2015 - SOCIABILIDADES ADOLESCENTES NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: NOTAS INTRODUTÓRIAS

May 28, 2017 | Autor: Anderson Rodrigues | Categoria: Education, Educação Física, Adolescentes, Sociabilidades, Escola Básica
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SOCIABILIDADES ADOLESCENTES NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: NOTAS INTRODUTÓRIAS Anderson Patrick Rodrigues1 [email protected]

Profa. Dra. Wilma de Nazaré Baía Coelho2 [email protected]

RESUMO Este trabalho analisará como a formação em Educação Física habilita os professores para o enfrentamento pedagógico da diversidade e das relações de sociabilidades nas aulas com estudantes do Ensino Fundamental - II Ciclo; discutirá as relações de hierarquia entre os mesmos e, por fim, buscará um perfil destes alunos. Para tal, esta pesquisa envolve professores e estudantes de duas escolas públicas da cidade de Belém do Pará, agentes de capitais cultural e social distintos (BOURDIEU, 1979) que coabitam o mesmo espaço escolar, interagindo e (in)tolerando uns aos outros. Estes agentes serão analisados de modo consubstanciado por meio de questionários específicos. Em princípio, a partir da literatura especializada, verifica-se que a despeito do previsto na Legislação relativa ao Ensino Fundamental, e aos princípios norteadores advindos de todas as disciplinas a que os estudantes estão vinculados, há uma questão em aberto a ser analisada com mais vagar: a dificuldade, de professores e estudantes, em enfrentar a diferença nas relações de sociabilidades assim como seu impacto na sala de aula, em todas as disciplinas desse nível de ensino. Palavras-chave: Sociabilidades; Ensino Fundamental; Educação Física; Escola.

INTRODUÇÃO Este trabalho demarca o início de um longo caminho na categorização do objeto aqui defendido, mas sem deixar de conciliar a profundidade das discussões, a racionalidade crítica e científica das investigações e um olhar atento às necessidades educacionais da Educação Física enquanto campo, no sentido de desenvolver um campo e um habitus de tolerância, respeito e sociabilidades entre seus alunos. Mas porque a Educação Física? Tratar com adolescentes3 nem sempre é uma tarefa fácil, trata-se de uma fase peculiar de (re)construção de identidades, validadas por

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Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Pará, Professor de Língua e Literatura Vernácula / Educador Físico . 2 Coordenadora do NEAB/UFPA - Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais/GERA; Professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas- Bolsista\CNPQ 3 Segundo a Organização Mundial de Saúde, entende-se por adolescente, os jovens entre 10 e 19 anos de idade. (BRASIL: 1996, p.5).

determinados grupos afins onde quem pertence ao grupo A, não pode transitar pelo grupo B e assim por diante4. Na contramão dessa lógica, as aulas de Educação Física são um excelente campo para a interação entre alunos de diferentes habitus, por tratar-se de um espaço democrático de entrada de sujeitos diversos com suas histórias, suas visões de mundo, suas crenças, suas sexualidades, seus saberes, suas etnias e identidades. As aulas de Educação Física são, portanto, um espaço onde os diferentes capitais culturais e sociais, que distinguem cada indivíduo dos demais, convivem de forma direta no mesmo espaço e ao mesmo tempo justificando ou modificando os sujeitos envolvidos. Para apresentar nossa pesquisa, este artigo divide-se em duas partes: na primeira, trataremos mais detidamente sobre o espaço das aulas da educação física escolar no Ensino Fundamental, II Ciclo, em busca de responder se a formação dos professores de Educação Física os habilita para o enfrentamento pedagógico da diversidade e das relações de sociabilidades em suas aulas. Na segunda relacionamos as teorias de Bourdieu com nossa pesquisa, no sentido de esclarecer como elas nos ajudaram a construir os caminhos que traçamos para estudar e compreender as hierarquias no espaço escolar e as relações de sociabilidades estabelecidas entre adolescentes de duas escolas públicas da cidade de Belém do Pará. O último objetivo destes autores, porém, só poderá ser alcançado após a aplicação e análise dos questionários específicos que nos permitirão entender a formação dos professores de Educação Física dessas escolas; e traçar o perfil dos adolescentes em questão. Educação Física Para Adolescentes: um entre lugar. A Educação Física escolar tem sua prática historicamente voltada ao privilégio de movimento e à exposição do corpo em situações de força, velocidade, combate e contato físico direto entre os alunos, o que caracterizava, de imediato, um espaço de

