2016_POSSÍVEIS EFEITOS DA PADRONIZAÇÃO SOBRE O CONTEÚDO DE MAMÍFEROS EM LIVROS DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA APROVADOS PELO PNLD

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POSSÍVEIS EFEITOS DA PADRONIZAÇÃO SOBRE O CONTEÚDO DE MAMÍFEROS EM LIVROS DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA APROVADOS PELO PNLD. Renan Santana Pacheco (Graduado UFSC-Ciências Biológicas) André Luís Franco da Rocha (Doutorando - PPGECT1 /UFSC/ CAPES) Sylvia Regina Pedrosa Maestrelli (Professora - PPGECT/UFSC) Resumo: O presente trabalho buscou compreender a padronização do Livro Didático de Ciências e Biologia a partir do texto teórico conceitual de Mamíferos nos livros aprovados pelo PNLD e mais utilizados pelas escolas públicas de Florianópolis. A análise evidenciou que, em ambos os livros, a abordagem dos mamíferos consiste em um formato tradicional, descontextualizado da realidade discente e fragmentado às demais áreas de conhecimento. Consideramos que o conteúdo de mamíferos apresentado de forma enciclopédica corresponde ao modelo tradicional de ensino de zoologia. Modelo este que, ao se expressar de forma correspondente nos materiais mais escolhido pelos professores de Ciências e Biologia, caracteriza-se como um forte indício da padronização dos livros didáticos. Palavras Chave: Livros Didáticos; Padronização; Mamíferos Introdução O livro didático (LD) pode permitir ao leitor reflexões sobre os diferentes aspectos da realidade e estimular a capacidade investigativa do aluno. Ele possui grande potencial de disseminar informações, visto que muitas vezes é o único material que a comunidade escolar tem acesso e uso (KRASILCHICK, 2008). Devido a essa relevância e a grande disseminação do material nas instituições de ensino é compreensível a existência de análises e críticas sobre seu conteúdo. É com esse objetivo analítico que muitos pesquisadores da área de ensino de Ciências vêm contribuindo com a avaliação dos LD e colaborando com a escolha desses materiais por parte dos professores ao dar-lhes elementos avaliativos para além daqueles oferecidos pelo 1

Programa de pós Graduação em Educação científica e tecnológica

Ministério da Educação (ROSA; MOHR, 2010). Portanto, a fim de contribuir com a ampliação da qualidade dos LD é necessária uma observação criteriosa dos materiais que fazem parte do ambiente escolar. Até 1996, a observação e seleção criteriosa do material produzido pelas editoras era responsabilidade somente dos professores e das unidades educativas. Devido aos critérios não estarem relacionados diretamente sobre a produção do material, os livros disponíveis não possuíam muito

rigor,

uma vez que apresentavam erros conceituais ou interpretativos,

desatualizações e diversas formas de preconceito ou discriminação (GRAMOWSKI, 2014). Atualmente, os livros com essas características, em sua maioria, são excluídos do material selecionado disponível para a seleção, a partir dos critérios de avaliação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Critérios que ao incidir sobre a produção do material junto às editoras vem estabelecendo

novos padrões de

financiamento público e qualidade para o LD

(GRAMOWSKI, 2014.). O PNLD foi criado em 1985, substituindo o antigo Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental, apresentando diversas alterações como a indicação de livros pelos professores; a reutilização dos livros e o aperfeiçoamento das especificações técnicas de sua produção (GRAMOWSKI, 2014). Entre essas alterações a mais marcante foi o processo de avaliação das coleções pelo PNLD, que teve início no PNLD de 1997, evidenciando o que as pesquisas na área de Educação e Ensino já acenavam acerca dos problemas teóricometodológicos e conceituais presentes nos livros didáticos pré-PNLD 1997. Segundo Fracalanza e Megid Neto (2006, p. 159) as principais mudanças advindas do surgimento do PNLD, ocorreram, “[...] no aspecto gráfico e visual; na correção conceitual; na eliminação de preconceitos e estereótipos de raça, de gênero ou de natureza socioeconômica, na supressão de informações ou ilustrações que possam propiciar riscos à integridade física do aluno”. Apesar desses avanços, diante dos processos de avaliação do PNLD, outros problemas surgiram no cenário dos LD. De acordo com Gramowski (2014) tendo em vista a nova perspectiva de avaliação e exclusão dos LDs pelo PNLD, ocorreu um processo de padronização das coleções aceitas. Tal padronização surgiu devida, tanto pela adequação aos critérios de avaliação dos LDs, quanto pela constituição de um padrão específico mais selecionado pelas escolas e por isso comprado pelo Governo Federal. Salvo raras exceções, os LDs das coleções apresentam conteúdos idênticos, com sequência e exemplos bastante semelhantes, bem como atividades e sugestões similares (FRACALANZA; MEGID NETO, 2006). Os processos de

