2800) Por Que a América Latina é Pobre e a América do Norte Rica? (2015)

July 25, 2017 | Autor: P. de Almeida | Categoria: Latin American Studies, Development Economics, Development Studies, América Latina
Share Embed


Descrição do Produto

Por Que a América Latina é Pobre e a América do Norte Rica? Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com)

1. Por que a humanidade é como ela é? Não deveria haver muita surpresa quando se constata o fato de que a América Latina, a despeito de progressos sociais e econômicos inegáveis nas últimas décadas, permanece bastante pobre, em termos de condições sociais de vida para a maioria de seus habitantes. O mundo, em geral, ainda possui mais pobres do que ricos, talvez numa proporção de 2 para 1, embora estejamos progredindo lentamente em direção de uma maioria de classe média, mas a consolidação desse processo deve ainda levar algumas décadas. Durante a maior parte de sua história, a humanidade foi basicamente pobre, levando-se em consideração que ela saiu há apenas dez mil anos de uma situação de comunidades levando uma vida precária como caçadores e coletores para uma situação mais estável como agricultores e daí, mas muitos séculos depois, para uma condição de produção manufatureira, o primeiro passo na direção da indústria que temos hoje. O que transformou mesmo a humanidade foi a revolução industrial do final do século 18 na Inglaterra. Desde então os progressos tecnológicos aceleraram a conquista de uma condição de melhor prosperidade para certas comunidades, mas não para todas. Assim, a surpresa é encontrarmos populações abastadas, ou seja, sociedades dotadas de relativa prosperidade material, não comunidades pobres ou no limite da sobrevivência. Essa, afinal de contas, foi a condição de quase toda a humanidade até praticamente a revolução industrial. Se dizemos, portanto, que a América Latina é pobre é porque ela ainda não se libertou de sua antiga condição natural, e não conseguiu, como a América do Norte, acumular riqueza suficiente para desfrutar de uma vida mais confortável. E por que não o fez? A resposta que fornecem os melhores economistas trabalhando sobre temas do desenvolvimento econômico se baseia num conceito bastante comum aos que trabalham nessa profissão: o de produtividade do trabalho humano. Os fatores produtivos, como todos sabem são os recursos naturais, o trabalho humano e o capital (que são ativos de diversos tipos, geralmente equipamentos, mas pode ser moeda corrente também). O mais complexo de todos é o trabalho humano, pois não se trata mais, como nas tribos primitivas, de força bruta para caçar, pescar, ou mesmo cultivar os campos, arar a terra, 1

colher grãos e outros alimentos, criar animais e produzir objetos da vida diária. Hoje se trata basicamente de inteligência, ou seja, todo o conhecimento humano acumulado ao longo dos séculos e que permite que trabalhadores instruídos produzam uma quantidade infinitamente superior de bens de consumo, corrente ou de luxo, ao que faziam antes nossos antepassados de apenas três séculos atrás. Esse conhecimento também permitiu às sociedades humanas vencer epidemias que, no passado, também podiam vitimar mesmo os membros da elite, da mais poderosa aristocracia financeira. O banqueiro Nathan Rothschild, por exemplo, o homem mais rico do século 19, morreu de um simples arranhão, que infeccionou, causou septicemia, e ele faleceu pela ausência de antibióticos, que seriam inventados apenas em meados do século 20. Não vou resumir toda a evolução da humanidade da condição de miséria ancestral, para uma de pobreza moderada, mas extensiva, na Idade Média, até chegar numa situação de relativo conforto material na atualidade, depois da revolução industrial. Vou remeter os interessados à leitura de dois livros básicos para conhecer o itinerário dos progressos materiais da humanidade, que estão a disposição de todos os que se dispuserem a estudar um pouco de história ecológica e de história econômica. O primeiro é o livro do cientista Jared Diamond, Armas, Germes e Aço, que acompanha a lenta evolução da humanidade nos últimos dez ou 15 mil anos, desde a pré-história até nossos dias, mas numa trajetória basicamente ambiental, ou ecológica: a transmissão e a disseminação de espécies vegetais e animais pelos diversos conhecimentos, processo que se fez acompanhar das técnicas e métodos pelos quais as comunidades puderam colocar todos esses recursos sob sua dominação, primeiro sobrevivendo, simplesmente, depois, melhorando substancialmente sua dotação nutricional e seu conforto material. O segundo livro é o do historiador econômico David Landes, A Riqueza e a Pobreza das Nações, um título que evoca a obra do fundador da Economia Política, Adam Smith, mas cujo subtítulo tem a ver com nosso tema: Por Que Algumas São Tão Ricas e Outras Tão Pobres. A abrangência cronológica é menor, cerca de 2 mil anos de história econômica, da antiguidade clássica a nossos dias, passando pela revolução industrial, justamente, objeto de um outro livro clássico do mesmo autor: Prometeu Desacorrentado, sobre o começo da indústria na Europa e sua disseminação para outros continentes no seguimento das inovações inglesas. Aos que estiverem interessados numa outra história econômica sobre como as sociedades conseguiram superar o que o autor, Gregory Clark, chama de armadilha malthusiana, ou seja, os progressos 2