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Dentre os pesquisadores que estudam sociabilidades adolescentes na Educação Física, destacamos os trabalhos de: Jocimar Daolio e Rogério da Cruz de Oliveira (2014); Liane Aparecida Roveran Uchoga (2012); Jorge Luís D’ Ávila e Maria Lúcia Paniago Lordelo Neves (2001); e Nildo Viana (2011).

dominação masculina (BOURDIEU, 2012)5 onde valorizavam-se habilidades cultuadas como viris e excluía-se totalmente, portanto, as meninas das aulas de Educação Física, estas eram impedidas inclusive por força de lei6, de participarem das atividades da disciplina7. A partir da década de 80, a Educação Física entrou em processo de reformulação de seus conceitos bases e uma nova disciplina surge em 90, trazendo em si novos saberes em relação ao conceito de corpo, da própria Educação Física8 enquanto campo e a novidade metodológica das aulas mistas. Nesse contexto, surgem teóricos que se tornaram clássicos do Ensino aprendizagem da disciplina9 e uma obra em especial é elencada como a “Bíblia” da Educação Física: o “Coletivo de Autores: metodologias do ensino de Educação Física”10(1992). O Coletivo de Autores, portanto, está presente, como base comum, nos cursos de Licenciatura em Educação Física do Brasil. É ele que norteia as questões referentes à formação dos futuros educadores físicos e à atuação destes frente às dificuldades que encontrarão no ambiente escolar. Diante do exposto, nos interessa saber como essa formação os habilita para o enfrentamento pedagógico da diversidade e das relações de hierarquias e sociabilidades em suas aulas.

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Bourdieu. Pierre. A Dominação Masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. Decreto de Lei no 3.199, baixado em 1941 pelo governo Vargas, através do Ministério da Educação, que foi regulamentado pela deliberação no 7/65 e ficou em vigor até 1979. Que, em seu artigo 54 dizia: “[...] Às mulheres não se permitirão a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza” (BRASIL).(UCHOGA, 2012). 7 (CASTELLANI FILHO, 1994; ROSEMBERG, 1995; GOELLNER, 2003). 8 Sobre as mudanças na disciplina, estas foram muito além das turmas mistas: da lei Lei nº 4.024/61 que obrigava o ensino da disciplina em todos os níveis de ensino, à atual Lei nº 9394/96, houve um longo processo de reformulação da disciplina que resultou na atual obrigatoriedade da Educação Física enquanto componente curricular no Ensino Fundamental, (Art. 26.) integrada, portanto à proposta político-pedagógica da escola, e, ao mesmo tempo, facultativa aos alunos nos casos previstos pela Lei nº 10.793/03. 9 João Batista Freire, Elenor Kunz, Celi Taffarel, Lino Castellani Filho, Mauro Betti, Jocimar Daolio, Maria Elizabeth Varjal, Micheli Ortega Escobar, Valter Bracht e Carmem Lucia Soares 10 Coletivo de Autores é o nome popularizado da obra Metodologia do Ensino de Educação Física, publicado em 1992, pela editora Cortez e se tornou a principal referência no campo da produção do conhecimento em Ensino-aprendizagem de Educação Física, sendo, portanto, leitura imprescindível aos que atuam na Educação Física escolar. 6

Questionar essa formação é buscar compreender se tudo o que professores e professoras aprendem na academia, conseguem incorporar como habitus em suas vidas profissionais11. Pois, tomando-se como exemplo o Projeto Político Pedagógico da Universidade do Estado do Pará – UEPA12,espera-se da formação de professores de Educação Física, que esta seja: generalista, humanista, crítica e reflexiva pautada em princípios éticos, políticos, pedagógicos e com base no rigor científico, cuja intervenção profissional seja qualificada para o exercício de atividades profissionais nos diversos ambientes educacionais da Educação Física com base na atividade docente expressa no trabalho pedagógico, em diferentes campos de trabalho, mediado pelo objeto – práticas corporais, esportivas e do lazer. (UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ, 2007, p. 45).13

