25 anos da Constituição Federal: parabéns à Geni

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REVISTA

DOSTRIBUNAIS ANO

1O2 _ DEZEMBRO DE 2013

- VOL. 938

Nesta edição: CADERNO ESPECIAL: 25 ANOS DA CONSTITUIçAO BRASILEIRA

I

Discurso do Deputado Ulysses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, em 05.1O. 1988, por ocasião da promulgaçáo da Constituiçäo Federal

I I

Transição constitucional e Anteprojeto da Comissáo Afonso Arinos 25 Anos da Constituição Federal: parabéns à Geni

DOUTRINA

I os I

A proteção dos incapazes e a utilidade da incorporaçåo do trust pelo direito brasileiro O controle de convencionalidade da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos das Pessoas com Deficiência: uma v¡säo portuguesa

- Crime organizado (Lei I2.85O12O13) f As medidas cautelares no processo penal brasileiro - Reforma I Associação criminosa

com a Le¡ L2.4O3|2OII

JU RISPRUDÊNCIA COMENTADA

I

lmpossibilidade do Ministro da Justiça rever o ato da naturalização no Brasil: näo recepçáo do art. 1i2, SS 2." e 3.", da Lei 6.815/198O (Estatuto do Estrangeiro) pela Constituiçáo Federal de 1988

I

Trancamento de ação penal ex officio em sede de habeas corpus substitutivo que reconhece atipicidade superveniente de crime de sonegaçáo tributária em virtude de ação anulatória do débito fiscal

I

Danos morais e ofensa à honra: liberdade ou abuso de imprensa?

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RwlsrR oos TRlsuNnrs

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Rf g3B

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D¡zr¡¡sRo o¡ 2013

PesoursRs Do EDlroRlAL Veja também Doutrina o Assembléia Nacional Constituinte Caetano Lagrasta Neto

o

-

25

Aruos on CoNslrulçno Frornru: pnnneÉrus À Grrul

lntrodução ao assombro e à esperança, de

- RI623lz+z;e

Reflexöes sobre a legitimidade e as limitaçoes do Poder Constituinte, da Assembléia constituinte e da competência constitucional reformadora, de André Ramos Tavares - RDC|211221.

Geonars Assouo MesDoutor e Mestre em direitos difusos e coletivos pela PUC-SP. Professor do trado e Doutorado da Fadisp. Advogadq

Áne¡ oo Dtnelro: Constitucional

seus interesses, transformando-a em mero pedaço de papel quando ela lhes contraria,

AeslRncr: The article has the purpose of assessing the Brazilian Constitution 25 year existence, emphasizing its importance as to ensure a legal basis for the assembling of democracy. To this end, it will be critìcized the Constitution strateg¡c application which great part of jurlsts and political agents do perform, employing it only to their advantage and turning it into a mere piece of paper when they have contrary ideas or the Constitution

ou ainda, impoe-lhes deveres.

impose them some responsibilities.

Rrsutvto: O artigo tem por escopo realizar uma avaliação acerca dos 25 anos da Constituição brasileira, ressaltando sua importância para

assegurar as bases jurídicas para construção da democracia. Para tanto, será criticado o uso estratégico que boa parte dos juristas e agentes políticos realiza sobre a Constituição,

utilizando-a somente quando convém aos

PeuvRes-ctrvr: Constitucionalismo tos fundamentais - Direito público tituiçào

-

Protesto

-

- Direi- Cons-

Liberdade de expressão'

KEvwoRos: Constitutionalism

rights

- Public

law

-

Fundamental

- Constìtution - Demur -

Freedom of exPression.

pelas quais a exsuvÁnro: 1. constituição de 1988 e democracia: ou ainda as razöes constitucional Estado no pressão,,se for assim, não brinco mais", não pode ser usada quais a constituição pelas razöes As - 2. o risco do uso estratégico da constituição.

não pode apenas ter norriatividade quando nos interessa Em uma democracia' exigência de igualdade implica uma obrigatoriedade de deveres'

a

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R¡vrsrR oos TRrauN¡rs

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D¡ze¡¿sRo or

CRo¡Rruo Esp¡crRr:

2013

1. CorusrrrurçÃo oe 1988 E DEMocRACtA: ou ATNDA AS RAZoES eELAS ouAls A

EXPRESSAO "SE FOR ASSIM, NAO BRTNCO

MA|S", NAO

PODE

SER USADA NO ESTADO COruST UCIOI'IRI-

Parafraseando Euclides da Cunha, podemos afi.rmar que a Constituição Federal de 1988 é, antes de tudo, uma forte: isso porque não é fácil ser Constituição no Brasil. Definitivamente, não é. No dia 05 de outubro, nossa Constituição completou 25 anos.

