2015 - LITERATURA E ENSINO: A LEI 10.639/03 NO CONTEXTO ESCOLAR

May 28, 2017 | Autor: Anderson Rodrigues | Categoria: Literatura, Educação, Literatura Afro Brasileira, Escola Básica
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS 10 E 11 DE DEZEMBRO 2015 BELÉM - PA LITERATURA E ENSINO: A LEI 10.639/03 NO CONTEXTO ESCOLAR Anderson Patrick Rodriguesi Sheila Lopes Maués Autielloii Alessandro Autielloiii

Resumo A Lei 10.639/03 tornou necessária a produção de trabalhos e pesquisas que subsidiem o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana na educação básica, principalmente nas disciplinas História, Literatura e Artes. Neste viés, o presente artigo tem por objetivo propor atividade pedagógica para o segundo ciclo do ensino fundamental, a partir de textos literários de expressão afro-brasileira em sala de aula, utilizando-se em especial, de poetas paraenses, como Bruno de Menezes, afrodescendente, também conhecido por seu modernismo afro-brasileiro, (re)valorizando o cotidiano de negros escravos e descendentes de escravos que habitavam Belém no século XIX, representando positivamente os rituais, a estética negra e a força dos tipos populares como a mãe preta e o preto velho. Em sua poética ressalta ainda a dor do cativeiro, o sincretismo religioso, o folclore e a denúncia social, desenhando assim, uma possível identidade da raça negra amazônica evidenciando a importância do elemento afro na formação da nacionalidade brasileira. Palavras-chave: Batuque; Africanidades; Poesia negra; Diversidade.

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Anderson Patrick Rodrigues ( Licenciado Pleno em Letras, hab. Língua portuguesa; Aluno do Programa de Pós graduação em Educação da UFPA – PPGED-UFPA, Pesquisador do Núcleo GERA/UFPA. Email: [email protected]) ii Sheila Lopes Maués Autiello (Mestre em estudos Literários pela Universidade Federal do Pará; Membro do Grupo de Pesquisa e Estudos sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais – GERA/UFPa. E-mail: [email protected]); Aluna do curso de Especialização em Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais – GERA/IFCH/UFPA. iii Alessandro Autiello (Mediador Linguístico e Cultural pela Universidade de Milão; Professor e Tradutor. E-mail:[email protected])

Introdução

A poesia modernista no Pará apresenta-se estruturalmente tendenciosa ao erotismo como temática corrente, o que talvez justifique o fato desta ser pouco trabalhada em nossas escolas. Mas é preciso fazer saber que outras temáticas também compõem nossa literatura e fazem desta um capítulo importante da história literária brasileira e universal. Dentre os autores mais expressivos do Modernismo Paraense, podemos citar Inglês de Souza, Haroldo Maranhão, Max Martins e, claro, Bruno de Menezes (SANTOS, 2007). Não negamos a importância destes e de outros autores, mas optamos trabalhar com Bruno de Menezes, pois falamos de um autor paraense, afrodescendente, considerado um poeta Modernista Afro-brasileiro, por dedicar parte de sua obra à valorização da cultura Afro-brasileira e Africana muito antes do debate contemporâneo sobre esta temática. Seu Livro Batuque, por exemplo, de 1930, é considerado até os dias atuais como uma de suas obras mais expressivas, pois leva os leitores e as leitoras ao tempo e ao espaço dos rituais africanos dos ex escravos e descendentes de escravos que habitavam o Estado do Pará no século XIX. Ao dar voz a elementos marginalizados, Bruno de Menezes cria uma poética que universaliza a cultura negra local sem, contudo, negar sua diversidade, pois se apropria dos moldes literários universais para criar uma poesia nova, própria, identitária, cuja voz principal vem das mães pretas, dos batuques, dos corpos lustrosos, dos cantos de dor, dos tambores (SANTOS, 2007). Segundo nossa legislação educacional vigente, em especial a Lei 10.639/03, as escolas de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, são obrigadas a garantir o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira para seus alunos e alunas, cujos conteúdos serão responsabilidade de toda a escola, em especial das disciplinas Educação Artística, Literatura e História Brasileiras. (BRASIL, 2003). A escolha pela obra Batuque para trabalhar literatura Afro-brasileira e Africana em sala de aula do ensino fundamental, portanto, não é ingênua, mas sim consciente. Pois, ao trabalhá-la, do modo pelo qual pretendemos desenvolver as atividades, fazendo parte de um projeto maior que também deve ser da escola em sua integridade, poderemos atender às recomendações legais sobre o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, em especial na Amazônia, visto que falamos de uma obra

modernista paraense, na qual o negro, deixa de ser negado como identidade social e voz literária, amordaçada ou caricaturada, para tornar-se personagem principal do lirismo e da identidade de todos nós brasileiros. Portanto, falamos de uma obra importantíssima de nossa literatura que nos localiza, confirma e reafirma nossa identidade e descendência afro-brasileira.

