Própria

DC

Mudanças na Previdência são aprovadas em “Dia de Guerra”

Pró-Serv

4

Manifestantes

TV

Projeto é aprovada em meio a conflito que fere mais de 100

Indep.

1

G1

DN

Confrontos foram causados, segundo o governo, por militantes black bocs

Pró-Gov

1

Gazeta do Povo

Indep.

1

Ag Estadão

DS

Após conflito, Alep aprova mudanças na previdência

PU

Praça de Guerra

Indep.

1

Ag Estadão

GP

Em cenário de guerra, deputados aprovam mudança na previdência

Indep.

4

Própria

TP

Educação

Pró-Serv

8

S/N

JB

Confronto em Curitiba, mais de 200 feridos

Indep.

1

Ag Estadão

Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

55

CPP

Centro Cívico, em Curitiba, vira praça de guerra

Pró-Serv

0

----

JM

Confronto com 200 feridos não impede a aprovação de reforma

Indep.

4

NI

FL

Repressão truculenta da PM fere 200 manifestantes na capital

Pró-Serv

3

NI

OP

Estado abre inquérito para apurar confronto

Governador lamenta os graves incidentes

Pró-Gov

2

NI

Praça de guerra em Curitiba

Pró-Serv

1

Ag Estadão

AGI

UI

Deputados estaduais ignoram confrontos e aprovam projeto

Indep.

2

Ag Estadão

TN

Deputados aprovam projeto após ação da PM deixar 200 feridos

Indep.

3

NI

TI

“Batalha” no Centro Cívico

Pró-Serv

1

NI

TC

Projeto da Paranaprevidência é aprovado e greve continua

Pró-Gov

1

NI

JL

De costas para o povo

Pró-Serv

1

NI

Editorial – Quarta-feira de tiro, gás e bomba

Fonte: Os autores, 2015.

Destes 25 diários, quatro têm postura explicitamente favorável à posição governista, repetindo termos e justificativas utilizadas pelos representantes do governo. É esse o caso do Diário do Noroeste, que Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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traz como manchete “Confrontos foram causados, segundo o governo, por militantes black bocs”, e O Presente, com a chamada “Governador lamenta os graves incidentes”. Outros 10 jornais trazem a postura oposta, com capas que deixam clara sua posição de defesa dos servidores públicos. Termos relacionados à guerra e batalhas são usados para indicar a repressão policial. O título “Praça de Guerra” se sobressai, utilizado por cinco dos jornais analisados (Jornal do Ônibus de Curitiba, Bem Paraná, Página Um, Correio do Povo do Paraná e A Gazeta do Iguaçu). Com postura independente nas capas, aparecem 11 jornais. Estes não deixam transparecer nas capas a posição política do jornal com relação ao conflito de 29 de abril e, embora tragam os números de feridos e a truculência policial, também fazem referência às justificativas do Governo do Paraná e Polícia Militar. A matéria oficial, da assessoria (Agência Estadual de Notícias AEN), divulgada por volta de 19 horas, quando ainda se contabilizavam as vítimas das agressões - por balas de borracha, estilhaços de bombas de gás lacrimogêneo, pimenta, cassetetes e, ao menos em dois casos, também por cães treinados para atacar - e alguns manifestantes ainda procuraram colegas em hospitais e postos de atendimento público, leva aos editores a versão governista sobre os registros. Entre os mais de 20 mil manifestantes, muitos conseguiram registrar algumas cenas de agressões, ataques despropositais e desrespeitos elementares aos direitos humanos, desde 14h45, quando o governo autorizou o ataque dos mais de 4,8 mil militares destacados para a operação "massacre 29". E foram algumas destas incontáveis cenas registradas em celular, câmera ou tablet, que chegaram às redes sociais, representantes de entidades e movimentos sociais, bem como a alguns espaços midiáticos, que deram o tom de muitas escolhas editoriais que, desde o meio da tarde de quarta-feira, 29/04/2015, foram às redes e agências noticiosas, mostrando ao mundo ( jornalístico) uma das faces pouco divulgadas do Estado: uma gestão assumida e perversamente autoritária, sem qualquer preocupação com dignidade, direitos humanos e integridade física dos milhares de trabalhadores que foram às ruas! A pulverização de imagens em redes sociais - com relatos em áudio, texto e fotografias das agressões policiais - em poucos minutos saiu do Estado e do País, basicamente pelas transmissões digitais de dispositivos móveis de quem viveu ou presenciou a visível brutalidade da operação de guerra montada pelo governo do Estado (PSDB, Demos e afins). Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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Lógico que fazer imagem no meio da repressão, que não deu trégua durante o período de 2h25 minutos, não era tão simples. Prova disso é que, entre as 330 pessoas atingidas fisicamente, 213 das quais fizeram registro ou procuraram atendimento médico durante as agressões, estima-se que um terço foi atingido da cintura para cima, com maior incidência no olho, pescoço e rosto. É óbvio que não foi coincidência e, inclusive, está em sintonia com a disposição dos atiradores de elite postados, desde o dia anterior, no alto de vários prédios (públicos ou privados) no entorno da Praça Nossa Senhora de Salete. Na mesma lógica, entre os jornalistas agredidos, foram registrados inúmeros casos de bala na parte superior do corpo. Não precisa ser analista médico para suspeitar e, talvez, defender a hipótese de que o alvo de atiradores tinha como um dos focos as pessoas que portavam equipamentos fotográficos para registrar as cenas de desrespeito. “Dos 392 professores feridos, mais de 90% foram atingidos da cintura para cima: cabeça, tronco, rosto, até nos olhos”, confirmou a jornalista Conceição Lemes, em seu blog, em postagem de 05/05/2015.1 A versão oficiosa, levada à mídia no fim da tarde chuvosa de 29 de abril, através de uma suposta entrevista 'fechada' do chefe do executivo, seguiu a lógica de apontar culpados, e jamais qualquer responsabilidade aos envolvidos na operação de guerra montada. Como se pode ler no texto da Agência Estadual de Notícias, disponível em: www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=83929. 2 Como se pode conferir, o título da matéria da Agência Estadual de Notícias, que foi “aproveitado” literalmente por alguns diários, dá o tom da postura governista: “Governador lamenta incidentes provocados pelos black blocs”. E, na sequência, o texto também “aproveitado” por editores regionais: O governador Beto Richa lamentou profundamente os graves incidentes ocorridos nesta quarta-feira (29), no Centro Cívico, durante manifestação de professores. Os confrontos foram causados por militantes black blocs que, infiltrados no movimento, atacaram os soldados da Polícia Militar que protegiam a Assembleia Legislativa durante a votação do projeto de reestruturação do sistema de previdência dos servidores públicos estaduais. “A polícia estava lá por determinação do Poder Judiciário para proteger 1. Conforme arquivo disponível em: www.conversaafiada.com.br/politica/2015/05/05/90dos-professores-foram-atingidos-acima-da-cintura/. 2. Como se pode ler no texto da Agência Estadual de Notícias, disponível em: www.aen. pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=83929. Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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a sede do Poder Legislativo, uma instituição democrática que não pode ser afrontada no seu direito”, disse o governador, lembrando que em fevereiro a Assembleia havia sido invadida por manifestantes. Atacados pelos black blocs, que o governador classificou de “arruaceiros e baderneiros”, os soldados tiveram de reagir e dispersar a multidão que cercava as imediações do prédio da Assembleia, na praça Nossa Senhora de Salete. Pelo menos sete militantes foram identificados e detidos pela polícia.(...) (AEN, 29/04/2015)

Se o governo aposta no 'alinhamento' editorial com veículos (pré)controlados, como explicar que a cobertura não traduz a versão propagada pelo executivo? São vários aspectos a considerar, para entender o cenário! Em primeiro lugar, a grande maioria dos veículos não mantém repórter (de imagem ou apuração) na capital do Estado. E, habitualmente, se dá por (quase) satisfeita em reproduzir as versões oficiais, assinando como material de uma Agência (AEN), em certos casos, tentando mesmo enganar o leitor, na medida em que não assume a reprodução literal da assessoria oficial. E, como na maioria das situações, os poucos veículos que cobrem o 'centro cívico' (o tal espaço dos poderes oficiais do Estado) não se diferenciam muito em termos de abordagem editorial, adquirindo uma falsa naturalidade, como se não houvesse diferenças entre escolhas editoriais e a mera divulgação do oficialismo. E, pois, não por acaso, os meios e produtos que tinham um acompanhamento profissional no centro cívico, em 29/04/2015, não conseguiram divulgar e sequer acreditar que a versão oficial teria qualquer lógica ou condição humana de ser divulgada como "outro lado". A análise da edição de 30/04 dos diários que tinham repórter (de imagem ou apuração) em Curitiba, por bom senso ou respeito ao próprio exercício profissional, revela que tais periódicos nem precisaram "defender" os manifestantes. Bastava registrar e, se possível, divulgar as cenas de desrespeito. E, muito provavelmente, é nessa mesma perspectiva que se pode situar como e porque os poucos jornais que, na edição de 30/04, tentaram justificar ou apenas reproduzir a hipótese de “mostrar" o outro lado, destoam da orientação editorial que, mesmo não combinada e alinhada por qualquer interesse político, mostrou uma versão mais realista, nem a favor ou contra, mas assumidamente jornalística, em que a necessidade de mostrar o que se tornou mais visível e relevante se deu de forma (quase) natural e inevitável diante dos fatos. Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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Qualquer repórter que, por alguns poucos minutos, presenciou e foi obrigado a fugir das bombas e das investidas das tropas de choque, não precisaria sequer simpatizar com as causas do movimento dos servidores públicos contra o desmonte da previdência (PR). Talvez por isso, no day after, mesmo pagando editores/proprietários de impressos em diversas cidades do Estado, na edição de 30/04, em cerca de 70% dos casos, o governo não encontrou a versão oficial em tais produtos jornalísticos. Neste caso, pode-se assegurar que quanto mais profissionais e estrutura editorial um periódico tinha na cobertura dos acontecimentos, mais qualificada, plural e impactante se revelou na edição do dia seguinte. Em certa medida, a brutalidade e o realismo das agressões expostas se tornaram mais fortes e expressivas que eventuais interpretações ou crenças em valores "extra" editoriais, como se percebe em algumas das capas que “saltam aos olhos” neste retrato da cobertura dos diários paranaenses. Imagem 1: Capas de jornais do dia 30 de abril de 2015

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Fonte:Tribuna do Paraná, Folha de Londrina, Gazeta do Povo e Jornal de Londrina, em 30/04/15

Alguns diários, entretanto, conseguiram apresentar aos leitores uma capa focada em "mostrar" o outro lado, o (auto)alinhamento ou convencimento, aceitando como (quase) normal divulgar a defesa de ações autoritárias custeadas pelo dinheiro público. E, pois, abrem espaço, parcial ou não, para publicar a versão oficial do governo, seja na forma de nota (como fizeram alguns editores), inclusive na capa da edição, ou mesmo em box, destacando as alegações ou justificativas governistas ao "massacre de 29 de abril". Tais jornais deixam clara uma posição governista nas capas, como se pode ver no Diário do Noroeste e n'O Presente:

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Imagem 2: Capas de jornais do dia 30 de abril de 2015

Fonte: Jornais Diário do Noroeste e O Presente no dia 30/04/15

A coluna do jornalista Celso Nascimento, na edição de 30/05/2015 da Gazeta do Povo, informa e analisa o custo público da “guerra” governista contra os servidores públicos, em três tópicos: “o preço da guerra 1”, conforme Nascimento: Nunca antes se imaginou que o Paraná estivesse tão bem preparado para uma guerra de verdade. Mas agora vem a confirmação de que nossas forças policiais – para as quais de vez em quando falta gasolina ou oficina para mover viaturas – são mais poderosas do que se pensava. Por meio de um ofício assinado pelo comandante-geral da Polícia Militar, coronel Tortato, como resposta ao Ministério Público de Contas, os paranaenses tomam conhecimento do nosso poderio de fogo.

Nas palavras do mesmo colunista, “o preço da guerra 2”: O ofício contabiliza os gastos em dinheiro, o contingente de militares e o arsenal utilizado na operação do dia 29 de abril – a Batalha do Centro Cívico (não confundir com a Batalha de Itararé, que não houve). Ficou-se Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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sabendo que o custo foi de quase R$ 1 milhão; que foram empregados 2.516 policiais (855 trazidos do interior); e que a PM tinha 3.761 munições à disposição (balas de borracha, bombas e sprays de pimenta). A carga levada ao teatro da guerra dava para disparar 20 balas e 11 bombas por minuto.

E, para fechar, “o preço da guerra 3”, de acordo com Celso Nascimento: A partir do ofício da PM, é possível saber que cada manifestante custou aos cofres públicos R$ 47,00. Se o cálculo levar em conta apenas o número de feridos (213), o custo por vítima sobe para R$ 4.430,00 – valor equivalente a um auxílio-moradia pago a juízes, promotores e conselheiros. Parte do prejuízo pode ser recuperado: policiais que não comeram tudo o que podiam terão de devolver parte de suas diárias. O governo também pediu à Justiça o confisco de R$ 1,2 milhão das contas da APP-Sindicato, condenado a pagar multa de R$ 40 mil por dia de greve contada até sexta-feira (NASCIMENTO, 30/05/2015)

Outra informação, negada pelo governo desde que a operação de guerra foi montada pela repressão, envolve o uso do helicóptero alugado, que é usado apenas pelo chefe do executivo estadual. A mentira, logo, também caiu, pois ficou provado, por imagens do dia, que, além do helicóptero da polícia militar, a outra aeronave tinha o mesmo prefixo que a alugada com dinheiro público: As bombas lançadas do alto sobre os professores, no massacre do dia 29 de abril, vieram do helicóptero de uso exclusivo do governador Beto Richa. Muitos dos feridos, os que apresentavam machucaduras com maior gravidade, foram atingidos a partir de munição que vinha do ar. Ao cair sobre a multidão, as bombas pesavam cinquenta vezes mais do que valor original. Este helicóptero, de prefixo PR HBZ, só levanta voo com ordem expressas do gabinete do governador. Isso significa, de duas uma: ou a ordem do ataque covarde aos professores foi dada diretamente por Beto Richa ou ele concordou com tudo, a ponto de ceder o próprio helicóptero para lançar bombas e outras munições sofre a massa humana reunida no Centro Cívico. (CRUZ, 23/05/2015)

Estes aspectos, que denunciam de forma pormenorizada o uso de dinheiro público para uma operação de guerra contra os servidores, pouco apareceram na cobertura jornalística, ganhando espaço em colunas, blogs e redes sociais. O tratamento editorial, nas capas, oscilou entre o registro da violência policial e o tratamento governista dos jornais que traduziram a versão oficial do episódio no centro cívico.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A leitura jornalística e analítica da cobertura editorial divulgada pelos diários paranaenses sobre o episódio registrado em 29 de abril de 2015, no centro de Curitiba, possibilita entender que, para além do impacto e da dimensão de abuso ou desrespeito aos direitos humanos elementares, nem sempre se registra similar espanto ou rompimento da “identificação” ou alinhamento de tais periódicos ao que é veiculado pela assessoria do governo do Paraná. E, da mesma forma, o distanciamento – físico e de acompanhamento jornalístico, seja por falta de estrutura ou pela opção em se pautar basicamente pelo material de assessoria –, se considerar a cobertura veiculada pelos diários paranaenses em 30/04/2015, facilita um maior alinhamento editorial ao material divulgado pela assessoria do governo. Em contraposição, os diários que contaram com apuração e registro fotojornalístico no local dos acontecimentos, de um modo geral, apresentaram uma cobertura crítica, mesmo diante de uma tradicional imagem de que as versões governistas tenderiam a alinhar a mídia regional ou local. O que equivale entender que, para além da importância e até necessidade de se buscar uma produção autoral inédita, por parte dos periódicos, tais produções editoriais tendem a assegurar uma maior pluralidade, afastamento das versões oficiosas, ao mesmo tempo em que valorizam o trabalho jornalístico e levam ao leitor/ouvinte/ telespectador versões mais próximas do que efetivamente acontece na vida social. Este, em geral, é o entendimento mais simples, e direto, que se pode indicar a partir da análise da cobertura jornalística divulgada pelos diários locais/regionais do Paraná a respeito do “massacre” imposto pela operação de guerra montada pelo Governo do Estado em 29 de abril de 2015. REFERÊNCIAS CRUZ, Valdir. “Bombas: helicóptero era do Beto Richa”. Curitiba: Blog do Valdir Cruz, 23/05/2015.http://www.blogdovaldircruz.com.br/2015/05/23/bombas-helicopteroera-do-beto-richa/#more-1584 CUT PR. “Governo do Paraná gastou R$ 6,3 milhões com empresa fabricante de armas”. Curitiba: CUT PR, 25/05/2015.http://cutpr.org.br/destaques/1645/governo-do-paranagastou-r-6-3-milhoes-com-empresa-fabricante-de-armas

Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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DOCUMENTÁRIO do ‘Massacre 29 de abril’ tem pré-estreia nesta quarta. Ponta Grossa: Cultura Plural, 27/05/2015. http://www.culturaplural.com.br/documentariodo-2018massacre-29-de-abril2019-tem-pre-estreia-nesta-quarta/view_vkNoticia#. VcTImrVRUwC GADINI, S. L. (org). Retratos de mídia regional no Paraná. Ponta Grossa: Agência de Jornalismo UEPG, 2011. GENRO Filho, Adelmo. O segredo da pirâmide. Porto Alegre: Ortiz, 1987. GONÇALVES, Hebe e BELINI, C. T. “Agências Estaduais de Notícias: Tendências predominantes na plataforma web”. Trabalho apresentado no I Seminário de Comunicação Comunitária e Mídias Digitais. Ponta Grossa: UEPG, agosto de 2013. http://www.jornalismouepg.net.br/index.php?option=com_ content&view=category&layout=blog&id=49&Itemid=240 “GOVERNADOR lamenta incidentes provocados pelos black blocs”. Curitiba: 29/04/2015, Agência Estadual de Notícias (Governo do Paraná). Disponível em http:// www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=83929 GROTH, Otto. O poder cultural desconhecido: fundamentos das ciências dos jornais. Petrópolis: Vozes, 2011. LEMES, Conceição. “90% dos professores foram atingidos acima da cintura”. São Paulo: Conversa Afiada, 05/05/2015. http://www.conversaafiada.com.br/ politica/2015/05/05/90-dos-professores-foram-atingidos-acima-da-cintura/ MORAIS, Esmael. “PMs que massacraram professores terão de devolver diárias”. Curitiba: Blog do Esmael, 25/05/2015.http://www.esmaelmorais.com.br/2015/05/vejaessa-pms-que-massacraram-professores-terao-de-devolver-diarias/ NASCIMENTO, Celso. “Sindrome de Poliana”. In: Gazeta do Povo, 30/05/2015. Curitiba: Gazeta do Povo, 2015. Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/ colunistas/celso-nascimento/sindrome-de-poliana-ewg0efzlaheu8w6t0nq4fqdvw O QUE dizem os 76 jornais, revistas e colunistas sobre as "matérias pagas" pelo governo do Paraná em 2002. São Paulo: Folha de São Paulo, 02/09/2003. http://www1.folha. uol.com.br/folha/brasil/20030902-materias_pagas.shtml PSDB vira destaque na imprensa mundial: ‘ditadura’, ‘violência’, “batalha campal” e “covardia’. São Paulo: BR29, 30/04/2015. Disponível em http://br29.com.br/psdbvira-destaque-na-imprensa-mundial-ditadura-violencia-batalha-campal-e-covardia/ Acesso em 30/06/2015.

Aline Jasper e Sérgio Luiz Gadini

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A greve das universidades estaduais em portais de jornais paranaenses: enquadramentos e temas predominantes no primeiro momento da mobilização de 2015 Fernanda Cavassana de Carvalho, Rafael Silva Buiar e Emerson UrizziCervi

INTRODUÇÃO

N

o início do mês de fevereiro de 2015, universidades estaduais do Paraná, presentes nas três maiores cidades do interior do estado, aderiram ao movimento de greve já instaurado. Por meio dos sindicatos de duas categorias, a de docentes e a de agentes técnico-administrativos da Universidade Estadual de Londrina (UEL), daUniversidade Estadual de Maringá (UEM) e daUniversidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)1, a paralisação foi mobilizada como forma de protesto contra os projetos de leis encaminhados à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) pelo governador Beto Richa (PSDB) e que resultavam em perdas de direitos obtidos pelos servidores públicos e pelas Instituições Estaduais de Ensino Superior (IEES) do Paraná. Juntas, as três instituições totalizam mais de 65 mil alunos, mais de 4 mil docentes e quase 7 mil servidores técnicos. Além disso, possuem projetos de extensão e diversos tipos de prestação de serviço que afetam um público externo de forma ampla, sem limitar-se à comunidade universitária. 1. Assuel (UEL), Sinteemar (UEM) e Sintespo (UEPG) são sindicatos de técnicos administrativos. Sindiprol (UEL), Sesduem (UEM) e Sinduepg (UEPG) são sindicatos de docentes. Todos aderiram à paralisação.

Fernanda Cavassana de Carvalho, Rafael Silva Buiar e Emerson UrizziCervi

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Em meio esta disputa política entre funcionário e governo do estado, a busca por informações é fundamental, especialmente para a comunidade local que sofre consequências diretas com a paralisação, para compreender a situação, tanto para poder avaliar os prós e os contras, como para formar sua opinião sobre os assuntos que norteiam o episódio. Considera-se aqui, pois, o papel social do jornalismo, que deve informar a população, seja por meio de notícias informativas sobre o tema, apresentando as consequências da greve e do que se é requerido ou combativo pelo movimento, seja por meio das declarações de todas as partes envolvidas na disputa, ressaltando o papel da imprensa local pela influência que possui perante sua comunidade. A Folha de Londrina (Folha), o Jornal de Londrina (JL), O Diário (de Maringá), o Diário dos Campos e o Jornal da Manhã, ambos de Ponta Grossa, tem representatividade em suas regiões, sendo, assim, uma alternativa importante e de referência para o acesso à informação em suas localidades. Hoje, esses jornais também produzem conteúdos para seus portais na web, ampliando o alcance de suas publicações e, consequentemente, o seu público leitor, sem que haja restrições de limites geográficos. A presença da imprensa tradicionalmente impressa no ambiente online é de interesse deste trabalho, dadas as características de circulação de informação na rede, justificando a escolha pelas matérias dos portais destes veículos. Além disso, considera-se também a cobertura da Gazeta do Povo, jornal de abrangência estadual, por ser o maior do estado e, assim como os demais, também produzir publicações para o seu portalonline. A partir disso, este artigo tem como objetivo analisar comparativamentecomo começou e como terminou a cobertura destes jornais paranaenses sobre o primeiro momento de mobilização da greve das IEES em 2015. Como recorte de tempo, são considerados os primeiros e os últimos 15 dias da primeira fase2 da greve nas IEES do Paraná. É preciso ressaltar que, embora a paralisação tenha envolvido agentes de todas as instituições aqui analisadas, há sindicatos distintos para o corpo administrativo e o docente de cada IEES e nem todos iniciaram e suspenderam a manifestação na mesma data. O Sintespo, por exemplo, só anunciou adesão no dia 13 de fevereiro de 2015, sendo que o Sinduepg estava em greve desde o sexto dia do mesmo mês, 2. Quando se limita a análise ao primeiro momento da greve, abrangendo apenas a greve deflagrada entre fevereiro e março de 2015 pelos sindicatos dos servidores das IEES paranaenses, não são consideradas as matérias publicadas fora deste período nem as que se limitavam a abordar a greve dos professores do ensino básico ou de outras categorias. Fernanda Cavassana de Carvalho, Rafael Silva Buiar e Emerson UrizziCervi

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assim como a Assuel e o Sinteemar. Outra ilustração é que enquanto os técnicos administrativos da UEL interromperam a greve em 12 de março, o Sindiprol/Aduel, representante dos docentes da universidade, só anunciou suspensão da paralisação no dia 18 do mesmo mês. Define-se, então, o período “Início” para as notícias veiculadas entre 6 e 20 de fevereiro de 2015 e “Fim” para as publicações compreendidas entre 4 e 18 de março de 2015, respeitando as datas de cada um dos sindicatos. Como já anteposto, as publicações foram retiradas da internet3, a partir dos portais desses jornais locais, tradicionalmente impressos. A partir disso, os textos coletados passam por dois diferentes tipos de análises de conteúdo. Inicialmente, realiza-se uma análise textual identificando agrupamentos – clusters – temáticos de palavras relacionadas nas publicações do início e do fim. Depois, realiza-se a categorização de todas as publicações, identificando os enfoques temáticos e os tipos de enquadramento presentes nas matérias coletadas que compõe o banco de dados deste trabalho. Antes, um breve embasamento teórico é exposto, discutindo o espaço dedicado aos movimentos sociais na cobertura jornalística. VISIBILIDADE E ENQUADRAMENTO MIDIÁTICOS DE MOVIMENTOS SOCIAIS Ao tratar de movimentos sociais, deve-se ter em mente que o próprio conceito de sociedade civil pode ser compreendido sob diferentes perspectivas, desde aquelas que destinam à esfera pública o campo de ação da sociedade civil com o sistema político democrático até as que compreendem a sociedade como próprio campo de disputa política,entre grupos e classes que buscam a hegemonia (BECKER, 2010). De qualquer modo, as mobilizações e demandas originadas na sociedade civil organizada necessitam de apoio público, o que permite considerar que, entre as mobilizações, a opinião pública também passa a ser disputada. Para Lippman (1995), a questão central sobre a opinião pública está relacionada diretamente ao jornalismo, pois, para o autor, a manipulação 3. Sempre um dia após a publicação, a partir de uma leitura diária dos portais analisados. Após a coleta, foi verificado e confirmado, por meio da pesquisa avançada do buscador Google (disponível em: http://google.com/advanced_search), que o banco de dados abrangia todas as publicações sobre a greve nas IEES do período nos websites escolhidos. Fernanda Cavassana de Carvalho, Rafael Silva Buiar e Emerson UrizziCervi

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de fatos ou até mesmo a veiculação de propagandas manipuladas não interferem tanto na formação da opinião do público quanto o processo de transformação desses fatos em notícias pelo jornalismo. Para Park (2008), a notícia é uma forma de conhecimento, um conhecimento social, e é por meio dela que a sociedade se torna ativa politicamente. As pessoas se informam, compartilham a informação, comentam e discutem, gerando, pois, o debate entre elas. E é justamente a ação de gerar o debate que dá origem à opinião pública (PARK, 2008). Assim, é necessário que os movimentos sociais, como os sindicatos nesta pesquisa, tenham mecanismos de comunicação externa (além de seus membros filiados), bem como conquistem apoio para garantir visibilidade de suas ações. Cammaerts (2013) trabalha com a ideia de mediação4 e de estrutura de oportunidade política5 para desenvolver um novo conceito que relacione as lógicas de atuação dos movimentos sociais com estratégias de comunicação. Introduzindo, assim, o que ele chama de “estrutura de oportunidade de mediação” (CAMMAAERTS, 2013, p.15), a qual seria constituída por estruturas de oportunidade específicas, a saber: a) de mídia, b) discursiva; c) em rede. A estrutura de oportunidade de mídia relaciona-se diretamente com a força que esses movimentos sociais têm de expandir suas mensagens por meio dos veículos tradicionais de comunicação. Na compreensão de Cammaerts (2013, p. 15), representaria “seu grau de influência cultural na esfera pública”. Já a estrutura de oportunidade discursiva estaria relacionada diretamente com o quanto o movimento tem um discurso sólido com argumentos fortes e condizentes para disseminar sua ideologia. Por fim, a estrutura de oportunidade em rede enfatizaria as possibilidades de recrutamento e mobilização dos movimentos sociais a partir da exploração do ambiente de rede interconectado, como fóruns, comunidades e páginas específicas na internet hoje (CAMMAERTS, 2013). A partir das três estruturas específicas, o movimento social pode usufruir, então, da estrutura de oportunidade de mediação e influenciar, por meio da comunicação, a esfera pública (CAMMAERTS, 2013). Para este trabalho, interessa, especificamente, a influência que uma 4. Para Cammaerts (2013, p. 14), a mediação “permite conectar as diversas maneiraspelas quais a mídia e a comunicação são relevantes ao protesto e ao ativismo; osprocessos de enquadramento na grande mídia e pelas elites políticas (...), assim como práticas de comunicação que constituemresistência mediada por si mesmas”. 5. Fazendo referência a dimensões do ambiente político que incentivem a ação pessoal em prol da ação coletiva, o que o autor resumirá em “impulso político” (CAMMAERTS, 2013, p.15). Fernanda Cavassana de Carvalho, Rafael Silva Buiar e Emerson UrizziCervi

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mobilização, originada na sociedade civil, tem na cobertura jornalística, uma vez que os “movimentos sociais dependemda grande mídia para três finalidades inter-relacionadas; mobilizar suportepolítico, aumentar a legitimidade e validação de suas demandas e permitirque expandam a abrangência do conflito além das pessoas que compartilham opiniões” (CAMMAERTS, 2013, p.15)6. No entanto, o fato de pautar a mídia por si só não é garantia direta e certa de aquisição da visibilidade midiática. Há inúmeros fatores que condicionam a visibilidade na mídia, desde a simples menção aos enquadramentos favoráveis à destinação de espaços nobres aos atores. A quantidade, a origem e o espaço que as fontes ganham na notícia, por exemplo, são características que podem ser mensuradas e contribuem para a análise de como a mídia atua na formação da opinião pública. O veículo pode criar, certificar ou refletir, importância a autoridades ao escolher quem deve falar sobre o que e em qual circunstância (COOK, 2011). “A seletividade leva ao viés quando, dia sim, dia não, certos tipos de atores, partidos políticos e questões receberem maior cobertura e forem apresentados mais favoravelmente que outros” (COOK, 2011, p. 207). Ao utilizar, pois, determinada fonte com interesse direto na disputa política e simbólica em questão, a imprensa opta por dar visibilidade e enquadramento a determinado ponto de vista sobre a greve sobre os demais. Já os enquadramentos midiáticos selecionam e dão enfoque a certos aspectos particulares da realidade descrita, o que faz com que muitas vezes determinem como a maioria das pessoas perceberá e entenderá determinado problema (ENTMAN, 1993; PORTO, 2004). Enfim, como compreender o fenômeno retratado.Considera-se, aqui, a distinção que Porto (2004) faz entre o enquadramento noticioso e o interpretativo, sendo que,neste, há padrões de interpretação que promovem uma avaliação particular sobre o tema. Assim, quando menos enquadramentos interpretativos apresentar, mais objetiva e imparcial será a cobertura, mas nem por isso será, necessariamente, menos informativa (PORTO, 2004). A partir desses pressupostos teóricos, passa-se à análise empírica deste artigo, dedicada a verificar características do conteúdo produzido e veiculado sobre o primeiro momento de greve nas IEES paranaenses em 2015.

6. Cammaerts (2013) traz estas considerações baseado na obra “GAMSON, W. A; WOLFSFELD, G. Movements and Media as InteractingSystems. Annals of the American Academy of Political and Social Science, 526:114–27. 1993”. Fernanda Cavassana de Carvalho, Rafael Silva Buiar e Emerson UrizziCervi

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ANÁLISE TEXTUAL COMPARATIVA: O QUE MUDOU NO TEXTO JORNALÍSTICO DO PERÍODO INICIAL AO FINAL Nesta primeira fase, a análise é elaborada por meio da interfaceIramuteq7, que, entre os diversos comandos oferecidos, realiza uma análise fatorial no banco, identificando clusters de palavras que se agrupam por proximidade nos textos8, por meio do método de classificação hierárquica descendente. “Esta análise visa obter classes de UCE [Unidades de Contexto Elementares] que, ao mesmo tempo, apresentam vocabulário semelhante entre si, e vocabulário diferente das UCE das outras classes” (CAMARGO e JUSTO, 2013, p. 516). O dendrograma abaixo ilustra os clustersde palavras mais próximas na cobertura do início da greve. GRÁFICO 1 - Dendrograma de clustersnos textos jornalísticos de 6 a 20 de fevereiro

Fonte: Elaboração própria 7. Software gratuito e com fonte aberta que permite fazer análises estatísticas sobre corpus textuais e sobre tabelas. Ancora-se no software R e na linguagem Python. 8. “O uso softwares específicos para análise de dados textuais tem sido cada vez mais presente em estudos na área de Ciências Humanas e Sociais” (CAMARGO; JUSTO, 2013, p.514), e também podem contribuir com pesquisas na área de comunicação. Cervi e Gandin (2015), por exemplo, realizaram uma análise comparativa dos discursos de posse de Dilma Rousseff em 2011 e 2015 por meio dos dados fornecidos pela interface. Fernanda Cavassana de Carvalho, Rafael Silva Buiar e Emerson UrizziCervi

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O Gráfico 1 permite ilustrar como a cobertura da imprensa sobre a greve nas IEES paranaenses iniciou-se sob quatro principais conjuntos temáticos. A classe 2, que corresponde a 35,8% do conteúdo textual analisado, relaciona-se mais às universidades e a introdução da greve, agrupando palavras como “greve”, “paralisação” e “universidade”9. Próxima a ela, derivada do mesmo ramo, está a classe 3 – correspondente a 13,3% da contextualização nos textos – na qual as palavras indicam a cobertura das manifestações dos grevistas, com destaque às ocorridas em Curitiba e no Palácio Iguaçu, sede do Governo Executivo do Paraná. Já a classe 1, mais independente dos dois primeiros grupos citados, é o cluster de palavras relacionadas ao Governo do Paraná e ao governador Beto Richa. É neste cluster que se encontra o termo “pacotaço”, cunhado no início da greve, e que se popularizou inclusive na imprensa, fazendo referência ao conjunto de medidasencaminhadas pelo governo Beto Richa para aprovação na Alep com o objetivo de fazer ajustes nas despesas financeiras da administração estadual. Por fim, temos na cobertura jornalística do início da greve o cluster que representa informações mais específicas e explicativas da reinvindicação dos servidores em greve contra o “pacotaço”, como as palavras “previdência”, “pagamento” e “aposentadoria”. No caso da cobertura do fim do primeiro momento de mobilização, a análise textual se apresenta mais pluralizada, como será exposto a seguir.