Antes de tudo, é extremamente salutar para a democracia brasileira que seu Têxto Constitucional tenha completado l/4 de século. Dizemos isso porque, ao longo desses anos, a Constituição não passou ilesa, além de sofrer inúmeras emendas, ela foi achincalhada por todos os setores.

Näo é incomum encontrarmos pessoas, órgãos de imprensa e até mesmo juristas (aqui compreendido tão somente pessoas formadas em direito) lançando expressÕes do tipo: nossa Constituiçao é muito prolixa; boa mesmo é a Constituiçao dos EUA, muito mais enxuta; a Constituiçao Federal é muito minuciosa por isso ela traya a realizaÇão de reforma política (aqui, no lugar de política, pode-se trocar essa palavra por tributária, frscal, administrativa etc.). Enfim, diversas mazelas de nosso cenário polÍtico-jurÍdico são atribuÍdas à extensão de nosso Texto Constitucional. Em diversas oportunidades, a leitura de trechos doutrinários passa a impressão de que os EUA são o que são e o Brasil é o que é em função da diferença de tamanho entre a Constituição dos paÍses. Esse tipo de assertiva, oriunda de juristas que gostam de um direito constitucional mais clean,lurrra espécie de constitucionalismo minimalista do tipo quanto menos constituição melhor, se desfaz com rápida leitura da obra de Alexis de Tocqueville - Democracia na América -t talvez fosse o caso de todos lerem essa, que é a maior obra já escrita sobre democracia, antes de analisar ou criticar nosso Texto Constitucional. Em essência, Tocqueville ensinava que maior objetivo daJustiça é substi-

tuir pela ideia do direito a da violência. Essa frase resume a função histórico-civilizatória que tem sido desenvolvida pelo próprio direito, principalmente o fenômeno do constitucionalismo que, dentre vários diplomas, culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988. Vale dizer, o direito serve para democratizar as relaçoes intersubjetivas.2

25 Aruos

oR Cor'rsrrrutçÀo BRRstrerRR

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A Constituiçâo vigente tem texto generoso: acolhe a dignidade humana; promove o pluralismo; assegura diversos direitos e garantias fundamentais, permitindo ao particular exercer em sua plenitude sua liberdade de expressão. Apesar da sua generosidade, em qualquer momento de aperto, ela raramente é poupada, seja pelo polÍtico, jurista ou até mesmo o cidadão comum.

Jürgen Habermas, em interessante análise da questão nacional europeia, afirmava que o nacionalismo seria o mal do século, porque caracterizaria o estopim dos diversos conflitos entre paÍses europeus, inclusive as duas Guerras Mundiais. Nesse contexto, na opinião de Habermas, o nacionalismo deveria ser substituÍdo por um sentimento de patriotismo constitucional. Isso porque o nacionalismo é Ínsito a uma ideia de homogeneidade étnica e cultural. O constitucionalismo, por sua vez, instituiu-se como instrumento racionalizador de poder, de feição liberal, aberto ao multiculturalismo. Desse modo, o sentimento constitucional seria fundamental para assegurar que, numa sociedade multicultural, fosse possÍvel estabelecer bases democráticas com o intuito de assegurar a cidadania democrática para as pessoas contemplando não apenas direitos liberais e políticos, mas também sociais e culturais.s

No Brasil, passados 25 anos, nem mesmo os direitos liberais e polÍticos estão plenamente concretizados. Essa conclusão já seria sufrciente para expor o risco das teses ou afrrmaçÕes que buscam enfraquecer ou dilapidar.a Cons-

tituição Federal de 1988. Obviamente que a Constituição Federal não é a panaceia para solução de todos os males do Brasil. As condições para exercício da cidadania e de viver dignamente demandam uma atuação coordenada da autonomia privada e pública. Mais precisamente, essas condiçoes apenas de concretizam se a autonomia pública pressupor a privada e vice-versa.a Sendo assim, não se ignora que sem a atuaçao dos agentes polÍticos e a sociedade civil, a Constituição não se concretiza sozinha. Ocorre que já passou da hora de a Constituição, no auge de seus 25 anos, receber, principalmente dos juristas, a importância que ela merece.

No Estado Constitucional, a Constituição passa a ser a salvaguarda da própria sociedade. Isso porque ela limita a soberania do Estado, ou seja, no

3. Jürgen Habermas. Realizações e limites do Estado nacional europeu, In: Gopal

l.

