2016 ELEIÇÕES, PARTIDOS E IDEIAS: ALBERTO PASQUALINI E A ABERTURA DO ESTADO NOVO (1945)

May 30, 2017 | Autor: Douglas Angeli | Categoria: Partidos políticos, Trabalhismo, Experiência democrática
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ELEIÇÕES, PARTIDOS E IDEIAS: ALBERTO PASQUALINI E A ABERTURA DO ESTADO NOVO (1945)

Douglas Souza Angeli Doutorando em História na UFRGS [email protected]

Resumo: O presente trabalho analisa os artigos publicados por Alberto Pasqualini em 1945, no contexto da abertura política do Estado Novo. A convocação de eleições presidenciais e a perspectiva do fim do regime varguista incluem na pauta política discussões acerca da validade da Constituição de 1937, da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e dos dispositivos do decreto que regulamentou as eleições daquele ano (Lei Agamenon). Estes temas estavam presentes nos artigos de opinião de Pasqualini publicados naquele ano, juntamente com a discussão de um aspecto que marcaria seus posicionamentos nos anos seguintes: a relação entre eleições, partidos e programas. Palavras-chave: Eleições de 1945; Partidos Políticos; Alberto Pasqualini.

Considerações iniciais

Alberto Pasqualini (1901-1960), advogado e professor de Direito, foi vereador em Porto Alegre pelo Partido Libertador, eleito em 1934. No Estado Novo, foi membro do Conselho Administrativo do Estado entre 1938 e 1943, e secretário do Interior e Justiça entre setembro de 1943 e setembro de 1944, no governo do interventor Ernesto Dornelles. Conforme Luiz Alberto Grijó (2007, p. 85), Pasqualini foi considerado o “teórico do trabalhismo”, tido como um dos poucos membros do PTB que se “dedicaram a elaborar e difundir princípios fundamentados em disciplinas como a filosofia, história, sociologia e mesmo a teologia que sustentassem linhas de ação coerentes para os seus militantes e simpatizantes”.

O presente trabalho analisa os artigos publicados por Alberto Pasqualini em 1945, no contexto da abertura política do Estado Novo. A convocação de eleições presidenciais e a perspectiva do fim do regime varguista incluíram na pauta política discussões acerca da validade da Constituição de 1937, da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e dos dispositivos do decreto que regulamentou as eleições daquele ano (Lei Agamenon). Estes temas estavam presentes nos artigos de opinião de Pasqualini publicados naquele ano, juntamente com a discussão de um aspecto que marcaria seus posicionamentos nos anos seguintes: a relação entre eleições, partidos e programas. A crítica à formação dos partidos em torno de nomes e não em torno de ideias é o mote principal de Pasqualini no contexto de criação da União Social Brasileira – que mais tarde seria incorporada ao Partido Trabalhista Brasileiro. O ano de 1945 é o marco inicial do período que a historiografia tem chamado de experiência democrática – marcada pela ampliação do corpo eleitoral, pela consolidação de um sistema eleitoral competitivo e pela criação de partidos políticos nacionais. E, justamente, o papel dos partidos na democracia e as eleições foram os temas principais dos artigos de Pasqualini naquele momento. O trabalho inicia com uma revisão historiográfica sobre a abertura do regime varguista e a convocação de eleições em 1945. Em seguida, situa Alberto Pasqualini nesse contexto e passa à análise dos artigos publicados pelo político gaúcho naquele ano.

O ocaso do Estado Novo e o vislumbre da democracia

Angela de Castro Gomes (2005, p. 185-186) considera que, a partir de 1942, uma ambiguidade passa a predominar no Estado Novo: o esforço de abrir mão de um regime autoritário sem que seus mentores tivessem de abandonar as posições de poder que detinham. Com a necessidade de conduzir o processo de saída do próprio autoritarismo, tornava-se crucial o cuidado na execução de políticas capazes de proceder esta transição: era preciso, primordialmente, estreitar os laços entre Estado e movimento operário via representação sindical. Para a historiadora, esta era uma política contraditória, pois, através dela almejava-se, por um lado, um maior controle do Ministério do Trabalho sobre