9. Todas as palavras citadas aqui, das classes do início e do fim, são estatisticamente significativas na análise fornecida pelo Iramuteq, com alto qui-quadrado e p. Acesso em 10 jul. 2015. CAREY, James W. A Cultural Approach to Communication. In: CAREY. James W. Communication as Culture: essays on media and society. New York/ London: Routledge, 1989. FRAZÃO, Marcelo. Sindiprol teme que alunos da UEL sejam presos como black blocs. Jornal de Londrina. Londrina, 05 de maio de 2015. Disponível em: . Acesso em 01 ago. 2015. GENRO FILHO, Adelmo. O Segredo da Pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Tchê, 1987. GOFFMANN, Erving. Framing Analysis: na essay on the organization of experience. Boston: Northeastern University Press, 2011. GOFFMANN, Erving. Os quadros da experiência social: uma perspectiva de análise. Petrópolis: Vozes, 2012. LACLAU, Ernesto. Emancipação e Diferença. Rio de Janeiro: UERJ, 2011. LUKÁCS, György. As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade do Homem. In: Revista Temas de Ciências Humanas, São Paulo, 1978. Disponível em: < http://www. giovannialves.org/Bases_Luk% E1cs.pdf>. Acesso em 05 mar. 2013. MCCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda – a mídia e a opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2009. MORETZSOHN, Sylvia. Pensando Contra os Fatos. Jornalismo e Cotidiano: do senso comum ao senso crítico. Rio de Janeiro: Revan, 2007. Felipe Simão Pontes

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Felipe Simão Pontes

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Critérios de noticiabilidade em mídias digitais na greve do Paraná em 2015 – Relatos de três veículos Cíntia Xavier e Manoel Moabis

SOBRE A GREVE E A COBERTURA NOTICIOSA

O

movimento de greve dos servidores públicos do Paraná em 2015 foi um dos eventos mais marcantes da história do Estado. Foram mais de 70 dias de paralisação da educação básica e 90 dias do ensino superior que aqueceram a cobertura jornalística de veículos hegemônicos e contra-hegemônicos. Apresentar a cobertura noticiosa em três espaços fora da grande mídia é o objetivo deste texto. O corpo de análise considera os portais na web de dois sindicatos que participaram do movimento grevista, o Sindicato dos Docentes da UEPG – Sinduepg (www.sinduepg.com.br) e Associação dos Professores do Paraná – APP (www.app.com.br) além de um blog informativo, blog do Esmael (www.esmaelmoraes.com.br). Entre as questões que se colocam como desafio para a presente investigação estão: Como se comportou a mídia alternativa1 nos momentos de greve docente no Estado do Paraná? Que tipo de cobertura foi dada à paralisação? Entender como foi o processo de divulgação jornalística da greve e quais critérios de noticiabilidade aparecem na cobertura estão entre as expectativas. 1. “O alternativo estabelece uma forma diferenciada de comunicação, especialmente porque se destaca a partir de um grupo que quer expor ideia e atividade que não fazem parte do universo contemplado pelos veículos considerados de grande massa”. (PINTO, 2009, p. 149) Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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As principais características da prática jornalística terão atenção, tendo como ponto de partida os eventos da greve, entre eles o dia 29 de abril. Não há preocupação, a priori, em identificar a existência, ou conceituar mídia alternativa. Trata-se de observar, catalogar e sistematizar informações sobre três espaços de informação e entender que movimentos fizeram ao longo do primeiro semestre de 2015. Para o presente estudo foram coletadas as notícias referentes ao movimento grevista e os desdobramentos eventuais da cobertura no período. Foram coletadas 316 notícias no Blog do Esmael, 110 do site da APP-Sindicato e 59 do site do Sinduepg. Para a coleta foi considerado o quadro de valores notícia elaborado por Silva (2005). Todos os dias de cobertura do processo de greve foram observados, nos três veículos. Foram desconsideradas as agendas informativas, os textos políticos e as colunas opinativas, pois a ênfase na recolha do material se deu pelo conteúdo noticioso. De forma complementar foram realizadas duas entrevistas para complementar as informações sobre o Blog do Esmael e sobre o site da APP-Sindicato. A ATRIBUIÇÃO DOS VALORES NOTÍCIA A imagem que fazemos da realidade está perpassada pelo que é ofertado pelos meios noticiosos (GALTUNG; RUGE, 1993) em diversos contextos e situações. A cobertura de um determinado fato, sua passagem de acontecimento para notícia, é importante para a presente investigação. Assim, a pergunta sobre como os acontecimentos se transformam em notícias (GALTUNG e RUGE, 1993) também se destaca para os procedimentos adotados e para os objetivos do relato. O acontecimento é determinado culturalmente (GALTUNG e RUGE, 1993). Significa pensar que há uma coleta, um processo seletivo que se divide entre o que é um acontecimento e como ele é interpretado até chegar a ser reconhecido como valor notícia. As atribuições desse processo passam por vários eixos e entre eles está a frequência do acontecimento. “Por frequência de um acontecimento entendemos o espaço de tempo necessário para este se desenrolar e adquirir significado” (GALTUNG e RUGE, 1993, p.64). Existe a necessidade de uma compatibilidade entre o fato e o meio noticioso. “Quanto mais a frequência do acontecimento se assemelhar à frequência do meio noticioso, mais hipóteses existem de ser registrado como notícia por esse mesmo meio noticioso” (GALTUNG e RUGE, 1993, p.64). Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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Para Galtung e Ruge (1993), a percepção de um acontecimento noticiável pode estar na sua amplitude, no seu significado e na sua relevância. O acontecimento pode ser inesperado, inequívoco e ter proximidade (GALTUNG e RUGE, 1993). Sobre os critérios de noticiabilidade utilizados no exercício de coleta, seguimos a orientação de Silva (2005), a partir da organização e compilação dos valores notícia em seu texto “Para pensar os critérios de noticiabilidade”. Ao observar e identificar os critérios de noticiabilidade nos três veículos, a coleta esteve orientada com maior ênfase na primeira instância trabalhada pela autora: “critérios de noticiabilidade na origem do fato (seleção primária dos fatos/valores-notícia), com abordagem sobre atributos como conflito, curiosidade, tragédia, proximidade etc” (SILVA, 2005, p. 95). Dentro da proposta de entender os critérios de noticiabilidade (SILVA, 2005) há a preocupação com a forma de tratamento dos fatos, a partir dos processos de produção da notícia. O formato do produto (SILVA, 2005) está descrito na pesquisa, mas as relações dos repórteres com as fontes e com o público (SILVA, 2005) não foram problematizadas. Outro eixo que não está presente investigação está centrado “na visão dos fatos, a partir de fundamentos éticos, filosóficos e epistemológicos do jornalismo, compreendendo conceitos de verdade, objetividade, interesse público, imparcialidade” (SILVA, 2005, p. 96). Não significa que estes itens não sejam importantes, mas não estiveram entre as preocupações para identificar os critérios de noticiabilidade nos três espaços. Muitos autores (GALTUNG e RUGE, 1993; FISHMAN, 1983; SILVA, 2005) trabalham com a definição de noticiabilidade como resultado de um processo. No momento em que se organiza conceitualmente e metodologicamente a presente reflexão, busca-se entender, mais fortemente, o que está apresentado nas páginas de cada site, ou seja, o resultado final, a notícia publicada. A coleta de dados foi realizada tendo como ponto de partida o que foi publicado. Não foram acompanhados os processos que deram origem à realização das publicações. O material coletado em três veículos diferentes foi feito a partir de uma seleção que esteve orientada a partir de eixos temáticos, entre eles estão greve e o dia 29 de abril. A tabela apresentada por Silva (2005) foi utilizada para buscar classificar e categorizar as notícias apresentadas nos três sites. A própria autora (SILVA, 2005) destaca a dificuldade de atribuir/encontrar a consistência desses valores notícia, considerados muito vulneráveis e mutantes. Na própria coleta pode haver divergência

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na atribuição dos valores. Os valores notícia organizados e aglutinados pela autora estão apresentados na tabela abaixo. Proposta de tabela de valores-notícia para operacionalizar análises de acontecimentos noticiáveis / noticiados Impacto Número de pessoas envolvidas (no fato) Número de pessoas afetadas (pelo fato) Grandes quantias (dinheiro)

Proeminência Notoriedade Celebridade Posição hierárquica Elite (indivíduo, instituição, país) Sucesso / Herói

Conflito Guerra Rivalidade Disputa Briga Greve Reivindicação

Entretenimento/Curiosidade Aventura Divertimento Esporte Comemoração

Polêmica Controvérsia Escândalo

Conhecimento/Cultura Descobertas Invenções Pesquisas Progresso Atividades e valores culturais Religião

Raridade Incomum Original Inusitado

Proximidade Geográfica Cultural

Surpresa Inesperado

Governo Interesse nacional Decisões e medidas Inaugurações Eleições Viagens Pronunciamentos

Tragédia/Drama Catástrofe Acidente Risco de morte e Morte Violência / Crime Suspense Emoção Interesse humano

Justiça Julgamentos Denúncias Investigações Apreensões Decisões judiciais Crimes Fonte: Gislene Silva (2005)

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OS ESPAÇOS ANALISADOS Blog do Esmael O blog do Esmael (www.esmaelmoraes.com.br) existe desde março de 2009 como espaço noticioso da web. Trata-se de um dos dispositivos de mídia que deram destaque à greve dos servidores públicos do Paraná entre fevereiro e junho de 2015. Apenas um jornalista formado pela Universidade Tuiuti do Paraná, Esmael Morais, é responsável pela gestão do conteúdo publicado. Além do conteúdo noticioso, o blog conta com conteúdos gerados de forma colaborativa. Os chamados “Cadernos Regionais” são publicações de outros blogueiros que são apropriadas pelo site de acordo com o interesse do jornalista proprietário do Blog. Entre áreas que são cobertas por estes acordos regionais estão: Foz do Iguaçu, Cascavel, Londrina, Cornélio Procópio, Maringá, Ponta Grossa, Região Metropolitana de Curitiba, Litoral e Sudoeste. Os acordos com as produções regionais são firmados apenas na troca de conteúdos, não consideram uma negociação financeira a priori. De acordo com o jornalista e proprietário do blog2, trata-se de uma “produção colaborativa”. Ele explica que a intenção nestas negociações é de oferecer um conteúdo mais abrangente daquilo que acontece no estado. Além do conteúdo noticioso, o blog ainda conta com colunistas do campo da política que escrevem regularmente no espaço. Atualmente os colunistas são: Jorge Bernardi, Requião Filho, Álvaro Dias, Marcelo Araujo, Enio Verri, Glesi Hoffmann e Luiz Cláudio Romanelli. Percebe-se que o arco ideológico representado pelos colunistas não indica um único posicionamento político, o que na visão do jornalista e proprietário do blog favorece o debate público sobre as questões em evidência. Outra particularidade importante do espaço é o chamado “direito de resposta automático”. Trata-se de um dispositivo utilizado por Esmael no caso de alguém se sentir ofendido pelas publicações. Nestes casos, segundo o jornalista, as pessoas podem requerer este recurso e terão seu posicionamento publicado sem qualquer edição. No seu escritório, uma sala comercial que fica na rua Capitão Souza Franco em Curitiba, existe uma sala de reuniões e um ambiente de produção, com dois computadores, telefone e internet. De acordo com o proprietário, todo conteúdo é gerado deste espaço, mas é possível publicar conteúdos de qualquer outro ponto de acesso à internet. 2. MORAES, Esmael. Entrevista concedida aos autores em 14/07/2015. Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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Sobre a rotina de produção diária do site, Esmael explica que boa parte do material publicado chega até ele através de informantes. Ele explica que sua experiência no jogo político ajuda a descobrir quando uma informação repassada é confiável ou não. Esmael declara que o site tem um posicionamento de esquerda. O jornalista já foi diretor da União Paranaense dos Estudantes (UPE), coordenou o Fórum em Defesa da Copel e é filiado ao PC do B. Esmael afirma que sobrevive economicamente com a renda gerada pelo blog. Ele mantém um contrato com um departamento comercial que vende anúncios a empresas como Itaipu Binacional e a prefeituras do Estado. Além dessas rendas, o blog ainda fatura com os anúncios que chegam via google. APP Sindicato A Associação dos Professores do Paraná é a entidade que representa os educadores e funcionários das escolas estaduais do Estado. Na composição da direção do sindicato, há um diretor de comunicação, Luiz Fernando Rodrigues, que é formado em marketing e antes de ser liberado para as atividades do sindicato trabalhava como funcionário de uma escola estadual de Maringá. A estrutura do setor de comunicação do sindicato é composta por funcionários da área do jornalismo, publicidade e marketing que fazem a assessoria. Entre os funcionários do sindicato estão quatro jornalistas (todos formados que trabalham em acordo com a convenção coletiva do Sindicato dos Jornalistas), um diagramador, um assessor de imprensa e um estagiário. Dos quatro jornalistas, dois trabalham pela manhã e dois à tarde. Eles não possuem uma rotina de produção consistente (orientada por uma quantidade específica de conteúdo) e ficam à disposição das demandas que chegam da direção do sindicato. Na equipe de jornalistas, três tem menos de cinco anos de formação e apenas um tem menos de um ano de trabalho no sindicato. Os demais já trabalham na APP há mais de três anos. O assessor de imprensa, formado em publicidade, trabalha o dia todo e atua na coordenação da equipe de comunicação. Está subordinado ao diretor de comunicação e deve viabilizar as demandas que surgem da direção do sindicato. O diagramador é responsável pelas peças gráficas e trabalha no período da tarde. O estagiário trabalha no acompanhamento das redes sociais e também faz a clipagem do material que é publicado sobre o sindicato. Toda estrutura Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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de comunicação trabalha na capital do estado e os 29 núcleos sindicais espalhados pelo Paraná possuem autonomia para produção de materiais próprios, porém sem uma equipe de comunicação contratada de forma permanente. Sobre a cobertura no período da greve, a APP criou um hotsite (www.app.com.br/greve) que funcionou como um repositório que compilou tudo que foi produzido pelo departamento de comunicação da entidade. Assim, todo material que se referia ao movimento de paralisação era direcionado para este espaço. Vale destacar que o sindicato também abastecia, com o mesmo material, o seu site permanente (www.app.com.br). No período da greve, um fotógrafo freelancer foi contratado para dar suporte à cobertura dos eventos promovidos pelo sindicato. Para realizar a observação e coleta de dados expostos no presente artigo, os dois espaços foram acessados, e com poucas exceções, todo material da greve de fato foi encontrado no hotsite criado para dar visibilidade ao movimento de greve. Mesmo com a criação de um espaço próprio, o site permanente da entidade continuou sendo visitado por aqueles que desejavam se informar sobre a paralisação. Dados do google analytics mostram que no período de 29 de abril a 9 de junho o portal permanente da APP teve mais de 4 milhões de acessos. As publicações da greve foram classificadas pela própria APP em duas categorias. Uma delas eram as chamadas notas políticas, que se tratavam de posicionamentos da diretoria sobre alguma questão relativa ao movimento grevista. A segunda categoria era a cobertura noticiosa da greve. No presente estudo, apenas essa segunda categoria foi considerada. Mesmo nos espaços noticiosos, o diretor de comunicação reconhece que existe um direcionamento político. As indicações de pauta e o enquadramento das notícias vinham da direção e eram produzidas pela equipe de jornalistas. Boa parte do embasamento de dados que eram usados nas matérias vinha de um economista que gera análises financeiras do Estado e oferece ao sindicato. As avaliações do economista se referiam a dados disponíveis em balancetes do governo ou dados oficiais obtidos através da Lei de Acesso à Informação. Junto das informações financeiras, também é ofertada uma leitura sobre estes dados.

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Sinduepg O Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual de Ponta Grossa é uma seção sindical filiada ao ANDES-SN, a única que mantém jornalista formado contratado de forma permanente. Não possui diretor de comunicação na composição da diretoria e também não cobra o cumprimento de horas de expediente do profissional de comunicação. O cargo profissional em jornalismo é uma função que aparece na estrutura do sindicato em 2009. Ao jornalista cabe a tarefa de escrever as notícias, fotografar e acompanhar as atividades do sindicato e produzir materiais como banners, folders, vídeos, cartazes e outras demandas que surjam no movimento de greve e nos momentos de normalidade. Durante o período da paralisação este profissional recebe a ajuda de professores filiados ao sindicato. O site analisado neste estudo foi criado entre 2010 e 2011. O endereço eletrônico passou por uma reestruturação em 2014. O espaço utilizado no período da greve não é um site exclusivamente noticioso, trata-se de um veículo mantido institucionalmente pelo sindicato que também publica informações diversas sobre filiação, posicionamento político, regulamento da entidade, atualização de dados, entre outros. A COBERTURA DA GREVE OFERECIDA PELOS ESPAÇOS NOTICIOSOS Sobre a cobertura no Blog do Esmael No Blog do Esmael foram contabilizadas 316 entradas relacionadas à greve e ao massacre do dia 29 de abril. A cobertura dada pelo blog e coletada na presente observação se deu do dia 02 de fevereiro de 2015 a 25 de junho de 2015. O blog, na maior parte dos dias que fez referência à greve, teve mais de uma inserção. Para a coleta foram observadas as notícias que faziam referência à greve, ao movimento e menções sobre o episódio do dia 29 de abril, denominado por “Massacre do dia 29”. Entre o mês de fevereiro até o dia 6 de março, a cobertura da greve e assuntos relacionados foi diária e ininterrupta. Depois do final da primeira greve (a da APP-Sindicato terminou em 09 de março e das universidades em 11 de março), o blog menciona o movimento de maneira aleatória e esporádica. A cobertura volta a ser sistemática a partir de 22 de abril até dia 25 de junho, deixando de cobrir questões relativas ao movimento em apenas três momentos esporádicos (27 de abril; 23 de maio; e 28 de maio). Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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Ao observar os valores notícia que se sobressaem na cobertura realizada pelo blog, pode-se perceber mais de 30 valores notícias diferentes. São eles, por ordem decrescente: Proeminência, com 52 aparições (16,45% das entradas coletadas); junto à Proeminência, foram desdobradas Elite e Posição Hierárquica, que somam mais 15 aparições (4,74% do total de aparições). Conflito/Greve, com 53 aparições (16,77% do total de entradas coletadas), Governo/Decisões e Medidas, com 45 de entradas (14,24% do total coletado); e Polêmica/Controvérsia, com 41 aparições (representando 12,97% do material coletado). Em cinco entradas não foram indicados valores notícia por se tratarem de autorreferência ao site. Este foi o caso do dia 04 de março de 2015 (“Ao vivo: Marcha da educação no PR”), em que o blog chama para a Marcha da Educação, mas na verdade está fazendo autopromoção. O valor notícia que mais aparece no Blog do Esmael é a Proeminência. Isso se deveu porque não há valores notícia relacionados ao legislativo, partidos políticos, entidades de direitos humanos. Assim, todas as vezes que foram anunciadas declarações de entidades, instituições, senadores, deputados e partidos, foram associadas ao valor proeminência. Sem especificar na coleta qual era o tipo de proeminência, este valor aparece 52 vezes na cobertura. Com a especificação sobre o tipo de proeminência foram 10 aparições como posição hierárquica e outras cinco como elite (indivíduo, instituição, país). Neste caso específico, podem ser exemplificados os momentos em que a Comissão de Direitos Humanos do Senado intimou o governador a explicar o dia 29 de abril (sob o título: “Comissão do Senado intima Richa para explicar massacre de professores”). Ao todo há referências ao valor notícia proeminência em 67 entradas sobre o movimento durante o período de coleta. O segundo valor notícia que se sobressaiu na cobertura dada pelo blog é Conflito/Greve com 53 entradas, tendo como eixo central a abordagem da greve em si. As atividades realizadas pelos sindicatos, como assembleias, algumas manifestações, momentos de decisão ou suspensão de movimento grevista, estão entre os elementos que foram considerados para estabelecer como valor notícia Conflito/Greve. Este valor especificamente aparece com maior frequência no Blog do Esmael no primeiro período da greve, que termina nos primeiros dias do mês de março. O termo conflito como valor notícia aparece ainda divido por outros seis desdobramentos. Aparecem como acontecimento noticioso selecionado/selecionáveis (SILVA, 2005, p. 104) na presente coleta: Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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Conflito/Disputa 14 vezes; Conflito/Reivindicação 14 vezes; Conflito/ Guerra com 8 aparições; Conflito/Rivalidade 3 vezes; Conflito/Raridade 2 vezes; Conflito/Polêmica uma vez. Conflito/Disputa foi considerado como valor notícia quando apareceu da seguinte forma no blog: “Servidores planejam campanha pelo “Fora Beto Richa, impeachment já!”, matéria publicada em 15 de maio, e que fez parte da coleta por estar relacionada com o dia 29 de abril”. No caso de Conflito/Raridade e Conflito/Polêmica, são dois valores notícia distintos na classificação de Silva (2005), mas que aparecem na coleta no mesmo acontecimento noticioso. Em Conflito/Raridade está contabilizado o momento de ocupação da Assembleia Legislativa do Estado no dia 10 de fevereiro, sob o título “Assembleia Legislativa do PR é ocupada por funcionários públicos em greve”. Outro valor notícia que mais aparece na cobertura dada ao blog é o que está denominado Governo/Decisões e Medidas com 45 aparições durante o período. Como o próprio termo faz referência, está relacionado a todas as situações em que o executivo ou seu chefe aparecem determinando alguma ação. Tal situação pode ser verificada no dia 04 de maio, quando o site traz a queda do Secretário de Educação (Sob o título: “Base governista defenestra Fernando Xavier; novo secretário da Educação será João Carlos Gomes”). Há ainda um outro valor notícia que aparece de forma significativa na observação e coleta realizada no Blog do Esmael que se trata do item Polêmica/Controvérsia. Este valor notícia diz respeito aos discursos e contraditórios apresentados pelos atores, em algumas situações. É o que pode ser verificado no dia 05 de maio, em que o site oferece o termo “desmente” para explicar a Polêmica/Controvérsia que se estabelece no embate entre governo e professores (sob o título: “Educadores em greve desmentem mídia e governo do Paraná: “Richa não atendeu toda a pauta como divulga””). Dentro da classificação proposta por Silva (2005) há o valor notícia Impacto, que está colocado como número de pessoas envolvidas ou afetadas (pelo ou no fato), além de grandes quantias de dinheiro. No caso do blog do Esmael, há a constatação de que por 13 vezes o Impacto pelo número de pessoas envolvidas no fato foram notícia. O acontecimento noticioso do dia 24 de fevereiro pode ser interpretado como de Impacto. Sob o título “Servidores anunciam para amanhã marcha com 50 mil contra Richa; Palácio Iguaçu lança ofensiva para criminalizar grevistas”, há no texto o apontamento para o número de pessoas envolvidas. Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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Todas as vezes que o governador se pronunciou para os meios de comunicação ou em público e que isto está apontado como eixo central da notícia, ela foi considerada Governo/Pronunciamento conforme a classificação dada por Silva (2005). Tal valor notícia está apresentado pelo menos 12 vezes na cobertura referente ao momento de greve. O acontecimento noticioso do dia 10 de março pode ser considerado um exemplo da escolha pronunciamento para o valor notícia. Sob o título “Richa culpa professores e PM pela quebradeira do Paraná; assista”, o texto faz referência a uma fala pública do chefe do executivo paranaense. Em situações em que as notícias tiveram “lugar secreto”, “escondidinha”, “enterro” e “protesto em casamento de deputado” como destaque na notícia, foi atribuído o valor Raridade/Inusitado. Foram totalizados 10 acontecimentos noticiados com esse valor no site. Entre os títulos que apareceram na página estão: “Urgente: Assembleia cogita fazer ‘sessão tratoraço’ em lugar secreto”; “Urgente: Assembleia quer continuar sessão interrompida “escondidinha” no restaurante”; “Richa vira alvo de intensos protestos e é “enterrado” no Paraná; assista”; e por fim “Servidores em greve fazem protesto para deputado “broxar” no dia do casamento; assista ao vídeo”. Como se pode observar, os títulos tinham como tônica a intenção de ofertar como eixo principal do registro o inusitado. Por fim, sobre os valores notícia observados como destaque na cobertura realizada no período da greve e manifestações está o acontecimento Justiça. Este item aparece como acontecimento noticiado em 12 situações no blog. Na presente observação eles foram divididos em decisões judiciais, com sete referências, como denúncia em quatro situações, e uma notícia como investigação. Quando elaboradas pelo valor notícia Decisões Judiciais, as notícias aparecem com destaque para as questões legais, como no dia 11 de fevereiro, sob o título “Greve geral: Justiça concede “reintegração de posse” da Assembleia Legislativa do Paraná”. Há que se ter em mente também certa dificuldade em qualificar dentro da tabela proposta alguns valores notícia. Entre eles estão acordo, negociação, proposta. Estes elementos são fortemente interpretados como valores notícia, mas não estão presentes na classificação elaborada por Silva (2005). Assim, embora estivessem entre os termos do valor notícia apresentados, eles foram colocados em alguns casos como Reivindicação, como Polêmica/Controvérsia, e aparecem também como Conflito/Disputa. Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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Cobertura do site da APP O site da APP sindicato dedicou quase que a totalidade das suas produções de conteúdo noticioso para a greve dos servidores públicos do Paraná, no período que vai de fevereiro a junho de 2015. Os pontos com maior ênfase de cobertura se referem ao período da paralisação (entre 10 de fevereiro e 09 de março e em um segundo momento entre 25 de abril e 09 de junho). Ao todo foram 110 notícias coletadas. De todo este corpo de análise, apenas 05 entradas noticiosas não estavam no hotsite criado exclusivamente para o período da greve. Estas exceções foram consideradas e coletadas no estudo, pois são produções de referência direta ao movimento e apenas não foram postadas no espaço destinado à greve. A cobertura sobre a greve dos professores começa em 06/02/2015 com a notícia de que o Conselho diretor da APP se reuniu e de forma consensual decidiu defender o movimento de paralisação. A informação foi divulgada um dia antes da assembleia da categoria, que aconteceu em Guarapuava. Com o início da paralisação, o site mantém uma média de três publicações ao dia sobre o movimento paredista. Aos finais de semana, a cobertura diminui para uma notícia, quase sempre com um valor menos significativo no conjunto geral das publicações, como: Conhecimento/Cultura nos casos das notícias sobre Atividades com Valor Cultural, e Raridade em situações com informações sobre algo Incomum. Na cobertura da APP sobre a greve, fica evidente uma preocupação recorrente em reforçar a pauta de greve. A ênfase nos motivos da paralisação aparece como o principal valor notícia encontrado nas publicações. Na categoria Conflito, o subtema Reivindicação aparece em 31 casos. Ainda nesta categorização, o destaque fica para o subtema Greve, que é o segundo mais encontrado na cobertura do site. A existência de dois valores notícias que concorrem na mesma publicação é outro ponto significativo que surgiu na análise do portal da APP sindicato. Em 34 casos é possível perceber essa disputa. Nos casos mais frequentes o valor notícia Conflito/Reivindicação/Disputa está presente. Este valor aparece junto de Governo/Decisões e medidas em 08 notícias e Impacto/Número de pessoas envolvidas em 07. No primeiro caso, Conflito/Reivindicação e Governo/Decisões e medidas, os valores apareciam juntos quando a notícia se referia a alguma ação tomada pelo governo do Estado em relação ao Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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movimento de greve. As informações divulgadas com estes valores, em geral, vinham acompanhadas de uma avaliação da direção da APP sobre a novidade proposta apresentada pelo poder executivo. É o caso da notícia publicada no dia 28/02/2015 – “Para APP, propostas apresentadas pelo governo são insuficientes”. O segundo caso mais evidente na cobertura, Conflito/ Reivindicação e Impacto/Número de pessoas envolvidas, foi visível em momentos nos quais a quantidade de pessoas era utilizada para demonstrar a força da pauta de reivindicações do movimento. Este cruzamento fica aparece em publicações como a do dia 04/03/2015 sob o título “Unanimidade: Categoria aprova continuação da greve geral!”. Outro ponto que merece destaque é que o massacre cometido pela tropa policial contra os professores no dia 29 de abril de 2015 não foi explorado na perspectiva da violência que o caso gerou. O valor Tragédia/Drama/Violência/Crime surge na cobertura apenas uma vez, no dia anterior à tragédia do dia 29 de abril, quando um confronto de proporções menores envolveu os manifestantes e a PM. A matéria que recebeu este valor notícia é: “Formigueiro na Luta: Educadores(as) resistem à violência”. Sobre o dia 29 de abril, a primeira informação publicada no site não relata o que aconteceu na Praça Nossa Senhora Salete, já trata diretamente do desdobramento do caso, sob o título “Jurídico da APP acompanha detidos e vítimas”. A matéria recebeu valor notícia de Justiça/denúncias, pois trata de um balanço do número de detidos e vítimas do confronto. Ainda no dia 29 de abril, outra notícia sobre o Massacre do Centro Cívico dava destaque à atuação do Ministério Público no acompanhamento do caso, a notícia leva o título “MP investigará excessos de violência na Batalha do Centro Cívico”. Apesar de indicar o valor violência no título da publicação, o texto não explora este quesito em nenhum momento. Assim, o valor notícia classificado foi novamente de Justiça, mas como subtema Investigações. A cobertura ganha contornos mais simbólicos somente um mês após o evento do dia 29 de abril. Na oportunidade, o site publica notícia anunciando uma manifestação marcada para lembrar da barbárie no dia 28/05/2015: “Um mês após o massacre, educadores (as) se mobilizam em todo Paraná”. A notícia apresenta valores de Impacto/Número de pessoas envolvidas e Tragédia/ Drama/Emoção a partir dos relatos de quem participou do evento no Centro Cívico. Um último ponto que merece destaque na cobertura noticiosa da APP sobre a greve dos professores diz respeito ao momento que Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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antecedeu o fim do primeiro movimento grevista (entre 09 de fevereiro e 09 de março). A cobertura noticiosa do site no dia 06/03/2015 dá destaque significativo às “conquistas” da categoria durante a greve. Os próprios títulos já indicam essa marca da cobertura: “APP consegue reunião com Tribunal de Justiça”, “Vitória da Greve! Governo deposita cota extra do fundo rotativo”, “Vitória: Regime de Comissão Geral chega ao fim na ALEP”, e “Vitória da Luta! Governo recua da fusão dos fundos da previdência”. Como valores estas notícias apresentam Governo/ Decisões e Medidas e Conflito/Greve ou Disputa. Além destas, no dia 06/03/2015 há mais duas notícias publicadas. Uma delas com valor Justiça/Decisões Judiciais - “APP é notificada pelo judiciário” e outra com valor Conflito/Greve que anuncia a assembleia da categoria para o dia 09 de março. A informação recebeu o título: “Assembleia avaliará carta-compromisso”. As notícias no site do Sinduepg Dos sites escolhidos para serem analisados neste estudo, podese dizer que o portal do Sinduepg é o que oferece menor cobertura noticiosa. As informações com estas características apresentam vazios de publicação em períodos que variam de dois a sete dias. É importante dizer que isto não significa que o Sindicato tenha deixado sua categoria sem informação, uma vez que diariamente era divulgada uma agenda de mobilização e notas do Comando de Greve, que não foram consideradas por este estudo, já que não apresentavam elementos de informação jornalística. Outro ponto importante da cobertura oferecida pelo Sinduepg é que há a predominância do valor notícia Conflito. Ao todo, mais de 65% das 59 notícias publicadas no site apresentam este valor. Na categorização de subtema, o item Greve é o que se destaca com 19 entradas. Assim como na cobertura da APP sobre a greve, o item Reivindicação também aparece com relevo em 11 casos. Disputa aparece em 10 oportunidades. A categoria Conflito/Greve tratou especificamente das notícias que faziam referência às atividades que eram realizadas pelo movimento de Greve. Trata-se de um acompanhamento das ações que eram desenvolvidas pelos docentes paralisados. O subitem Reivindicação aparece quando os grevistas discutiam a pauta da greve em reuniões com o governo do Estado ou quando alguma atividade buscava reforçar os motivos da greve. Um destes casos foi a notícia publicada no dia 26/05/2015 - “Seminário discute financiamento e custeio das Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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Universidades públicas do Paraná”. O texto fala sobre um seminário realizado na Universidade Estadual de Ponta Grossa que tratou da proposta de alteração no Paraná Previdência. O segundo valor notícia mais presente na cobertura do Sinduepg é o de Proeminência, com sete aparições. O subitem mais evidente é o de posição hierárquica com seis citações. Na maioria dos casos, o valor é usado para noticiar o encontro do Comando de greve com alguma instituição ou político. É o caso da notícia do dia 07/05/2015 - “Comando de greve entrega solicitação de suspensão do calendário universitário”. O texto trata de uma ação deliberada em Assembleia que foi cumprida por integrantes do Comando de Greve. O valor Governo aparece em quatro oportunidades, todas em referência ao subitem Decisões e Medidas. Com a mesma quantidade de aparições está o valor Impacto, que todas as vezes foi usado a partir da quantidade de pessoas envolvidas. Um destaque importante sobre a cobertura noticiosa do Sinduepg é que o dia 29 de abril não foi noticiado, aparece apenas em desdobramentos como o lançamento do documentário “Massacre 29”. A informação sobre o ocorrido é divulgada apenas no dia 30/04/2015 como uma ação de repúdio do Sindicato em relação aos fatos ocorridos no dia anterior. CONSIDERAÇÕES FINAIS No caso das duas entidades sindicais analisadas, percebe-se uma cobertura que destaca majoritariamente a greve e a pauta de reivindicação de suas categorias. Percebe-se ainda que a APP sindicato conseguiu realizar um acompanhamento mais sistemático do movimento de paralisação, considerando suas publicações noticiosas. A estrutura de comunicação da APP pode ser indicada como um dos fatores que facilitou o acompanhamento sistemático da greve. Com quatro jornalistas trabalhando diariamente com foco na greve, a entidade procurou manter uma atualização diária de seus espaços informativos. No Sinduepg, apesar de uma cobertura noticiosa menos regular, pode-se perceber que mesmo com estrutura de comunicação limitada, a entidade conseguiu dar destaque à greve em seus espaços de divulgação. Ao todo, as publicações noticiosas do Sinduepg representam mais da metade da cobertura da APP. Cíntia Xavier e Manoel Moabis

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Nos dois casos, a cobertura do Massacre no dia 29 de abril não foi apresentada enquanto um evento novo, as duas entidades trabalham somente com o desdobramento do caso e logo retornam o foco de suas coberturas para o movimento grevista. É possível perceber ainda que as publicações que apresentam valor noticioso de Governo/Decisões e medidas ou pronunciamentos são utilizadas como um reforço da posição do sindicato em elação ao tema. Desta forma, a posição oficial é apresentada à categoria acompanhada de uma leitura sobre o tema. Em relação ao blog do Esmael, é possível perceber que a cobertura das manifestações e do período de greve pode ser observada com a separação de três eixos. O primeiro como valor notícia/eixo principal está centrado na greve, que vai de fevereiro até o dia 29 de abril. O segundo eixo entre o dia 29 de abril até meados de maio, quando o termo greve desaparece da cobertura. O blog passa a dar ênfase na cobertura do pós 29 de abril e utiliza o termo massacre. O terceiro momento da cobertura se dá entre meados de maio até o final da greve das universidades. Novamente, o eixo muda para o movimento de greve, baseado especialmente na data base dos servidores públicos do Estado do Paraná. Sobre os valores que se sobrepoem na cobertura pode-se apontar que o Blog do Esmael tem predominância do valor notícia Proeminência (Proeminência e somadas os desdobramentos Elite e Posição Hierárquica), com mais de 21% das entradas tendo como principal eixo da notícia. O segundo valor que mais aparece no Blog do Esmael é Conflito/Greve com cerca de 16% das notícias. Em relação ao site da App-Sindicato o valor notícia com maior destaque é o Conflito/ Reivindicação com 28% do material publicado no site. Já o Sinduepg publicou 65% do seu material noticioso com eixo no valor notícia Conflito. REFERÊNCIAS FISHMAN, Mark. La fabricación de la noticia. Ediciones Tres Tiempos: Argentina, 1983. GALTUNG, Johan., RUGE, Mari. A estrutura do noticiário estrangeiro: a apresentação das crises do Congo, Cuba e Chipre em quatro jornais estrangeiros. IN: Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Ed Vega: Lisboa, 1993. MORAES, Esmael. Entrevista concedida aos autores. Em 14/07/2015

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PINTO, Cíntia X. da S. O Nankim e o curso de comunicação da UEPG/PR. IN: Recortes da mídia alternativa: histórias e memórias da comunicação no Brasil. Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2009. RODRIGUES, Luiz Fernando. Entrevista concedida aos autores. Em 14/07/2015 SILVA, Gislene. Para pensar critérios de noticiabilidade. IN: Estudos de Jornalismo e Mídia. Revista acadêmica semestral do curso de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC. Vol.II Nº 1 - 1º Sem. de 2005. SILVA, Marcos Paulo. Como os acontecimentos se tornam notícia: Uma revisão do conceito de noticiabilidade a partir das contribuições discursivas. IN: Estudos em Jornalismo e Mídia. Ano VII Nº 1, Jan./Jun. de 2010. Disponível: http://www.periodicos. ufsc.br/index.php/jornalismo.