Balakrishnan (org.).IJmmapadaquesñonacional. Rio deJaneiro: Contraponto, 2000. p. 305-306.

Alexis de Tocqueville. Democracy in Ameríca and two Essøys on America. London: Penguin Book, 2003. passim.

2.

Idem, p. 163 et seq.

4.

Idem, p. 307.

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RevrsrR oos TRrguNnls

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CnoeRruo Especrnr:

Drz¡r¡ano or 2013

constitucionalismo, é impensável qualquer sujeito polÍtico amplamente soberano que não encontre limites no Texto Constitucional.5 Portanto, a Constituição é essencialpara a vida do Estado, porque sem ela não se saberia quais são os Órgãos Supremos de um Estado, como se formam, como expressam sua vontade e que limites possuem, e, por fim, como se situam os particulares nessa organização polÍtica, quais são seus direitos perante o Estado. DaÍ, atualmente, ser impensável um Estado sem Constituição, bem como Constituição sem Estado.6 Frise-se, a Constituição Federal sozinha não é um ponto de Arquimedes que ao ser descoberta elimina as mazelas da sociedade. Acontece que dificilmente se constrói uma democracia sem a correspondente Constituição. A lnglaterra não tem Constituição escrita. Entretanto, desde 1215, com a Carta Magna, a sociedade inglesa tem construído, historicamente, um tècido constitucionalparaproteger o cidadão dos desmandos e do excesso do Poder Público. Talvez, por não ser escrita, a Constituição Inglesa seja aquela que possui maior normatividade, uma vez que se confunde com a própria história do povo lnglês. Os EUA têm uma Constituição enxuta que cresceu com algumas emendas, mas sua essência e seu respeito são pontos fundamentais do constitucionalismo norte-americano. A Alemanha não teve uma Constituição escrita a partir de um Poder Constituinte genuÍno. Contudo, no pós-guerra, emrazão de uma sólida atuação do Tribunal Constitucional alemão, foi possivel conferir stdtus constitucional a sua lei fundamental. O Brasil não é a Inglaterra, nem os EUA e tampouco a Alemanha. Ainda assim, possui um Tèxto Constitucional mais rico e generoso na concessão de direitos e garantias ao cidadão do que os três mencionados países. Portanto, se existisse um culpômetro para apontar as razoes de a nossa democracia ser mais incipiente do que a inglesa, americana ou alemã, a menos culpada seria nossa Constituição vigente. Assim, se com um texto generoso, como o da Constituição de 1988, ainda não concretizamos os requisitos básicos de uma democracia, sem nenhum exagero, é possível afi.rmar que, sem ela, rumaría-

25 Aruos oe ColsrtrutçÀo

BRnslrrlR¡

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fenômeno das recentes manifestaçoes populares ocorridas ao longo de todo o paÍs. O Poder Público, em face das revoltas, apresentou como saÍda uma miniconstituinte. ou seja, sobrou precisamente para aquela que é a menos culpada: a Constituição Federal. Sobre esse ponto, são elucidativas as palavras de Nelson NeryJr.: "a alegação de ofensa à Constituição, em paÍses com estabilidade política e em ierdadeiro Estado de Direito, é gravÍssima, reclamando a atenção de todos, em ós, quando se oa onstituição, a

ao deveria, carac ver dos operadores do direito, como mais uma defesa que o interessado opÕe à contraparte".T Não podemos perder de vista que é a constituição Federal que possibilitou às pessoas ìe manifestarem legitimamente nas ruas e brincarem de revolução. Deve-se à Constituição, ainda, o fornecimento dos elementos necessários pare^ a possibilidade de classificar como desproporcional, excessiva e restritivã da liberdade de expressão, a atuação do Poder Público - praticada

contra as manilestaçoes.

2, 0 nlSco Do USo ESTRATÉGIçg DA CONSTITUIçAo.

As

nRzÖrs peLns

ouArs R corusnrulÇAo NÃ0 PODE APENAS TER NoRMATIVIDADE OUANDO NOS INTERESSA. EM UMA DEMOCRACIA, A EXIGÊNCIA DE IGUALDADE IMPLICA UMA OBRIGATORIEDADE DE DEVERES

Ao final de tudo, sobrou para dela

Constituição Federal

^ com a personagem Geni, da Ópera do Malandro. Geni,

dai a associação o travesti da Ópe-

-

mos para a barbárie.

No cenário nacional, passados mais de 20 anos de promulgação de nosso Texto Constitucional, nem mesmo os elementos mÍnimos paraa concretização do constitucionalismo estão assegurados. Ilustrativo, nesse sentido, é o

5. Maurizio Fioravanti. Constitucion dela antigüedad anuestros ¡a,2007 . n. 3.5, p. 137.

6.

ldem, p.142.

días. Madrid:

todos.