o movimento sindical e, por outro, era necessário que este movimento fosse significativamente representativo no meio do operariado (GOMES, 2005, p. 185-186). A partir de então, a estratégia do governo Vargas foi reorientada no sentido de consolidar um pacto social com as classes trabalhadoras. Havia também a necessidade, cada vez mais premente, de lidar com a questão político-eleitoral. Assim, o governo passou a investir em duas frentes: a realização de uma reforma constitucional adequando a Carta de 1937 aos novos tempos; e a preparação de eleições. A Constituição de 1937 estabelecia um primeiro período de vigência que se encerraria em 1943. Dentro de tal prazo, deveria ser realizado um plebiscito com o objetivo de avaliar a Constituição. A guerra adiou a realização do plebiscito e dilatou o prazo do regime (GOMES, 2005, p. 268-269). Se considerava que o período do Estado Novo não teria sido suficiente para desarticular o antigo modelo partidário e, caso se realizassem eleições no “estilo antigo”, o restabelecimento parcial dos velhos quadros políticos era algo provável. A solução seria, logo após a guerra, realizar eleições de forma rápida e atingir o centro da força dos antigos partidos: o alistamento eleitoral. Um alistamento rápido e que evitasse a inscrição individual de todos os eleitores para a formação da massa votante – o que poderia ser realizado com a utilização das forças agremiativas representadas pelos sindicatos e pelas instituições de previdência – foi a alternativa encontrada (GOMES, 2005, p. 272-274). Conforme Angela de Castro Gomes (2005, p. 274-276), o governo chegou a cogitar a realização de eleições antes mesmo do término da guerra, visto que uma eleição rápida poderia favorecer um triunfo de Getúlio Vargas. No início de 1945, a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes já era um fato e o governo se via obrigado a responder com outro nome. Diante do risco de lançar a candidatura de Vargas estando ele no poder e em elaboração uma legislação eleitoral, surgia a candidatura do Ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra. Enquanto isso, Agamenon Magalhães assumia o Ministério da Justiça e a temática partidária voltava ao debate político (GOMES, 2005, p. 276-278). Agamenon assumiu o ministério em 1º de março de 1945, imediatamente após a promulgação do decreto que determinou um prazo de noventa dias para marcar novas eleições e determinava a elaboração de uma lei eleitoral. As propostas de Agamenon não coincidiam com as de seu antecessor, Marcondes Filho, que entendia adequado iniciar a

transição com as eleições presidenciais e que a Constituição de 1937, devidamente reformada, poderia ser submetida a um plebiscito, não havendo, portanto, a necessidade de uma constituinte. Por sua vez, Agamenon propunha um processo que iniciasse com a convocação de uma constituinte. O ministro Agamenon estabeleceu cinco pontos básicos para a comissão encarregada de elaborar a lei eleitoral: adoção de alistamento simples e extenso, o voto secreto, a justiça eleitoral autônoma, a apuração rápida e imediata e os partidos nacionais (GOMES, 2005, p. 279-281). Nesse contexto, foram convocadas, para dezembro de 1945, eleições presidenciais e para a formação da Assembleia Nacional Constituinte. Em maio daquele ano, Getúlio Vargas baixou um decreto-lei regulamentando as eleições, conhecido como Lei Agamenon. Conforme o decreto, eram eleitores os brasileiros, de um e outro sexo, maiores de 18 anos, alistados na forma da lei, exceto: os que não sabiam ler e escrever, os militares em serviço ativo, salvo os oficiais, os mendigos e os que estivessem, temporária ou definitivamente, privados dos direitos políticos. O alistamento e o voto eram obrigatórios para homens e mulheres, com exceção dos inválidos, dos maiores de 65 anos, dos brasileiros a serviço do país no estrangeiro, dos oficiais das forças armadas em serviço ativo, dos funcionários públicos em gozo de licença ou férias fora de seu domicílio, dos magistrados e das mulheres que não exercessem profissão lucrativa. Sendo que a volta da Força Expedicionária Brasileira (FEB) era vista como a consagração da vitória da luta pela democracia, o retorno de seu primeiro escalão, em 18 de julho de 1945, era esperado como um marco da campanha oposicionista, mas acabou se tornando um marco da eclosão do movimento pela candidatura de Getúlio Vargas, o queremismo. Surpreendendo todas as previsões, quando Vargas surgiu em carro aberto no encerramento do desfile, o público explodiu em ovação: “O sinal verde estava dado” (GOMES, 2005, p. 285). Jorge Ferreira (2005) afirma que, entre fins de fevereiro de 1945 até a deposição de Vargas em 29 de outubro, a sociedade brasileira assistiu e participou de um movimento de massa que acabou impedindo que a transição à democracia ficasse restrita a uma negociação, pactuada pelo alto, entre as elites. Foi o chamado queremismo, movimento que apresentou aos estudiosos algo estranho tanto na tradição intelectual de liberais quanto das esquerdas: “Cai a ditadura do Estado Novo, mas cresce o prestígio do ditador;