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Giletepress e conformidades do jornalismo regional: a reprodução dos conteúdos da Agência Nacional de Notícias pelos Diários dos Campos e Jornal da Manhã no período da greve dos professores 2015 Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

INTRODUÇÃO

O

s órgãos de comunicação dos governos dos estados brasileiros, através de suas assessorias de comunicação, têm se apresentado como uma modalidade do segmento “agência de notícias”. O que implica em redações próprias, voltadas à produção de conteúdos informativos para disponibilização diária em suas plataformas online, de acesso aberto ao público, mas tendo como principal alvo os veículos de comunicação regionais (rádio, impresso, tv e online), os quais têm se mostrado dependentes da produção de conteúdos para as suas publicações. Dos 26 sites das assessorias de comunicação dos governos dos Estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, 10 se apresentam como “agência de notícia”1. Pesquisas recentes (TELLES e OLIVEIRA, 2013) mostram que 40% dos conteúdos informativos disponibilizados através das chamadas “agências de notícias” de 10 Estados da Federação são caracterizados como propaganda das ações dos governos. Os demais conteúdos podem ser classificados como serviço ou informação de 1. Acre Alagoas, Amapá, Brasília, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraná, Sergipe e Tocantins. Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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interesse público. A Agência Estadual de Notícias (AEN), órgão da assessoria de comunicação do Governo do Estado do Paraná, tem se apresentado um eficaz instrumento de divulgação das ações da gestão pública. Pesquisas anteriores (DORNELLES e OLIVEIRA, 2013; OLIVEIRA, 2014, 2015) já demonstram a atuação da AEN ao fornecer diariamente conteúdos abertos em sua página na internet (www.aen.pr.gov.br), possibilitando não só ao internauta o acesso direto às informações, mas principalmente a replicação em vários veículos de comunicação (rádio, jornal e tv) sediados em diferentes regiões do Estado. A pesquisa de Dornelles e Oliveira (2013) já mostra considerável reprodução de conteúdos disponibilizados pela Agência Estadual de Notícias presentes nos periódicos Diário dos Campos e Jornal da Manhã, na cidade de Ponta Grossa, no Paraná. As agências de notícias dos governos, através de suas assessorias de comunicação, podem se apresentar como eficazes instrumentos de divulgação das ações dos governos, mas coloca em cheque um princípio caro, que é a informação na comunicação pública, ou comunicação dos governos. Segundo Brandão (2009, p. 14), a “comunicação pública” está ligada à informação para construção da cidadania, conforme destaca o autor francês, Pierre Zémor. Para esse pesquisador, o “domínio da Comunicação Pública se define pela legitimidade do interesse geral”. A comunicação pública “ultrapassa o domínio público, tomado no estrito senso jurídico. As atribuições dos poderes públicos e as missões dos serviços públicos implicam as disposições constitucionais, legais e regulamentares próprias a um Estado de direito”. (ZÉMOR, 1995). Nesse sentido, a “Comunicação Pública acompanha, portanto, a aplicação das normas e regras, o desenvolvimento de procedimentos, enfim, a tomada de decisão pública. As mensagens são, em princípio, emitidas, recebidas, tratadas pelas instituições públicas ‘em nome do povo’, da mesma forma como são votadas as leis ou pronunciados os julgamentos” (ZÉMOR, 1995). Para Zémor, o cidadão ocupa lugar central na comunicação pública. “Esta comunicação se situa necessariamente no espaço público, sob o olhar do cidadão. Suas informações, salvo raras exceções, são de domínio público, pois assegurar o interesse geral implica a transparência”. Portanto, segundo o autor, a “Comunicação Pública ocupa, na comunicação natural da sociedade, um lugar privilegiado ligado aos papéis de regulação, de proteção ou de antecipação do serviço público” (ZÉMOR, 1995). De janeiro a junho de 2015, a AEN disponibilizou 1.802 conteúdos: 282 postagens de notícias em janeiro; 260 postagens em fevereiro; 357 Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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em março; 372 em abril; 402 em maio; e 411 em junho. Considerando que a redação atua somente de segunda-feira a sexta-feira, em janeiro as postagens atingiram a média de 14,1 notícias por dia; em fevereiro, 13 conteúdos por dia; em março, 17,8/dia; abril, 18,6/dia; maio, 20,1/ dia; e junho, 20,5/dia. Para cada conteúdo postado, a AEN disponibiliza ainda gravação em áudio, visando veiculação em rádios ou web, assim como fotos, que possam ser baixadas (download) para impressão, ou publicação em sites. Outro aspecto da circulação da informação produzida pelas agências de notícias dos governos estaduais trata-se do uso sistemático e acrítico por dezenas de veículos que têm adotado a prática de reprodução de conteúdos com origem nesses órgãos. Sob o argumento de redações enxutas e ausência de recursos para produção da notícia, apropriam-se de forma sistemática de conteúdos já disponibilizados abertamente nos sites dos governos dos Estados, dispensando qualquer checagem e contraposição das informações. Nesse sentido, observa-se que o jornalismo tem se abdicado de sua função de “cão de aguarda”, de fiscalizador do poder, e passado à função de bajulador do poder, como se confirma nas publicações diárias, que têm adotado a prática de reproduzir conteúdos disponibilizados pelas agências governamentais, desprezando às claras o que é singular à investigação jornalística. Conforme destaca Pereira Junior (2006, p.86), o “repórter não pode bancar uma informação sem confirmála. A pressa não é desculpa para má apuração. Na linha de produção da notícia, o levantamento e o rigor na checagem estabelecem a qualidade da informação”. Pereira Júnior (2006, p.86) destaca que o repórter torna-se refém da fonte quando “pende para o peixe que lhe vendeu”; “engole versões, sem questionamentos”; e “revela olhar pouco crítico ao transcrever as declarações”. Segundo o autor, o jornalista é um “processador das camadas verificáveis da sociedade”. “O que distinguirá o jornalista serão os passos que der para distinguir o ‘disponível’ que chamamos de real, seus critérios para não se deixar levar por falhas de percepção, pela rotina produtiva, pelo engano das fontes. É sua disciplina de verificação” (PEREIRA JUNIOR, 2006, p.71). Este artigo consiste em apresentar uma abordagem sobre a produção da AEN e a reprodução de seus conteúdos por dois periódicos em Ponta Grossa – Diário dos Campos e Jornal da Manhã –, durante a greve de professores 2015, considerada a maior de toda a história de luta dos servidores públicos do Paraná, que envolveu profissionais da educação Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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básica e das sete universidades estaduais, além de funcionários do setor da saúde e agentes penitenciários. A greve da educação2, que se estendeu de fevereiro a junho, teve dois momentos, devido à interrupção entre março e abril. Assim, a greve de fevereiro teve a referência da categoria como “Primeira Greve”, e a de abril a junho, conhecida como “Segunda Greve”. Para este artigo, será tomado como base o calendário da greve dos professores da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), deflagração e encerramento sob o comando do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual de Ponta Grossa (Sinduepg)3 por considerar o período mais longo do movimento, em relação à greve do ensino básico, comandada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato). A “Primeira Greve” dos docentes da UEPG teve deflagração em 10 de fevereiro e encerramento em 11 de março, com deliberação dos professores para permanência em “estado de greve”, totalizando 30 dias de paralisação total. A “Segunda Greve” dos docentes da UEPG foi retomada em 22 de abril, com encerramento em 25 de junho, totalizando 63 dias corridos em greve. Considerando as duas greves, foram 96 dias de interrupção no trabalho. Para a rede de ensino básico, a “Primeira Greve” comandada pela APP-Sindicato iniciou no dia 10 de fevereiro e se estendeu até 9 de março. Já a “Segunda Greve” iniciou em 25 de abril e encerrada em 9 de junho.4 A greve da educação, denominação que neste artigo fará referência às duas greves, teve dois episódios marcantes: o primeiro, a ocupação 2. Embora a adesão de outras categorias do setor público, este artigo tratará apenas da greve da educação (ensino básico e superior), como corpus para coleta de dados. 3. Entre as sete Universidades Estaduais (UEPG, Unicentro, Unioeste, UEL, UEM, Unespar e Uenp), a deflagração e término da greve tiveram datas diferenciadas para as categorias docentes e técnicos administrativos de cada Instituição, por estarem ligadas a sindicatos diferenciados. 4. As duas greves tiveram diferentes reivindicações por parte dos trabalhadores do ensino básico e das universidades, mas motivações em comuns. Na primeira greve, a pauta comum foi a exigência do cumprimento do pagamento do terço de férias não realizado em novembro de 2014, assim como o impedimento do pacote de ajustes do governo, que implicava em alterações no sistema da Paranaprevidência, assim como impunha uma proposta de “autonomia universitária”. Já a “Segunda Greve” teve como motivação principal para todos setores da educação o descumprimento do pagamento da data-base (1º de maio) dos professores e parcela dos servidores públicos e ainda a resistência ao “novo” pacote de medidas do governo que previa alterações no sistema da Paranaprevidência, colocando em risco o fundo de aposentadoria dos servidores do Estado. Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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da Assembleia Legislativa do Paraná, pelos professores, no dia 10/03, para impedir o que ficou chamado de “Pacotaço do Governo” – fato de grande repercussão pela imprensa, como as manchetes dos jornais impressos no dia seguinte: Manifestantes invadem Assembleia e votação do ‘Pacotaço’ é suspensa – Cerca de 500 manifestantes invadiram o plenário da Assembleia Legislativa do Paraná, logo após os parlamentares aprovarem, por 34 votos contra 19 a Comissão Geral para análise do chamado ‘pacotaço’ enviado pelo Governador Beto Richa. A sessão foi suspensa pelo presidente da Casa, Ademar Traiano (PSDB), e os deputados abandonaram às pressas o local. Os manifestantes permaneceram na Assembleia entoando palavras de ordem contra o governo e os parlamentares que votam a favor da Comissão. Os trabalhos devem ser retomados na tarde de hoje, agora para votação do conteúdo do projeto. (Diário dos Campos, 11/03/2015). Manifestantes invadem Assembleia e votação é de ‘pacotaço’ é suspensa – (Linha fina) Com aprovação da Comissão Geral para votar o pacote de ajustes fiscais do Estado, manifestantes ocupam plenário da Assembleia – Após a aprovação da Comissão Geral pela maioria dos deputados, manifestantes invadiram o plenário da Assembleia Legislativa do Paraná para obstruir a votação do pacote de ajustes fiscais do Estado em regime especial. Conhecido como ‘tratoraço’, o regime dispensa a análise dos projetos pelas comissões internas da Casa. Os grevistas pedem que o governo desista do pacote que, entre outras medidas, reduz benefícios a servidores. (Jornal da Manhã, 11/03/2015).

O segundo episódio que se tornou um marco da greve foi o cerco à Assembleia Legislativa do Paraná, por policiais e tropa de choque, comandado pelo governador Beto Richa (PSDB), Secretaria do Estado da Segurança Pública e Presidência da Assembleia Legislativa, com respaldo do Poder Judiciário, para impedir a presença dos professores e demais manifestantes na votação do projeto de Lei de autoria do Executivo, que previa ajustes nas contas do governo às custas dos direitos dos professores (ensino básico e universitário) e demais servidores públicos, como descumprimento do reajuste da data-base e alterações no fundo da aposentadoria. Como a intenção de intimidar os manifestantes, o aparato militar montado pelo acordo entre Executivo e Legislativo foi iniciado no sábado (25/03) na Praça do Centro Cívico, em torno do Palácio do Governo e Assembleia Legislativa. Já na terçafeira (28/03), o espaço já estava completamente cercado. Na quartafeira (29/03), dia da votação do Projeto de Lei, Executivo e Presidência da Assembleia Legislativa ordenaram a tropa de choque e policiais militares atirarem bombas de gás lacrimogênio, gás de pimenta, balas Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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de borracha e cães, contra mais de 20 mil manifestantes em plena praça pública. As bombas foram atiradas ainda do alto do prédio do Tribunal de Justiça e de um helicóptero que sobrevoava o local, durante duas horas ininterruptas do ataque iniciado próximo às 15h, que ficou conhecido como “Massacre aos professores no dia 29 de abril”. O episódio teve repercussão na imprensa em nível nacional e internacional. Nos jornais de Ponta Grossa, o “Massacre aos professores” teve as seguintes manchetes, no dia seguinte ao episódio: Mudanças na Previdência são aprovadas em “Dia de Guerra” – Fechados dentro da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), deputados estaduais aprovaram, em segunda discussão, por 31 votos a 20, as mudanças propostas pelo Governo no fundo previdenciário dos servidores públicos. Enquanto isso, do lado de fora, o Centro Cívico se transformou em um verdadeiro campo de batalha, entre manifestantes e policiais militares. Mais de 200 pessoas feridas. O batalhão de Choque da PM utilizou balas de borracha, spray de pimenta e bombas de gás para dispensar os manifestantes. O Ministério Público vai apurar os possíveis excessos na ação policial. (Diário dos Campos, 30/03,2015). Batalha da Previdência – Confronto com 200 feridos não impede a aprovação da reforma – Protestos contra o Projeto de Lei que promove mudanças no custeio do Regime Próprio da Previdência Social dos servidores estaduais (a ParanáPrevidência), aprovado ontem, deixaram centenas de feridos na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Pelo segundo dia seguido, houve confronto entre a Polícia Militar e professores que estão em greve desde sábado. Sete pessoas foram presas durante os manifestantes. (Jornal da Manhã, 30/03/2015)

PRESENÇA DA AEN NO JORNALISMO REGIONAL NA COBERTURA DA GREVE DOS PROFESSORES A atuação da Agência Estadual de Notícias (AEN) como produtora de conteúdos para divulgação das ações do governo já tem sido tema de pesquisas anteriores, assim como a reprodução dessas peças noticiosas no jornalismo regional. O número de postagens, com acesso aberto na plataforma online do site, confirma um aparato considerável da Assessoria de Comunicação do Governo, com a média de 13 postagens por dia no mês de fevereiro; 17,8, em março; 18,6, em abril; 20,1, em maio; e 20,5, em junho. O objetivo deste artigo é mostrar o aproveitamento de conteúdos da AEN reproduzido pelos jornais locais, conforme levantamento de

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dados realizado por esta pesquisa, durante a greve dos professores. O levantamento de dados consistiu-se na coleta de todos os conteúdos referentes à educação/greve disponibilizados pela AEN diariamente, em sua plataforma online aberta, durante o período da greve dos professores, e, ao mesmo tempo, acompanhar as edições dos jornais impressos de Ponta Grossa, Diário dos Campos e Jornal da Manhã. O procedimento possibilitou identificar a presença dos conteúdos da AE nesses dois periódicos. As postagens da AEN ocorrem de segundafeira a sexta-feira, das 8h às 18h, em sua maioria, podendo variar ainda até às 21h. De todo material disponibilizado pela AEN no período de 9 de março/2015 a 29/junho/2015, a AEN disponibilizou 152 conteúdos (notícias prontas), no formato texto, com fotos e reproduzidos em áudio, referentes ao tema educação. As matérias sempre sob o tom das ações positivas do governo, tanto sobre políticas para educação, quanto aos assuntos ligados diretamente à greve, como nos exemplos a seguir: “Escolas receberam R$ 4,2 milhões do Fundo Rotativo”, postagem no dia 09/02, às 10h50; “PERGUNTAS E RESPOSTAS - Entenda o projeto de lei sobre a aposentadoria dos servidores”, postagem no dia 11/02, às 11h; “Governo chama direção da APP para tratar do fim da greve e retorno às aulas”, postada no dia 13/02, às 17h30. Do total de 152 postagens abertas na plataforma online sobre o tema educação/greve, o levantamento indicou 32 conteúdos reproduzidos na íntegra pelo Diário dos Campos. O que representa 21% das postagens da AEN, sobre o tema educação/greve. Já no Jornal da Manhã, foram constatados 17 conteúdos da AEN sobre o tema educação/greve, reproduzidos na íntegra. O que atinge percentual de 11% do total das postagens de acesso aberto feitas pelo órgão do Governo. Do Diário dos Campos, as reproduções de conteúdos da AEN ocorrem como no exemplo a seguir: Richa nomeia mais 463 professores para a rede estadual de ensino - O governador Beto Richa nomeou mais 463 professores para a rede estadual de ensino. O decreto de nomeação dos professores, que foram aprovados no último concurso público, foi assinado pelo governador nesta quinta-feira (26). A medida atende o compromisso firmado pelo governo estadual nas negociações com a APP-Sindicato para o encerramento da greve da categoria. (AEN, postagem em 26/03/2015, às 16h00) Richa nomeia mais 463 professores para o Estado - O governador Beto Richa nomeou mais 463 professores para a rede estadual de

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ensino. O decreto de nomeação dos professores, que foram aprovados no último concurso público, foi assinado ontem pelo governador. A medida atende o compromisso firmado pelo governo estadual nas negociações com a APP-Sindicato para o encerramento da greve da categoria. (Diário dos Campos, em 27/03/2015)

Dos conteúdos do Jornal da Manhã, identificados como reprodução das postagens da AEN, cita-se o exemplo a seguir: Projeto não trará nenhum prejuízo aos servidores, garante Governo - O secretário da Casa Civil, Eduardo Sciarra, disse nesta terça-feira (28) que o projeto proposto pelo governo estadual é a melhor opção para reestruturação da previdência estadual. “A medida é totalmente adequada e não trará nenhum prejuízo aos servidores públicos”, garantiu. Sciarra defendeu os ajustes e disse que o projeto foi amplamente discutido com as entidades sindicais antes de ser enviado à Assembleia Legislativa. (...) (AEN, dia 28/04//2015, às 15h20) Fundo Previdenciário – Governo diz que não há prejuízos – O secretário da Casa Civil, Eduardo Sciarra, disse ontem que o projeto proposto pelo governo estadual é a melhor opção para reestruturação da previdência estadual. “A medida é totalmente adequada e não trará nenhum prejuízo aos servidores públicos”, garantiu. Sciarra defendeu os ajustes e disse que o projeto foi amplamente discutido com as entidades sindicais antes de ser enviado à Assembleia Legislativa. (...). (Jornal da Manhã, 29/04/2015).

O levantamento indica que, em várias situações ocorre a reprodução de mesmos conteúdos da AEN pelos dois periódicos em suas edições do dia, o que foi constatado no dia 05/03 pelos dois jornais, como as transcrições literais a seguir. Justiça determina imediato retorno de professores e funcionários às escolas - O desembargador Luiz Mateus de Lima, do Tribunal de Justiça do Paraná, determinou nesta quarta-feira (04) o retorno imediato às aulas de professores e funcionários. Em caso de descumprimento, a multa diária será de R$ 20 mil. Os grevistas também estão proibidos de obstruir, de qualquer modo, o acesso a escolas ou a qualquer outro órgão público estadual ou de impedir o trabalho de outros servidores públicos. (...) (AEN, 04/03/2015, às 17h40) Justiça determina retorno dos professores às salas de aula - O desembargador Luiz Mateus de Lima, do Tribunal de Justiça do Paraná, determinou ontem o retorno imediato às aulas de professores e funcionários da rede pública de ensino. Em caso de descumprimento, a multa diária será de R$ 20 mil, contra o sindicato da categoria. Os grevistas também estão proibidos de obstruir , de qualquer modo o acesso a escola ou qualquer outro órgão público estadual (...). (Diário dos Campos, 05/03/2015).

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Justiça declara abusiva a greve dos professores - O desembargador Luiz Mateus de Lima, do Tribunal de Justiça do Paraná, determinou ontem o retorno imediato às aulas de professores e funcionários. Em caso de descumprimento, a multa diária será de R$ 20 mil. Os grevistas também estão proibidos de obstruir, de qualquer modo, o acesso a escolas ou a qualquer outro órgão público estadual ou de impedir o trabalho de outros servidores públicos (...). (Jornal da Manhã, 05/03/2015).

As reproduções pelos jornais, em muitos casos são publicadas com assinaturas dos repórteres dos periódicos. Do exemplo citado do Diário dos Campos, “Justiça determina retorno dos professores às salas de aula”, a matéria está publicada com assinatura indevida por uma repórter do periódico. Já no Jornal da Manhã, a notícia “Justiça declara abusiva a greve dos professores” possui a assinatura “DA REDAÇÃO”. Em ambas situações, os periódicos não fazem referência à Agência Estadual de Notícias, como origem do conteúdo informativo. Já nos exemplos abaixo, o Diário dos Campos fez referência no campo da assinatura “Das Assessorias”, enquanto o Jornal da Manhã não fez nenhuma referência à origem do conteúdo. Estado paga R$ 48,5 milhões em benefícios aos servidores - O governador Beto Richa determinou nesta sexta-feira (24) o pagamento imediato de R$ 48,5 milhões em benefícios que estavam em atraso com os servidores públicos. São pagamentos relativos a promoções e progressões nas carreiras, terço de férias, adicionais, indenizações e serviços extraordinários devidos para os quatro primeiros meses do ano. Além desse valor, o governo estadual pagará cerca de R$ 15 milhões, em maio e junho, em progressões e promoções aos professores do Quadro Próprio do Magistério e do Quadro dos Funcionários da Educação Básica. O cronograma seguirá o que foi acordado - lavrado em ata - com a categoria, em março. (...). (AEN, 24/04/2015, às 14h10). Beto Richa paga R$48,5 mi aos servidores estaduais - O governador Beto Richa determinou ontem o pagamento de R$ 48,5 milhões das promoções, progressões, terço de férias, adicionais, indenizações aos servidores estaduais. (...) Richa adiantou ainda que, além desse valor, o governo estadual pagará mais R$ 15 milhões, em maio e junho, em progressões e promoções aos professores estaduais. O cronograma seguirá o acordo - lavrado em ata - com a categoria, em março. (...) Diário dos Campos, 25/04/2015). Estado pagará benefícios atrasados dia 30 - O governador Beto Richa determinou ontem o pagamento imediato de R$ 48,5 milhões em benefícios que estavam em atraso com os servidores públicos. São pagamentos relativos a promoções e progressões nas carreiras, terço de férias, adicionais, indenizações e serviços extraordinários devidos para os quatro primeiros meses do ano. Além desse valor, o governo estadual pagará cerca de R$ 15 milhões, em maio e junho, em progressões e promoções aos professores do Quadro Próprio do Magistério e do Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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Quadro dos Funcionários da Educação Básica. O cronograma seguirá o que foi acordado - lavrado em ata - com a categoria, em março. (...) (Jornal da Manhã, 25/04/2015).

Algumas reproduções indicam total descompromisso do jornal com veracidade da informação, no critério da apuração jornalística, como comprova os exemplos a seguir. Da notícia postada pela AEN (24/04/2015, às 15h30), “Professores do Paraná têm remuneração média de R$ 4,7 mil”, o Diário dos Campos reproduziu na edição de fim de semana – domingo/segunda-feira (26 e 27/04/2015) – o texto na íntegra, inclusive dados sobre salários dos professores do Paraná, comparados aos das demais regiões e Estados do País, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Bahia e Mato Grosso. Dessa matéria principal, o Diário dos Campos ainda publicou, em forma de retranca, o restante do texto disponibilizado pela AEN, tendo um professor do Estado com fonte principal, conforme transcrições a seguir, sob a assinatura “Das Assessorias”: “Realização está na sala de aula”- O professor da rede estadual Marcos Antônio Gomes, 52 anos de idade e dez de sala de aula, conta que sua realização está na profissão que escolheu. Com passagens pela enfermagem e até como bancário, foi dentro de uma sala de aula, cercado de alunos, que ele se sentiu feliz. (...) Gomes leciona filosofia e sociologia. Ao longo da última década atuando como educador, ele avalia que houve melhorias e conquistas e que a categoria está mais madura como um todo. (AEN, 24/05/2015, às 15h30) “Minha realização está na sala de aula”, diz professor - O professor da rede estadual Marcos Antônio Gomes, 52 anos de idade e dez de sala de aula, conta que sua realização está na profissão que escolheu. Com passagens pela enfermagem e até como bancário, foi dentro de uma sala de aula, cercado de alunos, que ele se sentiu feliz. (...) Gomes leciona filosofia e sociologia. Ao longo da última década atuando como educador, ele avalia que houve melhorias e conquistas e que a categoria está mais madura como um todo. (Diário dos Campos, 26 e 27/04/2015).

Do exemplo acima, destaca-se que o Diário dos Campos não considera que o exemplo se trata de uma fonte fornecida pela AEN, sem nenhuma referência de localidade. A reprodução citada na íntegra faz menção ao currículo da fonte, mas sem total referência à qual escola atua como professor do Estado, como no destaque: “Gomes leciona filosofia e sociologia. Ao longo da última década atuando como educador, ele avalia que houve melhorias e conquistas e que a categoria está mais madura como um todo”. Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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Outro exemplo de assinatura indevida de conteúdos de origem da AEN, por repórteres do Diário dos Campos, aparece nas transcrições a seguir: Richa propõe reajuste acima de 12% para servidores estaduais O governador Beto Richa encaminhou mensagem para a Assembleia Legislativa que vai assegurar um reajuste acima de 12% para os servidores estaduais. O anteprojeto de lei foi entregue nesta quarta-feira (27/05) para o presidente do legislativo, deputado Ademar Traiano. O governo vai pagar neste ano 3,45% de reajuste referentes ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de maio a dezembro de 2014. O valor será pago em três parcelas, entre setembro e novembro. Além disso, o Executivo propôs a antecipação da data-base dos servidores de 2016 para janeiro, com aplicação integral do IPCA de 2015, hoje projetado em 8,37%. (AEN, 27/05/2015, às 15h32). Richa propõe reajuste acima de 12% a servidores - O governador Beto Richa encaminhou mensagem para a Assembleia Legislativa que vai assegurar um reajuste acima de 12% para os servidores estaduais. O anteprojeto de lei foi entregue nesta quarta-feira (27/05) para o presidente do legislativo, deputado Ademar Traiano. O governo vai pagar neste ano 3,45% de reajuste referentes ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de maio a dezembro de 2014. O valor será pago em três parcelas, entre setembro e novembro. Além disso, o Executivo propôs a antecipação da data-base dos servidores de 2016 para janeiro, com aplicação integral do IPCA de 2015, hoje projetado em 8,37%. (Diário dos Campos, 28/05/2015)

A AEN tem sido a principal fonte de informação do governo para com os veículos regionais. As postagens diárias no site do órgão tem suprimido o contato das redações com o governo, através do fornecimento de conteúdos completos, que acabam sendo não apenas pautados, mas publicados na íntegra por diversos veículos. O que o governo diz, torna-se notícia, como o exemplo a seguir da reprodução pelos jornais: Governo anuncia reajuste e encerra negociação com sindicatos - O Governo do Paraná anunciou nesta quinta-feira (14) o envio de projeto de lei à Assembleia Legislativa para o reajuste dos salários do funcionalismo público. O índice foi definido em 5%, a ser pago em duas parcelas, conforme a capacidade orçamentária e financeira do Estado. (...) (AEN, 14/05/2015) Governo do PR anuncia reajuste de 5% e encerra negociação com sindicatos (...) (Diário dos Campos, manchete, 15/05/2015) Estado anuncia reajuste de 5% e encerra negociações – O Governo do Paraná anunciou ontem o envio de projeto de lei à Assembleia Legislativa para o reajuste dos salários do funcionalismo público. A proposta fixa em 5% o índice, a ser pago aos servidores, em duas parcelas. (...), conforme Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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a capacidade orçamentária e financeira do Estado. (Jornal da Manhã, manchete, 15/05/2015)

Nas páginas internas, os periódicos acrescentam à matéria principal referente à manchete citada acima (edição de 15/05/2015) conteúdos provenientes da AEN, conforme transcrições literais abaixo: Aumento real para professores universitários chega a 75,30% - O aumento real nos salários dos professores das universidades estaduais do Paraná chegou a 55,79% em quatro anos e chegará a 75,30% até o final de 2015. A equiparação salarial para os professores universitários está prevista na Lei Estadual nº 17.280, sancionada pelo governador Beto Richa em agosto de 2012. A lei determinou que a equiparação, de 31,73%, fosse feita em quatro parcelas, de 7,14% cada, pagas a partir de outubro de 2012. Até agora foram pagas três parcelas. A última será paga em outubro de 2015. A equiparação salarial para os professores universitários está prevista na Lei Estadual nº 17.280, sancionada pelo governador Beto Richa em agosto de 2012. A lei determinou que a equiparação, de 31,73%, fosse feita em quatro parcelas, de 7,14% cada, pagas a partir de outubro de 2012. Até agora foram pagas três parcelas. A última será paga em outubro de 2015. (AEN, 14/05, às 16h40) Secretarias afirmam que ajuste está perto dos 70% - (...) o governo divulgou números que afirmam que o reajuste salário (sic) dos servidores nos últimos quatro anos foi cerca de 70%. (...) Já a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior divulgou que o aumento real nos salários dos professores das universidades estaduais do Paraná chegou a 55,79% em quatro anos e chegará a 75,30% até o final de 2015. Uma lei estadual de 2012 determinou que a equiparação salarial chegou a 31,73%, fosse feita em quatro parcelas, de 7,14% cada, pagas a partir de outubro de 2012. Até agora foram pagas três parcelas. (Diário dos Campos, 15/05/2015) Universitários - Aumento real para professores chega a 75,30 – O aumento real nos salários dos professores das universidades estaduais do Paraná chegou a 55,79% em quatro anos e chegará a 75,30% até o final de 2015. (...) A equiparação salarial para os professores universitários está prevista na Lei Estadual nº 17.280, sancionada pelo governador Beto Richa em agosto de 2012. A lei determinou que a equiparação, de 31,73%, fosse feita em quatro parcelas, de 7,14% cada, pagas a partir de outubro de 2012. Até agora foram pagas três parcelas. A última será paga em outubro de 2015. (Jornal da Manhã, 15/05/2015)

As transcrições literais em destaque somam-se às confirmações da ausência de esforços para apuração jornalística por parte das redações. Os números, conforme a postagem da AEN, partem da iniciativa do governo do Estado em ofertar informações para as redações, e não o contrário, isto é, a provocação dos jornalistas às fontes oficiais. Nos dois periódicos não houve a confrontação de informações, como, por Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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exemplo, a busca por dados junto aos sindicatos dos professores, também interessados na divulgação correta das informações. No episódio da greve, ficou evidente a predominância das notícias do governo do Estado, oriundas da AEN, publicadas sob o viés da veracidade, mas sem o contraponto, originário da investigação jornalística. Na cobertura da greve, como fato de âmbito estadual, o governo do Estado, através da AEN, pautou diariamente os jornais do interior, que reproduziram na íntegra os conteúdos disponibilizados abertos no site do órgão. A cobertura local ficou restrita aos fatos gerados pelos sindicatos das entidades locais (Sinduepg, Sintespo e APP-Sindicato Ponta Grossa), como passeatas e assembleias. Neste sentido, pode-se afirmar a total ausência de investigação jornalística por parte dos dois periódicos regionais, ao se constatar que, em suas edições diárias, prevaleceu a seleção das notícias prontas disponibilizadas pelo governo. Cabe dizer que as reproduções de conteúdos da AEN pelos periódicos não se restringem apenas às informações sobre educação/ greve. O levantamento indica ainda a presença constante de variados conteúdos sobre ações do governo produzidas pela AEN. O que pode se confirmar uma escolha editorial pela propaganda ostensiva prógoverno do Estado, antes, durante e depois da greve. Abrir os jornais e ver estampados conteúdos com a clara evidência de sua procedência não é nada motivador para o leitor, porque passa para a esfera da propaganda. E isto não é o que se espera do/no jornalismo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados apresentados por esta pesquisa mostram a Agência Estadual de Notícias como eficaz instrumento de divulgação do governo. Por um lado, indicam um aparato de profissionais atuantes na construção da imagem e defesa do governo, ao disponibilizar diariamente uma quantidade expressiva de conteúdos, que podem ser acessados na plataforma web por qualquer público e distância. Por outro, indicam uso da máquina pública, visto que as notícias produzidas pelo governo expressam a própria voz, tornando o espaço da comunicação pública em propaganda de agentes públicos. Outro agravante é que as informações produzidas pelo governo passam a ter respaldo junto ao próprio jornalismo, que as reproduz sem a devida investigação, conforme se espera dos veículos que se propõem à atuação jornalística. Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