avaliação do PNLD desencadearam mecanismos de reajustamento e adaptação no mercado editorial pós-PNLD 1997. Esse reajuste levou à atual situação dos livros didáticos de Ciências e Biologia, onde são poucas as diferenças de uma coleção para a outra, já que as obras mais rentáveis aceitas pelo programa servem de referência para as demais produções editoriais (MARTINS; SALES; SOUZA, 2009). Um fator que reforça essa padronização nos LDs é a seriação e distribuição de conteúdos específicos no decorrer dos anos no Ensino Fundamental. Essa seriação conceitual causa uma espécie de naturalização dos conteúdos de ensino em cada ano da seriação, fazendo com que o conjunto e a ordenação dos conteúdos pareçam imutáveis (GOMES; SELLES; LOPES, 2013). Essa seriação criou o que os próprios avaliadores em suas resenhas nos Guia do Livro Didáticos (GLDs) denominam como “formato tradicional”. O GLD é uma síntese produzida a partir do processo de seleção e avaliação que contém as resenhas dos LDs aprovados, para que os professores e as escolas possam selecionar as coleções a serem trabalhadas na escola. Em seu trabalho, Gramowski (2014), analisou todos os Guias até o ano de 2014, tendo como foco a disciplina de Ciências dos anos finais do Ensino Fundamental. A autora constatou que a maioria das coleções que compõem os GLDs possui um formato tradicional, sendo essas as mais selecionadas pelos professores e distribuídas pelo PNLD. As coleções de Ciências que não são tradicionais se diferem das demais na apresentação dos conteúdos e em suas metodologias. Algumas não seguem o padrão estabelecido de seriação podendo apresentar seus temas de forma desfragmentada, e ou estabelecendo relações entre as diversas áreas de conhecimento que compõem a disciplina de Ciências. Entretanto, a cada novo PNLD são poucas as coleções não tradicionais selecionadas pelos professores, o que reduz o investimento editorial nesses formatos inovadores (GRAMOWSKI, 2014). Uma das características presentes nos LDs que possuem formato tradicional é a presença da fragmentação na apresentação dos conteúdos. Assim como Gramowski (2014), compreendemos a fragmentação no LD como uma abordagem isolada de conteúdos de Ciências Biológicas, Química, Física e Geociências aos quais compõem a disciplina de Ciências. Desta forma, contrariamente a integração esperada na disciplina de Ciências (BRASIL, 1998), as distintas áreas de conhecimento não apresentam articulação ao explicar os fenômenos naturais trabalhados na escola. Por isso, é notória nos LDs, a predominância de uma visão biológica sobre os temas até o nono ano do ensino fundamental, onde Física e Química normalmente são concentradas de forma preparatória para o Ensino Médio.