Neste sentido, portanto, as aulas de Educação Física devem primar pela democratização, pelo respeito, pela cooperação e pela inclusão de todos os alunos no espaço de suas aulas14. Isso porque, por ser uma disciplina que trata da cultura corporal, esta “será configurada com temas ou formas de atividades, particularmente corporais”,15 o que não impede o trabalho de conscientização político social dos envolvidos, já que há uma intencionalidade atrelada ao Programa de Educação Física que, supõe-se, estar diretamente influenciado pelos problemas sociais trabalhados de forma lúdica no

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NASCIMENTO, Fabíola Santini Takayama do. Educação Física no Ensino Médio: possibilidades de produção de saberes e habitus? MESTRADO ACADÊMICO em EDUCAÇÃO. Instituição de Ensino: PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE Goiânia, 2012. 173 f. il. grafs 12 A escolha pelo PPP de EF da UEPA deve-se ao fato de tratar-se do curso formador de um dos autores deste trabalho e, também, por o mesmo encontrar-se disponível no site >, diferentemente do PPP dos cursos de EF de outras faculdades e universidades paraenses. 13 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ. Projeto Político Pedagógico do CEDF/UEPA. Belém: Curso de Educação Física, 2007. 14 De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, o trabalho de Educação Física no Ensino Fundamental é muito importante, pois possibilita o desenvolvimento nos alunos das habilidades corporais e de interação em atividades coletivas, como jogos, esportes, lutas, ginástica e dança que proporcionam lazer, expressão de sentimentos, afetos e emoções (BRASIL, 2001). As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, por sua vez, apresentam a Educação Física como referência metodológica para as demais disciplinas trabalharem seus conteúdos tornando suas atividades mais desafiadoras, atraentes e divertidas. 15 COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 2012

desempenho das atividades coletivas de jogos, lazer, ginástica, dança e esportes em geral. Trabalhar no Ensino Fundamental, em especial no II ciclo, recorte desta pesquisa, é trabalhar com adolescentes e seus respectivos capitais simbólicos, sociais, culturais e econômicos que determinam suas identidades, as relações que buscam e, principalmente, as relações que não buscam. Entendemos tratar-se a adolescência de um período crítico na formação do ser humano, e identificamos diversos trabalhos, em diferentes áreas do conhecimento tentando explicar esse período natural, porém complicado e, ao mesmo tempo, determinante na formação de nossas identidades16. Todas as pesquisas partem da definição do conceito de adolescente/adolescência para as questões que influenciam esse período a favor e/ou em desfavor da construção e consolidação dos sentimentos de respeito, fidelidade, valores éticos e morais nos adolescentes17. Dentre as definições apresentadas nos referidos trabalhos, o conceito mais próximo de nossa visão de adolescente/adolescência encontra-se em Eliana Garritano18 pois: “Consideramos a adolescência um momento de consolidação de sentimentos de respeito, fidelidade e valores éticos. É neste período que se edificam as aspirações pessoais e sociais, através da busca de novos pares e construção de ideais, onde os laços sociais são estabelecidos pelo compartilhar com o grupo social de determinada cultura.” (p.15)

A preocupação com o ensino de adolescentes deve-se ao fato de tratar-se de uma fase diferenciada, onde o indivíduo, dotado de um nível maior de percepção de sua realidade, vê-se dividido pela necessidade de expressar sua individualidade e, ao mesmo 16

Até a submissão deste artigo, catalogamos 83 trabalhos científicos, entre livros, teses e dissertações preocupadas com o conceito de adolescentes/adolescência e com o ensino voltado para esta fase: MONTEIRO (2011), GARRITANO (2008), KUSNETZOFF (1982), ALBERTI (2004), RODRIGUES (2011), BAPTISTA (2011), VOLCOV (2011), SILVA (2011), BRAGA (2012), RODRIGUES (2012), FILHO (2012), MORAES (2012), BLOS (1995), CARDOSO (2001), CASSORLA (1997), MACEDO (2010), dentre outros. 17 GARRITANO, Eliana Julia de Barros. O adolescente e a cultura do corpo. 2008. 165p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Prática Psicanalítica, Rio de Janeiro, 2008. 18 Ibdem.

tempo, inserir-se em grupos sociais que compartilhem os mesmos valores identitários buscados por ele. É, portanto, uma fase fundamental no processo de ressignificação das vivências infantis na (re)construção de um novo eu19.