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Em nível local, afirma-se, portanto, que, no noticiário sobre a greve dos professores 2015, prevaleceu uma cobertura pautada na assessoria do governo do Estado. O que se constata é a perda para sociedade, quanto ao descompromisso do jornalismo com a informação. Perde duplamente a sociedade por ver prevalecer a voz do governo tanto nos conteúdos disponibilizados nas plataformas abertas online do órgão público, quanto nas reproduções dessas mesmas informações pela imprensa regional, com a prevalência do ‘velho’ giletepress e a conformidade do jornalismo. REFERÊNCIAS BRANDÃO, Elizabeth Pazito. Conceito de comunicação pública. In: DUARTE, Jorge. Comunicação pública. Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2009. p.1-33. DORNELLES, Gustavo; OLIVEIRA, Hebe Maria Gonçalves de Oliveira. Presença da Agência Estadual de Notícias no jornalismo regional: leituras marcadas no Diário dos Campos e Jornal da Manhã. In.: Encontro Paranaense de Pesquisa em Jornalismo, 2013. Guarapuava. OLIVEIRA, Hebe Maria Gonçalves de. Convergência e multimidialidade da Agência Estadual de Notícia do Paraná na plataforma web. In.: BRONOSKY, Marcelo Engel; CARVALHO, Juliano Maurício de. Jornalismo e convergência. Cultura Acadêmica, 2014. p.257-275. OLIVEIRA, Hebe Maria Gonçalves de. Comunicação pública e Governos dos Estados Brasileiros: desafios do Setor na era da internet. Comunicación Social: retos y perspectivas. Vol.II Centro de Lingüística Aplicada. Ministério de Ciência, Tecnología y Medio Ambiente. Santiago de Cuba, 2015. p. 738.755. PEREIRA JÚNIOR, Luiz Costa. A apuração da notícia. Métodos de investigação na imprensa. Petrópolis: Vozes, 2006. TELLES, Caroline Belini; OLIVEIRA, Hebe Maria Gonçalves de. Agências estaduais de notícias: tendências predominantes na plataforma web. Seminário de Inverno de Estudos em Comunicação, 2012. Anais. Ponta Grossa, 2012. ZÉMOR, Pierre. La communication publique. PUF, Col. Que sais-je? Paris, 1995. Tradução resumida do livro: Prof. Dra. Elizabeth Brandão. Acesso em 31 jan 2014. Disponível em http://comunicacaopublicaufes.files.wordpress.com/2011/12/comunicacaopublicapierrezemor-traducao.pdf

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Massacre 29 de abril: exemplo de fotojornalismo e construção da memória do Paraná Elaine Schmitt e Marcia Boroski

INTRODUÇÃO

O

objeto das reflexões deste texto é o livro de fotografias ‘Massacre 29 de abril’, desenvolvido por um coletivo de fotógrafos da cidade de Ponta Grossa, produzido por financiamento coletivo, na plataforma Catarse, e que retrata o ataque da polícia aos professores do Paraná, na quarta-feira, dia 29 de abril de 2015, no Centro Cívico, em Curitiba. A obra resulta do trabalho de cobertura fotojornalística do episódio1 e conta com 62 fotografias, de seis fotógrafos, que registram o tratamento do Governo do Estado e de sua polícia para com os trabalhadores, quando mais de 300 manifestantes (professores, servidores públicos e estudantes), foram feridos em frente ao prédio da Assembleia Legislativa. Os fotógrafos puderam captar momentos de bastante tensão, como as ações da Polícia Militar, com balas de borracha, bombas, gás lacrimogêneo e spray de pimenta contra os manifestantes. Além das fotografias, o livro contém textos de

1. ‘Massacre 29 de abril’ é o primeiro livro de fotografias do projeto de extensão Lente Quente, do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), com apoio da Editora Estúdio Texto e do Sinduepg. A iniciativa da produção do livro partiu de alguns fotógrafos (estudantes e professores). A obra foi lançada em 29 de junho de 2015, quando se completou dois meses do acontecimento. Elaine Schmitt e Marcia Boroski

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professores, sindicalistas e de fotógrafos, como Henry Milleo, que também é fotojornalista. A produção do coletivo resultou num material consistente dentro do campo do fotojornalismo e da denúncia. A modalidade de financiamento demonstra que a produção se configurasse de maneira independente, conferindo ao produto mais credibilidade e compromisso com interesse público. Portanto, o objetivo deste texto é discutir a capacidade do fotojornalismo documentar um evento, em local e tempo determinados, sem perder de vista articulações com outros universos culturais e demais acontecimentos. FINANCIAMENTO COLETIVO Vinculadas ao conceito da web 2.0, as novas tecnologias relacionadas à internet permitem os usuários desenvolver, protagonizar e controlar os próprios processos e intercâmbios comunicativos, graças à interatividade. De acordo com Casero (2010), nesse momento emerge também uma cultura colaborativa e cooperativa. A soma dos esforços coletivos e da participação de diversos cidadãos, graças à possibilidade de interatividade, resulta em novos fenômenos. Para o autor, entre esses resultados está o crowdsourcing, traduzido como financiamento coletivo, que se baseia na intervenção de múltiplos voluntários que, por meio de auto organização, são capazes de solucionar diversos problemas recorrendo ao trabalho cooperativo (Casero, 2010). Por meio dessas ações, Casero acredita que os cidadãos assumem uma participação ativa no campo da comunicação política e contribuem para ativar correntes de opinião e dar forma à esfera pública. No Brasil, uma das plataformas disponíveis para a realização e crowdsourcingé o Catarse. Como forma de motivação aos usuários, a empresa trabalha com o slogan “Tire seus sonhos do papel”. Dessa forma, projetos que apresentam dificuldades financeiras para realização, possuem, por meio do financiamento coletivo, a chance de serem desenvolvidos. Segundo o site oficial da empresa, mais de 220.000 pessoas já apoiaram pelo menos um projeto, sendo que 1.875 conseguiram atingir a meta estabelecida para realização do projeto. Quando atingida a meta, 13% do montante fica com o Catarse. Outra determinação da empresa de crowdsourcingé a entrega de recompensas para os apoiadores, caso a

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meta pretendida fosse atingida2. O livro Massacre 29 de abril foi um deles. Com a meta estimada de 10 mil reais, o cadastro do projeto do livro foi feito de 2 de julho de 2015 e o link para o financiamento ficou disponível pelo endereço “www.catarse.me/massacre29deabril”durante um mês. Antes do término o projeto já havia atingido sua meta inicial. No fim do processo o valor total arrecadado foi de R$ 13.011,00, financiados por 150 apoiadores. PRODUÇÃO DO LIVRO Segundo Collaro (1987), livro é a preservação de fatos de qualquer natureza, que se dá por meio da comunicação gráfica impressa. A definição não contempla os ebooks, porém, mesmo dentre estes, uma parte importante do processo de produção de um livro é a sua diagramação, estruturada com estudo e preocupação, que visa legibilidade tanto dos caracteres e ilustrações, como o posicionamento da mancha. Uma obra deve ser considerada bela quando há proporções entre a forma e a matéria, medidas adequadas, com ordem e harmonia. Assim, desenhar uma página significa muito mais que apenas dispor elementos no papel. É preciso construir e estruturar os elementos que irão compor uma mensagem, que deve ser trabalhada com consciência. Mesmo não sendo o principal fator na produção impressa, a estética do produto é o que causa o primeiro impacto no leitor. Por isso, o autor destaca as noções teórico-práticas como fundamentais para definir o objeto de comunicação visual a ser trabalhado: “A composição, para que cumpra sua finalidade, tem que ser artística na sua forma e científica nas técnicas de realização e apresentação” (COLLARO, 1987, p. 15). O livro Massacre 29 de abril apresenta em seu projeto gráfico o cumprimento de diversos apontamentos levantados por Collaro, que colaboram para que a obra em si seja avaliada como um material que comunica sem deixar de preocupar-se com a forma com a qual o faz. A escolha de fontes, disposição de imagens, bem como a quantidade por página, revelam a atenção aplicada em detalhes que irão contribuir para a qualidade da experiência do leitor/observador. 2. Até o início de agosto de 2015, a equipe do livro Massacre 29 de abril ainda estava entregando as recompensas. Elaine Schmitt e Marcia Boroski

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Contando com 128 páginas e 62 fotografias em preto e branco, o livro é formado por contribuições de seis fotógrafos. Cada imagem traz o nome do autor para auxiliar na identificação imediata da autoria. A escolha de dispor apenas uma fotografia, centralizada em um fundo branco e em páginas de número par, relembram um film frame, que são as imagens, ou quadros, fixos de um filme. Além de evocar maior importância para cada uma das imagens, a disposição proporciona um ritmo menos veloz, que é necessário para observação da fotografia, já que ela exige leitura para além de um rápido olhar. Dessa forma, a atenção do observador não possui concorrência, pois cada vez que vira a página, apenas uma imagem se colocará diante dos seus olhos, sendo necessário que outra página seja foleada para que uma nova fotografia apareça. Planejar um trabalho com fotos, de acordo com Hurlburt (1986), exige conhecimento do processo fotográfico, consciência do conteúdo da imagem em relação com o objetivo da comunicação a olho agudo, capaz de avaliar a foto pelo que ela apresenta em tons e contrastes úteis ao design. Diagramar é aliar o conhecimento estético e técnico, para dessa forma proporcionar ao leitor uma tipologia que esteja relacionada com o conteúdo, além de formato e posicionamentos adequados, que aproveitem ao máximo a matéria-prima para a execução da obra. As partes que compõem o livro em questão são: capa, orelha, página de guarda, falso título, frontispício, retrofrontispício, prefácio, introdução, miolo, posfácio, colofão e sobrecapa. A capa, de acordo comCollaro, é o invólucro do livro e deve receber um tratamento especial, com o máximo de síntese do conteúdo do livro, tanto no título quando na ilustração. Para isso, é preciso se atentar para a apresentação da capa, pois esta é a embalagem do produto e merece um tratamento visual aprimorado. Os elementos que da capa do livro Massacre 29 de abril se misturam para compor, ao mesmo tempo, imagem e título. O titulo, apresentado pela fonte arialblack,com cantos retos (sem serifa), é preenchido por uma das fotografias que compõe o livro. Dessa forma, tem-se a ilusão que as letras são recortes que revelam o conteúdo do livro. Em seguida, o subtítulo aparece para contextualizar o teor da obra.

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Figura 1– Arte produzida para a cada do livro Massacre 29 de Abril.

A página impressa possui noções de qualidade especial, que influenciam sua forma, seu conteúdo e a reação do leitor. Quando um layout é impresso, produz-se uma importante mudança, que tem lugar quando cada um dos leitores manuseia seu exemplar e volta sua atenção para a página. Quando layout de uma página é concebido, seu criador está envolvido num processo de comunicação altamente pessoal que está em contato direto com o leitor. Esse processo permite condições de desenvolver uma visão muito realista do design. Segundo Hurlburt (1986), sair do papel habitual de criador de imagens para a condição de observador dessa imagens é um bom método para o designer se livrar da indulgencia para consigo próprio. A maneira como vemos (percepção) e como reagimos(resposta) são aspectos básicos da comunicação que podem ter uma influência positiva no design. No ato de ver, temos a tendência de separar determinadas imagens da massa de impressões a que estamos expostos e adicionar a essa imagem nosso próprio conhecimento, nossa experiência e imaginação.(HURLBURT, 1986, p. 133)

Joly (2012) concorda com a afirmativa que considera a recepção do produto como determinante no momento de produção. Para a autora, a imagem seria uma mensagem visual composta de diversos signos e que equivale a uma ferramenta de expressão e comunicação. Seja sua preocupação de expressar ou comunicar, admite-se que a imagem sempre constitui uma mensagem para o outro. Por esse motivo, uma das preocupações necessárias para compreender de forma mais efetiva uma mensagem visual, necessita saber para quem ela foi produzida. Em suma, o sucesso de um projeto gráfico inclui, necessariamente, o conhecimento acumulado e a experiência profissional do(s) Elaine Schmitt e Marcia Boroski

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produtor(es), seu tratamento criativo a uma determinada ideia e a resposta do observador. FOTOJORNALISMO O fotojornalismo possível e desejado baseia-se na relevância social e política, na pauta, nas escolhas técnicas e no posicionamento do repórter, com suas tomadas, planos, etc. Inimaginável é pensar o fotojornalismo distanciado de narrativas: é justamente o embrião narrativo que garante à fotografia a capacidade de contar uma história, com começo meio e fim, e com sobrevida para além de sua publicação.Oliveira e Vicentini (2009) concordam com esta visão, ao afirmar que a contribuição da fotografia ao jornalismo concede maior veracidade e facilita a compreensão dos fatos. Dessa forma, o repórter fotográfico teria uma função social que transmite conhecimento e provoca sentimentos por meio do seu trabalho, o que integra sua personalidade. De acordo com Dulcilia Buitoni (2011), a fotografia de imprensa pode ser dividida em duas categorias: a fotoilustração e o fotojornalismo. Os enquadramentos, os ângulos e as composições que compõe o grupo de fotografias do livro não apenas ilustram o acontecimento. Pelo contrário. Pensar a cobertura enquanto ilustração remete-nos a representações generalistas, com finalidades descritivas e didáticas, conforme Buitoni (2011), as quais, evidentemente não apresentam-se em tais imagens. Considerando o contexto de 1930, momento em que o fotojornalismo assume visibilidade, Freeman (2013) comenta que o momento em que o gênero entra em cena converge com a constância do seu comportamento padrão, que é de independência, investigação e consciência social. Diversas guerras e questões sociais surgem a partir de então como propostas de cobertura para os fotojornalistas. Segundo o autor, o fotojornalismo é um dos poucos gêneros da fotografia que implica a possibilidade de fazer uma diferença social e política. A condição fotojornalística do livro Massacre 29 de abril evidenciase, primeiramente, por seu caráter informativo, em que se comunica um fato jornalístico visualmente. Jorge Pedro Sousa (2002) define fotojornalismo como uma atividade cuja primeira função é informar. O termo pode abranger quer as fotografias de notícias, quer as fotografias dos grandes projectos documentais, passando pelas Elaine Schmitt e Marcia Boroski

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ilustrações fotográficas e pelos features(as fotografias intemporais de situações peculiares com que o fotógrafo depara), entre outras. (SOUSA, 2011, p. 7)

Buitoni (2011) compreende que além da perspectiva de Sousa, deve-se incluir o instantâneo como qualidade jornalística, e também “A relevância social e política, a relação com a atualidade e um caráter noticioso [...]” (BUITONI, 2011, p. 90). E ainda dentro do fotojornalismo, existem diversas categorias que qualificam tais fotos. As imagens presentes no livro parecem encaixar-se melhor na ‘Fotonotícia’, que é aquela com teor informativo e que comunica o fato visualmente. A cena registrada ainda pode ser um flagrante ou denúncia e, junto com o embrião narrativo, reforçam sua força jornalística. Os registros do livro Massacre 29 de abril’ são documentais e dispositivos da memória dos cidadãos paranaenses, porque guardam em fotografias um acontecimento socialmente relevante. Para Oliveira e Vicentini (2009), muitas vezes torna-se difícil conferir valor a uma fotografia feita no tempo presente, pois esse valor é agregado com o passar dos anos. Uma reportagem fotográfica é composta de fotos que se sucedem no tempo, mas às quais não podemos atribuir um juízo de valor, já que estamos ainda no desenrolar dos acontecimentos. Assim, as primeiras fotos feitas podem ser as mais importantes. (OLIVEIRA e VICENINI, 2009, p.159)

De acordo com Buitoni (2011), a fotografia documental é uma ramificação do fotojornalismo, e comtempla fotos de fenômenos estruturais, e temáticas sociais, por meio de uma abordagem não efêmera, e com tempo de produção e edição maior. Esta definição indica também que o objetivo deste tipo de fotografia é realizar registros que sejam entendidos como documentos de uma realidade que esteve dada em um tempo e espaço determinados. Porém, há outras definições possíveis para a fotografia documental. Sousa (2002) compreende que fotojornalismo e fotografia documental podem difundir-se pelos mesmos veículos de imprensa, porém o modo de trabalho é distinto. Enquanto o primeiro é movido por temas atuais, o segundo tende ao não efêmero, e, por isso, é o projeto fotográfico é o que move o fotodocumentarista. Isto não pretende significar que o fotodocumentalismo não possa partir de um acontecimento circunscrito no tempo, mas a abordagem

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fotodocumental é diferente daquela que seria protagonizada por um fotojornalista: um fotodocumentalistaprocuraria fotografar a forma como esse acontecimento afecta as pessoas, mas um fotojornalista circunscreveria o seu trabalho à descrição/narração fotográfica do acontecimento em causa. (SOUSA, 2011, p. 9)

O status documental das fotografias é discutido desde o início do pensamento fotográfico. É evidente que tal perspectiva é resultado de uma produção por aparato técnico, por isso, a necessidade de relativizar estas fronteiras, conforme Buitoni (2011), Sousa (2002) e Dubois (1994). De saída já compreendemos que a composição do documental exige a naturalidade da cena. Oliveira e Vicentini (1998) identificam o surgimento de uma crise na definição do fotojornalismo em meados de 1990, devido a grande quantidade de imagens presentes em jornais. Disputando espaço com infográficos, desenhos e gráficos, a fotografia fica relegada ao meramente ilustrativo, estético. Assim, os grandes temas tornam-se menos importante e pequenas histórias ganham lugar, juntamente à violência localizada, o glamour, e a beleza de rostos e corpos. A afirmação leva a crer que a falta de atenção dada pelos jornais ao fotojornalismo o deixou como alternativa de sobrevivência a criação de materiais específicos, como o livro de fotografias. Por consequência, seu relacionamento menos intenso com as páginas do jornal faz com que seu alcance de visibilidade diminua e passe a ser procurado apenas por um público envolvido no acontecimento e que, de certa forma, compartilha do assunto e das ideias do fotojornalista. Philippe Dubois, no ensaio “O Ato Fotográfico”, discute o realismo na fotografia.Para o autor, pode-se pensar a fotografia por três grandes discursos: espelho do real (quando é percebida como cópia objetiva do real), transformação do real (fotografia está envolvida e codificada culturalmente, composta por um sujeito e feita por um aparelho com possibilidade técnicas para congelare distorcer cenas) e, por fim, índice ou marcas do real (ela comprova a existência daquele referente, em tempo e espaço determinados, estabelecendo-se como um traço do real). Para Buitoni (2011), fotografia enquanto índice “atesta e existência daquele objeto naquele momento”. E Dubois complementa: A imagem foto torna-se inseparável de sua experiência referencial, do ato que a funda. Sua realidade primordial nada diz além de uma afirmação de existência. A foto é primeiro índice. Só depois ela pode tornar-se parecida (ícone) e adquirir sentido (símbolo). (DUBOIS, 1994, p. 53)

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Outra forma de pensar a inserção de significados na fotografia é pelo processo de conotação discutido por Barthes (1989). Elementos de conotação são aqueles que fortalecem o caráter informativo do fotojornalismo e, por isso, dão mais possibilidades de sentidos às fotografias. Grande parte das fotografias que compõe o livro contém, em sua composição, cartazes, adesivos da Polícia Militare Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos - Ministério da Justiça, coladosem viaturas, bem como nos escudos, objetos de ação policial, objetos simbólicos para a educação, como o giz empunhado por uma mulher fotografada de costas (Figura 1), faixas com nomes dos sindicatos das classes e outras organizações, como diretórios de estudantes, que também compunham os manifestantes, mas que, sobretudo, demonstravam apoio ao movimento, e bandeiras dos movimentos sociais e do Brasil. Figura 2 – Mulher empunhando giz. Fonte: retirada do livro Massacre 29 de abril.

Foto: Rafael Schoenherr.

As possibilidades de interpretação vem justamente do registro documental. Para além da conotação das fotos, muitas apresentamse como simbólicas – ultrapassando a qualidade de documento, constituindo-se como referencias de luta social e consolidando-se como memória. Um bom exemplo é a fotografia dos manifestantes Elaine Schmitt e Marcia Boroski

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com as mãos erguidas, frente à Polícia Militar (Figura 2), que constituise como um dos símbolos do ato massacrante quando evidencia claramente as mãos vazias com as quais os manifestantes lutavam. Figura 3- Manifestantes com mãos erguidas. Fonte: retirada do livro Massacre 29 de abril.

Foto: José Tramontin.

Tais tomadas de foto revelam ao leitor o posicionamento dos fotógrafos, que dentre várias estratégias de enquadramentos, exploram adualidade manifestante-policial é reiterada em diversas fotografias. Evidentemente com objetivo de registrar as forças que estavam tensionadas no Centro Cívico de Curitiba, tais fotografias mostram também a desproporcionalidade. Todas as 62 fotografias, bem como a imagem da capa, são apresentadas em preto e branco. A escolha deve-se a diversos fatores. Um deles também moveu a obra de Henry Cartier-Bresson: a escolha do preto e branco serve para garantir a modulagem de luz do ambiente, não tendo que competir com cores do ambiente e garantindo caráter documental para as fotos (Tassinari, 2008). Dentre os temas que trazem ao fotojornalismo o potencial de singularidade, a fotografia de guerra se destaca, pois a cobertura dos

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conflitos humanos, com extremos de violência, exige que o fotógrafo consiga, ao mesmo tempo em que luta pela preservação de sua vida, pensar na sua posição, no enquadramento e composição da imagem. Para Freeman (2013) existem dois motivos possíveis advindos da vontade em registrar um conflito humano: o de despertar a consciência e o de provocar uma ação para acabar com o conflito. Figurando as duas possibilidades para o acontecimento do Massacre de 29 de Abril, a vontade de despertar consciência parece a mais cabível, pois ao assumir o papel de denunciadores, os fotojornalistas ali presentes desejavam fortalecer uma opinião pública que justificasse a greve dos servidores públicos e suas lutas por uma mudança de decisão por parte do Governo Estadual do Paraná. Nos depoimentos dos fotógrafos presentes nas últimas páginas do livro, é possível identificar o embate entre fazer uma boa fotografia, protegerse do perigo ou ajudar outras pessoas que haviam sido atingidas: [André Lopes] Quando vi um professor atingido cair na minha frente, me senti dividido e provocado. Questionei-me em uma fração de segundo: de que forma eu ajudaria mais? Optei por registrar, e fiz isso até o último minuto em que havia armas apontadas na nossa direção.(MASSACRE, 2015, p.116) [José Tramontin] Pouco antes de começar o conflito, pairava um silêncio sepulcral entre os manifestantes. Aquilo me deu medo. Foi um silêncio que me fez repensar se eu realmente queria estar ali com a câmera no pescoço. (MASSACRE, 2015, p. 117) [Rodrigo Menegat] A sensação de impotência foi imensa. Pessoas corriam asfixiadas e ensanguentadas e eu não podia fazer nada além de fotografar, atordoado por tamanha brutalidade. Registrar o que acontecia era mais do que um trabalho. Era uma obrigação.(MASSACRE, 2015, p.117)

Evidentemente, as falas trazem elementos que se apresentam também nas composições fotográficas. De uma forma geral, as fotografias trazem rostos plurais, com diversidade etária, étnica, cultural e social. A história contada pelas fotos procura também mostrar os métodos paliativos, de resistência e de proteção utilizados pelos manifestantes. A narrativa que o livro apresenta pode ser dividida da seguinte forma, mesmo que algumas fotografias apresentemse ligeiramente desviadas. Pensamos esta divisão em quatro partes: a primeira denominada como tensão pré-conflito, momento que precedeu a ação policial, no qual os manifestantes e policiais se organizaram, e é parte que estão as fotografias com os manifestantes marchando e segurando os cartazes, os policias empunhando sua Elaine Schmitt e Marcia Boroski

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força bélica. A segunda começa a partir da 22ª fotografia, quando há a queda da barreira que separa policiais e manifestantes. A partir dela, o livro traz fotografia que comprovam como o ambiente estava tomado por uma fumaça branca, fruto das bombas de efeito moral. O contraste entre as tonalidades de cinza, próprio das fotografias em preto e branco, dá lugar à atmosfera esbranquiçada, da qual emanam os primeiros feridos. A terceira pode ser entendida como proteção e solidariedade, e inicia-se com 27ª fotografia, que marca a necessidade de proteção os manifestantes contra as bombas de efeito moral, ao utilizarem pedaços de papelão como trincheiras de proteção. Além disso, aqui também aparecem várias fotografias de solidariedade entre os manifestantes feridos e o reencontro de alguns que se desencontraram ao fugirem das primeiras bombas. Por fim, a quarta parte identificada refere-se as consequência e insistência, como fotografias de balas de borracha, pessoas feridas e com proteção nos rostos. As fotografias mostram máscaras, panos, golas de camisetas, soluções com vinagre, etc, sendo utilizadas para proteção contra a fumaça e o gás de pimenta. Percebe-se uma intencionalidade estratégica na disposição das fotografias, que até apresentam-se com um significado homogêneo. Ainda assim, algumas fotografias para estar fora deste eixo, seja por escapar à esta intencionalidade e/ou estarem na ordem apresentada para indicar a simultaneidade de acontecimentos distintos e o caos enfrentado, respeitando a ordem em que foram feitas. Um exemplo é a 39ª e penúltima foto, a primeira é composta por diversos manifestantes que marcham com braços erguidos e parecem enunciar gritos de ordem, contrários a votação eu acontecia na Assembleia. Já a segunda tem uma composição de três pessoas, em primeiro plano, se protegendo atrás de um dos pedações de papelão, utilizados pelos manifestantes como trincheiras, distante do restante de fotos com composições semelhantes. CONSIDERAÇÕES Recuperamos que o objetivo deste artigo previa discutir a capacidade do fotojornalismo em documentar um evento, em local e tempo determinados, sem perder de vista articulações com outros universos culturais e demais acontecimentos. O evento em questão foi aação desproporcional da polícia e do governo estadual sobre professores do Paraná, no Centro Cívico de Curitiba, no dia 29 de abril Elaine Schmitt e Marcia Boroski

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de 2015. O resultado da cobertura fotojornalística feita pelo coletivo de fotógrafos está reunida no livro Massacre 29 de abril. Os registros consolidam-se a partir de uma perspectiva jornalística de cobertura do evento, captando imagens para a memória dos movimentos sociais, do funcionalismo público e também para os cidadãos paranaenses. E tais registros são verdadeiros instantes decisivos - momento é simbolizado pela fotografia, não existente no instante em que ela foi tirada.É o cruzamento no mundo de dois ou mais acontecimentos similares e independentes um do outro, fixados pela técnica do instantâneo. O fotojornalismo, portanto, evidentemente presente no livro de fotografias, mostra-se vívido e intimamente focado em sua função na sociedade: informar visualmente um fato jornalístico e priorizar temas de relevância social e política. REFERÊNCIAS BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. BUITONI, Dulcilia Schroeder. Fotografia e Jornalismo: a informação pela imagem. São Paulo: Saraiva, 2011. CASERO, Andreu. El despertar del público? Comunicación política, ciudadanía y web 2.0. In: VICENTE, Maximiliano Martin; ROTHBERG, Danilo (orgs.). Meios de comunicação e cidadania. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. COLLARO, A. C. Projeto Gráfico. Teoria e Prática da Diagramação. São Paulo: Summus Editorial, 1987. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, SP: Papirus, 1993. HURLBURT, A. Layout: o design da página impressa. São Paulo: Nobel, 1986. FREEMAN, Michael. A Visão do Fotógrafo. Porto Alegre, RS: Bookman, 2013. JOLY, M. Introdução à Análise da Imagem. São Paulo: Papirus. 2012. MASSACRE 29 de abril: gás, bala, bomba e pimenta contra os professores do Paraná. Rafael Schoenherr (Org.). Ponta Grossa: Estúdio Texto, 2015. OLIVEIRA, E. M. de, VICENTINI, A. Fotojornalismo: uma viagem entre o analógico e o digital. São Paulo: Cencage, 2009. SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa. Porto, 2002. Biblioteca On-Line de Ciências da Comunicação (BOCC). Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/sousa-jorge-pedrofotojornalismo.pdf. Acesso em 09/08/2015. TASSINARI, Alberto. O instante radiante. In: MAMMI, Lorenzo; SCHWARCZ, Lilia Moritz (org.). 8 X Fotografia: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Elaine Schmitt e Marcia Boroski

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Memes do 29 de abril: Uso de metáforas digitais para narrar a greve dos professores do Paraná fora da mídia tradicional Isadora Ortiz de Camargo e Sérgio Luiz Gadini

INTRODUÇÃO

O

ano de 2015 começou com marcas morais e físicas para os professores do Paraná, que foram alvo de ação violenta da polícia militar no dia 29 de abril, data que representou o registro de um “massacre”, como ficou conhecida a repressão autoritária à manifestação por atores sociais dos diversos movimentos dos servidores públicos do Estado. Um dia de tiros e embates, em que o governo recrutou cerca de cinco mil policiais, a pretexto de impedir que os manifestantes participassem da sessão da Assembleia Legislativa do Estado que votaria o projeto de lei 252 - de reforma previdenciária. Com o disparo de milhares de bombas (gás lacrimogênio, gás de pimenta), balas de borracha e dois helicópteros que sobrevoavam o espaço do Centro Cívico, jogando bombas, onde estão as sedes dos poderes públicos, em Curitiba, policias agiram contra os professores, marcando uma das manifestações mais violentas dos últimos anos. O resultado, que ganhou mídia nacional e internacional, registrou 392 pessoas feridas, 213 que procuraram atendimento médico durante os ataques, e nas primeiras horas após o massacre. Como se nada tivesse acontecido, a

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maioria dos deputados da base governista (31 x 21) aprovou o projeto do ParanáPrevidência, que limita direitos dos servidores públicos. O discurso oficial prevaleceu – para os deputados aliados e a maioria da mídia comercial do Estado – ao movimento de protesto dos servidores públicos. Aliás, a greve iniciou bem antes, em 09/02/2015, quando os professores da rede pública (ensino básico e secundário) e das universidades estaduais paralisaram as atividades contra uma série de medidas restritivas ao funcionamento da educação, com redução de direitos sociais e trabalhistas dos servidores públicos, entre os quais a tal reforma previdenciária. O jornal estadual Gazeta do Povo, na edição online de 8/06/2015, publicou uma cronologia da greve, em que aponta as datas mais marcantes do movimento dos professores durante quase cinco meses. Neste período, o 29 de abril foi a data que repercutiu nacional e internacionalmente através de imagens aterrorizantes da ação da polícia contra os professores e apoiadores do movimento, dia que foi classificado como “Batalha do Centro Cívico” ou “Massacre do dia 29 de abril”. O episódio rendeu coberturas midiáticas dos principais meios de comunicação de massa e dos principais meios digitais, classificados como ambiência alternativa neste texto por assimilarem e não filtrarem qualquer narrativa, expressão, manifestação, publicações e postagens durante o movimento. A greve não foi exclusiva dos professores (diversos setores da administração pública estadual também paralisaram as atividades, ainda que parcial e tem tempo diferentes) mas, pela presença em praticamente todos os momentos e ações de protesto, destaca-se a participação dos docentes, em geral pela síntese discursiva. DATA

ACONTECIMENTO

09/02/2015

Início da greve dos professores da rede estadual de ensino

04/03/2015

Atendendo pedido de liminar do governo estadual, o desembargador Luiz Mateus de Lima, do Tribunal de Justiça do Paraná, determina o fim da greve, sob pena de multa diária de R$ 20 mil ao sindicato dos educadores.

09/03/2015

Governo estadual define propostas para os itens de reivindicação, em uma “carta compromisso” assinada no dia 6 de março, e professores decidem em assembleia suspender a greve.

12/03/2015

Início das aulas após o fim da greve.

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27/04/2015

Começa a segunda etapa da greve. Ela é retomada porque, segundo o sindicato dos educadores, o governo estadual descumpriu item da carta compromisso, de fazer um amplo debate sobre o projeto de lei que muda o fundo de previdência dos servidores. Já o governo estadual defende que o debate foi feito e inclui um novo projeto de lei da previdência na pauta da Assembleia Legislativa do Estado. Outros servidores do Estado – como os professores universitários – também iniciam paralisações em protesto contra a votação do projeto de lei. No mesmo dia, atendendo a um pedido do governo estadual, o desembargador Luiz Mateus de Lima se manifesta contra a retomada da greve e estabelece uma multa diária de R$ 40 mil ao sindicato dos educadores caso os professores permaneçam fora das salas de aula, além de uma multa diária de R$ 500 ao presidente da entidade, Hermes Leão Silva.

29/04/2015

Professores são proibidos de acompanhar a sessão do Legislativo que discutia o projeto de lei da previdência. Do lado de fora, os policias militares que cercavam o prédio da Assembleia Legislativa reagem violentamente contra o protesto dos professores.

30/04/2015

O governador Beto Richa (PSDB) sanciona a lei da previdência.