vislumbra-se o regime democrático e, no entanto, os trabalhadores exigem a permanência de Vargas no poder” (FERREIRA, 2005, p. 26). Conforme Jorge Ferreira (2005), o movimento queremista causou grande surpresa aos grupos de oposição, pois os trabalhadores saíram às ruas na luta por demandas políticas e não, como seria esperado, por reivindicações econômicas. Para os trabalhadores – apesar da política de “esforço de guerra”, que suspendeu temporariamente alguns benefícios trabalhistas, e da inflação, que resultaram no empobrecimento dos assalariados – havia o temor de que, com a saída de Vargas, os benefícios da legislação social fossem suprimidos. Em abril de 1945, o movimento começou a ganhar contornos mais nítidos e a transição não ficaria mais restrita aos interesses das elites políticas: “Um novo personagem apareceu no cenário político brasileiro: os trabalhadores” (FERREIRA, 2005, p. 31). Apesar da grande mobilização popular em torno do lema “queremos Getúlio”, Vargas não se desincompatibilizou do cargo de presidente e, portanto, não concorreu à reeleição nas eleições de 1945. Entretanto, havia um “movimento assimétrico”: o Estado Novo caía, mas o prestígio de Vargas só crescia (GOMES, 2005, p. 286). A candidatura de Eurico Gaspar Dutra (PSD) só ganhou densidade após receber, pouco tempo antes das eleições, o apoio de Vargas. Assim, contrariando todos os prognósticos, Dutra obteve 55,39% dos votos, contra 35,74% de Eduardo Gomes (UDN) e 9,7% de Yedo Fiuza (PCB). Além da conclusão de que Getúlio Vargas ainda era o grande nome da política nacional, as elites políticas acabavam de constatar o aparecimento contundente e irreversível do trabalhador no cenário das lutas políticas brasileiras, levando José Lins do Rego a declarar que “não era possível mais fazer cálculos sem contar com o povo” (GOMES, 2005, p. 292). Dessa forma, as eleições de 1945 atestavam o desmantelamento do sistema partidário vigente nos períodos anteriores e o fim do domínio exclusivo das oligarquias rurais tradicionais, e o novo ator responsável por esta mudança era o trabalhador urbano (GOMES, 2005, p. 294; FRENCH, 1998, p. 62). Para Jorge Ferreira (2005), o queremismo foi uma experiência de aprendizado político para os trabalhadores. Se na década de 1930 eles aprenderam a exercer a cidadania social, com os direitos sociais, ao longo de 1945, na luta para garantir a permanência de tais direitos, eles aprenderam a lidar com a cidadania política: “Perceberam a importância política para garantir as leis

trabalhistas”; assim, tratou-se de uma relação em que as partes, Estado e classe trabalhadora, “identificaram interesses comuns” (FERREIRA, 2005, p. 87-88).

Alberto Pasqualini entre o Estado Novo e redemocratização

Com a iminente derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial, a ditadura do Estado Novo começava a abrandar-se, havendo inclusive o afrouxamento da censura à imprensa. Aos poucos, a liberdade de manifestação invadiu as ruas: comícios da frente oposicionista e manifestações da União Nacional de Estudantes pela democratização e pela anistia tornavam-se cada vez mais hostis à figura de Vargas (FERREIRA, 2005, p. 21-23). Nesse contexto, Alberto Pasqualini publicou 11 artigos, no jornal Correio do Povo, tratando do tema da redemocratização e da sucessão presidencial. Diante da possível realização de eleições, Pasqualini analisa a Constituição de 37 e se posiciona quanto a duas possibilidades: convocação de constituinte ou de plebiscito. Trata-se do artigo Plebiscito ou constituinte, publicado em 28 de janeiro de 1945. Defensor dos aspectos sociais da Constituição, Pasqualini argumenta sobre o plebiscito: Creio que reside precisamente nessa circunstância a falha e o defeito fundamental do plebiscito, pois o eleitorado deverá aceitar ou rejeitar in totum a constituição que lhe é proposta, quando, talvez, a grande maioria dos eleitores se inclinasse a aprová-la ou recusá-la apenas em parte.