econômicos sendo neutralizados pela expansão demográfica, para uma situação de relativo bem estar em algumas sociedades, pela via do aumento da produtividade do trabalho humano, eu recomendo o livro desse economista historiador, cujo nome original (não sei se já foi traduzido e publicado no Brasil) é A Farewell to Alms: A Brief Economic History of the World, que pode ser traduzido como Adeus às Esmolas: uma breve história econômica do mundo. Existem outras excelentes histórias econômicas do mundo, entre elas a de Alan Beattie, False Economy: a surprising economic history of the world, que tampouco sei se já foi publicado no Brasil. Em relação especificamente à América Latina, permito-me recomendar uma obra em dois volumes, a de Ciro Cardoso e Héctor Pérez Brignoli, História Económica de América Latina, pois considero os capítulos sobre a América Latina e o Brasil do livro de David Landes bem mais fracos – provavelmente pelo seu conhecimento limitado da literatura sobre o continente – do que os sobre a Europa ou sobre os Estados Unidos. 2. Constatações de natureza empírica: quão atrasada era a América Latina? O atraso, ou a pobreza, da América Latina não data de hoje, correto? Mas tampouco se pense que o desenvolvimento dos atuais países avançados vem de tempos imemoriais. Até poucos séculos atrás, os progressos efetivos eram muito lentos, como se pode constatar por esta tabela sobre o crescimento econômico per capita dos atuais países desenvolvidos. O ritmo de expansão do produto, compensando o aumento malthusiano da população, só ocorre mesmo a partir do século 19. 1. Desempenho econômico em diferentes épocas, 1500-1980 (taxas cumulativas de crescimento anual nas economias capitalistas avançadas) População PIB PIB per capita Economias agrárias, 1500-1700 0,2 0,4 0,2 Capitalismo mercantil, 1700-1820 0,4 0,6 0,2 Capitalismo industrial, 1820-1980 0,9 2,5 1,6 Fonte: Maddison, 1982: 6.

Por outro lado, já no começo do século 18, a Europa era duas vezes mais rica do que a América Latina e quase tanto quanto a sua própria periferia, ou seja, os países da franja mediterrânea e mesmo os das regiões setentrionais mais recuadas em relação às principais rotas de comércio, que estavam no coração do continente, como se percebe pelos dados abaixo:

3

2. Renda per capita e crescimento econômico no mundo, 1700-1820 Grupo PIB per capita US$* Crescimento % renda Europa regional 1700 1820 1700-1820 1700 1820 Europa ocidental 1.032 1.243 0,16 100,0 100,0 Periferia europeia 653 737 0,10 63,3 59,3 América Latina 540 712 0,23 52,3 57,3 Oriente Médio 564 571 0,01 54,7 54,9 Ásia do Sul 550 530 -0,05 53,3 42,6 Ásia do Sudeste 580 601 0,03 56,2 48,4 Ásia oriental 595 605 0,01 57,7 48,7 Média da Periferia 580 626 0,04 56,2 50,4 Fonte: Williamson, 2011: 3; US$* = dólares Geary-Khamis de 1990.

As distâncias só fizeram aumentar nas etapas seguintes, quando se aprofunda a industrialização da Europa, e depois dos Estados Unidos, e a América Latina, junto com outras regiões periféricas, passa a se especializar na exportação de produtos primários. Vejam como as duas regiões avançadas concentram quase todo o potencial industrial do mundo, ao passo que o chamado Terceiro Mundo vê sua participação diminuir progressivamente. 3. Potencial industrial dos países em % do mundo, 1880-1938 Países 1880 1900 1913 1928 1938 Grã-Bretanha 22,8 18,5 13,6 10,0 10,7 Estados Unidos 14,7 23,7 31,9 39,3 31,4 Alemanha 8,4 13,1 14,8 11,7 12,7 França 7,8 6,8 6,1 6,0 4,4 Itália 2,5 2,6 2,5 2,7 2,7 Rússia/URSS 7,8 8,9 8,3 5,3 9,0 Japão 2,5 2,4 2,7 3,3 5,2 Desenvolvidos 79,1 88,9 92,5 92,8 92,8 Terceiro Mundo 20,9 11,1 7,5 7,2 7,2 Total do mundo 100 100 100 100 100 Fonte: Christian, 2005: 408.

Esse potencial industrial se traduz em renda per capita, como se pode ver abaixo. 4. Evolução da população, do PIB e do PIB per capita, 1870-1950 (valores em dólares internacionais de 1990) População (milhões) PIB total (bilhões) PIB per capita 1870 1913 1950 1870 1913 1950 1870 1913 1950 Europa 188 261 305 367,6 902,3 1.396 1.960 3.458 4.579 Ocident. 46 111 176 111,5 582,9 1.635 2.419 5.233 9.268 Japão 34 52 84 25,4 71,7 1.243 737 1.387 1.921 Am.Lat. 40 81 166 27,5 119,9 416 681 1.481 2.506 Mundo 1.272 1.791 2.524 1.112,7 2.732,1 5.330 875 1.525 2.111 Fonte: Maddison, 2003: 256-262; Ocidentais: Austrália, Canadá, EUA, Nova Zelândia. 4

3. Por que essas diferenças? Como elas se acumularam? Um dos possíveis motivos é a lentidão na difusão de tecnologias inovadoras, ou, mais exatamente, na capacidade de absorção dos países não dotados endogenamente dessas tecnologias. Vejam esta tabela, que registra o número de anos que levou para que três invenções típicas da revolução industrial inglesa passassem para outros países: 5. Tempo de difusão internacional, em anos, de tecnologias inovadoras Fiação de algodão (1771)

País Ano França 7 Alemanha 13 EUA 20 Rússia 22 Suíça 23 Holanda 24 Bélgica 28 Índia 46 México 64 Brasil 75 Fonte: Clark, 2007: 304

Máquina a vapor (1775)

País França Alemanha Holanda Itália Rússia EUA Bélgica Suécia Índia Brasil

Ano 3 8 10 12 23 28 16 23 30 35

Locomotiva a vapor (1825)