05/05/2015

Servidores e população em geral realizam em Curitiba um ato de repúdio ao episódio do 29 de abril. Na sequência, ainda pela manhã, representantes do Fórum Estadual dos Servidores (FES) se reúnem com a secretária de Administração e Previdência, Dinorah Nogara, para tratar da data-base. Servidores querem ao menos a correção inflacionária, de 8,17% (IPCA), mas o governo estadual não garante a aplicação do índice e pede mais uma semana para a pasta da Fazenda estudar possibilidades. À tarde, sob influência da indefinição em torno da data-base, os professores decidem em assembleia manter a greve.

06/05/2015

Cai o secretário de Educação, Fernando Xavier Ferreira, na esteira do episódio do último dia 29. Sua exoneração também era cobrada pelo sindicato dos educadores, que alegavam não ter diálogo com Ferreira. Ana Seres Trento Comin assume a pasta.

08/05/2015

Ainda na esteira do episódio do dia 29, o coronel César Kogut faz críticas a Fernando Francischini, secretário de Segurança Pública, e pede exoneração do comando da Polícia Militar. Francischini pede demissão na sequência.

12/05/2015

Em nova reunião sobre a data-base, governo estadual mantém indefinição sobre data-base e pede mais uma semana ao FES. Servidores saem indignados da reunião e reforçam discurso em defesa da greve. Governo estadual repete que a greve foi retomada sem motivo, já que entende que as discussões sobre a previdência foram realizadas, e critica a “mudança de pauta” da categoria, em referência à data-base.

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14/05/2015

O governo do Paraná anuncia o fim das negociações com os servidores e o envio de um projeto de lei ao Legislativo prevendo um índice de reajuste de 5%. O pagamento seria feito em duas parcelas, sem definição de datas.

19/05/2015

FES cobra a retomada do diálogo e o governo estadual marca uma nova reunião com os representantes dos servidores, no Palácio Iguaçu. Na reunião, contudo, é mantida a disposição do Executivo de levar o índice de 5% para análise do Legislativo. A reunião ocorre em meio a um protesto no Centro Cívico, organizado pelo FES.

25/05/2015

Pressionada por servidores, a base aliada na Assembleia Legislativa do Paraná decidiu oficialmente que só aceita votar o reajuste do funcionalismo se ele for de 8,17%.

27/05/2015

Com base em duas propostas levadas pelos parlamentares, governo estadual propõe outro projeto de lei. O Executivo oferece um reajuste de 3,45% parcelado em três vezes, nos meses de setembro, outubro e novembro. Este índice foi calculado com base na inflação do período entre maio e dezembro de 2014. O texto também prevê a antecipação da data-base do funcionalismo, de 1.º de maio para 1.º de janeiro. Assim, no início de 2016, o governo estadual se compromete a fazer a revisão dos salários com base no IPCA entre janeiro e dezembro de 2015. A nova proposta, contudo, não agrada aos servidores, que resolvem não convocar assembleias para deliberar sobre o assunto. Defensoria Pública do Paraná entra com uma ação civil pública contra o governo estadual devido ao episódio do dia 29 de abril. É pedida uma indenização de R$ 5 milhões por danos morais coletivos.

28/05/2015

Governo estadual pede bloqueio de R$ 1,24 milhão da APPSindicato, para garantir o pagamento da multa definida pelo Tribunal de Justiça do Paraná no último dia 27, referente aos dias parados. O governo estadual também tenta, na mesma petição, impedir o repasse, à APP-Sindicato, dos valores descontados mensalmente dos professores filiados à entidade. O governo estadual também instala em seu “Portal da Transparência” na internet um link específico para divulgar os salários dos professores. Docentes reclamam de “valores distorcidos”.

01/06/2015

Deputados estaduais fazem nova proposta de reajuste ao Executivo. A proposta prevê a aplicação de 3,45% em outubro e de 4,56% em dezembro. Com isso, a data-base do funcionalismo seria mantida em maio. Beto Richa descarta o reajuste proposto por parlamentares e agrava crise entre aliados.

02/06/2015

A 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná nega recurso à APP-Sindicato e mantém a decisão liminar que determina o fim da greve.

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03/06/2015

Surge uma nova proposta de reajuste, afinada entre governo estadual e parlamentares. A ideia agora é pagar 3,45% (referente à inflação de maio a dezembro de 2014) em uma única parcela, em outubro deste ano. A inflação de 2015 seria zerada em janeiro de 2016. As perdas inflacionárias de 2016 seriam pagas em janeiro de 2017 – quando os servidores também ganhariam um adicional de 1%. Além disso, a proposta prevê a reposição da inflação de janeiro a abril de 2017 em 1º de maio daquele ano – quando a data-base do funcionalismo estadual voltaria a ser em maio e não mais em janeiro. A APP-Sindicato entende que esta proposta pode ser levada para uma assembleia da categoria. A deliberação sobre o fim ou não da greve fica marcada para terça-feira (9), às 8 horas, no estádio da Vila Capanema, em Curitiba.

09/06/2015

Mais de 10 mil professores reunidos em assembleia na Vila Capanema, em Curitiba, decidem pelo fim da greve. Dos 29 núcleos regionais, 23 decidiram por encerrar a paralisação, apesar de a proposta de reajuste salarial do governo estadual protocolada na Assembleia Legislativa não ter agradado a categoria. *Fonte: Gazeta do Povo, 08/06/20151

E é na ambiência digital que surgem metáforas dialógicas que narram a greve dos professores do Paraná de maneira diferente, utilizando imagens e legendas discursivas que exploraram o pitoresco, o irônico, o humor e o drama das situações e dificuldades enfrentadas pelos servidores públicos diante das decisões do governo estadual comandados por Beto Richa (PSDB, Demos e outros aliados). Os chamados ‘memes’ digitais serviram como um escape (fuga, talvez) informacional dos discursos de imprensa oficial, ou ‘alternativa’ digital, aparecendo principalmente nas redes sociais Facebook, Twitter e Instagram. Os memes da greve destacam situações marcantes do movimento através de figuras de linguagem e discursos irônicos, característica comum dos memes temáticos, que aparecem como tendências que viralizam nas redes. EXPRESSÕES EM MEMES E DISCURSOS DIGITAIS O termo “meme” vem da biologia e genética; foi cunhado em 1976 por Richard Dawkins no bestseller “Gene Egoísta”, remetendo a 1. A cronologia está disponível no site da Gazeta do Povo através do link: http://www. gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/cronologia-bxyes24fyo4r7knblzc9uzrut Isadora Ortiz de Camargo e Sérgio Luiz Gadini

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unidade mínima do discurso assim como é o gene, por isso a analogia na terminologia deste recurso, que ganhou impulso ao se tornar ‘ferramenta’ viral nas redes sociais. A terminologia é de origem grega μιμἐομαι e significa “mimema” ou imitação (mimetismo) e, como no inglês, foi traduzido para meme, que também remete as palavras ‘gene’ e ‘memória’, que aparecem nos escritos de Dawkins. A expressão também pode ser associada aos processos discursivos de tornar a fala em linguagem escrita ou imagética que se espalham com velocidade e facilidade como vírus. E, mais uma vez, a biologia serve de analogia para associar à replicação informacional ou a viralização dos memes, assim como se espalham doenças virais. Em certos aspectos, meme tem a ver com memória, replicação, viralização daquela que pode ser a menor unidade de informação, que se multiplica de cérebro em cérebro ou entre as plataformas em que a informação é armazenada. Neste artigo, são as redes sociais que se destacam - blogs, Facebook e Twitter –, e servem como espaço alternativo de publicação de formatos diferentes de expressões como os memes, que utilizam de figuras de linguagem e formações discursivas como códigos informacionais próprios das ambiências digitais. Além de se propagar com facilidade, os memes traduzem ideias, críticas, reivindicações, desejos, valores ou mesmo piadas, que são produzidas e replicadas de maneira autônoma e sem autores identificados ou determinados, o que garante a difusão rápida das mensagens. Nesse processo de ‘transferência de informação’, os memes podem ser localizados teoricamente nos estudos da teoria memética, que se dedica a identificar como acontece o processo evolutivo da passagem de unidades mínimas de conteúdo de cérebro a cérebro. Sem entrar profundamente no debate conceitual, este texto reconhece a terminologia biológica como tradutora da funcionalidade que os memes têm e, por diferentes aspectos e dimensões, adquirem nas redes sociais. O uso dos memes, por exemplo, está diretamente associado à replicação da linguagem, comportamento e identidades grupais. Susan Blackmore (1999) indica que os memes aparecem no processo de evolução humana, assim que o ser humano aprende a imitar. Uma informação ‘copiada’ – ou parcialmente apropriada – é facilmente espalhada, além de ser uma força poderosa de evolução cultural através das ideias copiadas. Entre as características do meme na ambiência digital destaca-se a capacidade de relacionar imagem com discurso humorado e que serve como legenda, capacidade de reprodução, isto Isadora Ortiz de Camargo e Sérgio Luiz Gadini

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é, se espalhar pelas redes; linguagem fácil e texto breve sobre temas cotidianos, em que a ironia opera como um dos principais recursos de expressão. Originalmente, pode-se perceber memes nos ambientes que envolvem tecnologia, nas piadas, nos provérbios, nas canções, em jingles, filmes, biologia, política e até religião. Mas é nos fenômenos da internet que os memes ganham força como expressão alternativa aos discursos tradicionais, se tornando uma maneira de interagir e se comunicar em rede através de formatos que são espécies de gírias da internet. Assim como a linguagem oral é um segmento que contribui para a compreensão das sociedades, os memes ajudam a entender grupos, manifestações, humor e reivindicações, como ocorreu no movimento dos professores do Paraná expresso nas redes sociais. Neste caso, os memes da greve permitem analisar os discursos presentes nos espaços de sociabilização online, trazendo a tona também a ideia de comunicação fora dos meios oficiais, o que remete a um espaço ‘aberto’, sem filtros estipulados, já que os memes das redes sociais são replicados por perfis pessoais. Os memes, que representam figuras de linguagem de uma evolução cultural (BLACKMORE, 1999) servem como metáforas no campo digital, isso porque servem de recados, muitas vezes, assertivos, difundindo informações factuais e, em geral, de polêmica online. Muitas vezes, empresas, imprensa oficial e meios jornalísticos incorporam o uso de memes para se aproximar de seus interlocutores, o que é uma estratégia de presença digital. Também foi o que aconteceu durante a greve dos professores. A linguagem dos memes apresenta retórica, é fácil de entender, é simples, tem motivações e, claro, carrega estratégias lingüísticas para atrair interação. Neste sentido, o conceito está diretamente associado a linguagens virais com cunho temático, isto é, parte-se da perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ACD), embora não se utilize da mesma como metodologia analítica. A ACD embasa, pois, a funcionalidade do meme, porque esta funcionalidade depende da linguagem que, aqui, é entendida como prática social e ideológica, que opera como interação nas ambiências digitais pelos usuários conectados, operando como prática interativa online (SOUZA, 2013). Devido ao espalhamento possibilitado pelas redes, utilizam-se, aqui, os memes que servem de amostra ao trabalho de expressões digitais. É uma maneira de conversação com a realidade através de formas de reivindicar o esdrúxulo, o que é considerado errado, onde Isadora Ortiz de Camargo e Sérgio Luiz Gadini

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a ironia é usada para difamar personagens em voga na sociedade, o que aconteceu com o nome e a imagem do governador do Paraná, Beto Richa. Ele aparece em memes temáticos que viralizaram durante o movimento grevista em discursos que, de certa forma, minimizaram a imagem do governador e repudiaram tais práticas governistas (AMARAL, 2011). Foi uma forma encontrada pelos usuários de reivindicar e atingir um público que não estava diretamente afetado pela situação, o que ajudou a agregar força, ‘deslocalizando o movimento, ‘espalhando’ entre usuários de outros estados que interagiam, pela integração e projeção opinativa simpática às causas do movimento. No percurso de formações discursivas que fluem pelo ciberespaço, destaca-se que há uma construção de momentos grupais e transferência de reivindicações através dos memes, que garantem espaço a opinião de diferentes identidades e grupos sociais, que podem ressignificar práticas comunicacionais, garantindo uma codificação de mundo arquivada em plataformas de sociabilidade online (AMARAL, 2011). A partir daqui, seguem alguns dos memes veiculados no Facebook a respeito da greve dos professores e contra as decisões do governador do Estado. O que os memes que serão classificados e analisados neste texto têm em comum são a ironia e o discurso contra o governo do Paraná. Alguns especificamente fazem analogias com personagens de desenho e quadrinhos, filmes ou ainda piadas enfáticas e diretas sobre a situação dos professores diante da polícia militar em 29 de abril. A orientação metodológica da análise, para além de pautar o contexto de que se fala, considera a expressão da peça (meme) em sua leveza (fluidez, em geral, marcada pela comicidade referencial) ao tratar de um assunto problemático, tenso e que afetou a vida de aproximadamente 150 mil servidores públicos de modo direto e, indiretamente, mais 1,1 milhão de pessoas, se considerar o número de estudantes regularmente matriculados nas escolas públicas e nas universidades estaduais do Paraná no período. A análise do produto cultural, portanto, toma por base a ‘unidade’ conceitual e temática do meme como expressão sígnica midiática (GADINI, 2009). E, no mesmo sentido, a análise dialoga com o que se entende por uma perspectiva folkcomunicacional das manifestações culturais no campo midiático em sociedades complexas (GADINI e CAMARGO, 2011). Em alguns dos casos, as imagens originais trazem uma estética grosseira e mal acabada, própria da caracterização feita e incorporada pelos usuários das redes sociais no processo de evolução do ciberespaço e do que é classificado neste texto como meme digital (figura 1). Isadora Ortiz de Camargo e Sérgio Luiz Gadini

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Figura 1: Memes da greve

Fonte: Arquivo dos autores

ANÁLISE DE ALGUNS MEMES DIGITAIS Em seguida, segue a análise de alguns memes espalhados durante a greve e que mantêm características comuns que os une - imagens impactantes, discursos de ataque e ironia ao governador e analogias como piadas digitais. Todas elas geram humor e viralização da situação, ainda que o período tenha sido de tensão no Estado. Entre os que mais viralizaram estão os que levam o rosto do governador Beto Richa. Alguns deles ironizam com datas festivas e com filmes, além de fazerem analogias a nomes de ditadores como o alemão nazista Adolf Hitler (figura 3). É possível identificar nesta categoria de memes virais sentimentos de raiva, decepção e usuários incrédulos em algum processo de melhora em relação às reivindicações dos professores do Estado. Presente na ironia, a imagem do governador é altiva e com sorriso discreto, que confere arrogância e ajuda a reforçar esta figura de linguagem usada como metáfora dos discursos dos professores nas redes. No meme “Parabéns a todas as mulheres pelo Dia Internacional da Mulher... Isadora Ortiz de Camargo e Sérgio Luiz Gadini

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menos para as professoras”, o discurso traz a ideia de contrariedade ao que realmente acontece na realidade e, ainda, coloca “as professoras” na fala do governador em uma condição de isolamento ao direito de receber parabéns pela data de comemoração ao dia das mulheres, celebrado em 8 de março, período que antecede o massacre de 29 de abril. Este meme foi veiculado (e se tornou viral) neste mesmo dia. Figura 2: Meme Dia das Mulheres

Figura 3: Meme em formato de cartaz de filme

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Já o meme da figura 3 imita um cartaz de filme e foi veiculado após a data de 29 de abril, marcada por uma ‘batalha’ entre civis - professores e apoiadores do movimento – e a polícia militar, que utilizou bombas, balas de borracha, cães e helicópteros para proibir os professores de entrar na Assembleia Legislativa do Paraná, local público. Foram milhares de feridos e detidos que os memes exploraram no discurso as palavras “massacre”, “batalha”, “bala de borracha” e associaram o nome do governador e integrantes da gestão, como Fernando Francischini, a palavrões e ditadores. Outro meme relacionado ao cinema utiliza a imagem do filme norte-americano Sexto Sentido (1999), parafraseando um dos diálogos mais conhecidos da peça cinematográfica ao contexto de corrupção no governo do Paraná, em que o personagem diz que “vê gente corrupta no governo Richa a todo o tempo” (figura 4). Figura 4: Meme Sexto Sentido

Além dos memes relacionados ao cinema e a personagens, houve viralização de piadas e analogias fálicas (figura 5), em que o governador é retratado como aproveitador do poder e do dinheiro público através dos itens nomeados como “tetas”, fazendo a analogia com a expressão popular “mamar na teta da vaca”, que significa se aproveitar de situações, no caso, do Estado. Carregada de ironia, a imagem também infantiliza Isadora Ortiz de Camargo e Sérgio Luiz Gadini

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Beto Richa e associa “ratos” a parceiros políticos do governador, cada um deles representando um fato noticioso veiculado no período de movimento grevista: “amigos assessores pedófilos”; “auxílio moradia para juízes”; “salário de esposas em cargos inúteis”, dentre outras referências. Figura 5 - Mema Haja Teta

Os símbolos e a liguagem utilizada nos memes veiculados neste período de greve dos professores e embate com o governo foram, em geral, maneiras dos próprios professores e apoiadores do movimento explorarem a rede social para divulgar um discurso mais agressivo e dirigido ao governador sem identificação de autoria que prejudicasse qualquer pessoa que tivesse um perfil online. A característica de Isadora Ortiz de Camargo e Sérgio Luiz Gadini

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anonimato dos memes também favorece o recurso reivindicatório nas ambiências digitais, capazes de absorver discursos que marcam a contemporaneidade no campo midiático. Foram mais de 50 memes envolvendo o nome e/ou a figura de Beto Richa. Alguns associaram também a fatos que o governador divulgava em suas páginas oficiais, como aconteceu em uma postagem da fanpage de Richa, que faz uma chamada para doação de sangue em 1 de junho de 2015. Em contrapartida, surgiu um meme que retomava uma imagem de 2012 e agregava a ela legendas e uma planilha informando que a última doação de sangue do próprio governador tinha sido em 15/06/2012. O meme, então, funcionava como uma exposição de uma inverdade divulgada pela assessoria, usando da ironia para viralizar a informação (figura 6). Figura 6 - Meme Doação de Sangue

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Em outra adaptação, a imagem de Richa aparece associada ao personagem Robin Hood, que, na história, roubava dos ricos para dar aos pobres. No meme, o governador é chamado de “Robin Hood às avessas por roubar dos pobres para dar aos ricos”, o que também evidencia uma crítica dos professores: o pagamento das férias dos servidores públicos contra o sancionamento de lei que garante auxíliomoradia para juízes no valor de R$ 4,4 mil ao mês. Outro personagem utilizado para ironizar o governador é o Pinóquio, que tem o nariz aumentado a cada mentira contada (figura 8). Figura 7: Meme Beto Richa Robin Hood

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Figura 8 - Beto Richa Pinóquio

Nos discursos digitais registra-se um pedido de impeachment do governador (figura 9), associando a imagens sangrentas e a viral hashtag #ForaBetoRicha, que passou a ser compartilhada no início do movimento grevista, defendendo a saída do político da administração estadual. A hashtag se espalhou com rapidez e também protagonizou memes (figura 10).

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Figura 9 - Meme Impeachment Beto Richa

Figura 10 - Meme #ForaBetoRicha

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A comicidade é outra marca utilizada nos formatos irreverentes e virais. Nas imagens, Beto Richa aparece sendo ‘exorcizado’ por um pastor evangélico ao lado da mulher, Fernanda Richa, e do secretário estadual Ratinho Jr (PSC), ironizado pela legenda “dinheiro do Estado saia desse corpo que não é seu” (figura 11) Figura 11 - Beto Richa Exorcizado

CONCLUSÕES

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Os memes digitais são como fórmulas ressignificadoras de situações sociais que podem ser replicadas por meio das ambiências digitais, gerando viralização de conteúdos de maneira rápida e interativa. Tais expressões também podem ser classificadas como ferramentas linguísticas do campo digital ou ainda formações discursivas que traduzem realidades, reivindicações, problemas, piadas e ecoam no ciberespaço. Muito presente na cultura ciber, os memes se tornam, assim, alternativas de expressão e são cercados de figuras de linguagem como a ironia para transmitir contradições na internet, onde os memes estão mais associados a formas de humor e reclamação, podendo refletir ideologias, crenças e identidades. Por se tratar de uma forma contemporânea e alternativa de expressão, o meme, ainda, se destaca por não haver censura de informação ou edição, mais freqüente em veículos da mídia massiva convencional. E, pois, se torna a própria mídia que, neste caso, serviu como base de manifestação ao movimento grevista dos professores do Paraná, entre fevereiro e junho de 2015. Na amostra ilustrativa e descritiva, encontram-se memes com analogias a personagens infantis, filmes ou quadrinhos, comparando-os com o governador do Paraná (Beto Richa/PSDB), refletindo sentimentos reivindicatórios diante da situação vivenciada pelos professores em um período marcado, especialmente, pelo dia 29 de abril, onde polícia militar agrediu publicamente centenas de servidores públicos, proibindo-os de entrar na Assembleia Legislativa do Paraná, durante a votação do projeto de lei 252, que previa reforma do Paranaprevidência. Em um cenário de guerra, centenas de professores feridos e desrespeitados, os memes serviram como forma de manifestação online livre e democrática, explorando um potencial criativo das redes sociais sem controle prévio por parte dos atores alvos da crítica. Com crítica e humor, os memes da greve dos professores do Paraná serviram, assim, como freqüente alternativa às coberturas midiáticas tradicionais e, de certa forma, arquivaram registros do governo do Estado que continuam viralizados na rede mundial de computadores. REFERÊNCIAS AMARAL, Adriana. Redes sociais, linguagens e disputas simbólicas. In: Revista ComCiência, nº131, versão online. Campinas, 2011. Disponível em: http://comciencia. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-76542011000700009&lng=en&nr m=iso

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BLACKMORE, Susan. The Meme Machine. Oxford: Oxford University Press, 1999. ______. The Power of Memes. Scientific American, New York, v. 283, p. 64-73, October, 2000. DAWKINS, R. O Gene Egoísta. Tradução de Rejane Rubino. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. GADINI, S. Interesses cruzados: a produção da cultura no jornalismo brasileiro. São Paulo: Paulus, 2009. GADINI, S.L. e CAMARGO, I. O. “Representações femininas a partir de grupos masculinos no carnaval brasileiro: uma perspectiva folkcomunicacional na maior festa popular do país”. In: Razon y Palabra, Ago/Oct 2011, Nº 77. Disponível em http:// www.razonypalabra.org.mx/N/N77-1/03_GadiniCamargo_M77-1.pdf SOUZA, Caio Fabiano de. Memes: formações discursivas que ecoam no ciberespaço. In: Revista Vértices, v.15, nº1, p.127-148. Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://www. essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/1809-2667.20130011/2743 Projeto Lente Quente. Vídeo-documentário “Massacre 29”. Ponta Grossa, UEPG. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s16jiyd7Ago

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Mídia e propaganda política na greve dos servidores públicos do Paraná: Impasses do direito à comunicação democrática Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O

ano de 2015 foi marcado, no Paraná, pelo efetivo processo de mobilização dos servidores públicos em greve, que durante cerca de três meses denunciaram o descaso do governo do Estado com a área da educação.1 Foram diversas manifestações, passeatas, atos públicos e enfrentamentos, sendo o mais representativo deles o chamado “Massacre de 29 de abril”, quando milhares de servidores lutavam pela retirada do PL 252/2015, que previa alterações no Plano de Previdência etramitava na Assembleia Legislativa do Paraná. Mais de 300 servidores foram agredidos no Centro Cívico, em Curitiba, em uma operação policial que ficou conhecida pelo uso de gás lacrimogênio, spray de pimenta, balas de borracha, helicóptero, bombas e pitbulls. 1. Entre os itens presentes na pauta da categoria não constava nenhuma reivindicação positiva, assim entendida a que propõe melhores condições de trabalho em relação às atuais. Toda a pauta de reivindicação era de reação à tentativa do governo em precarizar as condições existentes. Dentre as medidas de precarização estavam o não pagamento de 1/3 de férias ao funcionalismo público; mudanças no sistema de previdência; tentativa de acabar com direitos históricos como o quinquênio dos servidores públicos; suspensão de liberação de verbas de custeio das universidades públicas; suspensão de atendimento médico aos servidores (SAS), entre outras demandas. Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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As ações de resistência, contudo, nem sempre ganharam os holofotes da mídia. A cobertura jornalística em todo Estado se ocupou de dar visibilidade a alguns eventos, ignorar outros, bem como angular os acontecimentos de acordo com pontos de vista determinados: ora culpando os manifestantes pelos eventos, ora atribuindo a responsabilidade das ações da greve ao governo, ora apresentando temas tangenciais. Ao longo de todo o período, os sentidos foram se movendo em torno do “clima de opinião”2 construído pela mídia, em diálogo ou contraste com a visibilidade conquistada pelo movimento grevista na esfera pública. E qual seria a principal explicação para as variações editoriais presentes na cobertura dos principais meios de comunicação? Contrariando alguns critérios jornalísticos baseados na pluralidade de informações e na isenção, nota-se que a seleção da pauta, a abordagem noticiosa e mesmo a inclusão ou não de determinada voz em uma reportagem foram, em grande medida, motivadas pela interferência político-econômica do governo do Estado, que não poupou recursos para garantir espaço de propaganda política na mídia. Entende-se que, de acordo com a hipótese do agenda-setting (MCCOMBS, 2009), a mídia determina a pauta para a opinião pública ao destacar determinados temas e preterir outros, apontando aqueles considerados de interesse coletivo. Cabe, portanto, questionar em que medida a compra de espaços oficiais de propaganda repercute na cobertura noticiosa, impactando no posicionamento dos veículos de comunicação em torno da construção dos acontecimentos envolvendo o governo do Paraná e o movimento grevista. Ao enfocar os gastos com publicidade no governo Carlos Alberto Richa (PSDB) no Paraná, no primeiro semestre de 2015, o presente texto propõe um debate sobre as interferências da propaganda política no agendamento midiático sem, contudo, realizar uma análise sistemática da produção jornalística propriamente dita. Após uma reflexão acerca das relações entre mídia, política e democracia, são apresentados dados do Portal da Transparência que evidenciam o uso do dinheiro público para financiamento em publicidade, em contraste com investimentos na área da educação, de modo a problematizar questões referentes às políticas de comunicação e à necessidade de democratização dos espaços de mídia. Também são recuperados alguns momentos pontuais 2. O termo faz referência à hipótese da espiral do silêncio, elaborada por Elisabeth Noelle-Neumann, que identifica a conexão entre a mídia e a formação da opinião pública. Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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da cobertura jornalística durante a greve, a partir do recorte aleatório de matérias veiculadas no período pelos órgãos de imprensa, com o propósito de identificar nuances na produção jornalística que oscilam conforme os interesses em jogo. Desse modo, o direito à comunicação é apresentado como uma demanda articulada com a defesa da cidadania, diante do uso político da mídia travestido de informação jornalística em momentos pontuais das disputas envolvendo o governo do Estado e os servidores em greve. DEMOCRACIA, POLÍTICA E DIREITO À COMUNICAÇÃO É inegável a relação direta entre democracia e comunicação, uma vez que só existe uma comunicação efetivamente democrática em uma sociedade que se apresente como tal. Pressuposto fundamental para a construção de um modelo de sociedade democrática é o conhecimento das posições políticas e valores sociais que são objeto do debate. No estágio atual da vida em sociedade, a forma de funcionamento dos meios de comunicação pode determinar se o sistema político e social reflete efetivamente os interesses dos diversos grupos ou se representa a ratificação da posição dos interesses dos que dominam os meios (SANTOS, 2006). Apesar de existir uma longa tradição brasileira acerca da liberdade de expressão, liberdade de imprensa e direito à informação, aos poucos surge nos bastidores jurídicos e nas lutas da sociedade civil a construção de um direito à comunicação, propondo um debate crítico sobre o uso dos meios de comunicação e o reconhecimento do direito à comunicação como um direito humano (SANTOS, 2006). O debate acerca do direito à comunicação e seu reconhecimento não é novo. Desde há muito, produtores da comunicação, sobretudo aqueles que se preocupam com a concentração dos meios de comunicação em mãos de grandes corporações, reivindicam o direito humano a receber, produzir e divulgar uma informação veraz e oportuna (BRAZ, 2011). Ainda segundo o autor, as tecnologias da informação e da comunicação tornaram-se ferramentas essenciais na busca por adesão a determinadas ideias, o que significa afirmar que os meios de comunicação assumiram um papel central na disputa política e na luta por direitos.Porém, sabe-se que a produção e divulgação da informação estão concentradas nas mãos de alguns poucos conglomerados Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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de mídia, gerando um processo de filtragem e direcionamento na formação do conceito de interesse público que orientará o processo de tomada de decisão da sociedade (BRAZ, 2011). Há uma restrição, portanto, ao acesso à informação plural e democrática, fazendo com que a liberdade de expressão e o direito igualitário à informação não se apresentem como prática efetiva, ainda que se considere a existência de uma variedade de veículos e espaços de contrainformação. De acordo com Pascual Serrano (2013), a sociedade hoje convive com diferentes modos de restrição ao direito à informação. Durante muito tempo, associamos ditadura ou abuso de poder no tocante à informação como censura, que consistia em proibir a divulgação de certas informações. É evidente que o problema da informação hoje não é censura, em poucos países a divulgação de um determinado dado, fato ou opinião é impedida. No entanto, continua havendo um grande déficit do direito à informação. Em outras palavras, existem formas diversas de censura. (SERRANO, 2013, p. 77)

Ao problematizar a relação entre comunicação e direitos humanos, Armand Mattelart (2009) observa que a igualdade perante a lei é prejudicada pelas desigualdades econômicas e culturais no contexto das relações de poder.3 Esta condição acaba por legitimar um modelo comercial de comunicação que, além de possibilitar a existência de monopólios e a consequente concentração de mídia, abre espaço para interesses e ingerências políticas e econômicas, com impactos na perda do debate público em torno de temas de relevância social. Assim, estamos diante de um paradoxo, conforme aponta Marc Raboy (2005): a mídia, que deveria servir ao desenvolvimento humano e à vida pública democrática, se apresenta como instrumento de poder e dominação. E, diante da ausência de mecanismos capazes de regular os meios de comunicação e garantir que contemplem efetivamente o direito à comunicação – que implica em oferecer conteúdos de qualidade, condizentes com o interesse público, e viabilizar modos de participação -, o ideal de comunicação democrática esbarra em impasses para se efetivar. Na análise de Venício de Lima (2007), o que está em jogo nas relações entre mídia e política é o processo democrático. 3. Para caracterizar o direito à comunicação como uma parte inseparável dos direitos civis e sociais, Mattelart (2009) recupera os princípios da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e de outros marcos legais relativos à liberdade de expressão e de opinião. Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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As distorções de poder provocadas pelo desequilíbrio histórico entre os sistemas privado, público e estatal (de radiodifusão); pela concentração da propriedade – em boa parte provocada pela ausência de normas que impeçam a propriedade cruzada – e a vinculação dos grandes grupos de mídia com oligarquias políticas regionais e locais, são alguns dos problemas que impedem a democratização da nossa mídia. E sem ela não haverá diversidade e pluralidade de informações, vale dizer, opinião pública autônoma e, portanto, democracia plena. (LIMA, 2007)

Como resultado deste cenário de restrição ao direito à comunicação, deparamo-nos com práticas abusivas de controle informativo e direcionamento da opinião por parte dos veículos de mídia. No caso do movimento dos servidores públicos do Paraná, as interfaces da mídia com as práticas políticas se revelaram na construção de imagens do governo e do movimento grevista que oscilaram conforme as cifras dos investimentos em propaganda política. A preocupação de representantes políticos com o espaço de visibilidade construído pela mídia é reveladora do poder de formação da opinião atribuído aos meios, uma vez que eles assumem papel representativo na constituição da esfera pública na atualidade (MARQUES, 2008). Trata-se do “poder publicizador” da mídia, no sentido habermasiano, que confere visibilidade aos atores da cena pública. A lógica da mídia, marcada por técnicas e competências próprias do campo, conecta-se com a lógica econômica e a política no processo de publicização dos acontecimentos e personagens. Segundo Rousiley Maya (2006, p. 25), “o campo midiático oferece possibilidades ou entraves aos demais agentes, em alguns casos com intensidade suficiente para causar rupturas em papeis, disposições e situações no campo da política”. As conexões da mídia com a política, neste sentido, são caracterizadas por tensões edisputas na esfera pública, mobilizando atores diversos em torno de interesses e demandas. Contudo, quando não há espaço para o debate, o papel publicizador da mídia acaba por converter a polêmica em aclamação, silenciando vozes dissonantes. E, mesmo que não seja possível, no caso da greve dos servidores públicos do Paraná, afirmar que a mídia assumiu um único ponto de vista, uma vez que em vários momentos as demandas do movimento grevista se fizeram presentes na agenda jornalística, o que se verificou foia prevalência, ao longo do período, de uma perspectiva hegemônica e governista no enquadramento dos episódios envolvendo os servidores públicos do Paraná, evidenciando as interferências da propaganda política na cobertura midiática. Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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PROPAGANDA POLÍTICA: A MARCA DO GOVERNO RICHA A consulta à base de dados do Portal da Transparência do Governo do Estado do Paraná revela a representatividade dos gastos com propagando política pelo governo de Calos Alberto Richa no primeiro semestre de 2015, período que compreendeu a greve dos servidores públicos estaduais. Diante da adesão do movimento junto a diferentes setores da sociedade e da imagem negativa do governo resultante das operações policiais violentas e do tratamento dado às lutas da categoria pela manutenção de direitos trabalhistas, os investimentos em propaganda representaram uma estratégia para garantir não apenas espaço na mídia, mas principalmente adesão às versões oficiais em torno de assunto.4 A partir de dados do Portal5 é possível verificar que no período da greve o governo do Estado gastou mais de 20 milhões de recursos públicos em veiculação de propaganda nos mais diversos meios de comunicação. Isto equivale a mais de R$ 3 milhões por mês em média de gastos com publicidade. No levantamento, considerou-se o período de janeiro a junho de 2015. Foram analisados apenas os gastos realizados com empresas de comunicação, publicidade, marketing e propaganda, bem como apenas aquelas relativas à publicidade de ações e programas de governo, independentemente de fazer qualquer referência ao movimento de greve. Dentre os diversos entes da administração pública direta e indireta do Estado do Paraná, a pesquisa contemplou apenas as despesas com empresas especializadas em comunicação realizadas pela Secretaria 4. Em sua primeira gestão como governador do Estado (2010-2014), Carlos Alberto Richa (PSDB) seguiu prática semelhante no que se refere aos gastos em propaganda política nos diversos meios de comunicação. A média por ano ficou em torno de R$ 145 milhões, de acordo com dados divulgados no Diário Oficial do Executivo (disponível em: https://www.documentos.dioe.pr.gov.br/dioe/localizar.do). Outro dado relevante é o relatório do Tribunal de Contas do Paraná que mostra queos gastos com publicidade subiram 668% em um único ano. Em 2012, “o governador não cumpriu a obrigação constitucional de destinar 12% da arrecadação para a saúde. Ao mesmo tempo, no entanto, as despesas com publicidade institucional aumentaram 668,57%de 2011 para 2012, chegando a R$ 106,4 milhões”. Fonte: “PR não investiu o mínimo em saúde, mas gasto com publicidade subiu 668%”. Gazeta do Povo, 15/08/2013. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/pr-nao-investiu-o-minimo-em-saudemas-gasto-com-publicidade-subiu-668-bfh54uko9reowkyfollcmdutq 5. Pesquisa realizada em www.portaldatransparencia.pr.gov.br entre as datas do dia 10 e 11 de agosto de 2015. Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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de Comunicação Social6 (SECOM), pela Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná7 (CELEPAR) e pelo Fundo Estadual de Saúde do Paraná (FUNSAUDE)8. No período em questão, apenas a SECOM foi responsável por gastar R$ 20.042.501,81, conforme demonstrado na tabela que segue. Tabela 1: Despesas SECOM SECOM Empresa contratada