No fim do artigo, o político gaúcho defende a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte: “A Constituição de 1937 realizou a sua função histórica. O que cumpre agora é que o povo, por intermédio dos seus legítimos representantes, elabore a lei fundamental”. No dia 11 de fevereiro de 1945, no artigo intitulado Governo e partidos, diante da confirmação da realização de eleições e do início dos movimentos visando à reorganização partidária, Pasqualini defende que os novos partidos não repitam os velhos vícios e que se pautem em torno da discussão pelo bem-comum: “Seria profundamente deplorável e decepcionante se, depois de tão longa pausa [...], se reiniciassem as práticas

com os mesmos erros, os mesmos vícios e os mesmos embustes”. Critica também a mistura entre governo e partido e defende eleições sem fraudes e sem aparelhamento: “Façam-se, pois, eleições, mas eleições livres e honestas, sem golpes, sem truques, sem malabarismos, eleições por onde se filtrem todos os matizes da opinião nacional”. Estabelece discursivamente dois adversários a este propósito: o profissionalismo político e o caudilhismo: “É necessário desinçar a política nacional do profissionalismo e do caudilhismo”. A crítica aos políticos profissionais e aos partidos seguiria nos artigos posteriores. A possibilidade do plebiscito já estava descartada quando da publicação do artigo seguinte por Pasqualini: Metafísica do ato adicional, em 4 de março de 1945. Diante da Lei Constitucional n.º 9, acabando com a possibilidade de plebiscito e, com a entrevista de Vargas dizendo que o futuro parlamento teria poderes constituintes e lhe seria facultado reformas à Carta de 37, Pasqualini coloca questões de legitimidade da Constituição em vigor e do próprio parlamento futuro: “Como poderá o parlamento modificar uma constituição, que não é constituição, porque não foi votada pelos legítimos representantes da soberania popular, nem foi pelo povo ratificada?”. Nesse artigo, Pasqualini também critica uma possível resistência ao que chama de “onda democrática mundial”: “Não parece, porém, de boa tática e de boa política, em plena eclosão democrática, opor resistência à democratização das instituições”. Paralelamente às questões jurídicas que envolviam a redemocratização, as forças políticas se reorganizavam em torno de novos partidos políticos. Em 18 de março de 1945, o Correio do Povo entrevistou Alberto Pasqualini sobre a possível formação de um partido ou movimento político em torno dele. Pasqualini confirmou as conversações e defendeu que os movimentos ou partidos políticos deveriam se formar em torno de ideias em comum, rejeitando a simples discussão de nomes de candidatos de forma imediatista. Conforme Pasqualini, a formação de um movimento político deveria “ter como ponto de partida um conjunto de ideias nucleares, isto é, um programa, que é o enunciado das soluções que se propõem para os problemas ocorrentes e que não são apenas políticos, mas principalmente sociais e econômicos”. Nessa entrevista, Pasqualini faz uma crítica clara às candidaturas militares, no momento em que Eduardo Gomes e Eurico Dutra se apresentavam como candidatos à presidência: “Pessoalmente, entendo que uma candidatura militar nunca deveria ser uma

candidatura de combate, pois a função das Forças Armadas, na política interna do país, deve ser essencialmente de unir e pacificar e nunca inquietar ou dividir”. Essa crítica ao envolvimento dos militares na competição eleitoral retornaria em outras oportunidades. A crítica aos partidos em torno de nomes e não em torno de ideias, retorna no artigo Candidaturas e programas, publicado em 1º de abril de 1945. Pasqualini critica o que considera uma inversão: escolhidos os candidatos, os partidos passariam a pensar no programa. Conforme o político, isso se devia em grande parte à situação do governo e sua ilegitimidade: Se, antes de se agitarem candidaturas e questões eleitorais, houvesse o governo restabelecido a liberdade de manifestação do pensamento, se houvesse encaminhado a reforma constitucional por outros processos mais condizentes com os postulados jurídicos e os desejos de opinião, poder-se-iam, certamente, consagrar tantas energias malbaratadas no exame das questões fundamentais e cuja solução qualquer programa político-partidário deve enunciar. À discussão destinada a esclarecer a opinião pública, dever-se-iam seguir, logicamente, as formações partidárias, propugnando estes ou aqueles objetivos, estas ou aquelas soluções, realizando-se, por fim, os comícios eleitorais.