País EUA França Bélgica Alemanha Itália Holanda Dinamarca Espanha Índia Brasil

Ano 5 7 10 12 14 14 19 23 28 29

Em consequência desse atraso, muitos países que podiam apresentar condições relativamente favoráveis para a plantação e a transformação do algodão, por possuírem terras e mão-de-obra barata, acabaram se tornando importadores líquidos de tecidos de algodão, como se vê pela tabela abaixo. Ou seja, tanto o Brasil quanto o Egito e a Índia eram grandes produtores e exportadores de algodão, da mesma forma como os Estados Unidos, por exemplo. Mas no cômputo final entre exportações do produto cru, ou seja, algodão não processado, e exportações e importações totais de produtos de algodão, isto é, fios, telas e roupas, o saldo era nitidamente desfavorável aos países da segunda coluna. 6. Exportações líquidas de fios e tecidos de algodão, 1910 (milhões de dólares correntes)

Maiores exportadores Reino Unido 453 Japão 26 Itália 24 França 23 Alemanha 15

Principais importadores Índia Britânica - 100 China - 81 Argentina - 29 Egito - 18 Brasil - 11

Fonte: Clark, 2007: 316; dados do Congresso americano, 1912.

Um outro motivo poderoso de lentidão no crescimento era a especialização e a 5

concentração dos países periféricos na produção e exportação de algumas poucas matérias primas, que respondia pela imensa maioria de suas vendas externas, como se pode ver na tabela abaixo. 7. Concentração de exportações na periferia, 1900 Países/regiões Dois principais produtos América Latina Argentina Lã, trigo Brasil Café, borracha Colômbia Café, tabaco México Prata, cobre Ásia do Sul e Sudeste Ásia oriental China Seda, chá Oriente Médio Egito Algodão Periferia europeia Total Fonte: Williamson, 2011: 52

% das Xs totais 83 65 90 100 90 79 78 78 79 100 71 72

Os países da América Latina até que tentaram promover suas indústrias, adotando políticas comerciais claramente protecionistas, ou seja, altas tarifas nas importações de produtos manufaturados e outras medidas de caráter defensivo, como a proibição, pura e simples, da importação de produtos com similar nacional, ou subsidio às empresas locais, sob o argumento da indústria infante. Quando disserem que os Estados Unidos eram protecionistas durante toda a fase de industrialização no século 19, e que os países latino-americanos eram liberais, não é verdade: os EUA eram, sim, protecionistas, mas não na escala dos latino-americanos, como se pode ver aqui. 8. Tarifas Aduaneiras Comparadas, 1865-1913 (Média tarifária a partir de receitas de importações sobre importações totais) Alemanha França Ano G.-B. EUA Japão Argentina Brasil 1865 8,3 33,7 3,7 4,7 4,9 17,5 25,7 1870 7,1 40,9 3,7 2,9 1,8 24,6 31.0 1880 4,7 30,1 5,8 5,2 7,1 26,4 37,2 1887 5,6 29,4 8,1 8,1 9,3 30,0 58,2 1888 5,1 28,4 8,7 8,8 7,0 28,3 47,6 1890 4,8 26,6 8,8 8,0 5,4 33.4 39,4 1900 4,6 27,0 8,1 8,8 5,8 26,5 30,1 1903 6,4 26,9 8,5 8,4 5,2 24,9 38,9 1905 6,4 25,1 8.8 8,6 7,0 23.9 49,3 1907 5,1 23,4 7,4 8,2 9,5 23,0 44,6 1910 4,5 21,0 7,4 8,2 7,8 21,6 41,9 1913 4,4 17,7 6,3 9,2 10,1 20,8 34,2 Fonte: Clemens-Williamson, 2001.

6

Nessa época, o Brasil tinha políticas de proteção à sua indústria de natureza altamente defensiva, e era, efetivamente, o país de mais alta proteção tarifária do mundo, como se pode ver por estes níveis das alíquotas nominais. 9. Tarifas médias ad valorem aplicadas a produtos manufaturados, 1913 Tarifas protecionistas Tarifas “normais” Brasil 50-70 França; Suécia 20 Colômbia 50-60 Nova Zelândia 15-20 México 40-50 Itália 18 EUA 44 Áustria-Hungria 18 Espanha 41 Austrália 16 Japão 25-30 Dinamarca 14 Argentina 28 Alemanha 13 Canadá 26 Grã-Bretanha 0 Fonte: Liga das Nações, 1927: 15

O protecionismo industrial pode, num certo sentido colaborar com o processo de industrialização, mas em níveis muito elevados ele torna o mercado interno totalmente cativo da produção nacional, que não necessita, dessa forma tornar-se competitivo em relação aos mercados internacionais, com o que a indústria local acaba se tornando defasada no confronto com o grau de avanço tecnológico que é constantemente perseguido pelos empresários de países expostos à concorrência internacional. 4. Os fatores culturais, institucionais e de capacitação educacional Existe uma diferença básica entre os países latino-americanos e os Estados Unidos, ou outros países avançados, que se situa na cobertura oferecida pelo país em termos de educação universal obrigatória. A tabela seguinte revela a extensão do atraso. 10. Taxa de matrícula no ciclo primário, 1830-1975 (por 10.000 hab.) Países 1830 1870 1900 1920 Estados Unidos 1.500 1.702 1.969 1.828 1 Alemanha 1.700 1.550 1.576 1.570 1 Itália 300 681 927 1.113 2 Japão 984 1.508 722 Argentina 808 1.356 511 2 México 544 456 Brasil 119 258 455 China 115 Fonte: Easterlin, 1981: 18-19; 1 = 1910; 2 = 1882; 3 = 1960.