No que se refere à fragmentação do LD no Ensino Médio, a situação da disciplina de Biologia não é diferente. Se no Ensino Fundamental a razão para não agregar conhecimentos biológicos com químicos e físicos é o fato dos alunos não ter tido contato com a Química e a Física. Esse argumento não é válido para o Ensino Médio, já que os alunos possuem essas duas disciplinas no currículo escolar. Sendo assim, os livros didáticos de Biologia com o formato tradicional perdem a oportunidade de articular as distintas áreas de conhecimentos das ciências naturais (GRAMOWSKI, 2014). Desta forma, o modelo padronizado dos LDs pode tornar-se um obstáculo à mudança da tradicional visão fragmentada nos livros de Ciências e Biologia. Visto que, a histórica fragmentação dos conteúdos em relação aos campos disciplinares pode reduzir os significados produzidos pelos alunos a respeito dos fenômenos naturais (KRASILCHICK, 2000; 2008). Ao refletir sobre a relação entre os conteúdos disciplinares no LD de formato tradicional e os alunos que tem acesso a ele, é notória a descontextualização dos conceitos com a realidade do leitor. Desta forma, compreendemos como descontextualização no LD a abordagem de conteúdos sem abertura para a relação dos mesmos com os conhecimentos prévios dos alunos e seu cotidiano, podendo induzir a uma leitura mecanicista e memorística dos conteúdos.

Essa leitura

impede que se construa uma relação entre o conhecimento científico e a realidade a que o aluno se aloca, já que só podemos aprender a partir daquilo que já conhecemos (MOREIRA, 2010). Para Moreira (2010), a contextualização é um elemento importante para o aluno alcançar a aprendizagem significativa, já que ela se dá pela interação entre o novo conhecimento e o conhecimento prévio dando-lhe novo significado. Na aprendizagem significativa o aluno relaciona as semelhanças e as diferenças entre o que já conhecia e o que lhe é novo reorganizando seus saberes, tornando-se o agente da produção de seu próprio conhecimento (MOREIRA, 2010). É com essa perspectiva que o conteúdo de biodiversidade presente no livro didático pode permitir ao aluno a compreensão básica da organização dos grupamentos animais, suas características, semelhanças, diferenças, processos evolutivos, classificações, comportamentos, relações ecológicas e suas interações com o ser humano. Essa compreensão se articulada ao contexto concreto do estudante pode contribuir para que os alunos respondam de forma mais crítica às demandas de seu cotidiano, baseando-se não apenas em suas vivências pessoais, mas também nos conhecimentos universais adquiridos na escola. Entretanto, de acordo com Rocha, (2013), podemos perceber claramente uma visão descontextualizada e fragmentada dos conteúdos

de Ciências e Biologia, ao analisar a abordagem da biodiversidade presentes nos LDs. Trabalhos recentes acerca dos conteúdos de Zoologia presente nos LDs de Ciências e Biologia descrevem fragilidades no conteúdo como a descontextualização com a realidade do aluno (SILVEIRA et al., 2013); a falta de uso da filogenética ao apresentar os grupos animais (RODRIGUES; DELLA JUSTINA; MEGLHIORATTI, 2011) e a desarticulação entre os grupos com o foco em características morfofisiológicas, caracterizando uma apresentação enciclopédica da vida animal (ROCHA, 2013). De acordo com Rocha (2013) tais fragilidades estão presentes em todos os agrupamentos, animais presentes no LD até mesmo nos mamíferos, grupo em que o ser humano é incluído. Os mamíferos, de maneira geral, são o grupo mais diversificado de todo o reino animal, com grande variação em suas formas, tamanhos e funções. Apesar de não constituírem um grupo grande, ao se comparar com os demais grupos de vertebrados, os mesmos habitam diversos ambientes da Terra e possuem características muito específicas, como por exemplo, a presença de pêlos e apresentando sistemas sociais e comportamentais complexos (HICKMAN et al., 2004). Considerando o modelo tradicional dos LDs no PNLD e a relevância do conteúdo de Mamíferos, o presente trabalho busca analisar a fragmentação e a descontextualização presente na organização do conteúdo teórico de Mamíferos nos livros do ensino fundamental e médio aprovados pelo PNLD 2014 e 2015. Buscamos evidenciar com essa análise, algumas as similaridades e diferenças nos materiais mais utilizados na rede pública de ensino de Florianópolis que podem nos dar indícios da padronização do material para um formato tradicional no ensino de zoologia. Procedimentos Metodológicos Com o objetivo proposto foi necessário construir uma revisão bibliográfica sobre o tema de interesse permitindo que se desenvolvesse um olhar teórico metodológico para o material. No processo de levantamento bibliográfico da produção acadêmica foram pesquisados artigos publicados em sete periódicos2 de divulgação do Ensino de Ciências de qualis A1, A2, B1 e B2 com as seguintes palavras chaves: Ensino de Zoologia, Ensino de Mamíferos, Livro Didático de