Além dessa crítica ao que considera uma inversão da lógica, Pasqualini avaliou o quadro da sucessão presidencial, considerando improvável a candidatura de Getúlio Vargas. Para ele, seria um erro pessoal do presidente aceitá-la: “Seria porventura interessante continuar na Presidência da República num regime de limitações, de freios, de controle, sofrendo ainda a violência dos ataques adversários?”. Por fim, Pasqualini suaviza a crítica anteriormente feite com relação às candidaturas militares: Existe, pois, a grande possibilidade de que a crise nacional venha a ter uma solução, não como a querem ou desejam certos políticos, mas como querem e exigem os interesses do país. Bastará aproveitá-la e isto está nas mãos dos dois ilustres militares. Eles saberão, por certo, colocar a pátria acima das dissenções de grupos e das incompatibilidades pessoais.

Apesar dessa suavização, Pasqualini retoma a questão de forma crítica, no artigo do dia 17 de junho, intitulado O problema da sucessão. Pasqualini considerava que o problema da sucessão presidencial residia no fato de ambos os candidatos serem militares, o que fazia pairar no ar o tema da intervenção das Forças Armadas. Na conclusão, Pasqualini defendia a conciliação entre as classes e um candidato de conciliação condizente com isso. Sobre o que Alberto Pasqualini havia chamado genericamente de vícios, no artigo de 11 de fevereiro, surge um exemplo esclarecedor no texto publicado em 28 de abril,

intitulado Em defesa do colono. Neste artigo, ele critica a política fiscal e as desapropriações de bens de colonos por dívidas com o fisco, defendendo uma política de proteção aos colonos. Com destaque, Pasqualini critica a coação eleitoral da qual os colonos eram vítimas, segundo ele, vítimas das máquinas eleitorais: “Nem sempre é dado ao colono exercer livremente e sem constrangimento os direitos do cidadão. Vota sob coação moral e sua função, como eleitor, se reduz, não poucas vezes, a depositar mecanicamente na urna a cédula que lhe foi previamente entregue”. Luiz Alberto Grijó (2007) já chamou a atenção para a influência tanto de sua formação intelectual católica quanto de sua origem colonial italiana. A entrevista publicada na Revista do Globo, em 7 de dezembro de 1946, quando este era candidato a governador, já pelo PTB, inicia com uma história da infância de Pasqualini: Cerca de quarenta anos atrás, um menino viu prenderem e amarrarem um pobre colono da sua região quando, em tempo de eleições, percorria os distritos com seu pai, que era notário e membro do poderoso Partido Republicano gaúcho. – Por que estão amarrando esse homem? – perguntou o menino, condoído. Seu pai, que assistia à cena com indiferença, pois não tinha ardores políticos, respondeu: – Dizem que ele tentou votar no candidato da oposição para intendente municipal. Assim amarrado, não poderá assinar a cédula eleitoral... Estás compreendendo? O menino não entendeu exatamente a história, mas achou que, de qualquer forma, estavam cometendo uma arbitrariedade, pois o colono pinoteava procurando libertar-se, enquanto gritava acusando seus detentores. Daquele momento em diante, Alberto Pasqualini, o menino, começou a preocupar-se com a política.

A valorização da democracia representativa acompanhava a trajetória política de Pasqualini desde o período anterior, como demonstrado no caso que o levou a saída do cargo de secretário do Interior do governo Ernesto Dornelles: Como reformador socioeconômico, Pasqualini havia até elogiado a Constituição de 1937, mas como político liberal criticava o sistema político ditatorial que essa mesma Constituição propugnava. Durante seus seis meses como secretário do Interior, Pasqualini aumentou o imposto estadual sobre vendas, usando o dinheiro arrecadado para serviços sociais. Também, contradizendo de maneira evidente o rigoroso controle nacional sobre a informação, declarou fim à censura na imprensa. Quando o prefeito de Cachoeira do Sul renunciou, Pasqualini anunciou que as figuras influentes daquele município convocariam um plebiscito para ‘eleger’ um novo prefeito; essa decisão representava um desvio radical do sistema existente de nomeação. Esse ato foi a gota d’água para Dornelles, que publicamente, repudiou o anúncio de Pasqualini, forçando-o a demitir-se (CORTÉS, 2007, p. 170-171).