1939 1.313 1.695 1.417 1.314 854 329

1975 1.399 1.905 1.866 948 3

Basta seguir a linha em diagonal para constatar que esse atraso pode representar mais de um século, e apenas no sentido puramente quantitativo da escolarização. 7

Os fatores mais importantes se situam, portanto, na baixa qualificação da mãode-obra dos países latino-americanos com respeito aos Estados Unidos e aos demais países avançados, situação que foi em grande medida revertida no caso dos países asiáticos no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Essa situação, caracterizada pelo crescimento de países dinâmicos da Ásia, fica evidenciada na tabela abaixo. 11. Crescimento do PIB per capita em três fases, entre 1870 e 1998 Grupos de países 1870-1913 Avançados 1,56 Ásia dinâmica 0,38 34 Av. + 15 Ásia 1,36 40 Outros da Ásia 0,48 44 América Latina 1,79 27 Eur. Or.+URSS 1,15 57 África 0,64 168 Fracassados 1,16 Mundo 1,30 Fonte: Maddison, 2001: 128-129.

1950-1973 3,72 2,61 2,93 4,09 2,52 3,49 2,07 2,94 2,93

1973-1998 1,98 4,18 1,91 0,59 0,99 -1,10 0,01 -0,21 1,33

% PIB global 53,4 25,2 78,6 4,3 8,7 5,4 3,1 21,4 100

Dentro do próprio hemisfério americano, a distância entre os dois países de ascendência inglesa e os latino-americanos não evoluiu favoravelmente a estes últimos. 12. PIB per capita e taxas anuais de crescimento nas Américas, 1850-1989 (PIB per capita em dólares de 1985) PIB per capita em dólares constantes Crescimento anual PIB p.c. Economias 1850 1913 1989 1850-1913 1913-1989 Argentina 874 2.377 3.880 1,6 0,6 Brasil 901 700 4.241 -0,4 2,4 Chile 484 1.685 5.355 2,0 1,5 México 317 1.104 3.521 2,0 1,5 Peru 526 985 3.142 1,0 1,5 Canadá 850 3.560 17.576 2,3 2,1 EUA 1.394 4.854 18.317 2,0 1,8 Fonte: Engerman-Sokoloff, 1997: 270.

Em consequência do fraco desempenho da maior parte dos latino-americanos no decorrer do século 20, como resultado de surtos inflacionários, instabilidade política e pífios avanços educacionais, a divergência de rendas per capita entre os países latinoamericanos e os Estados Unidos continuou. Os resultados são contrastantes: enquanto alguns países recuaram na comparação com o país de referência, se aproximando da média da região, como foi o caso da Argentina, outros conseguiram se manter acima da média. Os dados para Cuba, se disponíveis, seriam provavelmente catastróficos, para um país que, em 1959, exibia um dos maiores PIB per capita da região, junto com a Venezuela, cujos valores, na verdade, constituem uma construção artificial da economia 8

do petróleo. No caso do Brasil, ele avançou um pouco no decorrer da sua fase dinâmica de industrialização, chegou a um ponto máximo nos de grande crescimento sob o regime militar – quando a distância em relação aos Estados Unidos pode ter ficado pouco acima de um quarto – mas voltou a recuar na fase recente, de baixo crescimento, quando recuou novamente para menos de um quinto do PIB per capita americano. 13. PIB per capita em % do PIB p.c. dos EUA Países 1913 1950 Argentina 55 41 Chile 40 33 Cuba 39 -México 35 27 Peru 20 24 Colômbia 18 19 Brasil 11 15 Venezuela 10 38 Média 28 29 Fonte: Coatsworth-Taylor, 1998: 26.

1994 37 34 -23 14 24 22 37 27

Olhando os indicadores acima, não se pode, com efeito, afirmar que a América Latina tenha sido bem sucedida em seu errático itinerário de crescimento econômico: com poucas exceções – mas o Brasil também recuou nos anos mais recentes – o quadro denota um recuo sensível no medidor mais usual entre os economistas dos progressos na prosperidade material, base indispensável de qualquer desenvolvimento social. Contudo, não se pode dizer que a região tenha sido afetada por condições adversas vindas do exterior, uma vez que boa parte do período intermediário correspondeu, justamente ao de grande crescimento nas economias capitalistas, os famosos “anos dourados” das três décadas gloriosas de crescimento sustentado, que assistiu à recuperação da Europa, aos deslanchar magnífico do Japão e da Alemanha, completamente destruídos durante a guerra, e mesmo à continuidade dos processos de industrialização substitutiva na América Latina. Outros fatores podem ter estado na origem dessa descontinuidade, que caberia agora examinar. As duas décadas posteriores à Segunda Guerra, especificamente a partir de 1948, quando é constituída a Comissão Econômica para a América Latina, são aquelas de maior efervescência intelectual na busca de caminhos inéditos para o desenvolvimento da região. Destacaram-se nesse processo de formulação de novos conceitos e de novas receitas de crescimento um economista argentino, Raúl Prebisch, primeiro diretor da Cepal, e o economista brasileiro Celso Furtado, ambos keynesianos, mas numa vertente inovadora, que os identificaria como “desenvolvimentistas”, por 9