2

Os periódicos são: Ciência & Ensino (4 artigos), Ciência & Educação (9 artigos), Ensaio (10 artigos), Experiências em Ensino de Ciências (4 artigos), Investigações em ensino de Ciências (17 artigos), Alexandria (3 artigos) e Revista Brasileira de Pesquisa em Educação (9 artigos). Eles foram selecionados por serem periódicos de caráter geral, publicando artigos de pesquisa nas diversas subáreas da pesquisa em Ensino de Ciências (MOHR; MAESTRELLI, 2012)

Ciências e Livro Didático de Biologia. Desta forma, foi encontrado um total de 56 artigos3 . Dentre esses, tomamos como referência inicial os critérios de análise qualitativa do conteúdo teórico de zoologia nos LDs propostos por Vasconcelos e Souto (2003). Logo, estabelecemos a investigação a partir da construção de três categorias de análise. São elas: Semelhanças e diferenças teórico-conceituais, a contextualização dos conteúdos e a fragmentação dos conteúdos. No critério semelhanças e diferenças teórico-conceituais, observou se as similaridades e diferenças encontradas nos textos dos livros de Ciências e Biologia a fim de buscar possíveis padrões ligados a seriação e ao formato tradicional do ensino de mamíferos. Quanto à contextualização dos conteúdos foi analisada a relação dos conteúdos com o cotidiano do aluno, estabelecendo a necessidade dos vínculos com seus possíveis conhecimentos prévios. E por fim, no critério fragmentação dos conteúdos observamos a presença ou a ausência da fragmentação nos conteúdos teóricos de ambos os livros. Os livros analisados foram selecionados através do Sistema de Controle do Material Didático SIMAD/FNDE (BRASIL, 2014a), que disponibiliza via internet a distribuição dos livros aprovados pelo PNLD nas escolas do país. A busca se deu sobre as escolas públicas da cidade de Florianópolis a fim de obter dados numéricos da distribuição das coleções de Ciências e Biologia. Segundo os dados do site referentes ao PNLD do ano 2015, a coleção Biologia Hoje, dos autores Sérgio Linhares e Fernando Gewandsznajder, publicada pela editora Ática, foi a mais distribuída entre as coleções de Biologia, totalizando 5143 unidades de um total de 10180. A coleção Projeto Teláris - Ciências do autor Fernando Gewandsznajder e também publicada pela editora Ática, foi a mais distribuída entre as coleções de Ciências, referentes ao PNLD do ano 2014, totalizando 8199 unidades de um total de 16077.

A análise dos livros centrou-se nos

conteúdos relacionados ao grupo dos Mamíferos, que de acordo com a seriação tradicional são abordados no sétimo ano do Ensino Fundamental e no segundo ano do Ensino Médio. Portanto, neste trabalho, o livro do aluno Biologia Hoje 2 (BH) do segundo ano do Ensino Médio e o livro do aluno Projeto Teláris -Ciências Vida na Terra 7ª ano (PT) foram os objetos de análise. A análise dos LDs foi realizada em cinco etapas (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2004).

Como etapa inicial, foi realizada individualmente uma leitura de reconhecimento, que

teve como objetivo dar uma visão de conjunto do livro, observar suas particularidades, elaborar 3

Consideraram-se os artigos publicados a partir do ano de início de divulgação digital das revistas, até o fim do mês de setembro de 2014. Os artigos foram selecionados a partir da análise do título e do resumo apresentado, sendo selecionados artigos relacionados com o tema deste trabalho.