Bourdieu e Sociabilidades Adolescentes nas Aulas de Educação Física Escolar.

Aqui faremos uma breve relação entre as teorias de Bourdieu com nossa pesquisa, no sentido de esclarecer como elas nos ajudaram a construir os caminhos que seguiremos para compreender as hierarquias20 no espaço escolar e as relações de sociabilidades entre adolescentes do Ensino Fundamental, II ciclo, em duas escolas públicas da cidade de Belém do Pará. A construção histórica do espaço escolar nos revela a escola como um instrumento legitimador de desigualdades. Longe de ser um espaço democrático e libertador, a escola mantêm-se como instrumento de manutenção de mecanismos de reprodução social21 que sustentam a dominação de um(s) grupo(s) dominante(s) sobre outro(s), reforçando assim as hierarquias arbitrárias que determinam quem são os agentes mais influentes e tem mais poder que os outros. Tais hierarquias são resultantes do processo de interação humana, em seus diversos processos históricos, e estão em todos os campos do conhecimento, sempre a favor da manutenção do poder de um grupo específico sobre os demais; originando, portanto, uma constante disputa pelo reconhecimento e valorização de seus capitais culturais; estes, por sua vez, podem ser definidos como: 19

MONTEIRO, Roberta Araújo. Desamparo e intensidades em ato na adolescência: riscos ao devir. Porto Alegre, 2011. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Psicologia,2011. 20 Para Bourdieu (2004) as hierarquias permitem reproduzir de forma eufemizada e dissimulada as diferenças existentes entre classe e frações de classe, ou seja, a classe dominante sobre a dominada, onde esta não se percebe dominada por aquela, devido acreditar que o padrão cultural dominante ocupa, de forma natural, uma posição hierárquica superior aos demais. O que leva o indivíduo dominante a acreditar-se merecedor de seu lugar social, não justificado por uma relação de dominação, mas por suas ditas qualidades culturais superiores. 21 Bourdieu vê a reprodução social como uma manutenção atemporal da “posição de seus agentes e de seus grupos na estrutura social”. BOURDIEU, Pierre. O Diploma e o Cargo: relações entre o sistema de produção e o sistema de reprodução. In.: NOGUEIRA,M.A.; CATANNI, A.M. (Eds.). Escritos De Educação. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007b. p.127144.

uma expressão cunhada e utilizada por Bourdieu para analisar situações de classe na sociedade. De uma certa forma o capital cultural serve para caracterizar subculturas de classe ou de setores de classe. Com efeito, uma grande parte da obra de Bourdieu é dedicada à descrição minuciosa da cultura - num sentido amplo de gostos, estilos, valores, estruturas psicológicas, etc. que decorre das condições de vida específicas das diferentes classes, moldando as suas características e contribuindo para distinguir, por exemplo, a burguesia tradicional da nova pequena burguesia e esta da classe trabalhadora. Entretanto, o capital cultural é mais do que uma subcultura de classe; é tido como um recurso de poder que equivale e se destaca - no duplo sentido de se separar e de ter uma relevância especial - de outros recursos, especialmente, e tendo como referência básica, os recursos econômicos. Daí o termo capital associado ao termo cultura; uma analogia ao poder e ao aspecto utilitário relacionado à posse de determinadas informações, aos gostos e atividades culturais. 22

No que tange a manutenção de tal disputa hierárquica, a escola não se mantem indiferente, mas, ao contrário, assume um posicionamento ativo “no processo de reprodução das desigualdades sociais. Mais do que isso, ela cumpriria o papel fundamental de legitimação dessas desigualdades”.23 Podemos constatar essa afirmativa na escolha arbitrária do currículo, dos conteúdos privilegiados em detrimento de outros, das metodologias e no capital cultural privilegiado por seus agentes. Como adiantado anteriormente, as relações de sociabilidades estabelecidas por adolescentes no ambiente escolar, especialmente nas aulas de Educação Física, são o alvo principal deste trabalho. Para alcança-lo recorreremos à análise de conteúdo de Bardin24, ou seja, ao conjunto de procedimentos de análise dos dados, dividido em três etapas: pró-análise; exploração do material; e tratamento dos resultados, onde serão utilizados métodos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo dos resultados encontrados. Interessa-nos discutir a tessitura de hierarquias existentes neste campo, alicerçados nos sistemas simbólicos que constroem uma realidade estruturada e ao