oposição aos ditos “ortodoxos”, que seriam aqueles que preconizam as velhas regras da economia neoclássica, cujo maior representante, no Brasil, foi Eugenio Gudin. Mais ou menos nessa mesma época, um dos mais famosos estudiosos dos processos de desenvolvimento econômico, Gunnar Myrdal, antevia, como resultado de uma enorme pesquisa de terreno conduzida no início dos anos 1960 – publicada em três volumes poucos anos depois, Asian Drama (1968) –, um futuro negro para grande parte dos asiáticos, contrapondo a essa visão pessimista suas perspectivas otimistas para a América Latina. Dois anos depois, ele resumia suas reflexões numa obra síntese, The Challenge of World Poverty: A World Anti-Poverty Program in Outline (1970), na qual confirmava, já na introdução, seu pessimismo em relação aos países asiáticos, que para ele estariam condenados, pelo futuro previsível, a uma miséria insuperável. Os países capazes de alcançar as economias avançadas seriam, para Myrdal, os latino-americanos, que constituíam uma espécie de “classe média” no contexto mundial e estavam seguindo políticas industrializantes segundo recomendações da Cepal, e de seu diretor, Raul Prebisch. Os países asiáticos em geral, e os da Ásia do sul em particular, ficariam reduzidos à pobreza, salvo, dizia Myrdal, se eles seguissem o exemplo da Índia, que praticava um socialismo moderado, uma combinação de planejamento indicativo, com uma forte propensão ao controle dos setores estratégicos da economia, tudo isso combinado a políticas intervencionistas e protecionistas, entre elas a manipulação da taxa de câmbio e a alocação política dos recursos pelo Estado. A história real tomou um caminho praticamente inverso ao que ele esperava. A situação dos asiáticos melhorou progressivamente – mais para os países da Ásia do Pacífico do que para os do Oceano Índico, com progressos muito rápidos para certo número dos primeiros, justamente conhecidos como “tigres” – enquanto os países latino-americanos não alteraram basicamente sua condição e status no contexto mundial. Eles continuam a ser uma espécie de “classe média” e sequer parecem destinados a se tornar aprendizes de tigres nos anos à frente. Pior: eles viram a sua parte do comércio mundial recuar fortemente, ao passo que os países asiáticos se apropriaram de nichos e mesmo de setores inteiros dos intercâmbios internacionais –sobretudo produtos de alto valor agregado – ao mesmo tempo em que os latino-americanos ficaram presos, na maior parte dos casos, às exportações de um número limitado de produtos minerais e de matérias primas agrícolas. Quanto à Índia, ela preservou – durante mais de três décadas após ser apontada como exemplo de futuro promissor por Myrdal – o seu lento crescimento e o seu atraso 10

no terreno social, justamente por ter seguido as políticas preconizadas por Gunnar Myrdal. Ela só decolou para taxas mais vigorosas de crescimento quando abandonou aquelas ideias, passando a adotar não as políticas latino-americanas, como recomendadas por Prebisch, mas as receitas asiáticas de inserção na economia mundial, baseadas no setor privado e nos investimentos estrangeiros, em substituição à proteção nacional e o controle do Estado. O Brasil e o México se tornaram industrializados com base no modelo cepalino e myrdaliano, mas seria difícil dizer que eles tenham conhecido, até os anos 1990, um sucesso de tipo asiático no seu desenvolvimento social, na educação de base ou na sua integração produtiva às cadeias mundiais de alto valor agregado, ou seja na exportação de produtos manufaturados de maior elasticidade-renda. Mesmo em termos de crescimento, o desempenho foi mais errático, como ressaltado por Robert Barro e Xavier Sala-i-Martin em seu manual sobre o crescimento econômico (1995). Os países da Ásia Pacífico – com destaque para os que ficaram conhecidos como “tigres”, Taiwan, Coreia do Sul e, parcialmente, Hong Kong e Cingapura – não hesitaram em buscar no comércio exterior e na busca de tecnologias estrangeiras, abrindo-se ou associando-se a empresas multinacionais, o foco central de suas políticas econômicas externas, ou até dos motores verdadeiros dos seus processos nacionais de desenvolvimento econômico e social. O resultado foi o crescimento contínuo do coeficiente de abertura externa na formação de seus respectivos PIBs nacionais – ou seja, a componente do comércio exterior, tanto importações quanto exportações, no conjunto da agregação de valor econômico – ao passo que na América Latina, a parte do comércio exterior diminuía constantemente na economia, da mesma forma como a participação desse continente nos intercâmbios mundiais. De fato, ocorreu uma notável inversão de tendências entre a América Latina e a Ásia Pacífico no que tange suas participações respectivas nos fluxos de comércio internacional, o que se refletiu inteiramente em suas especializações produtivas: enquanto a América Latina continuava a aprofundar seu papel de fornecedor confirmado de matérias primas agrícolas, minerais e de energia, a Ásia fortalecia seu papel na assemblagem, depois na produção de bens manufaturados para os mercados dos países ricos (e de outros países em desenvolvimento, como já tinha feito anteriormente o Japão). Nesse processo, a Ásia foi ganhando capacitação tecnológica e pleno domínio dos circuitos comerciais, ao mesmo tempo em que a América Latina estacionava na produção primário-exportadora e na introversão econômica e comercial. 11