pressupostos iniciais que auxiliaram na análise e interpretação do material, escolher e criar formas de classificação inicial e determinar os conceitos teóricos que orientaram o trabalho. Na segunda etapa foi realizada a análise propriamente dita que consistiu em uma segunda leitura que objetivou buscar as unidades de análise orientadas pelos critérios de classificação iniciais. Na terceira etapa foi feita uma leitura relacional buscando a dinâmica interna de cada material. Na quarta etapa buscamos articular o recorte da análise com os pressupostos teóricos iniciais da pesquisa, culminando nas categorias analisadas. Por fim, foi elaborada uma redação para cada categoria aqui analisada (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2004). Resultados e Discussões Em PT o conteúdo de mamíferos é encontrado no capítulo 23 dentro da unidade três - Os seres vivos. O capítulo é composto de 14 páginas de conteúdo teórico, seis páginas de atividades e, ao fim do capítulo há seis páginas da sessão leitura especial sobre evolução da espécie humana. Essa sessão foi considerada na análise já que trata da evolução de um grupo de mamíferos, sendo o texto encontrado imediatamente ao final do capítulo encerrando a unidade três. Em BH o conteúdo de mamíferos é encontrado no capítulo 19 dentro da unidade quatro Animais. O capítulo é composto por 14 páginas de conteúdo teórico e duas páginas de atividades. Os livros alvos desta análise além de compartilhar o mesmo autor e a editora se baseiam no formato tradicional de coleções didáticas de Ciências e Biologia (GRAMOWSKI, 2014). Por isso, de forma geral, os livros são muito semelhantes, compartilhando os mesmos textos em diversos momentos principalmente no que cerne aos conteúdos teóricos neles expressos. Portanto, muitas das fragilidades encontradas em PT se repetiram em BH como veremos a seguir. Semelhanças e diferenças teórico-conceituais Ao analisarmos os conceitos abordados nos livro PT e BH, mesmo direcionados para níveis de ensino distintos, é notória a grande similaridade textual e conceitual entre os capítulos que abordam os conteúdos de mamíferos e suas características comuns como pêlos, glândulas sebáceas, glândulas sudoríparas, presença de tecido adiposo, dentes especializados, características gerais de seu sistema nervoso, de sua respiração, circulação, excreção e reprodução. Essa semelhança pode evidenciar tanto um padrão conceitual esperado para o livro didático, no que se

refere ao ensino de mamíferos, quanto um sistema de produção dependente entre os materiais da mesma editora, uma vez que os mesmos textos são encontrados nas duas obras analisadas. O padrão conceitual e a produção dependente do material, também podem nos ajudar a entender porque ambos os livros apresentam os mesmos limites conceituais e explicativos para alguns fenômenos e estruturas biológicas apresentadas, como é o caso da função dos pêlos no clado. Em PT o autor afirma que os pêlos “[...] formam uma barreira protetora contra a perda de calor” (GEWANDSZNAJDER, 2013, p. 239).

Da mesma forma, em BH, os pêlos são

conceituados como estruturas de única função, e que esta é comum a todos os integrantes do clado: “Os pelos e gordura funcionam como isolante térmico e contribuem para a manutenção de uma temperatura constante” (LINHARES; GEWANSZNADJER, 2014, p. 223). Entretanto, os pelos podem ter uma série de outras funções como proteção mecânica, proteção à luz solar e função sensorial (POUGH; JANIS; HEISER, 2008), mas essa diversidade de funções não foi considerada nos textos de ambos os livros, limitando-se apenas a citar uma das funções que os pêlos podem desempenhar. Apresentar as outras funções da estrutura poderia auxiliar os alunos na compreensão relacional de outros fenômenos, como por exemplo, a termorregulação, que embora seja trabalhada de forma mais profunda em BH que em PT – pois contem duas páginas dedicadas ao tema – não fica explicita sua relação com a estrutura e a função dos pêlos dos mamíferos em ambos os livros. Ao mesmo tempo em que existem regularidades na forma como os conceitos são apresentados entre os livros, também existem certas discrepâncias. Uma contradição possível está no fato de que ambas as obras de mesmo autor e editora não dão o mesmo subsídio teórico para explicar as relações conceituais. Um exemplo estaria na relação entre respiração e desidratação. Em PT o sistema respiratório dos mamíferos apresenta-se como: “um sistema respiratório eficiente, por sua vez, permite que esses animais tenham uma pele protegida contra a desidratação, e isso facilita a vida fora da água” (GEWANDSZNAJDER, 2013, p. 243). No entanto, em nenhum momento esse livro de Ciências fornece os subsídios teóricos necessários para que o leitor estabeleça uma compreensão sobre a relação entre a respiração e desidratação nos mamíferos. Já em BH ao longo da obra essa relação é bem explícita. De acordo com Gomes, Selles e Lopes, (2013) essa simplificação do conteúdo no livro de Ciências poderia corresponder a um formato tradicional do currículo que se sustenta em uma seriação específica de conteúdos para cada ano de ensino. Desta forma, conforme os anos passam e o aluno passa a ter acesso à