Em termos comparativos, nossa Constituição tem sido posta como a Geni. Infelizmente, o argumento constitucional no Brasil tem prevalecido apenas

Tror

7.

Nelson NeryJr. Princípios do processo na ConstituiçAo Federal. 11. ed. Sao Paulo: Ed. RT,2013. n. 1,p.44.

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Rryrsrn oos TRrsuNnrs

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DezeMsRo ue

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quando útil, na primeira discordância que temos com nosso Texto Constitucional não hesitamos em passar a defender perspectiva contrária à Constituição, seja com base em argumento político, religioso, ideológico ou econômico. Tristemente, não consolidamos um pensamento constitucional, pelo contrário, criamos um imaginário de que a Constituição somente vale quando nos interessa, ou ainda que quando há algo errado a culpada é a Constituição. Fazemos uso estratégico e cínico da Constituição.

A história de Geni frcou célebre pela música, muitas vezes entoada. A Ópera, ainda que escrita em 78, retrata uma sociedade tÍpica da época de 40, fim do Estado Novo. Chico explora personagens-tipo: o cafetão, Duran; as prostitutas; o contrabandista Max Overseas e o travesti, antes Genival, e, depois, Geni. Dentre os personagens menos tipiflcados, Geni despontou e caiu no agrado popular. A sua relação com o mundo foge do maniqueísmo: ela é o contraponto da crítica principal da peça, o capitalismo feroz em forma de investimento internacional. Que não fuja de nossa visão a imagem ilustrativa desse capital, aos olhos de Chico: o Zepelim. A influência da "Ópera dos três vinténs" recai bastante nesse aspecto. Ainda que não seja de nosso posicionamento e que não nos caiba, neste momento, uma discussão de caráter polÍtico-econômico, o que nos salta aos olhos é que a injustiça, crítica de Chico e também nossa, ganha forma em Geni. Também assim é com nossa Constituição. Poucas personagens personifrcam, com tamanha exatidão, a maneira como ela vem sendo trafada. A Geni era achincalhada pela população da cidadezinha, e somente quando ela se tornou útil para proteger os interesses das pessoas é que elas mudaram radicalmente sua postura em face dela. Contudo, no exato instante em que ela deixou de ser útil, as pedras voltaram a ser atiradas. Esse mesmo tipo de relação é feita pelos agentes polÍticos, sociais e jurídicos com a nossa Constituição. Vejamos algumas hipóteses de uso estratégico da Constituição, ou seja, de como se usa a Constituição apenas quando interessa depois a jogamos fora. No Estado Constitucional, não se admite que o

jurista, o agente polÍtico ou o cidadão sofra da síndrome do Quico. No jogo da democracia, quando as regras não nos agradam, não podemos simplesmente ignorá-las colocar a bola debaixo de nosso braço e irmos embora. Se eu lidero um movimento social, uso a Constituição para perseguir meu direito fundamental à propriedade e à reforma agrária. Todavia, se quero radicalizar na prática e na ideologia e negar o direito à propriedade privada, a Constituiçâo se torna a Geni, ela serve apenas quando quero pedir meu direi-

CnoeR¡lo Esprcr¡r:

25 Aruos rn CoruslrurçÀo

BRnsrrrtR¡

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to à propriedade, podendo ser ignorada quando pretendo atacar o direito e a propriedade alheia. Se sou proprietário, a Constituição serve para bradar meu direito fundamental à propriedade, mas pouco vale o texto constitucional quando se faz necessário assegurar a concretização da função social dessa mesma propriedade. Se sou membro doJudiciário ou da Administração Pública, a Constituição vale para assegurar minha autoridade e investidura com todas as suas respectivas garantias. Contudo, a Constituição se torna a Geni no exato instante em que insisto em ignorar a obrigação de motivar os atos inscrito no art. 93, IX, da CF seja afirmando que nao hd obrigaçao por parte do Judicidno de responder todos os pontos trazidos pelas partes, seja julgando as questÕes jurÍdicas com base nos critérios de conveniência e oportunidade em detrimento da legalidade vigente.

Se sou um manifestante de perfil mais extremista e quero ir para as ruas e protestar, a Constituição serve para assegurar a liberdade de expressão e manifestação, mas ela deixa de ser útil quando quero protestar apedrejando estabelecimentos de instituiçÕes financeiras, aí a Constituição deixa de valer, porque ela apenas interessa para assegurar a liberdade de expressão se o grupo de manifestantes tem ideologia contrária à livre iniciativa (art. 170 da CF):

aÍ a Constituição volta a ser a Geni.