Não se pode, exatamente, falar de Ásia, como um todo, nesse quesito da industrialização, uma vez que as situações nacionais são bastante diferenciadas, em função das diferentes capacitações dos países em termos de sistemas nacionais de inovação e de invenções industriais (patentes). Alguns países, como Coreia do Sul e Taiwan realizaram o grande salto nessa área, passando não apenas a ser autônomos, a partir de certo período de aprendizagem, como a dispensar, em grande medida, os contratos de licenciamento anteriormente feitos com economias mais avançadas, passando eles mesmos a contribuir para o estoque mundial de inovações tecnológicas. Outros países, porém, mais concentrados no Sudeste asiático, continuaram dependentes de licenciamento estrangeiro nos sistemas mais sofisticados, continuando a servir como base manufatureira e de assemblagem de partes e peças importadas, baseando-se na relativa abundância de mão-de-obra a custos moderados. Situações especiais são encontradas nos casos de Hong Kong e Cingapura que desenvolveram vantagens comparativas mais vinculadas às áreas de comércio e finanças, a partir de serviços de intermediação bastante sofisticados, reforçando seus ganhos de renda per capita. Em todos esses casos, o comércio exterior consolidou níveis de participação na formação do produto nacional em proporções bem maiores do que as existentes na América Latina. A América Latina poderia ter conhecido taxas mais robustas de desenvolvimento econômico e social se ela tivesse estabelecido um conjunto de políticas e de instituições voltadas para o crescimento, em lugar de se perder na instabilidade econômica e social durante boa parte do período contemporâneo. Tal situação alimentou golpes de Estado, revoluções, até mesmo guerras civis, além da fuga de capitais, crises de cambiais e de endividamento. O continente poderia ter atingido uma melhor situação do ponto de vista econômico e social, se tivesse escapado do emissionismo inflacionista e preservado o equilíbrio fiscal e a abertura externa. Os líderes políticos da América Latina se referem sempre à busca da igualdade e da justiça social, objetivos que estavam no centro das reflexões de Gunnar Myrdal em torno dos projetos de desenvolvimento que se necessitaria implementar nos países subdesenvolvidos daquela época para aproximá-los dos países já desenvolvidos do Ocidente capitalista. A maior parte dos asiáticos – salvo, talvez, a Coreia do Sul, e Taiwan, em virtude de uma reforma agrária de alguma forma forçada pelos Estados Unidos – se desenvolveram mantendo, ou aumentando – é o caso da China na sua conjuntura atual –altas taxas de desigualdade na distribuição de renda. Gunnar Myrdal colocava os países avançados em face de uma espécie de “imperativo moral”, que era o 12

da assistência ao desenvolvimento, preconizando um forte aumento da cooperação técnica e de doações concessionais dirigidas aos países mais pobres, por meio do CADOCDE e dos programas do ONU e de suas agências, ou diretamente, pela via bilateral. Não seria falso afirmar que os países que se desenvolveram de fato não o fizeram porque beneficiários da ajuda multilateral, mas em virtude de sua integração à economia mundial pela via dos mercados, como recomendava desde 1957, o economista Peter Bauer. Inversamente, cabe registrar que os países que mais receberam ajuda continuaram patinando na na pobreza, e assistiram ao aumento da corrupção, como observado pelo economista William Easterly, ex-funcionário do Banco Mundial, atualmente um crítico acerbo da assistência oficial ao desenvolvimento (2006). A América Latina enfrentou vários dissabores e frustrações, comparativamente a outras regiões, particularmente em relação à Ásia, no tocante a vários temas, tanto os econômicos quanto os políticos ou sociais: integração regional, desenvolvimento social, instituições de governança, crescimento econômico, participação no comércio mundial, competitividade, liberdade econômica; no que respeita democracia e direitos humanos, em contrapartida, os contrastes não existem, pois ambas regiões exibiram, e continuam exibindo, indicadores e práticas deploráveis em ambos quesitos, com algumas exceções. A realidade da América Latina não é sempre negativa, e não se pode negar os progressos reais logrados em alguns desses terrenos, a começar por uma diminuição – mas verdadeiramente muito modesta – da miséria, da pobreza e das desigualdades, ainda que de forma bastante variável segundo os países da região. Mas é preciso também reconhecer que esse desempenho aconteceu ao cabo de várias décadas de inflação acelerada, processo que constitui o pior dos impostos sobre a população mais pobre, uma vez que esta não tem meios para se defender do fenômeno. A diminuição do ritmo da inflação, nos últimos anos, respondeu sobretudo uma exigência da sociedade, bem mais do que representou uma conquista dos governos. Em todo caso, os países da América Latina não pode ser comparados aos países anglo-saxões da América do Norte, e sim com países que possuem histórias quase similares em termos de processos históricos de colonização, de independência e de industrialização. 5. A América Latina comparada aos países dinâmicos da Ásia Pacífico A economia mundial, que caminhava para uma relativa integração sob o império do livre comércio, na conjuntura histórica da belle époque – entre 1870 e 1914 – foi 13

desintegrada pela Primeira Guerra Mundial e pelo surgimento do socialismo de tipo soviético, em seu final. Posteriormente, as crises econômicas do entre-guerras e a ampliação do universo socialista ao final da Segunda Guerra Mundial reforçaram a divisão econômica e política mundial, durante mais quatro décadas, até a implosão do socialismo, na última década do século XX e a retomada do processo de globalização sob o domínio inequívoco das economias de mercado, avançadas e emergentes. Novos processos de integração regional tiveram início na Europa destruída pela guerra, e não exatamente na Ásia, embora nas duas regiões as motivações tenham sido basicamente políticas, mais até do que econômicas ou comerciais. Desde o início dos anos 1950, os principais países da Europa ocidental, os mesmos que foram beneficiados pelo Plano Marshall, de recuperação econômica europeia no imediato pós-guerra, começaram a se unir num processo de integração de tipo comunitário, ou seja, com cessão de soberania, em grande medida para fazer face ao desafio então representado pela União Soviética. O primeiro passo foi dado com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951, seguida, seis anos depois, pela constituição do Mercado Comum Europeu, num processo que desembocaria na União Europeia, mais de três décadas à frente. Na Ásia, se vivia igualmente a bipolaridade entre o capitalismo e o socialismo, e um dos primeiros experimentos de integração foi a criação, em 1961, da Associação da Asia do Sudeste, de orientação basicamente anticomunista e com apenas três países: as Filipinas, a Malásia e a Tailândia. Cingapura – que se tornou independente da Malásia em 1965 – e Indonésia – que emergiu de um violento golpe anticomunista no mesmo ano – se juntaram ao bloco em 1967, para constituir o que passou a ser chamado de Associação das Nações do Sudeste Asiático, ainda de perfil marcadamente político, mas já exibindo algumas das características que fariam da ASEAN um dos blocos mais exitosos em termos de integração à economia mundial: em lugar de se enclausurar em regimes econômicos estreitamente nacionalistas e protecionistas, como muitos dos países da América Latina nessa mesma época, os membros da ASEAN praticavam aquilo que estava exatamente sendo abandonado pelos parceiros latino-americanos, o chamado “desenvolvimento para fora”. Eles se abriram aos investimentos estrangeiros e a uma grande conexão com os mercados ocidentais, participando na grande cadeia de criação de valor e de divisão mundial do trabalho já então liderado por grandes companhias multinacionais. 14