disciplina de Biologia, amplia-se a complexidade conceitual do ensino de fenômenos biológicos. Entretanto, não fica claro por que apresentar a relação entre respiração e desidratação em PT se ela não seria explorada conceitualmente. Será que aos autores ou a editora vêem o conteúdo de Ciências como uma Biologia reduzida? Será que ao formular o livro de Ciências a mesma editora apenas adaptou o texto do livro de Biologia? É evidente que BH busca aprofundar alguns conceitos, como é o caso do sistema digestório dos ruminantes, que não é abordado no material de Ciências. A diferença na presença e na quantidade de paginas atribuídas a esses temas dentro dos livros provavelmente se dá de forma causal, pois os autores ao produzir os livros consideram uma tradicional seriação e critérios distintos entre as disciplinas de Biologia e Ciências (GOMES; SELLES; LOPES, 2013). Podemos perceber que diferentemente do livro de Ciências, BH apresenta em seu texto um aprofundamento teórico em temáticas exigidas pelas questões de vestibulares, estas presentes ao final do capítulo. Portanto, compreendemos que o formato tradicional entre os livros PT e BH, possuem critérios distintos. Devido à exigência dos vestibulares, BH se torna um livro mais restrito com menor quantidade de textos complementares e boxes. Entretanto PT por não estar condicionado diretamente aos vestibulares, como mostram suas questões, teria um modelo que permitisse uma maior possibilidade de conteúdos adicionais. Essa premissa se afirma ao analisarmos o conteúdo de evolução presente ao final da exposição teórica em ambos os livros. Apesar de PT e BH possuírem um trecho síntese idêntico sobre a evolução dos mamíferos, PT na sessão Leitura especial busca explorar a evolução humana, dedicando seis páginas ao tema. Desta forma, as sessões e boxes deslocados do texto principal são o único momento em que os livros abordam a história evolutiva do grupo como um todo. Essa seria uma similaridade importante, pois a evolução em ambos os livros não é considerada como um eixo estruturador do conteúdo como apontam os PCNs (BRASIL, 1998). A falta de uma abordagem mais evolutiva evidencia a desarticulação entre os grupos de animais, já que em ambos os materiais dedica-se, quase que em sua totalidade, a descrever características morfofisiológicas de forma desarticulada a aspectos ecológicos e evolutivos do grupo. Em sua resenha sobre BH o GLD do PNLD 2015, mesmo aprovando o material, cita as mesmas críticas aqui apontadas: “Embora a biodiversidade esteja presente em vários trechos da obra, há abordagens limitadas do tema, principalmente no que diz respeito à apresentação dos grupos de

seres vivos, pois é priorizada a exposição das características em lugar d e aspectos relacionais (BRASIL, 2014b, p. 56)”.

Desta forma, mesmo que com distintos objetivos e critérios os conteúdos de mamíferos e a forma de apresentá-los nos livros seguem um modelo enciclopédico da vida animal comum. Um modelo de classificação ideal, lineliano e que reflete um ensino de zoologia fortemente tipológico e de caráter essencialista, não evidenciando o desenvolvimento da vida a partir das atuais teorias evolutivas. Essa apresentação do grupo contribui para uma compreensão desarticulada da realidade concreta e histórica da vida animal (ROCHA, 2013). Contextualização dos Livros Para Rodrigues; Della Justina e Meglhioratti, (2011), o pensamento essencialista, em parte, seria o responsável pelo caráter enfadonho do ensino de zoologia. Nesse sentido, Rocha (2013) considera que o ensino de animais é enciclopédico e distante da realidade dos alunos cabendo-lhes somente a memorização mecânica e desconexa das diversas características animais. Esse modelo enciclopédico ignora o fato de que a contextualização é um importante elemento para a aprendizagem significativa do aluno (MOREIRA, 2006).