De nada adianta invocar a Constituiçao para poder ir mascarado protestar nas ruas, e exercer esse direito concretizando uma ideologia que seja conÍréria ao pluralismo, à livre iniciativa e aos direitos liberais e políticos dos demais cidadãos. Isso se da pelas simples razao de que se o direito à manifestação é constitucional, também é certo afirmar que não posso pretender a concretização e imposição à sociedade do conteúdo de meu protesto se ele for inconstitucional. Impor um pensamento é proceder como Duran, o cafetão, à base da mordaça e da supressão do pensamento: "se pensas que pensas, estás redondamente enganado".

A democracia e o constitucionalismo impoem ao cidadão um amadurecimento que o obriga a aceitar que, numa democracia, nem todas as suas aspiraçÕes e os valores que professa podem ser concretizados porque a Cons-

tituição nos impõe limites, posto que uma sociedade sem limites pode criar uma maioria que esmague o pluralismo os direitos fundamentais e dizime minorias - e a2." Guerra Mundial nos ensinou isso da pior maneira possÍvel. Por isso, em face do que impoe nossa Constituição, não adianta protestar, gritar, chorar, lamentar, para, por exemplo, pretender: impor pena de morte, impedir liberdade religiosa, extinguir aliyre iniciativa ou a propriedade privada etc.

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R¡vrsrn oos TRrsur'l¡rs

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D¡zttr¡sRo oe

Nossa Constituição permitiu manifestaçÕes legÍtimas e também aquelas em que se brincou de revolução para, no final, grande parcela da sociedade e até mesmo juristas afirmarem que seria válida uma nova constituinte. Jogamos pedra na nossa Constituição. Afinal, ela dá para tudo que é nego torto. DaÍ que em todo momento de turbulência surgem alternativa como uma nova constituinte, ou seja, jogamos pedra na G¿ni. Entre o Gigante que acordou e o Têxto Constitucional de 1988, optamos pela Constituição consagradora de direitos fundamentais, até mesmo porque ela apenas existe em razão de muitas pessoas terem acordado bem antes do Gigante para que ela pudesse ter existido. A democracia constitucional carece da necessidade de um amadurecimento intelectual e polÍtico, no sentido de aceitar de que nem tudo pode ser como gostarÍamos que fosse, ou ainda, de que nossa visão de mundo não pode ser imposta à força para os demais segmentos da sociedade. Uma visão radical que pretenda eliminar por completo o Estado, esvazíando-o de todas as suas funçÕes restando apenas a função regulatória repressiva, do ponto de vista constitucional, não é muito diferente de uma concepção radical que pretende criar uma sociedade alternativa eliminando a propriedade privada, a livre iniciativa e qualquer outra forma de concorrência. Ambas são inconstitucionais. A concretização de cada uma delas somente é viável mediante golpe de Estado. No Brasil, já passou da hora de tratarmos a Constituição com o respeito que ela merece, mais precisamente, conferindo-lhe a normatividade qtte faz jus. Atualmente, não se pode mais fazer uso cÍnico e estratégico da Constituição, ela não pode ter normatividade apenas quando nos interessa. Conforme ensina Cornelius Castoriadis, a engência de igualdade implica também uma igualdade ile nossas responsabilidades na formaçao de nossa vida coletiva.s

Na cidadezinha, o inimigo era facilmente identificável representado pelo Forasteiro. A democracia, por sua vez, possui vários inimigos, às vezes, o Forasteiro somos nós. Portanto, felicitamos nossa Constituição por seus 25 anos torcendo para que ela continue vigente nos prÓximos 25. Longe dos corpos errantes, ansiamos, para o bem da democracia, que nos próximos anos, a Constituição seja menos Geni e mais Constituição, porque ela ainda pode nos salvar, e, principalmente, nos redimir.

8.

CRorRruo

2013

Cornelius Castoriadis. As encruzilhadas do labirinto II: os domínios do homem. Rio deJaneiro'. Paz e Terra, 1987. p. 331.

Esprcrll: 25 Aruos on CousrrrurçÀo Bnns¡r¡tRn

53

P¡soursns Do EDIIoRIAL Veja também Doutrina o A Constituição de 1988

e

o A Constituição de 1988

sua interpretação, de Carlos Alberto Bittar

-

- RT635132; - Rf

Um mito para resgatar, de Sílvio Dobrowolski

6s8/20; e

o A manifestação do Poder Constituinte na Constituição Federal, de Maria Jacira Pereira

-

RDC|121241.

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