Não se tratava tanto de adquirir o controle e a soberania sobre seus recursos naturais, ou de impulsionar o fortalecimento de companhias nacionais voltadas para o mercado interno, como na América Latina, mas de participar dos circuitos de produção e de distribuição de bens manufaturados que tinham seu destino final nos mercados dos países desenvolvidos, onde estavam situadas as sedes das multinacionais investidoras, justamente. Durante muito tempo se desprezou, na maior parte da América Latina, a abertura econômica e a liberalização comercial, em favor de projetos nacionais de industrialização, que, no plano continental, deveriam conduzir a uma integração voltada essencialmente para os próprios mercados nacionais, ainda se esse mesmo objetivo, devido às políticas de proteção às indústrias nacionais, fosse objetivamente contrário ao princípio da integração econômica que se tentava impulsionar simultaneamente. Uma racionalização a esse respeito foi feito no âmbito da Cepal, que passou a preconizar um crescimento “hacia adentro”, em lugar do que teria ocorrido em épocas anteriores, mas preservando o princípio da integração industrial convergente dos países da região. A América Latina, durante a maior parte da história contemporânea, foi estatista, protecionista, dirigista, características geralmente legitimadas por um projeto qualquer de desenvolvimento. As reformas dos anos 1980 e das décadas posteriores estabilizaram parcialmente economias assoladas por inflações virulentas, mas poucos países continuaram a seguir o caminho das reformas estruturais para abrir suas economias, reduzir os gastos do Estado, capacitar a mão-de obra ou melhorar as infraestruturas. Os países que o fizeram, de maneira mais acabada, foram recompensados por taxas de crescimento sustentadas, como foi o caso do Chile. Os países menos capazes de avançar nas reformas – seja por falta de liderança política, seja por alguma maldição dos recursos naturais, como acontece facilmente com o petróleo – estão em grande medida condenados a repetir a história de booms and busts, de um crescimento errático seguido de uma crise, ou até de uma recessão. Pode ocorrer, também, que países reticentes só consigam avançar em marcha irregular, comumente chamada de “voo de galinha”, em virtude desses saltos frustrados, buscando uma decolagem sempre comprometida pelo peso do Estado, pela falta de poupança e de investimentos, ou pela ausência de inovação técnica, dos quais decorre o “eterno retorno” à exportação de matérias primas, como parece ser atualmente o caso do Brasil. De maneira geral, o Brasil e a América Latina parecem ter sido confirmados num papel de fornecedores de matérias primas para os países industrializados, inclusive, e sobretudo, para a China. 15

Em todo caso, uma comparação entre os desempenhos de crescimento da renda per capita entre os maiores países da região, com seus possíveis equivalentes na Ásia Pacífico, deixa um sabor amargo de oportunidades perdidas e de possibilidades não aproveitadas, como se pode constatar na tabela abaixo, que compila os valores nominais de renda per capita em 1980 e em 2013 e as taxas de crescimento de países da América Latina e da Ásia Pacífico em anos selecionados, evidenciando o relativo fracasso dos países latino-americanos, quando comparados aos emergentes asiáticos. Valores correntes ($) e crescimento (%) do PIB per capita em países selecionados da América Latina e da Ásia, 1980-2014 (US$ PPP = paridade de poder de compra) Países

$ 2014

2014/1980

22.101 15.153 23.165 13.148 17.925 11.988 17,917

4,5 4,1 7,9 5,3 3,6 4,0 3,1

China 250 12. 893 Coreia do Sul 2.302 35.485 Hong Kong 6.790 55.166 Indonésia 729 10.156 Malásia 318 24.520 Tailândia 1.090 14.442 Taiwan 3.570 43.600 Fonte: Economy Watch: http://www.economywatch.com/economic-statistics

51,5

Argentina Brasil Chile Colômbia México Peru Venezuela

$ 1980 4.893 3.690 2.921 2.442 4.980 2.965 5.754

% 1990

% 2000

% 2010

Países da América Latina -1,3 -0,8 9,1 -4,1 4,3 7,5 3,6 4,4 5,7 4,3 2,9 3,9 5,1 5,9 5,3 -5,1 2,5 8,8 6,4 3,7 -1,5 Países da Ásia Pacífico 3,8 8,4 10,4 9,3 8,8 6,3 3,9 7,9 6,8 7,2 4,2 6,2 9,0 8,7 7,1 11,6 4,7 7,8 6,8 5,8 10,7

15,4 8,1 13,9 77,1 13,2 12,2

Registre-se que foram simplesmente compilados dados estatísticos homogêneos sobre o crescimento do PIB per capita, em anos selecionados, sem maiores ponderações quanto aos ritmos de crescimento, sobre crises eventuais ou sobre as mudanças, bem mais frequentes na América Latina, dos padrões monetários, que nada mais são do que o reflexo da qualidade das políticas econômicas dos países em questão. Os resultados são, porém, previsíveis e esperados: mesmo países asiáticos de menor desenvolvimento relativo fizeram melhor do que os latino-americanos nas últimas três décadas de retomada da globalização. Uma das razões, justamente, foi a de que eles se inseriram de modo mais consistente nos grandes circuitos produtivos e comerciais da economia mundial, ademais de manterem, na média, taxas de poupança e de investimento mais elevadas, políticas fiscais mais responsáveis, maior realismo nas políticas cambiais e maior atratividade ao investimento direto estrangeiro. Os países asiáticos foram tão, ou 16