OBJETIVO

Promover atividade de fomento à leitura literária e de valorização da cultura afro-brasileira e africana por meio de ações pedagógicas junto aos alunos do segundo ciclo do ensino fundamental, com a finalidade última de colaborar para a construção de uma escola antirracista. Tal objetivo maior ampara-se nos seguintes objetivos específicos: Consolidar prática didática antirracista de modo interdisciplinar, fomentar a reflexão sobre a diversidade da sociedade brasileira, valorizar literariamente autores negros da Amazônia paraense, estimular a criação coletiva e criativa de material cultural por meio da confecção de um almanaque multicultural e multifacetado.

O ENSINO DE LITERATURA FRENTE À LEI 10.639/03

A Lei 10.639 foi promulgada em 2003 com o intuito de fortalecer a educação para as relações étnico-raciais a partir da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, com o desafio de alterar visões de mundo, redimensionar a memória, criticar mitos e enfrentar preconceitos (COELHO; COELHO, 2014). Neste sentido, a lei estabelece que.

Art. 3° A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira, e História e Cultura Africana será desenvolvida por meio de conteúdos, competências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas Instituições de ensino e seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 003/2004 (DCN-s, 2004, p. 32).

Incluir conteúdos de História e Cultura Afro-brasileira na escola básica representa uma revolução educacional, pois destarte, negros são reconhecidos enquanto

agentes históricos, enquanto agentes fundamentais na transformação da história do Brasil, assumindo e tendo reconhecidos seus lugares no mundo (COELHO; COELHO, 2014).

Neste sentido, considera-se importante, promover espaços de análise e reflexões sobre este tema, na perspectiva de desenvolver estratégias pedagógicas de práticas anti-racistas com a contribuição da Lei n.° 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que define a inclusão pelas escolas nos seus currículos de conteúdos de História da áfrica e Cultura Afro-Brasileira. Tal proposição pode ser considerada como uma possibilidade de avanços no âmbito educacional e cultural e, portanto, uma possibilidade, também, de mudanças em práticas sociais humana, e reconhecimento que os negros proporcionaram à formação do povo brasileiro (PACÍFICO, 2008, p.562)

A lei 10.639/03 orienta que o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana é de responsabilidade de toda a escola, mas salienta a importância de três áreas de conhecimento como veículos de trabalho: a História, as Artes e a Literatura (BRASIL, 2003). Repensar a forma de organização curricular e incentivar ações pedagógicas que venham ao encontro das lutas travadas pelos negros, por direito de participação em todos os segmentos da sociedade é um dever, agora instituído e garantido por lei. Sancionada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva e pelo ministro Cristovam Buarque no dia 09/01/2003. Foi um dos primeiros atos do presidente sancionar um projeto de lei de autoria dos deputados federais Ester Grossi (professora do Rio Grande do Sul) e de BenHur Ferreira (membro do movimento negro de Mato Grosso) os dois do Partido dos Trabalhadores. A lei que modifica o artigo 26 da LDB (Dias, 2005). Essa legislação veio ao encontro dos anseios do movimento negro tornando obrigatório o ensino dessa temática, para ressignificar a história do negro no Brasil, como estratégia para mudança do auto-conceito e crítica ao eurocentrismo. Cabe aos estabelecimentos de ensino criar mecanismos para que ela seja cumprida ( PACÍFICO: 2008, p. 562).