CNPJ

Valor pago

G/PAC COMUNICACAO INTEGRADA LTDA

CNPJ 80580418/0001-54

R$ 3.051.537,63

C.C.Z. PUBLICIDADE E MARKETING LTDA

CNPJ 02496215/0001-70

R$ 4.385.438,05

BY VIVAS AGENCIA DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA LTDA

CNPJ 07017738/0001-00

R$ 2.960.472,39

TIF COMUNICACAO LTDA

CNPJ 06256926/0001-29

R$ 2.655.099,17

E-PARANA COMUNICACAO

CNPJ 20184969/0001-77

R$ 445.800,00

OPUSMULTIPLA COMUNICACAO INTEGRADA S/A

CNPJ 79213591/0001-35

R$ 3.925.115,79

MASTER PUBLICIDADE LTDA

CNPJ 04513101/0001-17

R$ 2.619.038,78

TOTAL

 

R$20.042.501,81

CELEPAR e FUNSAUDE, juntas, gastaram R$ 188.342,68 na contratação de serviços de empresas de mídia. Tabela 2: Despesas FUNSAÚDE FUNSAUDE Empresa contratada

CNPJ

Valor pago

C.C.Z. Publicidade e Marketing Ltda

02496215/0001-70

R$ 103.161,96

6. Secretaria de Estado vinculada ao Poder Executivo do Paraná, criada pela Lei 8468/1987, com o objetivo de planejar, coordenar a execução e dirigir as atividades relativas à área de Comunicação Social do Estado, abrangendo todas as unidades da administração direta e indireta. 7. Sociedade de economia mista criada pela Lei 4945/1964. 8. O Funsaude, embora criado como fonte de receita vinculada à saúde, teve sua constituição alterada por lei no ano de 2015, por iniciativa do Poder Executivo, que tornou todos os fundos do estado (exceto o previdenciário) de livre acesso para as despesas correntes do estado. Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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BY Vivas Agencia de Publicidade e Propaganda Ltda 07017738/0001-00

R$ 114,48

TIF ComunicacaoLtda

06256926/0001-29

R$ 18.641,70

Master Publicidade Ltda

04513101/0001-17

R$ 37.923,80

TOTAL

 

R$ 159.841,94

Tabela 3: Despesas CELEPAR CELEPAR Empresa contratada

CNPJ

Valor pago

Editora Gazeta do Povo Ltda

76530047/0001-29

R$ 10.406,40

Editora e GraficaParana Press S/A 77338424/0001-95

R$ 18.094,34

TOTAL

R$ 28.500,74

 

Dado relevante que se extrai do Portal da Transparência diz respeito às despesas de publicidade no mês de abril de 2015, período que antecedeu a ocorrência do Massacre do dia 29. Foram gastos neste período, através de diferentes agências de publicidade, mais de R$ 3,5 milhões apenas com emissões em TV, naquele que foi o mês de preparação para o que viria a ser a maior perda política dos professores (a aprovação das alterações no Regime Próprio de Previdência dos servidores), acompanhada de grande violência. No quadro abaixo, é possível identificar a agência de publicidade e a empresa de TV contratadas para prestação de serviços no mês de abril de 2015. Tabela 4: Despesas com publicidade (abril/2015) Agência de Publicidade

Valor Pago

Emissora de TV

C.C.Z. Publicidade e Marketing Ltda

R$ 285.800,00

TELEVISAO TIBAGI LTDA

R$ 752.394,00

RADIO E TELEVISAO IGUACU S/A

R$ 80.419,20

TELEVISAO ICARAI LTDA

R$ 274.970,00

RADIO E TELEVISAO TAROBA LTDA

R$ 200.176,00

TELEVISAO BANDEIRANTES DO P ARANA LTDA

R$ 516.992,00

TV INDEPENDENCIA LTDA DE CURITIBA

C.C.Z. Publicidade e Marketing Ltda C.C.Z. Publicidade e Marketing Ltda C.C.Z. Publicidade e Marketing Ltda C.C.Z. Publicidade e Marketing Ltda

C.C.Z. Publicidade e Marketing Ltda

Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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C.C.Z. Publicidade e Marketing Ltda

R$ 225.332,00

TELEVISAO LONDRINA LTDA

R$ 52.566,00

FUNDACAO CANAL 20

R$ 40.935,29

FUNDACAO WALPECAR WALDEVINO PEREIR A DE CARVALHO (Campo Mourão – TV Cultura/ TTvCarajás

R$ 162.594,00

RADIO E TELEVISAO ROTIONER LTDA

R$ 23.564,00

RADIO E TELEVISAO OM LTDA

R$ 112.544,00

RADIO E TELEVISAO OM LTDA

R$ 51.328,00

FUNDACAO EDUCACIONAL E CULTURAL DE COLORADO

R$ 42.073,60

FUNDACAO CULTURAL CELINAUTA PATO BRANCO

R$ 11.700,00

TVM COMUNICACAO LTDA

OpusmultiplaComunicacao Integrada S/A

R$ 55.923,00

TELEVISAO NAIPI LTDA

OpusmultiplaComunicacao Integrada S/A

R$ 63.730,00

TELEVISAO CIDADE LTDA

OpusmultiplaComunicacao Integrada S/A

R$ 46.917,00

TV FB COMUNICACOES LTDA

OpusmultiplaComunicacao Integrada S/A

R$ 106.456,00

RADIO E TELEVISAO IGUACU S/A

OpusmultiplaComunicacao Integrada S/A

R$ 77.916,00

TELEVISAO TIBAGI LTDA

Master Publicidade S/A

R$ 94.440,00

TELEVISAO CULTURA DE MARINGA LT DA

R$ 88.904,00

TV OESTE DO PARANA LTDA

R$ 96.660,00

RADIO E TELEVISAO IMAGEM LTDA

R$ 56.640,00

TV ESPLANADA DO PARANA LTDA-

R$ 3.520.974,09

 

TIF ComunicacaoLtda TIF ComunicacaoLtda

TIF ComunicacaoLtda TIF ComunicacaoLtda TIF ComunicacaoLtda TIF ComunicacaoLtda

TIF ComunicacaoLtda

TIF ComunicacaoLtda

Master Publicidade S/A Master Publicidade S/A Master Publicidade S/A TOTAL DE DESPESAS

Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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Assim, conclui-se que, de fato, a propaganda é a marca do governo Richa. Ciente do domínio que possui dos meios de comunicação e representatividade destes na formação da opinião pública paranaense, o governador não mediu esforços em garantir orçamento suficiente para fazer entrar nos lares dos cidadãos a sua versão dos fatos, por mais unilateral e falseável que a informação veiculada pudesse ser. E em tempos de greve não foi diferente. Reflexo de todos esses gastos públicos com propaganda governamental em período de embate político foi a recorrente emissão de informações inverídicas nos meios de comunicação acerca dos professores e o movimento paredista em curso, na tentativa de deslegitimar a ação dos servidores e fazer ruir amplo apoio popular de que gozava a paralisação. PROPAGANDA POLÍTICA E COBERTURA JORNALÍSTICA DA GREVE Muitas análises produzidas por pesquisadores da área acerca da imagem dos movimentos sociais na mídia identificaram o silenciamento ou o tratamento de criminalização dos movimentos na cobertura jornalística. Devido ao caráter de resistência política que caracteriza a ação dos movimentos, seus propósitos e reivindicações costumam não encontrar eco nos veículos de mídia hegemônica, que tendem a reproduzir certas estruturas de poder. No caso do movimento de servidores públicos paranaenses, a cobertura jornalística sofreu variações editoriais, oscilando entre a projeção das demandas do movimento9 e o tom de oficialidade das versões do governo, acompanhando as tendências da opinião pública e representando os interesses das empresas de comunicação diante de incentivos econômicos. Alguns momentos emblemáticos desta cobertura merecem destaque. Após o Massacre de 29 de abril, a versão oficial divulgada pelo Governo do Estado buscou responsabilizar supostos blackblocs pelas ações envolvendo a polícia no Centro Cívico. 9. A respeito da cobertura com enfoque positivo para a greve, destaca-se uma matéria sobre a aprovação dos paranaenses: “Greve dos professores tem o apoio de 90% dos paranaenses” (Gazeta do Povo, 03/03/2015).Disponível em: http://www. gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/greve-dos-professores-tem-o-apoio-de-90dos-paranaenses-c2vttyx33gmztbrf8xhvgx9kh

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O Paraná Online trouxe a seguinte matéria, com o título “Francischini coloca a culpa em blackblocs por ‘guerra’”, tese defendida pelo então secretário de Segurança Pública do Estado em entrevista coletiva. A Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp) do Paraná está culpando supostos blackblocs (ativistas adeptos de estratégia anarquista) para justificar guerra durante a manifestação dos professores no Centro Cívico na quarta-feira (29), que culminou em ferimentos em mais de 200 professores e servidores públicos. Segundo a secretaria, policiais também teriam se machucado no confronto. [...] Para corroborar a tese, a Sesp mostrou frames de imagens colhidas pelo departamento de inteligência. A Secretaria concluiu que foram usados “artefatos físicos e químicos” contra os policiais, provocando a reação da tropa. A Sesp diz também estar se valendo dessas mesmas imagens para identificar os blackblocs que estariam infiltrados no movimento dos professores. E que o chamamento para o protesto ocorreu através das redes sociais, e não envolviam os professores. (05/05/2015)10

Porém, em uma reação imediata à veiculação das primeiras notícias contendo esta tese, a Defensoria Pública do Estado do Paraná, a Ordem dos Advogados do Brasil e outras entidades se pronunciaram afirmando que nenhum dos detidos na manifestação em Curitiba era blackbloc nem portava artefatos perigosos. Conforme matéria publicada no jornal Gazeta do Povo, “segundo as duas instituições, todos os 14 presos durante o confronto eram professores, servidores ou estudantes”.11 Este caso mostra que a realidade se impôs sobre o noticiário, de tal modo que redes de TV, jornais e demais órgãos de comunicação deram destaque às vozes que contestaram a versão oficial, em especial a APP-Sindicato e demais entidades da categoria. Importante registrar que a principal emissora de televisão do Estado, RPC TV, afiliada à Rede Globo, dedicou a edição completa do noticiário para acompanhar as manifestações, na semana em que ocorreu a votação do projeto de lei

10. “Francischini coloca a culpa em blackblocs por ‘guerra’” Paraná Online, 05/05/2015. Disponível em: http://www. parana-online.com.br/editoria/policia/news/875924/ ?noticia=FRANCISCHINI+COLOCA+A+CULPA+EM+BLACK+BLOCS+POR+GUERRA 11. “Defensoria e OAB negam prisão de blackblocs em confronto”. Gazeta do Povo, 01/05/2015. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/defensoriae-oab-negam-prisao-de-black-blocs-em-confronto-6rccpkfpm41l53vx708i3axfg Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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da previdência que culminou com o massacre12. Do mesmo modo, o site da Gazeta do Povo trouxe cobertura completa da greve, com notícias, vídeos, álbum de fotos, cronologia da greve, entre outros recursos.13 A cobertura sobre o massacre na mídia estadual e nacional, contudo, apresentou limitações, tanto no que se refere à imprecisão acerca do número de feridos (em que se priorizou a perspectiva oficial) quanto ao uso indevido do termo “confronto” para se referir a uma ação planejada pelo comando da Polícia Militar, com autorização do governador, que resultou no episódio de violência envolvendo manifestantes e policiais em Curitiba. Cerca de uma semana após o Massacre no Centro Cívico, quando se intensificaram os gastos com propaganda política do governo Carlos Alberto Richa, não por coincidência, observa-se variações no enquadramento da greve dos professores nos principais veículos do Estado. Assim, as imagens da greve ficaram polarizadas entre a defesa dos direitos dos trabalhadores e os prejuízos individuais aos alunos decorrentes da suspensão das aulas, omitindo-se a responsabilidade do Governo do Estado em relação ao cenário de crise vivenciado no Paraná. Exemplo desta mudança de enfoque é o editorial do jornal Gazeta do Povo, que considera que “ao ter cruzado os braços sem pauta definida, sindicato desafia a Justiça e coloca ambições políticas à frente do bom senso e do direito dos alunos”.14 Quase duas semanas depois de a Justiça ter considerado ilegal a greve dos professores da rede estadual e das universidades estaduais, determinando multas para os sindicatos em caso de descumprimento, os docentes continuam parados. Os mais prejudicados têm sido os alunos dos últimos anos do ensino fundamental e aqueles do ensino médio, especialmente os que prestam vestibular e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no fim deste ano. Eles já estão há 40 dias sem aula, 12. Destaque para os seguintes conteúdos: “Paraná TV 2ª Edição destaca tensão no Centro Cívico, em Curitiba”. Paraná TV, 28/04/2015. Disponível em: http://redeglobo.globo.com/rpc/noticia/2015/04/paranatv-2-edicao-destaca-tensao-no-centro-civico-em-curitiba.html “Paraná TV traz os detalhes sobre a greve dos professores no Paraná”. Paraná TV, 29/04/2015. Disponível em: http://redeglobo.globo.com/rpc/noticia/2015/04/paranatv-traz-os-detalhes-sobre-greve-do-professores-no-parana.html 13. “Greve dos professores do Paraná”. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com. br/topicos/assuntos/greve-dos-professores-no-parana 14. “A greve dos professores”. Editorial Gazeta do Povo, 10/05/2015. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/a-greve-dos-professoresatsp7xmngu6nxvthl19s9xdas Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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somando os dois períodos de paralisação, e o conteúdo fica ameaçado por não haver garantia de que a reposição será suficiente. [...] Não se questiona aqui o direito dos professores a reivindicar melhores salários – embora seja preciso lembrar que eles foram contemplados com 60% de aumento nos últimos quatro anos, contra os 27% dados aos outros servidores estaduais no mesmo período. Mas a forma como essa demanda foi introduzida na pauta de negociações entre governo e sindicato, aproveitando uma confluência entre a votação do novo projeto da Paranaprevidência e a aproximação da data-base dos professores para misturar as duas causas, é um oportunismo que não condiz com a honradez excepcional que a sociedade espera de seus professores. (10/05/2015)

O editorial, que representa a opinião do veículo e demarca claramente sua posição ao lado do Governo do Estado, preserva certa sintonia com o enfoque adotado em algumas matérias, embora não seja possível identificar uma lógica consensual na cobertura noticiosa. Alguns títulos de matérias publicadas na Gazeta do Povo ilustram os desdobramentos do movimento grevista. “Estudantes voltam às aulas no PR com o desafio de recuperar o tempo perdido” (09/06/2015), “Novo calendário escolar deve comprometer até as férias de 2016” (09/06/2015) e “Escolas reabrem sem calendário e com estrutura longe do ideal” (09/06/2015) evidenciam a opção pela tematização da situação das escolas, sem abrir espaço para o debate sobre os direitos dos trabalhadores da educação. No que se refere ao ensino superior, as matérias veiculadas na Gazeta do Povo circulam entre a garantia das aulas para os cursos que acionaram judicialmente a instituição e as notícias do fim da greve. “Seis cursos da UEPG conseguiram liminar para retomar atividades” (19/06/2015), “Todas as universidades estaduais do Paraná suspendem a greve” (25/06/2015) e “Volta às aulas na UEL é marcada por manifestação e salas vazias” (30/06/2015) são alguns exemplos desta abordagem. Em contraste, o referido jornal também noticiou, dois meses após o massacre de 29 de abril: “MP acusa Richa de improbidade pela “batalha” do Centro Cívico” (29/06/2015). Observa-se, desse modo, que a interferência da propaganda política no agendamento e no enquadramento midiático deu-se de forma mais evidente nos editoriais, embora possa ser percebida nas angulações e vozes presentes na cobertura jornalística do movimento grevista em diferentes veículos de comunicação. Os exemplos mencionados, longe de apresentarem parte representativa da produção midiática durante a greve dos servidores paranaenses, foram aqui expostos como forma de ilustrar algumas tendências, contradições e limites do conjunto Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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de conteúdos que fizeram o movimento pelo olhar da mídia, em diálogo com as ingerências políticas que caracterizam o atual modelo hegemônico de comunicação. CONSIDERAÇÕES FINAIS: EM TORNO DA MÍDIA PLURALISTA E DEMOCRÁTICA A defesa do direito à comunicação para todos e todas, ao se apresentar como a garantia de um direito humano, confere relevância aos princípios da diversidade e da pluralidade na mídia.15 Na análise de Thompson (1998), a comunicação pode servir como mecanismo de fortalecimento da democracia. [...] as instituições de mídia têm um papel particularmente importante no desenvolvimento da democracia deliberativa. Elas fornecem informações e pontos de vista diferentes para que os indivíduos formem juízos de valor sobre assuntos de seus interesses. Elas também fornecem mecanismos para que eles articulem opiniões que podem ter sido marginalizadas ou excluídas da esfera da visibilidade mediada. O incentivo à diversidade e ao pluralismo na mídia é, portanto, uma condição essencial, não opcional ou dispensável, para o desenvolvimento da democracia deliberativa. (1998, p. 222)

No caso em questão, do cenário midiático no período da greve dos servidores públicos do Estado, o que se verificou foi o uso da mídia na propagação de pontos de vista previamente angulados, em uma relação de aliança com o sistema político que em nada contribui para o aprofundamento do debate na esfera pública e o fortalecimento da democracia. Com algumas exceções, e em momentos pontuais, o enquadramento das notícias reconheceu a legitimidade do movimento grevista. Em outros casos, certos filtros se impuseram e as mobilizações não chegaram o ocupar espaço na agenda midiática. Ao mesmo tempo, à medida que o movimento despertou o interesse público e conquistou adesão popular, os meios de comunicação passaram a acompanhar 15. Tal defesa é a base do Projeto de Lei de Iniciativa Popular das Comunicações para regulamentar o que diz a Constituição em relação às rádios e televisões brasileiras. Conhecido como Lei da Mídia Democrática, o projeto contesta o serviço vigente de comunicação, que é tratado como negócio e não como direito. Informações sobre o projeto estão disponíveis no site da campanha: http://www.paraexpressaraliberdade. org.br/ Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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os desdobramentos da greve e abrir espaço para as vozes implicadas nos eventos, o que impede a realização de uma análise unilateral do comportamento da mídia sobre o tema. Também é importante considerar que, diante dos esforços do governo do Estado em construir uma opinião pública favorável, veículos independentes, assessorias de sindicatos, comandos de greve e integrantes do movimento mobilizados nas redes sociais fizeram circular discursos contrastantes, atuando na agenda política por meio da articulação em rede viabilizada pelas mídias alternativas. Mas, o que chama a atenção é o caráter de oficialidade de parte representativa dos veículos de comunicação, que divulgaram versões que contrastavam com os debates da agenda pública. Não por coincidência, após receber quantias significativas de recursos públicos do Estado em forma de propaganda, os pronunciamentos oficiais do governador Carlos Alberto Richa a respeito da greve dos professores foram referendados nos editoriais dos principais impressos e ganharam destaque na mídia televisiva. Percebe-se, assim, que a existência de uma mídia pluralista e democrática depende da superação de um modelo de gestão de mídia privada que permite relações de dependência e favorecimento entre o sistema midiático e o campo político. Trata-se, pois, da imbricada relação entre informação e marketing político, que incide sobre a cobertura jornalística, produzindo impactos no modo de agendar, narrar e dar visibilidade aos atores da cena midiática, de modo a favorecer determinadas versões da realidade. REFERÊNCIAS BRAZ, Rodrigo Garcia Vieira. Direitos humanos fundamentais e direito à comunicação: entre a redistribuição e o reconhecimento. Revista Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, 2011. p. 60-77. Disponível em: http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_17/contemporanea_n17_05_braz.pdf CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editora, 2002. GOMES, Wilson; MAIA, Rousiley. Comunicação e democracia: problemas & perspectivas. São Paulo: Paulus, 2008. MARQUES, Ângela Cristina Salgueiro. Os meios de comunicação na esfera pública: novas perspectivas para as articulações entre diferentes arenas e atores. Líbero, Ano XI, nº 21. Junho 2008; p. 23-36. Disponível em:http://www.revistas.univerciencia.org/ index.php/libero/article/view/5395/4912. Karina Janz Woitowicz e Volney Campos dos Santos

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MCCOMBS, Maxwell. A teoria da agenda: a mídia e a opinião pública. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. LIMA, Venício de. Revisitando sete teses sobre mídia e política no Brasil. Fundação Maurício Grabois. Coleção Princípios. Edição 91, ago/set. 2007. Disponível em: http:// fmauriciograbois.org.br/portal/revista.int.php?id_sessao=50&id_publicacao=201&id_ indice=1725 MATTELART, Armand. A construção social do direito à Comunicação como parte integrante dos direitos humanos. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação. São Paulo: Intercom, v. 32, n.1, p. 33-50, jan./jun. 2009. MAYA, Rousiley. Mídia e vida pública: modos de abordagem. In: MAYA, Rousiley; CASTRO, Maria Céres Pimenta Spínola (orgs.). Mídia, esfera pública e identidades coletivas. Belo Horizonte: UFMG, 2006. P. 11-46. RABOY, Marc. Mídia e democratização na sociedade da informação. In: MELO, José Marques; SATHLER, Luciano (orgs.). Direitos à comunicação na Sociedade da Informação. São Bernardo do Campo: UMESP, 2005. p.181-201. SANTOS, Gustavo Ferreira. Direito fundamental à comunicação e princípio democrático. In: XV CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 2006, Manaus. Anais do XV Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. Disponível em: http:// www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/046.pdf SERRANO, Pascual. Democracia e liberdade de imprensa. In: MORAES, Dênis de (org.). Mídia, poder e contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2013. THOMPSON, John. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

Fonte:

Portal da Transparência do Governo do Estado do Paraná - http://www. portaldatransparencia.pr.gov.br/

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O acontecimento em 140 caracteres: os protestos de 2015, no Paraná, pelo Twitter Denis Renó e Andressa Kikuti

INTRODUÇÃO

Q

uando pensamos em meios sociais e notícia, a primeira coisa que vem à cabeça é a circulação da informação. Na realidade, os meios sociais são uma eficaz ferramenta para promover a manifestação popular. Mas não está limitada a isso, especialmente quando temas cidadãos estão em voga. Podemos considerar que os meios sociais são espaços interessantes de circulação de informação que, ainda que não jornalística (ou sob alguma chancela midiática), pode ter credibilidade e, por conseguinte, possui um potencial na construção da agenda midiática. Na realidade, a cidadania está vivenciando um momento de poder e de autonomia, graças às linguagens narrativas desenvolvidas nos últimos anos e à tecnologia que acompanha essas linguagens. Neste sentido, Lev Manovich (2013) apresenta a ideia de que hoje em dia o software está sendo comandado, mas que vivemos um processo de interdependência com essas tecnologias. Desenvolvemos tarefas com elas, e através delas, simultaneamente com uma emancipação midiática que nos proporciona voz que até há pouco era restrita aos conglomerados midiáticos, especialmente em espaços virtuais – a nuvem. Manovich (2013) ainda propõe que esses conteúdos emancipatórios ganham força a partir de algoritmos desenvolvidos para tais tarefas,

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fortalecendo sua circulação na internet e construindo o que chama de Big Data. Isso se potencializa ainda mais em comandos de busca e seleção de conteúdos nesses espaços – as hashtags1 -, selecionando e compartilhando rapidamente o que é mais popular ou mais acessado. Segundo o autor: Por exemplo, sempre é possível inventar novos algoritmos (ou novas formas de escalar algoritmos existentes para analisar mais rápido o big data) que podem analisar os dados existentes de hoje em formas que os algoritmos antigos não poderiam. Como resultado, podemos extrair padrões adicionais e gerar novas informações dos dados velhos já analisados. (MANOVICH, 2013, p.338)

O autor também faz uma discussão sobre a relação entre os usuários e os meios sociais. Para Manovich (2013), a utilização destes espaços é quase livre e os usuários publicam o que decidem publicar. Isso é um espaço onde informações podem surgir de maneira natural. Os desenvolvimentos dos anos 90 se disseminaram entre bilhões de pessoas que estão escrevendo em blogs, compartilhando vídeos e fotos às páginas sociais, e usando de forma livre (ou quase) ferramentas de software de produção e de edição que alguns anos custavam dezenas de milhares de dólares. (MANOVICH, 2013, p.1)

De fato, os meios sociais são responsáveis pelo descobrimento de informações diversas por parte dos jornalistas contemporâneos. Atuar como jornalista sem ter uma conta nos diversos meios sociais é como trabalhar sem máquina de escrever nos anos 1940. As notícias fluem nos meios sociais e os cidadãos têm interesse em fazer circular, como defende Dan Gillmor (2005), para quem os cidadãos contemporâneos são os “seres media”. Adotar estratégias de construção de notícia a partir da escolha e coleta de informações desde os meios sociais é comum no jornalismo internacional, especialmente em situações extremas. Em 2012, os jornalistas norte-americanos cobriram a trajetória (ou a destruição) do furacão Isaac a partir das informações que circulavam nos meios sociais, especialmente no Twitter e no YouTube. A partir disso, alguns jornalistas passaram a definir essa coleta de informações e utilização 1. Hashtag é uma palavra-chave capaz de definir e direcionar a mensagem, assim como facilitar a divulgação da mesma a partir de algoritmos previamente construídos por meios sociais contemporâneos. Essas palavras-chave, popularizadas pelo Twitter e hoje adotadas por diversos meios sociais, são antecedidas pelo símbolo conhecido como “jogo da velha”, definindo o seu status de busca. Denis Renó e Andressa Kikuti

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das mesmas de maneira fidedigna como jornalismo híbrido, por uma mistura de atividades e procedimentos na busca do fato, como propõe a jornalista Gina Masullo Chen (2012), em um texto publicado no Nieman Lab. Segundo Chen (2012), “a mistura de meios me ofereceu – a quem acabava de mudar-se de um país de furacões três semanas antes da tormenta – uma experiência multimídia, que eu definiria incomparável com as velhas épocas de meios impressos, televisão e rádio”. Isso ocorreu porque a grande quantidade de informações nos meios sociais, muitos deles com a documentação audiovisual, fez possível uma comparação entre diversas notícias sobre o mesmo tema nos meios sociais e a publicação segura por parte dos meios tradicionais. Obviamente, foi uma superação possível para alguns jornalistas, especialmente os que estavam acostumados com essa nova realidade midiática e social, onde a notícia circula entre as pessoas e os jornalistas assumem a missão de contextualizá-las, e não apenas contar o que aconteceu. Algo semelhante aconteceu no começo de 2015, durante a greve dos professores no Estado do Paraná, ocorrida de 09/02 a 12/03/2015, e retomada em 26/04, especialmente no dia 29/04, quando um confronto em frente à Assembleia Legislativa do Estado terminou com mais de 330 feridos2 – a maioria de professores. Naquele dia, antes de a mídia local e estadual mencionar o ocorrido, o fato já estava em circulação em meios sociais, especialmente no Twitter, devido à sua rapidez e instantaneidade mesclada com os poucos 140 caracteres para construir pequenos lides do que ocorria. De maneira capitulada, o fato ganhou audiência entre os usuários, passando a pautar os meios de todo o país, inclusive os do Estado do Paraná. Este capítulo apresenta um estudo sobre a manifestação popular a partir do Twitter, tendo como padrão de busca vinte palavras-chave somadas a oito hashtags definidas para encontrar o material circulado e, a partir disso, desenvolve uma análise qualitativa e quantitativa sobre esses termos adotados nas publicações. Obviamente, a circulação sobre o fato superou os resultados aqui apresentados, especialmente pela infinidade de hashtags possíveis para um acontecimento tão marcante 2. De acordo com informações do documentário ‘Massacre 29 de abril’ foram mais de 330 feridos, embora, destes, apenas 213 tenham procurado serviço médico e registrado a agressão (além de 20 policiais feridos). Este é considerado o número oficial, mencionado na reportagem ‘Professores e polícia entram em confronto durante votação na Alep’, publicada no G1 em 29 de abril de 2015. Disponível em: http:// g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/04/professores-entram-em-confronto-compm-durante-votacao-na-alep.html. Denis Renó e Andressa Kikuti

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para a cultura estadual. Entretanto, o estudo reflete resultados que demonstram o poder cidadão na construção ou reformulação da agenda midiática (ou de seu enquadramento), e alerta ao jornalismo que é hora de entender essa nova ecologia midiática, onde a sociedade compete com a mídia massiva pelo poder da comunicação. Esperamos, com o desenvolvimento deste estudo, provocar nos meios e nos jornalistas um interesse em entender e respeitar o cidadão como um novo ator no processo midiático contemporâneo, capaz de tornar notícia (ou dar um enfoque distinto a) temas que fogem dos interesses dos conglomerados midiáticos e seus parceiros políticos e econômicos. MEIOS SOCIAIS COMO POTENCIALIDADE PARA COMUNICAÇÃO CIDADÃ Diversos autores, entre eles Cecília Peruzzo (2004), defendem o direito à comunicação como direito de cidadania. E a web, por permitir uma comunicação de todos com todos, atua como um ambiente que possibilita o exercício desta cidadania comunicacional. Como reforça a autora, “com o desenvolvimento das tecnologias digitais, cada vez mais se potencializa o acesso do cidadão ao poder de comunicar” (PERUZZO, 2004, p.68), desde que haja acesso e educação para o uso das tecnologias. Tal visão é compartilhada por Denise Cogo (2010, p.84), para quem os meios sociais se constituem, em muitos casos, como “movimentos de contraposição às lógicas da exclusão cidadã instauradas no marco atual da ordem econômica, política e global”. Exposto isso, podemos reforçar a ideia de que os meios sociais se configuram como espaços que possibilitam essa comunicação cidadã, uma vez que se caracterizam por serem ambientes abertos e de fácil utilização onde, tecnicamente, qualquer pessoa pode reivindicar seu espaço e participação. É justamente por isso que meios sociais atuam como meios propícios para a interação, seja ela reativa ou mútua (de acordo com as definições de Alex Primo (2011), a interação mediada por computador pode ser dividida entre “reativa” e “mútua”, sendo a primeira marcada por predeterminações que condicionam as trocas, e a última caracterizada por uma construção dinâmica, contínua e contextualizada (se desenvolve no tempo e em certo contexto) entre os usuários/interagentes. Sendo assim, a interação social é também uma forma interativa, mas não a própria definição do termo. Entre os meios sociais mais populares no Brasil estão Instagram, Denis Renó e Andressa Kikuti

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Snapchat, Facebook, e o Twitter – este último, corpus de estudo neste capítulo. Há diferenças bastante evidentes e conhecidas entre eles, inclusive de finalidade: enquanto no Snapchat se publicam conteúdos efêmeros e, em princípio, não armazenáveis, o Instagram serve como repositório audiovisual, com foco na estética (considerando a variedade de filtros e demais possibilidades de edição de imagem que oferece). Já o Facebook prioriza a troca de mensagens, curtidas e comentários entre usuários, enquanto no Twitter o mais importante é a instantaneidade da mensagem, permitindo ao usuário inteirar-se de um assunto no momento em que está acontecendo, seja através de mensagens de texto curtas (até 140 caracteres), links, foto, ou até mesmo via transmissão de vídeo, gravado e postado diretamente através do aplicativo. A relevância de um tweet pode ser medida através das replicações do mesmo, também chamadas de retuítes (RTs). Para Recuero e Zago (2012), o RT é o principal motor da difusão de informações no Twitter, pois gera visibilidade para a informação e para a fonte que a publicou originalmente. As autoras acreditam que esta prática é uma busca por capital social, ao gerar valores como referencialidade3, acesso4 e tempo5. Segundo as autoras, ao retuitarem determinada informação, usuários ativos estão fazendo um trabalho de filtragem e divulgação, gerando um benefício coletivo, uma vez que a maior parte dos usuários é passiva, ou seja, não atua neste modelo de coleta e repasse informativo. São várias formas possíveis de fazer um RT: a principal delas é simplesmente replicar o conteúdo de alguém através de um botão disponibilizado pelo próprio Twitter. Outra é replicar o tweet e adicionar a ele um comentário, reiterando ou contestando a ideia inicial. Seja qual for a intenção, a replicação tem como elemento essencial a utilização de uma informação já publicada no meio social como referência para a abordagem de determinado tema. A estrutura do Twitter também possibilita a criação de narrativas coletivas sobre determinado fato, organizadas através de hashtags. O usuário, ao publicar um tweet contendo determinada palavra-chave 3. Segundo as autoras, ao fazer um retuíte, geram-se duas referências para determinada informação: a daquele que a publicou originalmente e a daquele que fez o RT. Ambos recebem visibilidade e crédito pela informação publicada. 4. Usuários fazem RTs motivados pela ideia de que a sua rede ainda não recebeu aquela informação e está, portanto, provendo acesso a algo que considera relevante. 5. Existe uma possível aceleração da velocidade com que uma informação chega à rede social a partir de um RT, segundo Recuero e Zago (2012). Denis Renó e Andressa Kikuti