Em sua tese, Diego Orgel Dal Bosco Almeida (2015, p. 103) faz uma ressalva importante:

Deve-se salientar, no entanto, a impossibilidade de se afirmar que Alberto Pasqualini tenha sido um grande opositor do regime instaurado por Getúlio Vargas em 1937. Pelo contrário, o personagem fazia parte dele, tecendo, inclusive, não poucos elogios aos seus principais fomentadores no Estado do Rio Grande do Sul. A crítica ao regime pode ser considerada pontual e vinculava-se, fundamentalmente, tão somente às práticas de cerceamento das liberdades individuais e de expressão nos veículos de imprensa.

Em 17 de junho de 1945, Pasqualini fez uma crítica contundente à lei eleitoral, por meio da matéria O Sr. Alberto Pasqualini levanta a questão da inconstitucionalidade do novo Código Eleitoral Brasileiro. Diante da decretação da Lei Agamenon, Pasqualini critica o artigo 39 que define o registro somente de candidatos filiados a partidos. Pasqualini considera um atentado ao direito de sufrágio e à soberania popular. Apesar de suas críticas recorrentes à falta de legitimidade da Constituição de 1937, pela não realização do plebiscito, Pasqualini rendeu-se ao fato de que a redemocratização não começaria pela constituinte ou pela realização do plebiscito, mas sim pelas eleições regidas pela Lei Agamenon. Assim, evoca a própria Constituição para criticar a lei eleitoral: “Tal disposição viola, evidentemente, o direito do sufrágio ativo e passivo, isto é, o direito de votar e ser votado [...]. Por outro lado, contravém o disposto no art. 121 da Constituição que declara somente inelegíveis os que não podem ser eleitores”. Nesse artigo, Pasqualini traz uma justificativa à sua crítica do registro de candidatos exclusivo por partidos, que soma-se à própria crítica que faz aos partidos e ao caudilhismo: o povo estaria fora dos partidos, sendo estes dominados por chefes que não deliberam coletivamente e democraticamente. Assim, a lei eleitoral apresentada pelo governo não assegurava a expressão da vontade popular, em face ao distanciamento do povo das deliberações partidárias. Segundo Pasqualini, tal dispositivo fomentaria “o caudilhismo indígena”. Concomitante a isto, a campanha para presidente da República tomava às ruas e assumia protagonismo no debate político. Em 2 de setembro, o Correio do Povo publicou entrevista com Alberto Pasqualini sobre o processo de redemocratização do país. Pasqualini voltou a defender a constituinte como meio legítimo de democratização do país. Volta a defender eleições limpas, competitivas e a democracia liberal: Temos o direito de exigir eleições decentes e livres [...]; Temos igualmente o direito de combater qualquer candidatura. Não o temos, porém, de impedir que o povo escolha, ainda que erradamente, o nome de sua preferência. Afinal, isso é a democracia e, se quisermos realmente observar-lhe e respeitar-lhe os princípios, devemos ser coerentes ainda quando as soluções não favorecem os

nosso pontos de vista.

No discurso de instalação da União Social Brasileira, publicado no Correio do Povo em 15 de setembro, Pasqualini trata da criação das condições necessárias à instituição da democracia e do que deveria ser o verdadeiro objetivo da política e o que ela era na realidade: “A política, em vez de ser a pesquisa das soluções para o bem comum, não passa, a maior parte das vezes, de uma disputa pessoal em torno do poder. Por isso são as ideias que dividem os homens, mas as paixões e os interesses”. Pasqualini defendeu, nesse discurso, uma série de pontos centrais no seu pensamento político e social: a solidariedade, a necessidade de desenvolver a economia brasileira considerando a importância da redistribuição de renda para criar consumo interno, a defesa de uma nova mentalidade capitalista, não individualista, mas sim solidarista, o que fundamentava com base na doutrina social da Igreja citando encíclicas. Defendeu a socialização dos lucros, um plano de assistência e políticas de habitação, agrária e de saúde pública. Por fim, retomou o catecismo por partidos em torno de ideias: “Não esqueçamos que uma agremiação partidária não deve ter apenas uma finalidade eleitoral e muito menos constituir-se para disputar uma eleição. Cumpre que um partido seja um instrumento de mobilização social, de difusão de ideias e de educação do povo”.