A mesma Literatura, que sofreu notável apagamento na LDB de 96 e nos Parâmetros curriculares nacionais (ZINANI; SANTOS, 2002), com a Lei 10.639/03 reassume seu lugar na sala de aula como agente de resgate da condição humanística do aluno e a Literatura afro-brasileira, constituída de uma fonte riquíssima de saber e conhecimento que abrange tanto a história e cultura afro-brasileira como também africana (GOMES; BEZERRA, 2013). A literatura possui papel preponderante na constituição de um discurso de homogeneização nacional, constituindo-se como um dos imaginários de um território nacional, desenhando perfis, transmitindo idéias e valores que irão compor discursos oficiais e extra-oficiais de uma nação específica (PEREIRA; PEIXOTO: 2013, p.10 ).

A constante negativa à aplicabilidade da Lei 10.639/03, seja por desconhecimento de referencial teórico ou pela tentativa de silenciar a luta racial na escola não pode ser fortalecida e a Literatura, se bem utilizada, pode ser uma arma poderosa no empoderamento de alunos e alunas que não encontram representatividade no atual currículo da escola básica, pois,

a Cultura Afro-Brasileira tem formas muito valiosas e não se trata de achar que é um contexto perfeito, mas que trabalhar com tal cultura dialogando com a educação é uma das melhores formas de combater o racismo e a violência e de apresentar a História Afro-Brasileira em sua forma mais acessível a comunidade escolar. Para tanto se faz necessário à realização de um trabalho que promova um contato mais realista com a diversidade cultural afrodescendente por parte das novas gerações em contato também com gerações anteriores, rompendo com estereótipos propagados pelo sistema educacional há décadas (SOUZA; JESUS; CRUZ:2012, p. 4).

Literatura Afro-brasileira em sala de aula

A literatura brasileira sempre teve escritores negros, ainda que nem todos tenham recebido o devido reconhecimento de suas obras, pois o eurocentrismo também determinou (e ainda determina) os modelos literários valorizados no Brasil. Dentre os autores Afro-brasileiros que alcançaram maior destaque na tradição escolar, mas nem sempre reconhecidos por suas origens étnicas, citamos Machado de Assis, Lima Barreto e Cruz de Souza.

Os afro-brasileiros já vinham de há muito instalando um desconforto na produção textual brasileira através da produção de textos jornalísticos e literários que debruçavam-se sobre suas histórias e a cultura, dialogando com um tradição político-reivindicatória ou com as tradições popular e antropológica, escritores nascidos afro-brasileiros, adotando ou recusando a designação produzem textos nos quais as marcas de uma posição diferenciada na sociedade brasileira, pululam aqui e ali. Não podemos de falar de literatura negra como essencialização, nem podemos atribuir a uma produção que resulta de experiências vivenciais diferenciadas nenhum traço de homogeneidade ( SOUZA, 2002).

A Literatura Afro-brasileira ou negro-brasileira é marcada por um debate novo, com muitas polêmicas sobre seu lugar, autores e autoras, recepção e, até mesmo, sobre sua existência (FELISBERTO; RISO: 2014). Para nós, seu lugar é na escola, pois ensiná-la é ensinar conteúdo identitário que marca o protagonismo do negro e da negra na história, apontando suas contribuições para a formação do povo brasileiro e

contribuindo assim, para a luta contra o racismo, pois o negro deixa de ser apontado/visto por estereótipos e toma posse do próprio discurso. Atualmente, muitos autores e muitas autoras negras(os), através da veiculação de suas obras na ferramenta internet, alcançaram grande destaque no cenário literário brasileiro e mundialiv, muitos deles e delas nasceram em periferias e sobreviveram nelas, aprendendo diariamente a vencer dificuldades, preconceitos de toda ordem, fugindo da invisibilização social a que estariam condenados se não decidissem vencê-la e assumir suas próprias vozes. Os alunos merecem e precisam conhecer essas vozes e, com isso, reconhecerem suas identidades, suas pertencibilidades, alcançando assim empoderamento.