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ou hashtag, pode ser localizado e lido por demais usuários que estão procurando sobre aquele tema, sem a necessidade de, necessariamente, seguir aquela pessoa. Desta forma constrói-se uma narrativa descentralizada, participativa e dinâmica, que Henrique Antoun e Fábio Malini (2010) chamam de “hashtag storytelling”. Essa nova linguagem, para os autores, também pode ser considerada jornalística, e inclusive ultrapassa e reinventa a noção de breaking news, já que “os internautas tem acesso a tudo o que se publica na rede, de forma direta, ponto a ponto, de baixo para cima, criando e participando de um grande mural conversacional e uma comunidade virtual de notícia” (ANTOUN e MALINI, 2010, p. 293). Na prática, esta “narrativa dos muitos”,presente nos meios sociais em geral e no Twitter em particular, serve às multidões como uma enorme potencialidade para praticar a comunicação cidadã em sua plenitude, porque é possível consumir e compartilhar informações ao mesmo tempo em que se ajuda a construí-las. Uma interessante observação de Henry Jenkins (2009) sobre o que ele denomina “convergência alternativa” vem complementar o raciocínio: a participação amadora do público é uma consequência inevitável da revolução digital, pois o público tem em mãos ferramentas de baixo custo e fáceis de usar, somadas a canais de publicidade e distribuição. O autor pondera que, na maioria dos casos, nada de interessante acontece nessa produção amadora. Porém, “se o número de pessoas que participam da criação [de conteúdo] aumentar, a quantidade de trabalhos realmente interessantes também pode aumentar” (JENKINS, 2009, p. 211). Ao falar sobre as artes, ele afirma ainda que artistas amadores se saem melhor quando operam em comunidades de apoio, pois dessa forma lutam contra os mesmos problemas e evoluem com o sucesso dos outros. O mesmo pode ser dito da comunicação cidadã, que encontra sua comunidade de apoio nos meios sociais. OS PROTESTOS NO PARANÁ EM 2015 Antes de apresentar a análise feita neste capítulo, vale uma breve contextualização do caso que motivou esta coletânea de textos – os protestos no Paraná em 2015 –, ainda que sua história esteja contada de forma detalhada e diluída em outros capítulos do presente volume. Desde o dia 09 de fevereiro de 2015, professores do Estado do Paraná fizeram valer seu direito de greve, motivados por aspectos Denis Renó e Andressa Kikuti

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como o não pagamento do terço de férias, atraso no salário dos professores do regime PSS (contratos temporários), o não pagamento de promoções e progressões salariais, possibilidade de demissão de funcionários, superlotação de salas de aula, entre outros6. A votação do pacote de medidas de austeridade apresentado pelo governador Beto Richa (PSDB), (conhecido como “pacotaço”), sem a discussão necessária pela Assembleia Legislativa do Paraná, também motivou a mobilização docente, porque a aprovação incluía a perda de direitos adquiridos pelos servidores. Houve manobras na Assembleia para sua aprovação, o que gerou revolta e confronto entre a polícia e os manifestantes, que ocuparam o local. No dia 12 de fevereiro, após pressão popular, o projeto foi retirado de votação. A primeira fase da paralisação durou até meados de março, quando assembleias docentes decidiram retornar às aulas, mas manterem-se em estado de greve. A greve foi retomada no dia 26 de abril, após o governo do Estado pedir, em caráter de urgência (e sem discussão com as partes envolvidas), a votação do projeto que acarretaria em mudanças no regime da previdência social dos servidores – Paraná Previdência. Mais uma vez, houve manifestações em frente à Assembleia durante toda a semana, culminando no episódio marcado pela reação descabida da Polícia Militar contra os professores e servidores, no dia 29 de abril: os manifestantes foram recebidos por 5 mil policiais7 fortemente equipados com bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha e até o uso de cães. Como resultado, mais de 330 feridos no que ficou conhecido como massacre do dia 29 de abril. O ocorrido causou um turbilhão de mensagens nos meios sociais, também motivadas pelo discurso autoritário e do governo e pela omissão de uma parcela da mídia tradicional. A manifestação de vozes cidadãs continuaram repercutindo até o fim da greve, no dia 26 de junho de 2015. Mais que um tweet: a opinião pública em 140 caracteres Para discutir como a comunicação cidadã ocorre nas redes, optamos pela análise de postagens no Twitter, um meio simples e ágil 6. De acordo com informações listadas pela APP, publicadas na reportagem ‘Professores da rede estadual entram em greve e adiam início das aulas’. Disponível em: http:// g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/02/professores-da-rede-estadual-entram-emgreve-e-adiam-inicio-das-aulas.html 7. De acordo com informações contidas no documentário ‘Massacre 29 de abril’, produzida por estudantes e professores do curso de Jornalismo UEPG. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=s16jiyd7Ago Denis Renó e Andressa Kikuti

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para distribuir notícias de última hora. Como afirma Sandra Crucianelli (2013), o Twitter é uma rede acelerada, vertiginosa e sintética, essencial para jornalistas. O público em geral também se beneficia de suas características para um sem fim de possibilidades individuais e coletivas, entre elas a produção de narrativas noticiosas baseadas em hashtags. No desenvolvimento da análise da manifestação popular a partir do Twitter, utilizamos a ferramenta Topsy8, que permite a recuperação de tweets antigos. Realizamos uma busca9 no período entre 09 de fevereiro e 26 de junho de 201510, em todos os tipos de conteúdo abarcados pelo site (links, tweets, fotos, vídeos, e influenciadores11) com as seguintes palavras-chave, separadas pela conjunção “ou”: greve, professores, servidores, Paraná, Beto Richa, ALEP, PM. Consideramos as 20 postagens mais replicadas do período. Os tweets que continham as palavras-chave mencionadas, mas não eram diretamente ligadas à greve dos professores e servidores do Paraná, foram excluídos da análise. Buscamos ainda, no mesmo período, tweets com as seguintes hashtags (buscadas uma de cada vez): #grevePR, #29deabril, #BetoRicha, #ForaBetoRicha, #ProfessoresPR, #GreveProfessoresPR, #Alep, e #PM#PR. Ressaltamos que nossa metodologia de coleta de informações e análise foi semelhante à prática conhecida como jornalismo de dados12 desenvolvida atualmente, adotando algoritmos de busca e cruzamento de dados acompanhado de análises. Obviamente, as possibilidades estatísticas foram simplificadas, mas experimentam a prática dessa forma de coleta e tratamento de dados. Os resultados da busca por Topsy foram significativos, tendo como destaque a hashtag #greveprofessoresPR, seguida de #ForaBetoRicha. Outras hashtags, como #PM#PR e #BetoRicha também ficaram destacados quantitativamente (ver quadro 01). Porém, o que se destaca nessas palavras de busca é a composição das mensagens, tendo #BetoRicha sempre usado em mensagens criticando o mesmo, 8. www.topsy.com 9. No dia 20 de julho de 2015 às 10h. 10. Período em que a greve ocorreu no Paraná, contando o intervalo entre 13 de março e 25 de abril, no qual houve aulas. 11. Perfis com grande influência, de acordo com sua rede de seguidores. 12. Não existe, ou não deveria existir, jornalismo sem dados. Entretanto, a prática é denominada dessa maneira, em uma alusão ao jornalismo produzido a partir do tratamento resultante do cruzamento de dados (DADER, 1997). Denis Renó e Andressa Kikuti

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representando claramente a opinião pública pelas mensagens no Twitter, nesse momento. Quadro 01 – Compartilhamentos de hashtags Hashtag

Resultado

#GreveProfessoresPR

2.551 compartilhamentos

#ForaBetoRicha

2.298 compartilhamentos

#PM#PR

1.681 compartilhamentos

#BetoRicha

858 compartilhamentos

#Alep

147 compartilhamentos

#ProfessoresPR

216 compartilhamentos

#29deabril

175 compartilhamentos

#GrevePR

79 compartilhamentos

TOTAL

8.005 compartilhamentos

Quantitativamente, o quadro não oferece resultados expressivos. Porém, se considerarmos que algumas dessas mensagens foram compartilhadas também por meios massivos, os números podem refletir uma mudança de pauta por parte da imprensa. O vencedor de compartilhamentos, “Ao violentar o professor BetoRicha bate em todo povo paranaense. O Paraná é nosso”, originalmente escrito por @kekavl, alcançou 2.100 compartilhamentos e foi compartilhado também pela Folha de S.Paulo. Vale ressaltar que compartilhamento não é o mesmo que visualização, podendo ampliar consideravelmente essa estatística. Outra mensagem com um alto compartilhamento também foi reproduzido pelo meio massivo. Na conta do UOL, também circulou a mensagem de @dhumanosbr – “No #Paraná, #MP pede #suspensão de #lei de #Richaque originou #protestos dos #professores uol.com/bvfh2 #violenciapolicial #PM#PR”, alcançando 1.200 compartilhamentos. Novamente, ressaltamos que esse número poderia ser diferente se aferido a partir da visualização. O curioso é que, diferente dos demais, a segundahashtag mais compartilhado foi o que obteve o maior número de mensagens diferentes. Com um total de 21 mensagens de destaque, a hashtag #ForaBetoRicha representa a vontade do cidadão se pronunciar frente aos atos de violência registrados naquele dia, diferente do que ocorreu com as combinações de hashtags #GreveprofessoresPR e #PM#PR, por exemplo, que obtiveram seus números com apenas três mensagens cada. Denis Renó e Andressa Kikuti

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Porém, o que chamou a atenção durante esses acontecimentos foi a repercussão entre jornalistas destacados, muitos deles sem usar hashtags para isso. Alguns comentários solidarizavam com a sociedade paranaense, como o de @marcelotas, que disse “Do jeito que bate em professores, Beto Richa parece ter medo que eles ensinem os paranaenses a pensar…instagram.com/p/2G2EWNFkJx/”, e o de @ mauriciosantoro, “Foto que já nasceu clássica: professora no Paraná foge de agentes da Pátria Educadora. pic.twitter.com/fuZUWLvBJU”. Também foram registrados comentários irônicos sobre o ocorrido, mas favoráveis à sociedade, como o de @rafinhabastos, que declarou “Meu filho se comporta tão mal em local público que apelidei ele de PM do Paraná”. Outra manifestação irônica favorável à sociedade paranaense veio da conta @dilmabr (Dilma Bolada), que disse “Fazer panelaço para os professores ninguém quer, né?”, obtendo 1.900 compartilhamentos. Pelas contas da imprensa, destacam-se duas mensagens publicadas pelo @G1. A primeira, “Entenda os motivos dos protestos de professores em greve no Paraná: glo.bo/1bLmsaO #G1 pic.twitter.com/Tf4UaOoqSt” obteve 3.500 compartilhamentos. Outra mensagem publicada pelo mesmo G1 merece destaque pelo posicionamento do meio frente aos protestos, apesar de ter alcançado menos compartilhamentos (611) com a mensagem “Vídeo mostra ‘comemoração’ na sede do governo do Paraná após confronto de PM e professores glo.bo/1dxWTum #G1pic.twitter.com/heBdc9YdP8”. Entretanto, o humorista e publicitário @danilogentili se dedicou a ganhar audiência sobre o tema de maneira contrária, ainda que sutilmente construída. Entre as mensagens, destacamos duas: “Poxa ! Xinguei o Paraná na TV e os paranaenses estao todos levando na esportiva. Assim não tem graça. Nao serei processado”, que obteve 229 compartilhamentos e foi publicada com os erros de grafia aqui apresentados, e “Queria colar na prova e tavam lá atrapalhando. Quero ir pra casa e tão lá atrapalhando. Professores: oq tem eu a ver c/ a frustração de vcs?”, com 146 compartilhamentos e os mesmos erros de grafia. Essas mensagens representam uma tentativa de construir a agenda midiática a partir da manifestação popular, e também demonstra essa mesma manifestação popular já em fase de construção. Podemos perceber que as mensagens mais compartilhadas são as solidárias aos professores do Paraná, enquanto as piadas de @danilogentili recebem poucos compartilhamentos, e provavelmente poucos risos, ainda que esse seja o estilo do humorista, declaradamente oposicionista ao governo atual. Denis Renó e Andressa Kikuti

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O que fica claro, com esse breve resumo do material coletado e analisado, é que a sociedade possui uma ferramenta de construção agenda midiática popular à mão, e está utilizando-a para isso. O jornalismo deve ficar atento a essas mudanças e aprender a contextualizar a voz da sociedade. A opinião pública é claramente manifestada nestes espaços, apesar de apenas em 140 caracteres. CONSIDERAÇÕES FINAIS O jornalismo vive, hoje, mudanças expressivas que não acontecem somente fora das redações, mas também em espaços profissionais, quebrando paradigmas e valores preconcebidos sobre o fazer jornalístico. Tem modificado especialmente a maneira de construção do discurso jornalístico e também a linguagem, os processos, a relação com as fontes e também a configuração das rotinas nas redações. Porém, essas mudanças devem vir acompanhadas de uma nova maneira de pensar por parte dos jornalistas contemporâneos, especialmente sobre sua relação com a informação (em diversas situações encontradas em contas de Twitter ou algo semelhante) e o trabalho compartilhado com o cidadão. Já não basta contar a notícia, como vimos realizando há décadas. Agora devemos voltar a fazer o jornalismo que fazíamos há tempos, oferecendo ao leitor uma interpretação da notícia e seus desdobramentos, assim como uma contextualização sobre o fato. Essa realidade, ainda que não instantânea, foi registrada durante o acontecimento popularmente conhecido como “o massacre da bala de borracha” ou “massacre de 29 de abril”. O batismo a esse dia foi popularizado pelos meios sociais através da circulação de imagens e textos relacionados ao nome. Essa realidade é inevitável e natural. O cidadão contemporâneo traz em si habilidades digitais e de narrativa, o que obriga ao jornalista uma reinvenção profissional. O crescente desenvolvimento de aplicações que proporcionam a programação de ferramentas web, assim como a facilidade na produção de conteúdos hipermidiáticos, possibilita o desenvolvimento de espaços digitais de caráter informativo pelos cidadãos, ainda que diversas correntes questionem o valor jornalístico dessas iniciativas. E mais: se houver a qualidade e liberdade necessárias no desenvolvimento destas narrativas, esses conteúdos passam a competir em pé de igualdade com diversos meios, criando nos Denis Renó e Andressa Kikuti

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jornalistas profissionais a preocupação com o controle pelo bom trabalho, agora exercido não somente pelo editor, mas também pelo cidadão. Isso ficou claro com os registros no Twitter aqui mencionados, especialmente o aproveitamento e a proliferação dos mesmos por atores midiáticos, alguns deles tradicionalmente contrários a tais movimentos cidadãos. Entretanto, encontraram no Twitter a possibilidade de se reposicionar, assim como acompanhar a força de circulação midiática que o acontecimento e suas hashtags alcançaram. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTOUN, Henrique; MALINI, Fabio. Ontologia da Liberdade na rede: a Guerra das narrativas na internet e a luta social na democracia. In: Revista Famecos v.17, n.3, p.286-294. Porto Alegre, 2010. CHEN, Gina Masullo (2012). Hurricane Isaac coverage shows the promise of hybrid model for news. NiemanLab, 31/08/2012. Disponível emhttp://www.niemanlab. org/2012/08/hurricane-isaac-coverage-shows-the-promise-of-a-hybrid-model-fornews. Acessado em 04/08/2015. CRUCIANELLI, Sandra. Ferramentas Digitais para Jornalistas 2.0. Disponível em: https://knightcenter.utexas.edu/books/FerramentasDigitaisparaJornalistas.pdf. Acesso em 28/08/2015. DADER, José Luis. Periodismo de precisión – vía socioinformática de descubrir notícias. Madrid: Síntesis, 1997. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2ª ed. São Paulo: Aleph, 2009. LEVINSON, Paul. New new media. Nova Iorque: Pinguim, 2012. GILLMOR, Dan. Nós, os media. Lisboa: Presença, 2005. MANOVICH, Lev. Software takescommand. Nova Iorque/Londres:Bloomsbury, 2013. PERUZZO, Cicilia. Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania. In: OLIVEIRA, Maria José da Costa (org.). Comunicação Pública. Campinas: Alínea, 2004. PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 3ª edição. Porto Alegre, Sulina, 2011. RECUERO, Raquel; ZAGO, Gabriela. A Economia do Retweet: Redes, Difusão de Informações e Capital Social no Twitter. In: Revista Contracampo, v. 24, n. 1, ed. julho, ano 2012. Niterói: Contracampo, 2012. Pags: 19-43.

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O Jornalismo como fragmentador da memória coletiva: o caso 29 de Abril Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

Sabia que o presente não passa de uma partícula fugaz do passado e que estamos feitos de esquecimentos, sabedoria tão inútil como os corolários de Spinoza ou as magias do medo Jorge Luís Borges

É

em um silencioso vilarejo além-mar de menos de 500 habitantes que podemos encontrar uma inspiração teórica que norteia inicialmente a presente investigação, qual seja, a de discorrer sobre o Jornalismo contemporâneo como uma ferramenta fragmentadora da memória. Em uma ruela de Sortelha, por onde somente se chega através de uma estrada estreita e tortuosa no Distrito da Guarda, está estampada a seguinte inscrição em uma placa de metal: O que mais me dói na pátria é não haver correspondência no espírito dos portugueses entre seu passado e o seu presente. Cada momento que o acaso preservou inteiro ou mutilado – castelo, pelourinho, igreja, solar ou simples fontanário – é para todos nós uma sobrevivência insólita, que teima em durar e em que ninguém se reconhece. Olhamos os testemunhos da nossa identidade como trastes velhos, sem préstimo, que apenas atravancam o quotidiano. Que memória individual ou colectiva se relembra nesta crónica ameada?

São essas as palavras sábias grafadas na inscrição inaugurada em 21 de agosto de 1977, ditas e escritas por Miguel Torga, pseudônimo de Adolfo Correia da Rocha, um dos proeminentes escritores portugueses do século XX. Sortelha, cabe dizer, é uma aldeia histórica onde a Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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arquitetura e a velocidade dos acontecimentos pouco se alteraram nos últimos 500 anos, mesmo tempo, aliás, que tem o Brasil, cujas origens também estão nas cercanias de Sortelha: cerca de 20 quilômetros dali fica Belmonte, a cidade onde nasceu Pedro Álvares Cabral. Mas é também na prosa fácil e alertadora de Miguel Torga (publicada em 1999 por seus herdeiros) que se pode buscar inspiração inaugural para uma reflexão complementar neste artigo: o havido em 29 de abril de 2015 em Curitiba, Paraná, hoje conhecido internacionalmente como Batalha do Centro Cívico, quando mais de 200 pessoas ficaram feridas após ataques covardes por parte da Polícia Militar (PM) contra manifestantes majoritariamente professores da rede pública e das universidades estaduais do PR. Daquele dia em diante, uma parcela significativa do Jornalismo paranaense tem se comportado como um agente fragmentador de memórias, na medida em que a emissora pública do Estado, a E-Paraná, não tem conservado adequadamente uma parcela de seus registros audiovisuais – uma informação oficial de 3 de julho de 2015 disponibilizada pela Ouvidoria do canal de televisão dá conta de que, por questões de infraestrutura (de capacidade de armazenamento, leia-se), os acontecimentos de 29 de abril não estavam gravados nos sistemas da emissora senão que as coberturas daquela data e dos próximos dias vinham sendo alocadas em um servidor externo – neste caso, YouTube, de acordo com nota eletrônica recebida por um dos autores do presente artigo. A correspondência eletrônica em questão (e-mail) não era clara se a totalidade ou não das coberturas feitas havia sido colocada no servidor em questão. O texto informava ainda que, por força contratual, a emissora vinha priorizando o arquivamento de shows, os quais devem ser guardados por 5 anos. Por fim, a missiva sustentava que eventuais buscas pelos materiais jornalísticos da E-PR quanto ao 29 de abril deviam ser buscados junto ao canal da emissora no servidor, sob a chancela www.youtube.com/channel/UCiTKWCVJS4-ECylgFSDIynw. Questões técnicas de lado – já que se admite ser de difícil solução a questão do armazenamento de material audiovisual –, há outro aspecto que deve ser considerado: ao terceirizar o dito armazenamento, uma emissora pública contribui para a fragmentação de memórias de um fato extremamente relevante na história recente do Paraná, na medida em que deixa de ter controle sobre as mesmas. No instante em que estas linhas estão sendo escritas, não há indícios de qualquer espécie que o portal YouTube sairá do ar em breve ou em dado momento do futuro, assim como não há segurança de que permanecerá on line – e Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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gratuito – ad aeternum. Ao jogar para o lado de fora de suas paredes a guarda e a conservação da cobertura jornalística sobre a fatídica data em questão, a E-PR também atira para o que a sabedoria popular chama de “ao léu” o acesso das próximas gerações acerca de qual visão de mundo a mesma E-PR ajudou a impetrar quanto ao 29 de abril. Em outras palavras, ao agir assim, a E-PR auxilia na desconstrução de um dos mais caros conceitos da sociedade contemporânea: a relevância da existência dos lugares de memória (na acepção de Pierre Nora), já que locais e datas, por exemplo, são elementos constitutivos fundamentais da memória coletiva. E isso, acredita-se, merece uma boa reflexão, em busca de evitar que o apagamento das lembranças por meio da mídia se torne uma tônica, contradizendo outra visão vital de nosso tempo – o conceito de memória exemplar, indicado por Tzvetan Todorov, o qual alerta existir certos tipos de acontecimentos que jamais devem ser solapados, a fim de se evitar a maléfica repetição, enquanto espécie de luta do bem contra o mal. ENTENDENDO O 29 DE ABRIL O ano letivo de 2015 não começou nos primeiros dias de fevereiro para os professores e alunos das escolas e universidades estaduais paranaenses. Isso porque a população do Estado, em sua maioria, foi surpreendida pelo anúncio do governo Beto Richa (PSDB) – depois do mesmo afirmar e reafirmar, durante a campanha pela reeleição no ano anterior, que as finanças do Paraná não apenas estavam em dia como eram invejáveis – de que o Estado não tinha liquidez, não conseguia pagar seus fornecedores e muito menos investir. Situação, então, que levou o Governo a tomar medidas urgentes e extremadas. Tendo do seu lado a maioria dos deputados estaduais, o executivo estadual enviou para a Assembleia Legislativa o pacotaço das maldades, como ficou conhecido o conjunto de propostas, para ser votado em regime de urgência, sem debates, no sistema popularmente chamado de tratoraço – no qual os parlamentares apreciam determinado projeto não observando os trâmites mais usuais do Legislativo. As medidas diziam respeito, sobretudo, ao fim de direitos trabalhistas garantidos por lei dos professores da rede básica de ensino e das universidades do Estado. Entre os cortes estavam o fim dos quinquênios, das licenças especiais e uma mudança no sistema de previdência desses servidores. O Estado, que já não vinha depositando há oito anos seu percentual Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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na Previdência estadual, queria lançar mão dos oito bilhões de reais em caixa, recolhidos ao longo dos últimos anos pelos servidores na ativa e aposentados. Com isso, os servidores seriam migrados para um outro fundo previdenciário sem reservas, não mais público. A proposta também estabelecia como teto da aposentadoria um valor muito abaixo dos salários dos professores em final de carreira. Em resposta ao pacotaço e ao modo como ele foi encaminhado pelo Governo, os professores da rede básica e universitários iniciaram o ano letivo em greve. Na data da votação das medidas em bloco, sobretudo docentes tomaram a praça Nossa Senhora da Salete, que fica em frente à Assembleia e distante poucos metros do Palácio do Iguaçu, sede do governo paranaense. A imagem dos deputados paranaenses chegando à AL em um veículo modelo camburão para garantir que a votação fosse realizada correu o mundo. No momento da votação, os servidores conseguiram furar o bloqueio policial e invadiram a Assembleia, impedindo a votação. Depois de muito impasse, o pacotaço foi retirado de pauta com a promessa de que as medidas seriam encaminhadas separadamente, para apreciação em regime normal, deixando-se de lado o tratoraço. Outra promessa do Governo, conforme amplamente noticiado pelos meios de comunicação, é que a questão previdenciária, antes de voltar à AL, seria amplamente discutida com os servidores. Assim, os professores voltaram para a sala de aula na segunda quinzena de março. Um mês depois, sem amplo debate e sem consenso, a reforma da previdência dos professores volta para a Assembleia Legislativa para votação. Em resposta, os servidores, que haviam mantido estado de greve, retomam a paralisação. As votações do projeto de lei, a pedido do Legislativo e do Executivo, e com autorização do Poder Judiciário, ocorreram a portas fechadas, sem o acompanhamento de populares nas galerias da AL. Independentemente, os professores foram para a praça Nossa Senhora de Salete, objetivando demonstrar o posicionamento contrário ao conteúdo do projeto de lei ora proposto. O Governo, por sua vez, para garantir a votação, deslocou policiais militares, responsáveis pelo policiamento da capital e de diversas cidades do estado, para o Centro Cívico de Curitiba. O objetivo era impedir que os professores furassem o cerco e chegassem ao plenário. No dia 28 de abril, durante a primeira votação do projeto, já ocorreu enfrentamento entre manifestantes e policiais, que usaram spray de pimenta e gás lacrimogêneo para conter as demonstrações de repúdio. Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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E essa foi apenas uma amostra do que aconteceria no dia seguinte. Depois dos fatos, muitos analistas apontam a ação do dia 28 como um teste para a estratégia montada para a data da votação em definitivo, possibilitando aos policiais e à Secretaria de Segurança Pública do Estado observar os possíveis pontos de fuga dos manifestantes. Em 29 de abril, pouco depois das 14 horas, os deputados deram início às discussões que resultariam na votação do projeto de lei. Assim que a votação teve começo, iniciou também do lado de fora uma batalha entre servidores e policiais militares. A força policial foi desproporcional ao número de manifestantes e os aparatos eram descomunais. Eram mais de 1,2 mil agentes de segurança, devidamente equipados e acompanhados de cães treinados. Além dos tradicionais cassetetes e escudos, policiais utilizaram balas de borracha – disparadas a uma distância muita curta dos alvos e sem respeitar a norma internacional de atingir apenas da cintura para baixo –, bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral e spray de pimenta. O ataque também veio dos céus. Helicópteros passaram a sobrevoar a área e a atirar bombas contra os professores. Ao fim da batalha, mais de 200 servidores ficaram feridos, um massacre, igualmente visto e condenado mundo afora, como claramente informado pela mídia. TELEVISÃO EDUCATIVA E TELEVISÃO COMERCIAL: CARACTERÍSTICAS Acontecimento político-social que marcou a história paranaense. Naquele e nos próximos dias, foi, certamente, o principal assunto da mídia do Estado. Jornais, revistas, portais de notícia, emissoras de rádio e de televisão se valeram de narrativas próprias, construídas pelas equipes de reportagem que estavam no local, mas também de conteúdo produzido por terceiros, professores que participavam do ato ou não. Acontecimento público, de relevância pública, contado por um serviço que também é público, tal qual é o caráter do Jornalismo. Público, então, pode designar ou qualificar, adquirindo assim muitos significados e significações. Público, para o Jornalismo, inicialmente, é o grupo de pessoas a quem nos dirigimos, no caso do Jornalismo de TV, os telespectadores. Ou seja, uma designação para os sujeitos. Público, enquanto designação, também são as pessoas retratadas nas reportagens jornalísticas, os chamados personagens – tão valorizados, a partir do final dos anos 1990, de modo que nenhuma matéria poderia Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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ser exibida sem o testemunho de alguém que vivenciasse a situação retratada. Iluska Coutinho chama essa incorporação do público pelo Telejornalismo de “aliança do sensível” (2014, p.177). É em nome do público, e a partir daqui começamos a adentrar nas veredas do público enquanto qualificação, “e para oferecer a esses cidadãos um serviço de qualidade, uma atividade também de caráter público, que o Telejornalismo e suas narrativas se estruturam” (idem, p.176). A informação, sobretudo nos dias de hoje, é um bem e, como tal, não pode estar restrita a poucos, é um direito de muitos, de todos, do público. Nesse sentido, como afirma Flávio Porcello, “o Telejornalismo é um bem social e um serviço público de alta relevância” (2013, p.13). O Jornalismo, então, por definição, pode ser entendido como um bem público, oferecido como serviço público e destinado ao público. Serviço prestado, como muitos outros, por empresas, sendo que essas, do mesmo modo que em outras áreas, podem ser privadas, com fins comerciais, ou governamentais, públicas. Lógica estendida para o telejornalismo. No Brasil, existem emissoras comerciais e emissoras públicas. As primeiras são voltadas para o lucro e controladas por grupos empresariais – tais como Globo, Bandeirantes, SBT. Já as últimas são formadas pelo conjunto dos canais de acesso público regulamentados pela Lei de TV a Cabo, ou seja, os veículos universitários, legislativos e comunitários; pelas emissoras estatais; pela TV Brasil (EBC); e pelas TVs educativas. Assim, “apesar de terem em comum o fato de apresentarem-se como contraponto à TV de exploração comercial, estes canais possuem características muito diferenciadas no que se refere à construção, consolidação, à própria identidade percebida socialmente” (Coutinho, 2013, p.22). Para esse estudo, interessam as emissoras educativas, aqui sintetizadas pela já mencionada E-Paraná, mais antiga entre as públicas em funcionamento no Estado. Com este estudo, busca-se perceber de que modo um assunto político-social, portanto público, de interesse público é abordado como informação e acontecimento jornalístico. E de que modo é tratado como algo que deve ser ‘eternizado’ pelos meios adequados, meios próprios que uma emissora pública deve possuir – e não por sistemas terceirizados, ainda que se demonstrem hoje confiáveis, caso do também mencionado YouTube.

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O QUE FAZER COM A MEMÓRIA COLETIVA? Não é demais sustentar que, com o 29 de abril de 2015, o Centro Cívico do município de Curitiba começou a se tornar o lugar fundacional de um acontecimento que, no esteio do que preconiza Pierre Nora no texto Entre matéria e história: a problemática dos lugares (1993), não pode mais ser feito basicamente de esquecimentos, mas sim de lembranças. De rastros, portanto, se seguir a definição do pensador francês. Ao cunhar a expressão lugares de memória, Nora sustenta que estes se configuram como meios para se acessar os acontecimentos havidos ou, ao menos, parte deles. Não há, portanto, uma memória espontânea, mas uma que decorre de arquivos criados, por exemplo, enquanto ato intencional, não natural, diz o escritor. E é daí que vem a dimensão capital da E-PR enquanto meio que deve(ria) fomentar a estruturação e a disponibilização facilitada permanente de seu acervo próprio, enquanto ente de natureza jurídica pública, de quem se espera, sempre, o zelo pelo que é coletivo – o que inclui, obviamente, a conservação das memórias de uma sociedade, já que estas se configuram como um dos mais importantes fenômenos deste tempo. A propósito da memória coletiva, Maurice Halbwachs (1990) defende que a memória seja mesmo pensada e tratada como um fenômeno social, já que, para ele, uma parte da memória de cada sujeito, individualmente, seria formada/construída pela sociedade e que uma parte desta mesma sociedade funcionaria como memória. Ou seja, para o autor, “a memória é, por natureza, social. A memória individual estaria sempre construída em relação ao grupo do qual se faz parte, em relação ao meio social e em relação a todos que nos cercam” (Barbosa, 2007, p. 45). As lembranças, dessa forma, se dão/emergem sempre a partir do lugar onde o indivíduo se conecta à sociedade – isto é, ao grupo – e das vivências e experiências do presente. A memória, assim como os pensamentos e atos dos sujeitos, se explica pela sua natureza social. Pode-se afirmar que, para Halbwachs (1990), não existe um estado de consciência individual, isso porque o indivíduo nunca se constrói sozinho, mas sempre na relação com o(s) outro(s). Também na relação com o outro é que se produzem as lembranças e os esquecimentos, que interagem, de maneira dinâmica, passado e presente. Afinal, a memória não pode ser pensada como resgate de fatos passados, e sim como uma reinterpretação do passado a partir do presente. E só Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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se reinterpreta o passado se o presente lhe permite isso, por meio de arquivos devidamente sistematizados. Reinterpretação esta que, então, é marcada pelo tempo (presente como ponto de partida para a lembrança. Afinal, é ela quem demanda a lembrança e é a partir dele que o passado é relido e atualizado), pelo espaço (o lugar onde me conecto ao grupo, já que o sujeito é constituído nas relações sociais) e pela linguagem (que permite a relação com o outro), o que Halbwachs chama de quadros sociais privilegiados da memória. “A lembrança se reconstrói sempre a partir do presente e é o grupo ao qual pertence o indivíduo que fornece a ele meios de reconstruir o passado”, diz Barbosa (2007, p. 48), a partir de Halbwachs. Assim, a lembrança é individual, já que é o sujeito quem lembra, mas é, sobretudo, resultado das interferências coletivas. Só lembramos na medida em que nos colocamos na perspectiva de um grupo, na medida em que nos identificamos com ele. “Cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes” (Halbwachs, 1990, p. 69). Se a memória coletiva tem como suporte um conjunto de homens – os indivíduos que lembram a partir de um ponto de vista que é confluência dos diversos grupos aos quais ele se conecta –, o que está em jogo é o estatuto do sujeito. Afinal, além de não ser isolado e, principalmente, autônomo, o indivíduo é uma combinação de influências sociais. Rememorar é, portanto, reconstruir o passado a partir dos quadros da memória existentes na sociedade (...). Para lembrar precisamente é preciso localizar, determinar a forma, nomear, mecanismos fundamentais para dar sentido ao passado. (...) A memória diz respeito, portanto, ao sistema de valores de um grupo. E é porque temos essa memória que possuímos também a ilusão de que nossa memória nos fará afetivamente rever o passado. Ou seja, somos atravessados pela ilusão da repetição. Esses quadros sociais não são estáticos. Mudam na medida em que o papel do indivíduo muda dentro do grupo (BARBOSA, 2007, p. 49).