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SILVA, Gilda Odinto do Valle. Cultural Capital, Classe e Gênero em Bourdieu. INFORMARE - Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. v.l, n.2, p.24-36, jul./dez. 1995. 23 NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. A Sociologia da Educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educação & Sociedade, ano XXIII, no 78, Abril/2002. 24

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2009.

mesmo tempo estruturante25, e determinam as relações de poder que asseguram a naturalidade dominante de um grupo sobre o outro através de um habitus, ou seja, através da internalização de estruturas sociais incorporadas socialmente de acordo com a posição social de cada indivíduo no campo em que estão inseridos.26 Para Bourdieu, as estruturas hierárquicas de poder são produtos de um trabalho árduo de reprodução ideológica que resulta em uma violência simbólica, instituída pela naturalidade atribuída à relação de dominação do dominado sobre o dominante, resultante da “incorporação de classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto”.27 Esta violência é caracterizada e mantida pelo conhecimento e pelo desconhecimento prático de seus agentes. Trata-se de uma Illusio28, isto é, um jogo com regras definidas onde quem o joga, compreende-se enquanto jogador, pois sabe que vale a pena jogá-lo, ou, nas palavras de Bourdieu, é:

estar preso ao jogo, preso pelo jogo, acreditar que o jogo vale a pena ou, para dizê-Io de maneira mais simples, que vale a pena jogar. De fato, em um primeiro sentido, a palavra interesse teria precisamente o significado que atribuí à noção de illusio, isto é, dar importância a um jogo social, perceber que o que se passa ai é importante para os envolvidos, para os que estão nele. Interesse é "estar em", participar, admitir, portanto, que o jogo merece ser jogado e que os alvos engendrados no e pelo fato de jogar merecem ser perseguidos; é reconhecer o jogo e reconhecer os alvos. (BOURDIEU: 1996, p.139).

Podemos perceber, portanto, que as teorias de Bourdieu compõem uma importante ferramenta para a construção de uma ponte entre os diferentes capitais simbólicos dos alunos, o campo da Educação física escolar e as hierarquias que nelas se encontram. Isto porque, a educação Física enquanto componente disciplinar, torna-se um cenário propício a observação e ao debate sobre respeito e valorização das diversidades dos alunos, pois está diretamente ligada ao reconhecimento dos caracteres sexuais do corpo, ao movimento, à interação física e social de seus agentes e às 25

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989. SOUZA, Rafael Benedito de. Formas de Pensar a Sociedade: o conceito de habitus, campos e violência simbólica em Bourdieu. Revista Ars Historica. Jan. /Jun. 2014, p. 139.151. 27 BOURDIEU. Pierre. A Dominação Masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. 28 BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus Editora, 1996. 26