Considerações finais

Pierre Rosanvallon (2010, p. 74;87) ressalta a importância de entender a vida na democracia não como a confrontação com um modelo ideal, mas como “a exploração de um problema a resolver”, indicando a necessidade de compreender a democracia por meio de suas tensões e incertezas, conflitos e controvérsias que a constituem. Uma das tensões que Rosanvallon (2010, p. 88-90) salienta é aquela existente entre o tempo-recurso e o tempo obrigação. Para o autor, a atração pelo curto prazo faz parte de um fenômeno estrutural, pois no intuito de dar força à vontade geral, a democracia é constantemente levada à valorização do imediato, mesmo que o direito só possa tomar forma ao introduzir uma temporalidade longa na sociedade. Além disso, a necessidade de planejar políticas públicas que avancem sobre períodos muito mais longos e descolados dos ritmos eleitorais, torna “o tempo da democracia suscetível a uma dupla defasagem:

excessivamente imediato para problemas de longo prazo, excessivamente lento para a gestão da urgência” (ROSANVALLON, 2010, p. 90). O ano de 1945 foi bastante movimentado em termos políticos. A abertura do Estado Novo, com a convocação de eleições e o ressurgimento dos partidos e das campanhas eleitorais, após mais de sete anos de regime autoritário, trouxe ao debate político temas estruturais, relativos ao próprio regime político e ao Estado de Direito, quanto temas mais imediatos, como quem seria o presidente da República. A atuação de Alberto Pasqualini é mercada por estas tensões, características dos momentos de disputa política e potencializadas pela transição de uma ditadura para um regime democrático – e os ajustes necessários ao rearranjo das ideias defendidas e do papel exercido por cada um dos agentes políticos. Fazendo a leitura desse contexto, Pasqualini reforça um discurso político liberal, de valorização da democracia representativa, embora defenda os aspectos sociais da Constituição de 1937 e defenda um papel importante do Estado especialmente na área social. Em meio a um discurso de valorização do sufrágio e da soberania popular, Pasqualini faz uma crítica ao processo de formação de partidos políticos em torno de chefes políticos, de nomes e projetos imediatistas, defendendo a formação de partidos em torno de ideias relativas à vida em comum. Pasqualini defende, mais de uma vez, a ideia de que os partidos políticos deveriam servir à mobilização, à difusão de ideias e à educação do povo. O regime que teve início naquele momento, a chamada experiência democrática (1945-1964), caracterizou-se pela realização periódica de eleições, pela constituição de partidos nacionais e pela ampliação do corpo eleitoral - cada vez maior em núcleos urbanos e industriais. Tudo isso modifica a relação entre candidatos e eleitores. Para Angela de Castro Gomes (2009, p. 36), a experiência liberal-democrática de 1945-1964 propiciou um “aprendizado da política eleitoral, em novos e mais amplos marcos”. A União Social Brasileira (USB), fundada sob a liderança de Pasqualini, seria incorporada ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e este o lançaria como candidato a governador para as eleições de 1947. Em 1950, uma campanha vitoriosa o levaria ao Senado. Em 1954, a segunda tentativa frustrada de ser governador encerraria a trajetória eleitoral de Pasqualini. As campanhas eleitorais de Alberto Pasqualini seriam caracterizadas pela divulgação de propostas ligadas aos principais temas de seu

pensamento político e social: justiça social, cooperação, o papel do Estado na economia e o bem-estar social. Assim, na continuidade desta pesquisa, o foco estará centrado nas campanhas eleitorais de Alberto Pasqualini, em 1947, 1950 e 1954, buscando compreender tanto o processo de difusão das ideias políticas e sociais de Pasqualini por meio da mobilização eleitoral, quanto o processo de elaboração e reelaboração destas ideias nos contextos de campanha. Isso tudo, considerando que as campanhas eleitorais são caracterizadas por diversas tensões a que são expostas homens e ideias: tensão entre um pensamento político de longo prazo e o imediatismo das propostas eleitorais; tensão gerada pela necessidade de responder às críticas dos adversários; tensão gerada pela necessidade de considerar a recepção do eleitorado. Alberto Pasqualini pode ser considerado um personagem-chave compreensão do processo de aprendizado político da democracia, do papel das campanhas eleitorais na construção de um interesse pela democracia representativa e do papel dos partidos políticos na mobilização política, em um período fundamental para a história política brasileira.

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