A literatura negro-brasileira, com os seus artífices, atua diretamente no combate à discriminação racial, promove a constituição de um público leitor negro; busca a conscientização do leitor(a) negro (a) elevando sua autoestima; valoriza a oralidade ancestral negra, valoriza a memória dos seus mais velhos como forma de conhecimento e aprendizagem; valoriza as religiões de matriz africana, além de atrair cada vez mais leitores(as) interessados na riqueza da literatura produzida a partir da experiência de ser negro e negra no Brasil (FELISBERTO; RISO: 2014, p. 69)

Apesar da legislação educacional vigente, o trabalho em sala de aula com autores e autoras negros(as) ou autores e autoras não negros(as) que escrevem sobre a cultura e história Africana e Afro-brasileira, ainda não é uma prática natural do currículo da escola básica. Dentro do contexto aqui apresentado, a literatura brasileira em seu termo abrangente – todas as formas literárias produzidas no Brasil – não tem representado, em equidade, todos os grupos étnicos que compõem o país, nem os conflitos nem a complexidade cultural de cada um deles. E, principalmente, não dá conta dos escritores negros e de suas produções, mantendoos fora dos cânones e das salas de aulas ( PEREIRA; PEIXOTO: 2013, p 16) .

Destarte, propomos o trabalho com autores(as) negros(as) nas aulas de Literatura e aqui, exemplificaremos uma atividade, porém, como pensamos em uma escola Amazônica, especificamente da cidade de Belém do Pará, optamos por utilizarmos a obra do autor Bruno de Menezes, afro-brasileiro, filho da terra, não contemporâneo, mas

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Autores como: Joel Rufino dos Santos, Elisa Lucinda, Conceição Evaristo, Paulo Lins, Ana Maria Gonçalves, Carolina Maria de Jesus, Manoel Soares, Oswaldo de Camargo, Colson Whitehead , Walter Mosley, James Baldwin, Zora Neale Husrton, dentre outros e outras

reconhecido nacionalmente por sua genialidade e ousadia Modernista Afro-brasileira (FARES, 2012). Pensamos em uma atividade para alunos a partir do segundo ciclo do Ensino Fundamental e a temática a ser abordada deve ser adequada à realidade crítica de cada turma. Elegemos o livro Batuque para trabalhar em sala de aula, pois nele há um leque de possibilidades temáticas para se abordar a Cultura Afro-brasileira com nossos alunos e nossas alunas, enfatizando a mistura cultural Africana e Amazônica.

RUFA o batuque na cadência alucinante — do jongo do samba na onda que banza. Desnalgamentos bamboleios sapateios, cirandeios, cabindas cantando lundus das cubatas. Patichouli cipó-catinga priprioca, baunilha pau-rosa orisa jasmin. Gaforinhas riscadas abertas ao meio, crioulas mulatas gente pixaim...( MENEZES: 2005, p. 19)

A obra Batuque, de bruno de Menezes, apresenta-se embebida de imagens poéticas da cultura Afro-brasileira e Africana, entrelaçadas a cultura Amazônica, escritas como uma partitura musical ritmada por assonâncias, aliterações, entonação e sons nasais que marcam a cadência de um verdadeiro batuque ancestral. As poesias são marcadas por ritmo vibrante, cuja cadência das palavras nos remetem a instrumentos musicais presentes em um ritual negro e que nos revelam, no decorrer da leitura, o bailar dos corpos lisos lustrosos que exalam sedução e erotismo (FARES, 2012), a dor dos escravos trazidos para o Brasil, os vícios, o folclore, as crenças religiosas, onde a imagem da mãe sobressai entre as demais, como uma imagem ancestral que remete à mãe África lamentando a partida de seus filhos para a escravidão ( FARES; NUNES, 2005). O tambor marca o início dos batuques e também convoca à luta, à valorização e à reafirmação da identidade da raça negra. O banjo, por sua vez, marca o sofrimento causado pela escravidão que vai além de um período histórico e marcou pra sempre a pele dos descendentes diretos e indiretos da escravidão em nosso país (PEREIRA, 2014).

A história oral Africana é materializada em Batuque, tendo na religiosidade uma espécie de poder simbólicov repassado a cada nova geração e ratificados através dos fenômenos naturais. O que torna a obra diferente das demais obras que abordam negritude no Brasil, no entanto, é a observação real de como os costumes amazônicos interferiram na cultura Africana, o que se pode evidenciar nas referências ao cheiro das ervas, às águas barrentas, aos banhos de cheiro, às danças típicas, como podemos constatar em:

Não é candomblé não é “Santa Bárbara”, nem banzo banzado bom carimbó bolinoso; – bailado benguela de gente sem nome que agora machuca as “sinhora” e os “sinhô”. Rodando ela faz o melexo de tudo no tal peneirado das carnes macias… Todinha canela em polvilho cheiroso, folha seca de fumo enrolado no sol, sua boca rescende a acidez que amortece. Seu corpo que é todo que nem pau d’Angola deve ter gostosuras de morte pedida depois de dançar… E o branco sentindo xodó pela preta, agüentando a mareta gemendo no fungo, bem quer e não pode mas vai de teimoso se acabar no rebolo da bamba africana… A luz morte a pele de sombra e os cabelos lustrosos quebrados da cor sem razão. Também se fartou de cheirar cumaru nos bicos dos peitos da preta inhambu. E o banjo endoidece tinindo nas cordas tantans retesados O corpo viscoso se estorce nas pontas dos pés maxixeiros. A luz vai sumindo… E o banjo nos lembra dos filhos do engenho, da escrava, da Izaura tão dungo no dengo que é dom desta raça cotuba no samba. … E fica rolando no espaço escurinho o cheiro aromoso, o sumo baboso, da fruta leitosa rachada de boa!...(MENEZES: 2005, p. 23)

Um dos temas a ser abordado na obra batuque é a religiosidade, enfatizando a concepção do ritual como interseção entre o sagrado e o profano, aproximando mito e religião. E, nesse sentido, o lugar das danças, dos dias santos, das mandingas, dos v

O poder simbólico, segundo Bourdieu (1989) é o poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que estão sujeitos a esse poder ou mesmo daqueles que o exercem. O Autor se concentra nas situações em que esse poder é normalmente ignorado, fato que nos permite intuir que esse poder é plenamente reconhecido pelos agentes envolvidos.

banhos de cheiro, do recebimento do “Santo”vi, na composição da imagem espiritual africana retratada detalhadamente por Bruno de Menezes. Outro tema importante corresponde aos movimentos de resistência à escravidão no Brasil, no livro abordado na condição do banzo, e da entrega ao vício da cachaça em busca de esquecimento momentâneo da própria condição, da própria dor. Dor, saudade, fragilidade, força, resistência, erotismo, religiosidade, tristezas e alegria, formação da identidade brasileira são apontadas em Batuque como características de todos nós brasileiros, irmãos e irmãs, filhos da mesma mãe-África, portanto, temáticas que podem ser didatizadas em sala de aula como nossos alunos e nossas alunas.

PROPOSTA PEDAGÓGICA

A literatura pode ser entendida como uma manifestação cultural que representa uma forma de resistência. A poesia de Bruno de Menezes, em Batuque, pode ser um bom gancho para explorar recursos estilísticos da poesia, conhecer elementos da africanidade amazônica e discutir outros temas das relações étnico-raciais. No Brasil, o mito da democracia racial, cujo povo miscigenado convive em harmonia e igualdade predominou durante boa parte do século 20 e teve como grave consequência a negação da participação negra na produção cultural brasileira. Houve a incorporação das produções afro à cultura nacional e hoje não são mais identificadas como colaborações intelectuais dos povos africanos. Seguindo este exemplo, o batuque deixou de ser coisa de negro escravizado e se tornou propriedade nacional, da mesma forma que a feijoada, a capoeira e o samba. Desse modo, mesmo que a cultura não deva ter cor, é importante referendar àqueles e àquelas que a produziram e em que contexto isso aconteceu. A proposta é colocar os alunos em contato com a cultura afro-brasileira por meio dos textos de Brunos de Menezes, pois, A leitura da literatura é algo que possibilita o amadurecimento do indivíduo, podendo colaborar para a reintegração dos seres humanos perante suas vi

Na Umbanda, dentro do campo da mediunidade, falar em “incorporação” sugere a ideia de “dar passagem a uma Entidade”, geralmente um Guia Espiritual que vem trazendo uma mensagem de orientação; outras vezes, ocorre a incorporação de Encantados (ex.: a de Crianças) ou a de Naturais (ex.: a do Orixá do médium).

dificuldades, contribuindo para organização de seus pensamentos, liberando até mesmo suas angústias e incertezas ( SILVA, 2013)