manifestações de seus capitais culturais, manifestadas nas preferências, nas sociabilidades grupais e nas habilidades em determinada atividade física ou esportiva. Cabe aos professores, no entanto, em seus trabalhos pedagógicos, a escolha entre trabalhar uma Educação Física reprodutivista, mantida por uma ideologia tradicional, descompromissada, excludente de violência simbólica dos agentes dominantes contra os dominados, ou contrariar essa ideologia e trabalhar uma Educação Física em sentido amplo, preocupada com seus sujeitos, com a democratização do espaço escolar a partir de ações afirmativas de orgulho à diversidade e às diferenças, e voltada para a superação das desigualdades. Uma Educação Física inclusiva, contrária à violência e aos preconceitos racial e sexual pensada em sua essência para atuar a diversidade na diversidade. Esta é uma visão pedagógica que só pode ser entendida por aqueles professores que tiveram uma formação preocupada com a democratização do campo da Educação Física em que atuam, mas, se considerarmos que não a tiveram, e o senso comum ratifica essa possibilidade, nada impede a esses professores de buscar o conhecimento que lhes fora negado durante a formação acadêmica. Para fazer com que os professores repensem suas pedagogias, é preciso, primeiramente, que estes se percebam agentes, dominados de um lado e dominantes de outro, e que suas práticas dotadas de saberes e capitais certamente influenciarão a formação de seus alunos. Estes, adolescentes em construção de suas identidades, “moldados” pela legitimação do lugar social em foram naturalizados arbitrariamente pelo o habitus em que estão inseridos. A inconclusão desta pesquisa nos limita o debate aos fatos apresentados até então. Nessa perspectiva, defendemos que as teorias de Bourdieu são essenciais não apenas para o reconhecimento de nosso lugar social, mas também dos diferentes capitais simbólicos que ditam nossas interações dentro e fora da escola; e, no que diz respeito aos objetivos deste trabalho, por enquanto, nos ajuda a reconhecer a formação do campo da Educação física escolar e as hierarquias que nela se encontram.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Como mencionado anteriormente, este trabalho está em processo de conclusão, mas já percebemos que tratamos de um campo que carece de estudos mais específicos: a dificuldade, de professores e estudantes, em enfrentar a diferença nas relações de sociabilidades assim como seu impacto na sala de aula, em todas as disciplinas desse nível de ensino; o que exige um trabalho pedagógico urgente, voltado para a superação de preconceitos e para a valorização das diversidades dentro da escola, podendo iniciar pelo campo da Educação Física. O próximo passo será a seleção das escolas da rede pública de Belém, onde aplicaremos os questionários específicos para professores e alunos, passo fundamental para a posterior análise em busca do entendimento da realidade pedagógica dos professores de Educação Física destas escolas; e da realidade do processo de sociabilidades entre adolescentes, alunos do Ensino Fundamental, II ciclo. Acreditamos que a conclusão desta pesquisa nos permitirá traçar o perfil dos adolescentes que comporão o corpus deste trabalho e de suas redes de sociabilidades dentro dos muros da escola, sem desprezar desta os conhecimentos históricos de sua constituição enquanto instituição formadora, o que nos habilitará debater o caráter excludente que a escola e a Educação Física assumem em determinados momentos através de suas práticas metodológicas. Finalmente, acreditamos chegar ao fim desta pesquisa, condicionados a justificar de forma qualitativa a necessidade de repensar as práticas de ensino da Educação Física, voltando-as para o debate do trabalho com a diversidade dos alunos, para o respeito das individualidades destes, buscando, assim, a ressignificação do olhar o outro e a si mesmo enquanto agentes atuantes e transformadores do campo a partir da internalização de um novo habitus. Desse modo, acreditamos atuar em favor de uma ressignificação da Educação Física enquanto disciplina, ampliando suas metodologias partindo do reconhecimento de seus sujeitos, da democratização dos seus espaços, do trabalho com ações afirmativas que valorizem a diversidade e as diferenças, da preocupação com a superação das desigualdades, do pensamento contrário à violência e aos preconceitos racial e sexual,

para uma formação crítico-superadora, formadora de adolescentes cidadãos, conhecedores de suas realidades, de suas identidades e das diversidades que os distinguem na diversidade em que estão inseridos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2009. Blos, P. Adolescência: uma interpretação psicanalítica. São Paulo: Martins Fontes, 1995. BOURDIEU. Pierre. A Dominação Masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. _______________. O Diploma e o Cargo: relações entre o sistema de produção e o sistema de reprodução. In.: NOGUEIRA,M.A.; CATANNI, A.M. (Eds.). Escritos De Educação. 9. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007b. p.127-144. _______________. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus Editora, 1996 _______________. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1989. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria Especial dos Direitos Humanos Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.Brasília:MEC/ACS, 2005. _______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Educação Física – ensino de quinta a oitava séries. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/fisica.pdf. Acesso em: 04 abr. 2013. ________. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Brasília, Conselho Nacional de Educação, 2010. ________. DECRETO-LEI Nº 3.199, DE 14 DE ABRIL DE 1941. Estabelece as bases de organização do desporto em todo o País. CASSORLA, R. M. S., & Smeke, E. L. M. . In D. L. Levisky (Org.). Adolescência e violência – consequências da realidade brasileira. São Paulo: Artes Médicas, 1997. CASTELLANI FILHO, Lino. A educação física no Brasil: a história que não se conta. 5. ed. Campinas: Papirus, 2000.

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