Como afirmam Vasconcelos e

Souto (2003, p. 97): “não é suficiente um livro ter linguagem clara e coerente se ele não priorizar o reconhecimento do universo do estudante em suas páginas”. De acordo com nossa análise, ainda são poucas as vezes que o texto principal dos livros buscou contextualizar o conteúdo junto à realidade do aluno. Por ser um LD menos restrito que BH, PT apresenta uma única aproximação com o cotidiano do aluno. No box Ciência no dia a dia o material aborda a piloereção em certos animais domésticos e no homem como aponta o trecho: Muitos mamíferos ficam com os pelos levantados no frio, fazendo com que aumente a quantidade de ar quente retido próximo ao corpo. [...] No ser humano, os pelos estão bastante atrofiados, a não ser em certas partes do corpo. Então, no nosso caso, o fato de ficarmos arrepiados (no frio, por exemplo) pode ser apenas uma herança de nossos ancestrais que tinham mais pelos . (GEWANDSZNAJDER, 2013, p. 240).

Fragmentação dos livros Ao buscar classificações ideais e focar nas características e “nomes” a serem memorizados, ambos os livros analisados apresentam no corpo do texto o grupo dos mamíferos fechados idealmente em si mesmo, tornando esse conteúdo fragmentado. Desta forma, poucos

são os momentos em que os materiais fazem alguma articulação interna da Zoologia com as demais áreas das Ciências Biológicas ou externa entre as demais Ciências Naturais. A fragmentação (GRAMOWSKI, 2014) fica clara em PT, que mesmo sendo um livro de Ciências se mantêm exclusivo ao campo biológico. Em BH essa fragmentação é evidente, mas em dois trechos é possível ver tentativas de articulações com a Física e a Química. O livro (LINHARES; GEWANSZNADJER, 2014, p. 223) traz o conceito de vaporização da água para auxiliar na explicação da transpiração, e que ao mesmo tempo relaciona isso com o cotidiano do aluno: [...] em alguns mamíferos, as glândulas sudoríparas ajudam a baixar a temperatura do corpo: ao evaporar, a água do suor retira calor da pele e do sangue abaixo dela, esfriando o corpo. O fato de a água ter um calor de vaporização alto, fenômeno estudado em Física, explica por que a transpiração ajuda a baixar a temperatura do corpo – e também explica porque sentimos frio quando saímos molhados do banho.

Nesse trecho é possível observar que BH traz alguns fenômenos da Física e Química para auxiliar na explicação, mas estes não são dispostos como conteúdos trabalhados pelo material, focando se mais na descrição biológica do clado. Logo, podemos perceber que a fragmentação aqui posta se aplica a dois níveis, um interno da zoologia com as demais áreas das Ciências Biológicas e um externo, no que se referem às demais Ciências Naturais. Considerações finais Consideramos que o conteúdo de mamíferos apresentado de forma enciclopédica, fragmentada e descontextualizada, em ambos os materiais analisados, corresponde a um modelo tradicional de ensino de zoologia. Modelo este que, ao se expressar de forma correspondente nos LDs são os mais escolhidos pelos professores de Ciências e Biologia de Florianópolis, e que por isso, revela indícios da padronização dos LDs.

A nosso ver é necessária uma ampliação das

medidas de formação político-pedagógica de professores, de forma a auxiliá-los a compreender criticamente os processos de produção e licitação dos LDs. Desta forma, permite-se uma participação e avaliação mais intensa e criteriosa dos professores sobre a escolha dos materiais que iram compor suas aulas. Acreditamos que para evitar os efeitos da padronização mecanicista dos materiais, os professores precisam inserir-se ativamente nas discussões e políticas nacionais sobre os LDs de forma a tornarem-se uma presença rigorosa e criativa frente ao material. Referências Bibliográficas BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

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