No primeiro momento da atividade, propomos a leitura de um poema de Menezes com acompanhamento rítmico de um tambor ou instrumento similar, para que seja percebido o ritmo do texto, cuja musicalidade é um elemento marcante. Em seguida ocorrerá uma miniconferência sobre o poeta com o professor da classe ou professor convidado, seguida de exibição de vídeos sobre a biografia de Menezes e sobre vídeopoemasvii inspirados na obraviii. O próximo momento é de leitura e observação minuciosa da riqueza poética de bruno. Devem ser observados no plano estilístico, o ritmo, a musicalidade, os campos semânticos, a presença das línguas africanas e a riqueza de imagens e sensações provocadas pelo arranjo poético. No campo das sociabilidades devem ser observadas as representações de raça e de gênero (a mulher), a religiosidade africana, as manifestações de resistência social, a dança, os costumes e as intencionalidades discursivas. Muito importante, nesse momento, é aproveitar a riqueza da leitura literária para reforçar bons modelos de representações afirmativas, desvinculando-as das imagens cristalizadas nos livros didáticos de africanos escravizados, constrangidos e humilhados. A atividade seguinte deve relacionar imagens e textos, inclusive musicais que possam dialogar com os poemas trabalhados, para criar um panorama de produtores culturais negros, de escritores, intelectuais e artistas de um modo geral que fazem parte da história lítero-cultural da Amazônia e do Brasil. Como atividade de culminância, propomos a confecção de um almanaque com informações diversas sobre o poeta e seus textos. Este material poderia ser uma coletânea de trabalhos construídos ao longo das aulas, durante o bimestre.

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Segundo LIMA ( 2001) Os videopoemas recriam textos escritos com os recursos digitais do computador e são distribuídos na rede, sendo, portanto, exposto em uma grande livraria/vitrine eletrônica. Além de possuírem características técnicas diferentes, também abrangem desde a arte abstrata até a expressão singela e ingênua com palavras, sons e imagens das pessoas comuns (teoricamente não-poetas). O vídeopoema possui muito da ludicidade do poema tradicional com as palavras e do movimento icônico do videoclip musical. Classificar uma performance virtual como um videopoema é, antes de tudo, uma operação arriscada, pois não existe o videopoema padrão. viii A exemplo dos vídeos: “Bruno de Menezes é Orgulho de Ser do Pará”, disponível em:> e “Jornal Cultura - Batuque Bruno de Menezes” Disponível em: >; além do Vídeo poema sobre o Batuque, disponível em: .

O almanaque Bruno de Menezes seria interdisciplinar, pois trataria de literatura, história, arte, língua portuguesa e demais áreas que participarem do projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A construção histórica do espaço escolar nos revela a escola como um instrumento legitimador de desigualdades. Longe de ser um espaço democrático e libertador, a escola mantêm-se como instrumento de manutenção de mecanismos de reprodução social que sustentam a dominação de um(s) grupo(s) dominante(s) sobre outro(s), reforçando assim as hierarquias arbitrárias que determinam quem são os agentes mais influentes e tem mais poder que os outros. Tais hierarquias são resultantes do processo de interação humana, em seus diversos processos históricos, e estão em todos os campos do conhecimento, sempre a favor da manutenção do poder de um grupo específico sobre os demais; originando, portanto, uma constante disputa pelo reconhecimento e valorização de seus capitais culturais onde tudo o que se refere à história e cultura Afro-brasileira é negado, ou encarado como de menor valor. Negar a História e a Cultura Afro-brasileira e Africana, no entanto, é negar a nós mesmos, é calar nosso lirismo, logo, devemos ouvir o batuque que nos convida à luta, ao combate ao racismo e ocuparmos de uma vez por todas nosso lugar na história, empoderados, responsáveis por nossa etnia, nossa formação espiritual, nosso folclore, nossa identidade social, nossas conquistas futuras. Como podemos observar, a grandiosidade da obra batuque merece atenção de professores e professoras de literatura para o trabalho da História e da Cultura Afrobrasileira e Africana; não apenas por retratar o folclore amazônico Afro-brasileiro, mas também por espelhar nossas tradições e lembranças ancestrais, ou seja, promover uma volta ao passado que nos permite uma melhor compreensão do presente em que vivemos, de como nos constituímos enquanto identidades sociais, e de como nos socializamos enquanto agentes sociais (PEREIRA, 2014).