Não habitamos, continua de seu turno Nora (1993, p. 8), com a memória e por isso temos a necessidade de “consagrar lugares” – ou é preciso “localizar, determinar a forma, nomear, mecanismos fundamentais para dar sentido ao passado”, como dito acima por Barbosa. O Centro Cívico, portanto, passou a ser um destes locais localizados e com um adendo: como, em relação à totalidade da Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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população dos servidores do Estado, o volume de pessoas naquela zona de Curitiba em 29 de abril é considerado pequeno, a conservação deste lugar de memória paranaense se torna ainda mais relevante, de modo a permitir o acesso a outros da contemporaneidade ou das próximas gerações. Neste caso, a conservação por meio de arquivo próprio da emissora E-PR (e não terceirizado, como antes mencionado). Nora (idem, p. 14) continua: (Quanto) Menos a memória é vivida do interior, mais ela tem necessidade de suportes exteriores e de referências tangíveis de uma existência que só vive através delas. Daí a obsessão pelo arquivo que marca o contemporâneo e que afeta, ao mesmo tempo, a preservação integral de todo o presente e a preservação integral de todo o passado.

A inferir a partir das palavras do autor, a obsessão pelo arquivamento não é algo intrínseco à emissora aqui citada. As análises tecidas nesse artigo, claro, fazem parte de uma malha discursiva contaminada, como qualquer outra. Os índices de contaminação, porém, nesse caso, são mais altos, concordamos. Afinal, os acontecimentos são muito recentes e ainda não é possível vê-los com distanciamento. Além disso, eles dizem respeito à comunidade universitária das instituições de ensino superior estaduais paranaenses, das quais os autores são parte integrante. De todo modo, ressalta-se, que o objetivo das reflexões não é ser mais uma voz de acusação contra o governo paranaense pela barbárie por ele autorizada e orquestrada contra cidadãos. As discussões empreendidas, pelo contrário, apenas tomam como ponto de partida e observação o acontecimento jornalístico 29 de abril de 2015 para debater o cumprimento ou não do papel social, público de uma emissora de televisão ao enunciar os fatos jornalísticos. Gestos de leitura que apontam para um cenário preocupante e que, assim, corroboram para discussões em andamento sobre o caráter público do Jornalismo, dos telejornais e das emissoras de TV. O objetivo, desse modo, seguindo Foucault, é fazer um “diagnóstico do presente” do sentido atribuído ao público, enquanto designação e adjetivação, pela emissora aqui mencionada. Busca-se, assim, tornar visível o que já é/está visível. “Fazer aparecer o que está tão próximo, tão imediato, o que está tão intimamente ligado a nós mesmos que, em função disso, não o percebemos. (...) fazer ver o que vemos” (Foucault, 2010, p. 44) No tocante ao assunto 29 de abril, se for comparar a cobertura feita pelo maior canal privado de TV do Estado, a RPCTV, evidencia-se Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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uma inversão. O telejornal de uma emissora de caráter comercial presta um serviço público de melhor qualidade – por ser mais plural, por dar mais voz ao público, entendido como as “vozes da cidadania” (Cádima, 2011) e não como governamental – do que a emissora pública. Esta, por não ter independência política e administrativa, justamente por sua ligação direta com o Governo Estadual, tem sua autonomia editorial comprometida, exercendo um Jornalismo que pode ser considerado “chapa branca” em muitos momentos, em defesa dos interesses governamentais e não do público. Afinal, “o Estado é mais facilmente capaz de exercer influência na radiodifusão de serviço público do que na radiodifusão privada” (Shultz apud Cádima, 2011). Como Cádima, então, fica a convicção de que “ao Estado cabe cada vez mais, por excelência, o papel de regulador, e não muito em particular nesse sector, o papel de regulado, de operador” (2011, p. 189). Estamos, enfim, diante de um debate deveras interessante e que passa, necessariamente, por aquilo que se busca fazer com as memórias coletivas do 29 de abril de 2015, que estão filtradas pelas reportagens da E-Paraná. Ou com aquilo que se deixa que outros façam, com os arquivos terceirizados, podendo tais acontecimentos de abril, com o vagar dos tempos, serem transformados em trastes velhos, sem préstimos, que apenas atravancam o quotidiano, nas palavras de Miguel Torga. REFERÊNCIAS BARBOSA, Marialva Carlos. Percursos do olhar: comunicação, narrativa e memória. Niterói: EdUFF, 2007. CÁDIMA, Francisco Rui. Reflexão sobre a televisão pública europeia no contexto de transição para o digital. In: FREIRE FILHO, João; BORGES, Gabriela (orgs). Estudos de televisão - Diálogos Brasil-Portugal. Porto Alegre: Sulina, 2011. COUTINHO, Iluska. Telejornalismo e Público: sobre a natureza do serviço e das parcerias. In: VIZEU, Alfredo; MELLO, Edna; PORCELLO, Flávio; COUTINHO, Iluska (orgs). Telejornalismo em questão. Florianópolis: Insular, 2014. ________________. Sobre o (Tele)Jornalismo Público: conceitos e métodos de análise. In: COUTINHO, Iluska (org.). A informação na TV pública. Florianópolis: Insular, 2013. FOUCAULT, Michel. Ditos & Escritos - vol. IV - Estratégias, Poder-Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. HALBAWCHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. NORA, Pierre. Entre matéria e história – a problemática dos lugares. São Paulo: PUCSP, 1993. Ariane Carla Pereira, Marcio Fernandes e Naiara Persegona

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O uso das charges como estratégia comunicativa no contexto da greve do funcionalismo público do Paraná em 2015 Rozinaldo Antonio Miani

INTRODUÇÃO

A

greve do funcionalismo público do Paraná, ocorrida durante o primeiro semestre do ano de 2015, e que envolveu, principalmente, os trabalhadores do setor da educação básica e do ensino superior, representou uma importante retomada das lutas sindicais e políticas dos servidores públicos estaduais. A conjuntura econômica do estado do Paraná, e de resto de todo o país, marcada por uma crise sistêmica da ordem do capital, que vem exigindo dos governos a aplicação de ajustes fiscal, financeiro e orçamentário – sob pretexto de controle da inflação e de criação das condições para uma retomada do crescimento econômico – impulsionou o governo estadual, a mando do próprio governador Beto Richa (PSDB), anunciar uma série de medidas de “austeridade”, com vistas a controlar as gastos públicos e a equilibrar as finanças do estado. Na ordem do dia da política do governo Beto Richa, a Paranaprevidência1 foi o principal alvo de ataques do governo, que

1. Sistema próprio de previdência do funcionalismo público do estado do Paraná. A Paranaprevidência foi criada pela Lei 12.398/98, de 30 de dezembro de 1998, para gerir o pagamento das aposentadorias e pensões dos servidores públicos do estado do Paraná. Rozinaldo Antonio Miani

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pretendia expropriar os recursos do Fundo Previdenciário para cobrir os rombos financeiros de sua administração. Além disso, alguns benefícios trabalhistas também estavam na mira do governo, que pretendia reduzir ao máximo alguns “custos” com o funcionalismo. Inclusive, o direito ao reajuste salarial anual do funcionalismo estadual viria a se tornar outro alvo da política de precarização e de desvalorização dos serviços públicos, com o não pagamento na data-base da categoria2 do índice correspondente à inflação dos últimos 12 meses, e que acabou por resultar numa proposta que foi recusada pela ampla maioria dos trabalhadores, porém que foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (ALEP) e que será praticada pelo governo ao longo dos próximos anos. O ataque contra os interesses do funcionalismo público, decorrentes da crise econômica enfrentada pelo governo estadual3, combinada com uma crise política que escancarou as práticas de corrupção enraizadas nas entranhas das estruturas do Estado (realidade que também se aplica à esfera federal), levou os trabalhadores da educação básica e também do ensino superior a uma greve histórica. Dentre as ações de mobilização e de organização tradicionais de um movimento grevista, destaca-se, no contexto da greve do funcionalismo público do Paraná no primeiro semestre de 2015, a produção comunicativa como uma das práticas mais dinâmicas e intensas ao longo de todo o período de greve. Essa constatação vale para a grande maioria das organizações sindicais e estudantis envolvidas. De nossa parte, acompanhamos diretamente as atividades de comunicação produzidas pelo comando de greve da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e, indiretamente, conhecemos diversas produções comunicativas realizadas por outras organizações no estado. 2. A data-base do funcionalismo público estadual é 1º de maio. 3. Durante todo o período da greve, ao menos na base sindical do Sindicato dos Professores do Ensino Superior Público de Londrina e Região (Sindiprol/Aduel), havia muita contestação de que, de fato, o estado do Paraná enfrentava uma crise econômica. Tal argumentação não negligenciava o fato de existirem dificuldades econômicas e financeiras provocadas pela crise econômica nacional e mundial, mas se contestava a forma como os gastos foram praticados e também se reconhecia que o estado gozava de uma capacidade de endividamento bastante inferior à grande maioria dos estados brasileiros, o que possibilitaria condições razoáveis de governabilidade sem apelar para medidas mais arbitrárias e recessivas. Além disso, o próprio governador Beto Richa, quando de sua vitória eleitoral em 2014, afirmou em discurso: “Posso assegurar que o melhor está por vir. Dediquei parte do meu tempo a pagar dívidas. Agora, as contas estão praticamente saneadas” (Gazeta do Povo, 05/10/2014). Rozinaldo Antonio Miani

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A comunicação (interna ou externa) realizada no ambiente on-line, por meio de sites (do próprio sindicato ou específicos dos respectivos movimentos grevistas), blogs, páginas no facebook, vídeos no Youtube e redes de contatos por meio de whatsapp, predominaram entre as formas de comunicação disponibilizadas e produzidas durante o período de greve. Porém, outras formas de comunicação mais tradicionais, como as publicações impressas, também foram utilizadas de maneira bastante recorrente pelas organizações sindicais e estudantis. Nesse contexto, uma estratégia comunicativa chama a atenção em especial e é a respeito dela que se faz uma breve reflexão neste artigo. Trata-se das charges e demais modalidades do humor gráfico que ocuparam espaço privilegiado nos jornais, boletins, cartazes e panfletos produzidos pelas direções sindicais ou respectivas comissões de comunicação dos comandos de greve. Neste sentido, segue inicialmente uma breve reflexão sobre as principais características da charge no contexto da imprensa sindical para, posteriormente, apresentar a análise de algumas charges publicadas em materiais impressos produzidos durante a greve do funcionalismo público do Paraná. A NATUREZA CRÍTICA E DISSERTATIVA DA CHARGE A charge é considerada uma modalidade do humor gráfico, assim como o cartum, a caricatura e as histórias em quadrinhos. Em estudos já realizados (MIANI, 2000; MIANI, 2005; MIANI, 2012), desenvolvemos uma compreensão da charge como estratégia comunicativa e que se define como uma produção visual de natureza crítica, dissertativa, humorística e intertextual. A respeito da compreensão da charge como estratégia comunicativa, admite-se que, sendo a charge “uma representação humorística de caráter eminentemente político que satiriza um fato ou indivíduo específicos [e que] é a revelação e defesa de uma idéia, portanto de natureza dissertativa” (MIANI, 2005, p.25), ela deve ser reconhecida como uma espécie de “editorial gráfico”. Nesse sentido, a charge não é apenas um elemento decorativo ou complementar ao texto linguístico, mas um produto comunicativo dotado de autonomia interpretativa. A autonomia interpretativa aqui referida não significa, no entanto, que se deve desconsiderar o contexto comunicativo mais amplo onde Rozinaldo Antonio Miani

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a charge está inserida. Esse contexto é complexo e as significações só podem ser estabelecidas a partir das intersecções de sentido com a produção textual verbal, configurando uma das principais características da charge, que é a sua natureza intertextual. Ao tratar da intertextualidade da charge no jornal Folha de S.Paulo, Edson Carlos Romualdo afirma que embora possua características específicas, não podemos pensar a charge como um texto isolado, sem relações com outros textos, que aparecem não só no próprio jornal, mas também fora dele. O jornal apresenta um conjunto de textos que podem se relacionar de maneiras diferentes uns com os outros. Se a charge contém a expressão de uma opinião sobre determinado acontecimento, este deve ser um fato importante, com muita probabilidade de aparecer em outros textos do jornal. Isso dá ao leitor a possibilidade de relacioná-los e, até mesmo, usar esses outros textos para auxiliar na interpretação da charge. Nos casos em que as relações intertextuais se dão com textos que não estão no jornal, cabe ao leitor fazer a recuperação desses intertextos, para inteirar-se mais profundamente da mensagem transmitida pelo texto chárgico (ROMUALDO, 2000, p. 6).

Outro aspecto característico das charges a ser destacado é a presença do humor. Esse elemento é essencialmente significativo nas charges, pois, considerando que seu objetivo é promover uma crítica ou denúncia de determinados fatos ou situações reais, o uso da sátira e do exagero, que provoca uma transgressão da ordem, minando a lei (ECO, 1989, p. 19), contribui decisivamente para a explicitação dos seus propósitos na produção de sentidos. Enfim, é justamente por sua característica humorística que a charge se constitui como uma produção crítica e dissertativa e, como estratégia comunicativa, proporciona grande vitalidade à produção comunicativa impressa: “o humor funciona como uma forma bastante consistente de crítica social” (MIANI, 2009, p. 222). Dentre as modalidades do humor gráfico, a charge, de maneira especial, pelo seu uso recorrente no contexto da imprensa, ganhou contornos de um gênero jornalístico opinativo. Segundo Antonio Charles Cruz (2010, p. 1), A charge é um importante tipo de texto jornalístico que tem uma clara função opinativa, revelando as idéias e as questões sociais que são debatidas em uma determinada época histórica. Aparentemente simples, em decorrência da economia do traçado, tais textos carregam uma crítica de caráter sociopolítico, provocando o leitor e levando-o a participar ativamente da leitura e do efeito de sentido obtido. Rozinaldo Antonio Miani

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Como gênero jornalístico, a charge esteve presente em várias publicações sindicais dos servidores públicos do estado do Paraná, em greve durante o primeiro semestre de 2015. A partir de agora, segue a apresentação e análise de algumas dessas charges, produzidas por sindicatos de professores da rede pública (educação básica e ensino superior), procurando identificar o contexto discursivo e algumas possibilidades de produção de sentido. A CHARGE NA PRODUÇÃO COMUNICATIVA DO MOVIMENTO GREVISTA NO PARANÁ A imprensa sindical, desde a emergência do “novo sindicalismo”4, passou a utilizar, de maneira intensiva, recursos visuais no contexto da produção de jornais e boletins impressos com o objetivo de oferecer um novo conceito e um estilo de pensar e fazer imprensa sindical. Segundo Valdeci Verdelho, na “nova imprensa sindical”, [...] a linguagem utilizada é, ou procura ser, a própria linguagem do trabalhador. Daí a imprensa sindical diária recorrer freqüentemente a imagens para transmitir uma idéia e abrir espaço para recursos visuais, como ilustrações, charges, cartuns, fotos e quadros esquemáticos (VERDELHO, 1985, p.97).

Desde então, o uso de charges passou a ser também uma marca da imprensa sindical (como outrora havia sido na imprensa alternativa). Desde o final da década de 1970 e até o início da década de 2000, as charges participaram decisivamente das publicações impressas sindicais. Hoje, ainda é possível encontrar dezenas (talvez centenas) de jornais sindicais ilustrados com charges, que oferecem um “traço” especial a tais publicações. Porém, com o advento das tecnologias digitais (e o consequente barateamento do uso de fotografias nos processos gráficos, por exemplo), bem como a mudança na concepção das direções sindicais em relação à própria importância de investir em materiais comunicativos impressos nos sindicatos, a presença de charges vem se tornando cada vez mais escassa e, às vezes, inclusive, o que se 4. Define-se “novo sindicalismo” como o modelo de organização e luta sindicais que suplantou o modelo de sindicalismo de governo implantado no período da ditadura civil-militar (1964-1985). As greves de massa no período 1978-1980, principalmente, em São Bernardo do Campo (SP) e o surgimento da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em agosto de 1983, são considerados os principais fatos que demarcaram a superação do modelo sindical imposto pela ditadura. Rozinaldo Antonio Miani

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tem são imagens do tipo clip art, empobrecendo a qualidade política e discursiva que tal estratégia comunicativa poderia proporcionar. No período em que o funcionalismo público paranaense – especificamente os professores – se manteve em greve, diversas produções comunicativas impressas foram distribuídas aos próprios integrantes das respectivas categorias, ou então distribuídas para a população em geral. Em várias dessas produções, a charge esteve presente e, certamente, sua presença contribuiu para despertar ainda mais interesse do leitor pelo seu conteúdo e, mais do que isso, ofereceu elementos significativos, na ordem do visual, para compor a crítica ou denúncia de alguma questão envolvendo os conflitos entre os interesses dos trabalhadores em greve e os interesses do governo estadual. Para esta análise, o texto traz algumas charges publicadas nos materiais comunicativos impressos produzidos pela comissão de comunicação do comando de greve da Universidade Estadual de Londrina (UEL), vinculado ao Sindiprol/Aduel, e também algumas charges publicadas em jornais e informativos da APP-Sindicato5. Vale começar por uma charge publicada em um boletim do comando de greve da UEL (Figura 1), produzido por ocasião do jogo de futebol entre a equipe do Londrina contra o Cascavel – jogo válido pela sexta rodada do Campeonato Paranaense de 2015 -, e que foi distribuído aos torcedores nos portões de entrada do Estádio do Café. FIGURA 1

Essa charge foi produzida por Sassá, chargista que publica diariamente no Jornal de Londrina, a pedido da comissão de comunicação 5. A APP-Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Paraná é o sindicato representativo dos professores da rede pública paranaense que atuam na educação básica. O sindicato tem base territorial em todo o estado e se organiza por meio de núcleos sindicais regionais. Rozinaldo Antonio Miani

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do comando de greve da UEL. Sassá criou o personagem do Tubarão (mascote da equipe do Londrina) para retratar as diversas situações vivenciadas pelo clube local. Como foi definido pelo comando de greve a necessidade de realizar atividades junto à população para esclarecer os motivos da greve e também para buscar apoio, foi proposto como uma das atividades de greve uma panfletagem no estádio antes do início do jogo da equipe local. A comissão de comunicação preparou um boletim e considerou que seria uma excelente estratégia usar uma charge, colocando o mascote do Londrina manifestando o seu apoio à UEL (e, consequentemente à greve dos professores, técnicos administrativos e estudantes da UEL). Com a manchete “Você que torce pelo Tubarão.../...A UEL também precisa da sua torcida e do seu apoio” o boletim teve uma excelente receptividade e a charge, sem dúvida, ganhou a simpatia e a atenção do leitor. A charge dialoga diretamente com a manchete e com o texto do boletim, reafirmando a sua natureza intertextual. O sucesso da atividade levou a comissão de comunicação a repetir a dose produzindo outro boletim para o jogo entre o Londrina e o Santos, também no Estádio do Café – partida válida pela primeira fase da Copa do Brasil. A charge foi reutilizada e a aceitação do público foi igualmente satisfatória. Outra charge que teve destaque no período da greve foi produzida pelo chargista mineiro Toninho (Figura 2). Ela foi publicada inicialmente no “Mural da Greve, um material em formato A3, produzido pela comissão de comunicação e distribuído aos professores após uma das assembleias da categoria para ser afixado em locais públicos e de grande circulação – como postos de gasolina, padarias, supermercados, entradas de condomínios –, levando algumas informações para a população sobre a situação da greve até então.

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FIGURA 2

A mesma charge foi reproduzida como um cartaz que também foi afixado em locais públicos e serviu ainda para fazer banners que foram usados em atividades como caminhadas pela UEL, concentrações de rua, assembleias públicas e, inclusive, levada para Curitiba quando da realização de atividades unificadas do movimento grevista estadual. Como se pode observar, a proposta da charge é demarcar a atitude política do governador Beto Richa em relação à educação. Seu descaso e seu descompromisso foram representados no ato de queima da bandeira do estado, grafado no centro pela palavra “educação”. A expressão no rosto do governador é reveladora de sua nítida intenção de promover a precarização e o desmonte da educação pública como foi uma charge produzida por encomenda para a comissão de comunicação da UEL, a educação a que se refere é especificamente a Educação Superior, em referência às universidades. A seguir, foi selecionada uma charge produzida por Carlos Latuff que foi publicada na segunda edição do “Mural da Greve”. O material foi produzido para as mesmas condições de distribuição da edição anterior, neste caso, com o objetivo de informar à população os motivos da retomada da greve na UEL, ocorrida no início de maio/2015 (depois de pouco mais de um mês da suspensão da greve e da retomada das atividades acadêmicas e administrativas). No referido mural, foi

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publicada uma charge editorial6 (Figura 3) que apresenta o governador Beto Richa como um rato comendo um queijo que representava a Paranaprevidência. FIGURA 3

O que se pode analisar nesta charge é a retratação da figura do governador Beto Richa como uma ratazana (animal que provoca ojeriza por seus hábitos e aparência e que também é transmissor de várias doenças, dentre elas, a leptospirose) por ter agido de maneira repulsiva, por seu autoritarismo e arbitrariedade, colocando seus objetivos políticos (e pessoais) acima de qualquer interesse coletivo. A mudança na Paranaprevidência representou um dos mais truculentos golpes contra os interesses e os direitos do funcionalismo público estadual. E, por falar em truculência, esse foi o mote para outra charge também publicada inicialmente na mesma edição de maio do Mural da Greve (depois a charge foi republicada em outros materiais impressos e também virou banner usado em diversas outras atividades de greve). Produzida pelo chargista Latuff, a imagem mostra o governador Beto Richa representado como o ‘Exterminador do Futuro’ (Figura 4). Ele segura um rifle e faz uma expressão sarcástica, como quem se prepara para agir plenamente motivado a realizar tal ação; vê-se ainda que a 6. Define-se, aqui, charge editorial como aquela charge que aparece ocupando espaços autônomos numa determinada publicação impressa, sem relação imediata com textos verbais (MIANI, 2014). Rozinaldo Antonio Miani

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imagem se sobrepõe à palavra “covarde”, numa referência à forma vil como agiu contra o funcionalismo. FIGURA 4

A charge foi produzida para expressar a desaprovação e a indignação em relação à forma como o governo (e aqui é necessário estender a crítica aos deputados estaduais que votaram em favor das alterações na Paranaprevidência) conduziu a votação do projeto que, inclusive, resultou em um dos episódios mais violentos e deploráveis contra o funcionalismo público do Paraná, que foi o massacre do dia 29 de abril, ocorrido no Centro Cívico de Curitiba. A charge ilustra o texto que anuncia a decisão de criação do “Comitê 29 de abril contra o massacre”. Na prática, faz muito mais do que apenas ilustrar, pois disserta sobre uma conjuntura marcada pela truculência e violência do governo. A matéria apresenta um convite para quem se propõe a evitar que as barbaridades cometidas pelo governo e as forças policiais contra os servidores públicos caiam no esquecimento. Todas essas charges (e outras não apresentadas e analisadas neste artigo), consideradas como estratégia comunicativa, participaram ativamente dos processos comunicacionais desenvolvidos pela comissão de comunicação do comando de greve da Universidade Estadual de Londrina. Além do uso nas publicações impressas, elas também foram disponibilizadas na página do facebook “UEL educa na luta”, este que se constituiu como um dos mais importantes Rozinaldo Antonio Miani

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instrumentos de comunicação produzidos pelo movimento grevista dos docentes da UEL. Para não ficar apenas nas publicações do comando de greve da UEL, apresentamos neste artigo duas charges veiculadas em materiais impressos produzidos pela APP-Sindicato. A primeira delas é uma charge publicada no jornal 30 de agosto, edição 200, de julho de 2015, que apresentou uma retrospectiva dos antecedentes e dos episódios relacionados à greve dos professores da educação básica. A charge selecionada é uma representação do que significou o envio e a aprovação do pacote de ajuste fiscal elaborado pelo governo em dezembro de 2014 (Figura 5). No referido pacote, o governo aprovou o aumento de impostos (IPVA, ICMS) e instituiu a cobrança previdenciária aos servidores aposentados, dentre outras medidas. FIGURA 5

Esse foi apenas o primeiro ‘pacotaço’ do governo Beto Richa que “atropelou” o funcionalismo público e a população paranaense de modo geral, e atendeu aos interesses do próprio governo, já na perspectiva de ampliar a arrecadação para poder cumprir com seus compromissos assumidos durante a campanha vitoriosa para sua reeleição a governador do Paraná nas eleições de outubro de 2014. A segunda charge analisada foi produzida pela equipe de comunicação da APP-Sindicato para ser lançada e utilizada nos materiais publicados pelo sindicato durante a greve da categoria (Figura 6). Trata-se da imagem de um personagem criado como adaptação do Rozinaldo Antonio Miani

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personagem de desenho animado Dick Vigarista7, porém produzido a partir da caricatura do governador Beto Richa. FIGURA 6

Presente nas mais diversas situações em jornais, boletins, cartazes ou artes visuais, o personagem foi criado para criticar as “vigarices” do governador em suas ações contra o funcionalismo público estadual e é uma representação da desconfiança generalizada dos trabalhadores e da sociedade em relação à condução de seu governo. De modo geral, pude-se observar que a retratação crítica e humorística do governador Beto Richa (ratazana, Exterminador do Futuro, Dick Vigarista) foi uma estratégia bastante utilizada pelos chargistas para construir um discurso que pudesse revelar a natureza arbitrária e autoritária de suas ações e propostas. A presença de charges nas publicações impressas do comando de greve da UEL e nos materiais sindicais da APP-Sindicato durante 7. Dick Vigarista é uma criação dos estúdios de desenho animado Hanna-Barbera. Criado em 1968, ele é o vilão da série Corrida Maluca. Juntamente com seu parceiro Muttley, ele vivia fazendo trapaças para ganhar a corrida, mas sempre acabava se dando mal, mesmo quando estava na liderança a poucos metros da linha de chegada. Dick Vigarista também era um dos personagens de outra série de desenhos animados: Máquinas Voadoras. Nesse caso, ele era um aviador que perseguia insistentemente um pombo correio que, supostamente, levava cartas com informações que poderiam provocar grandes confusões. Também nessas histórias, ele nunca conseguia cumprir a sua missão. A imagem de Dick Vigarista reforça o estereótipo clássico de vilão: alto, magro, com bigode fino e sorriso sarcástico. Rozinaldo Antonio Miani

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o período da greve do funcionalismo público estadual ofereceu, com humor e ludicidade, a oportunidade dos leitores (trabalhadores das respectivas bases sindicais e também da população em geral) terem contato com informações e textos opinativos visuais que, combinados com os textos verbais, contribuiu decisivamente para fortalecer os processos de organização e mobilização das categorias em greve. CONSIDERAÇÕES FINAIS É oportuno reconhecer a existência de uma multiplicidade de produções comunicativas que circulou durante o período da greve do funcionalismo público estadual do Paraná de 2015, produzidas pelos diversos sindicatos representativos das categorias mobilizadas. É possível supor que, em muitos casos, houve o uso de recursos visuais, dentre eles, a charge ou outras modalidades do humor gráfico. Porém, não foi possível realizar esse intenso trabalho de pesquisa para poder verificar a presença dessa estratégia comunicativa na multiplicidade de todas produções comunicativas. Além disso, em razão das orientações (espaço e tempo) que envolvem a produção deste artigo, nem mesmo a totalidade das charges publicadas nos materiais impressos produzidos pela comissão de comunicação do comando de greve da UEL e da equipe de comunicação da APP-Sindicato puderam ser aqui apresentadas e analisadas. Porém, isso não invalida as reflexões e conclusões aqui apresentadas. Fica a tarefa de reunir esses materiais e realizar uma análise ampliada da presença dessa estratégia comunicativa no contexto da greve do funcionalismo público do Paraná, possibilitando reafirmar e reforçar a importância política que a charge pode cumprir, principalmente, no contexto da imprensa sindical. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 8.ed. São Paulo: Hucitec, 1997. CRUZ, Adriano Charles. Traço cinza: A negatividade na charge jornalística. 2010. In: BOCC. http://www.bocc.ubi.pt/pag/bocc-cruz-imprensa.pdf ECO, Umberto. Los marcos de la “libertad” cómica. in: ECO, Umberto; et. al. Carnaval!. México: Fondo de Cultura Económica, p. 9-20, 1989.

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MARINGONI, Gilberto. Humor da charge política no jornal. Revista Comunicação e Educação, São Paulo: Moderna; USP, nº 7, p. 85-91, set/dez 1996, MIANI, Rozinaldo Antonio. A utilização da charge na imprensa sindical na década de 80 e sua influência política e ideológica. São Paulo: ECA/USP, 2000. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. ________. As transformações no mundo do trabalho na década de 1990: o olhar atento da charge na imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista. Assis: Unesp/Campus Assis, 2005. Tese (Doutorado em História) Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2005. ________. Charge: uma prática discursiva e ideológica. 9ª Arte, São Paulo, vol.1, n.1, p. 37-48, 1o.semestre/2012. MIANI, Rozinaldo Antonio. As transformações no mundo do trabalho através da charge na imprensa sindical: uma análise do impacto da introdução de novas tecnologias na produção. In: KATUTA, Ângela Massumi; et al. (Org.). Geografia e mídia impressa. Londrina: Moriá, p. 215-240, 2009. MIANI, Rozinaldo. Charge editorial: iconografia e pesquisa em História. Domínios da Imagem, Londrina, v. 8, n. 16, p. 133-145, jun./dez. 2014. VERDELHO, Valdeci. A nova imprensa sindical. In: FESTA, Regina; SILVA, Carlos Eduardo Lins. Comunicação popular e alternativa no Brasil. São Paulo: Paulinas, p. 80-98, 1986.

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Sobre autores e autoras Aline Jasper – Jornalista, mestranda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), bolsista Capes (MsJor UEPG). E-m: [email protected] Andressa Kikuti – Jornalista, mestre em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-m: [email protected]. Angela de Aguiar Araújo – Jornalista, mestre em Memoria Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora do curso de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Ariane Carla Pereira – Doutora em Comunicação e Cultura, mestre em Letras, jornalista com 17 anos de carreira. Professora do Departamento de Comunicação Social da Unicentro, Paraná. E-m: ariane_carla@uol. com.br Camilla Quesada Tavares – jornalista, mestre em Ciências Sociais Aplicadas (UEPG), doutoranda em Comunicação (UFF/RJ), professora colaboradora da UEPG. E-m: [email protected] Cíntia Xavier – Jornalista, drª em Comunicação (Unisinos), professora do curso de Jornalismo e do Programa de Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-m: cintia_xavierpg@ yahoo.com.br Denis Renó – Doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Professor do programa de Jornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do programa de mestrado em Mídia e Tecnologia da mesma instituição, além de professor do programa de mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-m: [email protected] Elaine Schmitt – jornalista, mestranda em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), bolsista do convênio Capes/Fundação Araucária/UEPG. E-m: [email protected]

Sobre autores e autoras

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Emerson Urizzi Cervi – Professor adjunto do Departamento de Ciência Política e Sociologia, do programa de pós-graduação em Ciência Política e do PPG em Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, mestre em Sociologia pela UFPR, graduado em Jornalismo pela UEPG, Coordenador do grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública. E-m: ecervi7@ gmail.com Felipe Simão Pontes – Pesquisador de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UEPG pelo Programa CAPES (PNPD), doutor em Sociologia Política e mestre em Jornalismo pela UFSC, jornalista formado pela UEPG. E-m: [email protected] Fernanda Cavassana de Carvalho – Mestranda no programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná, integra o grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP), graduada em Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina. E-m: [email protected] Hebe Maria Gonçalves de Oliveira – Professora do Curso de Jornalismo e do Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela UFJF/MG (1992), possui doutorado em Ciências da Comunicação pela Unisinos/RS (2010) e mestrado em Comunicação pela Umesp/SP (2002). E-m: [email protected] Isadora Ortiz de Camargo – Jornalista graduada pela UEPG, mestre em Comunicação pela Universidade de São Paulo (ECA/USP), repórter da Agência EFE. E-m: [email protected] Karina Janz Woitowicz – Jornalista, professora Drª. do Curso de Jornalismo e do Programa de Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), coordenadora do Grupo de Pesquisas em Jornalismo Cultural e Folkcomunicação. E-m: [email protected] Manoel Moabis – Jornalista, mestre em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, professor colaborador do curso de Jornalismo da UEPG. E-m: [email protected]

Sobre autores e autoras

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Márcia Boroski – jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina, professora colaboradora da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-m: [email protected] Marcio Fernandes – Doutor em Comunicação e Cultura, mestre em Comunicação e Linguagens, jornalista com 20 anos de carreira. Professor do Departamento de Comunicação Social da Unicentro, Paraná. E-m: [email protected] Michele Goulart Massuchin – Jornalista graduada pela UEPG, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná, Brasil(2012) e doutoranda pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar). E-m: [email protected] Naiara Persegona – Estudante de Graduação do 4º ano do Curso de Jornalismo da Unicentro, bolsista de Iniciação Científica do CNPq. E-m: [email protected] Rafael Silva Buiar – Graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela Faculdade OPET, com pós-graduação MBA em Gestão e Produção de Rádio e TV pela Universidade Tuiuti do Paraná. Estudante especial do Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-m: [email protected] Sérgio Luiz Gadini – jornalista (formado pela UFSM), doutor em Comunicação (Unisinos), professor do Curso de graduação e do Programa de Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-m: [email protected] Rozinaldo Antonio Miani – Graduado em Jornalismo e História, doutor em História pela Unesp/Campus Assis e pós-doutor em Comunicação pela ECA/USP, professor de Comunicação e docente do Mestrado em Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), coordena o Núcleo de Pesquisa em Comunicação Popular (CNPq). E-m: [email protected] Volney Campos dos Santos – Professor do Curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). E-m: [email protected] Sobre autores e autoras

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Produzido no Brasil, Ponta Grossa, Paraná, em outubro de 2015. Composto em Khmer UI, corpo 11 pt. ISBN: 978-85-67798-52-3 Editora Estúdio Texto Rua Augusto Severo, 1174, Nova Rússia, Ponta Grossa – Paraná – 84070-340 Tel. (42) 3027-3021 [email protected] www.estudiotexto.com.br

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