Logo, merece destaque

privilegiado nas aulas de Literaturas em nossas escolas Amazônicas. Levar à sala de aula uma poesia marginal, no sentido de nos referimos à produção dos escritores oriundos de comunidades marginalizadas socialmente

(OLIVEIRA; ESPÍNDOLA; SANTANA, 2012), como Bruno de Menezes, Afrobrasileiro, que dá voz a elementos marginalizados no Século XIX e que ainda são silenciados atualmente, é ressignificar o lugar do negro na sociedade atual partindo-se de sua História local. Defendemos, portanto, o ensino da Literatura Afro-brasileira na escola, pois esta escola enquanto instituição cultural e social tem o dever de reparar todos os danos que a nossa sociedade fez e ainda faz com os menos favorecidos economicamente, discriminando-os e rejeitando-os (OLIVEIRA; ESPÍNDOLA; SANTANA, 2012). Dentro de uma perspectiva de compromisso social, a Literatura nos revela que o currículo encontra-se veiculado a interesses políticos e econômicos, logo está ligado aos interesses do mercado, dos bens culturais, gerando o cânone literário que é cobrado nas escolas , renegando assim, tudo que está a margem da cultura valorizada( SILVA, 2013). A literatura pode ser utilizada na escola como uma importante aliada na promoção do respeito às diversidades culturais de nossa sociedade. Ao ensinar literatura Afro-brasileira, porém, não negamos o ensino dos Clássicos e das escolas literárias, mas propomos ampliação do conteúdo das aulas de Literatura na Escola Básica sob o viés pedagógico da inclusão. É claro que além de Batuque, obras de outros autores e outras autoras negros(a), contemporâneos ou não, também podem ser utilizadas nas aulas de Literatura seguindo a mesma proposta pedagógica, pois, como mencionado anteriormente, pois a internet facilita o encontro com esses autores e essas autoras, muitos destes e muitas destas, contemporâneos, utilizam-se da internet ferramenta principal de divulgação de suas obras, outra característica favorável é que muitos autores e muitas autoras atuais seguem uma linguagem mais jovial e “antenada”, o que torna mais fácil e agradável o trabalho e a leitura para os alunos e as alunas. A literatura afro-brasileira, portanto, renova o ensino da literatura em sala de aula e o que antes era deixado para segundo plano, pois era visto como algo maçante, com textos descontextualizados e nada atraentes aos alunos, veste roupa nova e passa a atrair olhares curiosos e surpresos por uma nova forma de ler e consumir literatura. Trabalhar a Literatura neste viés é defender a quebra de hierarquias culturais e sociais que podem prejudicar as relações de sociabilidade estabelecidas entre os alunos.

Precisamos, portanto, tornar a escola um ambiente promotor de respeito e valorização das diversidades que nela habitam. Não esqueçamos que Lei 10.639/2003, posteriormente complementada pela lei 11.645/2008 torna obrigatório o ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e Africana em nossas escolas, portanto, precisamos estar preparados para o cumprimento efetivo da legislação e vemos na Literatura um excelente caminho para conduzir nossos alunos e nossas alunas a refletirem sobre as desigualdades que herdamos socialmente e que condenam, historicamente, negros e negras a uma posição desvalorizada e menor em nossa sociedade. É claro que outros elementos da cultura Afro-brasileira também são trabalhados em nossas escolas, como capoeira, o samba ou hip hop, as religiões como umbanda ou candomblé, a própria estética negra, muitos deles porém, restritos ao 20 de novembro e silenciados durante o resto do ano letivo. Mas vemos na Literatura, na riqueza temática das obras literárias, um elemento-chave no combate ao racismo, inclusive com textos que aproximem a realidade de nossos alunos, trazendo-os ao debate, fazendo com que estes socializem suas experiências. Cultura afro-brasileira, portanto, não se trata de um tema alvemos na ienígena. Ele já está presente, esperando para ser abordado. Finalizamos este trabalho, reiterando a importância do ensino da literatura Afrobrasileira em nossas escolas, objetivando não apenas a valorização das relações étnicoraciais como demanda de um segmento, mas como promotora de valorização da cultura afro-brasileira enquanto componente nacional.

Ensinar literatura Afro-brasileira é

voltar nossos olhos para nossas origens, perceber que não somos apenas o que a história etnocêntrica nos contou, mas também frutos de constantes lutas do movimento negro em busca de igualdade social e racial no país, em busca de superação do racismo. Fomentar o caráter (in)formativo da Literatura para formar não apenas leitores críticos, mas cidadãos conscientes, tolerantes e sem preconceitos é o que nos interessa enquanto professores-formadores.

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