mais, afetados pelas crises financeiras internacionais quanto os latino-americanos; o que provavelmente eles não tiveram em igual proporção foi a volatilidade interna associada a políticas econômicas erráticas, sendo o outro diferencial relevante a educação. 6. Lições de um século perdido para a América Latina? A América Latina não conheceu as guerras que assolaram a Europa no decorrer do século XX, ou desastres humanitários tão extensos quanto os da África; tampouco experimentou a miséria extrema de certas regiões da Ásia, sobretudo aquela ainda mais extrema do subcontinente indiano. Ela ficou na média do mundo em desenvolvimento, e ali estacionou, evitando os bloqueios africanos, mas sem lograr construir economias dinâmicas como as da Ásia Pacífico. Entre o início dos anos 1960 e o final do milênio, pode-se dizer que essas duas regiões trocaram de lugar, em termos de comércio, de investimentos, de renda, de inovações tecnológicas e de inserção na economia global. Na verdade, boa parte da América Latina se recolheu sobre si mesma, e isso teve um custo em termos de progressos tecnológicos – ou melhor, de atrasos – e de perda de oportunidades de acesso a mercados mais amplos. Ainda hoje, enquanto a bacia do Pacífico constrói, pouco a pouco, um imenso espaço de produção e de intercâmbios industriais, comerciais, financeiros e tecnológicos do mais alto nível, muitos países latino-americanos se orgulham de organizar encontros exclusivamente regionais – sem a tutela do império, como dizem alguns – e criam organismos para seu uso exclusivo, como se o estabelecimento de novas burocracias alheias ao controle de Washington pudesse lhes garantir ganhos que eles supostamente não poderiam obter no plano hemisférico. Espaços continentais abrigam necessariamente grande diversidade de tradições culturais e de arranjos institucionais, como ocorre na Ásia, na África, ou mesmo na Europa, que, a despeito da união política que engloba atualmente quase três dezenas de países, ainda se caracteriza por um mosaico de povos e de culturas. O que, sobretudo, é preciso constatar, entretanto, não é tanto a existência de resultados contrastados dentro da América Latina – já que isso é absolutamente normal –, quanto uma tendência latente que confirma o aprofundamento da diversificação estrutural das políticas econômicas nacionais, segundo as linhas já expostas anteriormente: existem países que perseguem incessantemente sua inserção nos mercados globais – e o Chile constitui o exemplo mais claro desse tipo de atitude –, assim como existem outros que resistem e procuram conter esse processo, como pode ocorrer com alguns reticentes, como o Brasil e a 17

Argentina. Também existem alguns outros, finalmente, que pretendem fazer girar para trás a roda da História, como se fosse realmente possível impedir processos econômicos de continuar avançando, ainda que de forma contraditória; de fato é possível, mas ao custo de um isolamento das correntes mais dinâmicas da economia internacional, e ao preço de controles cada vez mais extensos, e inúteis, para impedir os seus povos de aceder aos benefícios da globalização. Os líderes políticos desses últimos países, ditos bolivarianos, correm o risco de fazer suas sociedades retroceder vários anos em direção ao passado, se seguirem seus instintos no sentido de qualificar a democracia – que seja “popular”, ou “participativa”, ou ainda “direta” – e de controlar pelo alto as engrenagens da vida econômica. De seu lado, os reticentes podem, por suas hesitações, atrasar os ajustes necessários ao ingresso dessas sociedades no grande turbilhão da globalização. Num ou noutro caso, correm o risco de simplesmente fazer com que a América Latina continue a acompanhar com um passo hesitante o ritmo irregular e desigual dos progressos econômicos e sociais que se desenvolvem em escala planetária. Infelizmente, nem todo mundo consegue acelerar o carro de bois da História, ou substituí-lo por veículos mais ágeis, capazes de levar adiante sociedades inteiras de maneira mais rápida. Essas acelerações só acontecem muito raramente no itinerário histórico das nações. Na média, a América Latina, com muito poucas exceções, não parece ainda preparada, ou capacitada, para empreender uma via mais rápida em direção à modernidade. Em cem anos de trajetória econômica ela permaneceu mais ou menos no mesmo lugar, mesmo considerando-se que o período foi marcado por duas guerras globais devastadoras, que aliás não afetaram significativamente a região. Espera-se apenas que os próximos cem anos sejam bem mais estimulantes do que os últimos cem, de grandes promessas e de poucas realizações substantivas.

Referências bibliográficas: Beattie, Alan (2010). False Economy: a surprising economic history of the world. Nova York: Riverhead. Cardoso, Ciro F. S.; Brignoli, Héctor Pérez (1999). História Económica de América Latina. Barcelona: Crítica, 2 vols. Christian, David (2005). Maps of Time: An Introduction to Big History. Berkeley: University of California Press. Clark, Gregory (2007). A Farewell to Alms: A Brief Economic History of the World. Princeton, NJ: Princeton University Press. 18

Clemens, Michael; Williamson, Jeffrey (2001). “A Tariff-Growth Paradox?: Protection’s Impact the World Around, 1875-1997”, NBER Working Paper No. 8459; disponível: http://www.nber.org/papers/w8459 (acesso: 16/03/2015); Base de Dados em Excel: “Import Duties over Imports, 35 countries, 18651950”. Coatsworth, John (1993). “Notes of the Comparative Economic History of Latin America and the United States”. In: Bernecker, Walther L.; Tobler, Hans Werner (eds.). Development and Undedevelopment in America: Contrasts of Economic Growth in North and Latin America in Historical Perspective. Berlin: Walter de Gruyter, p. 10-30. ———; Taylor, Alan M. (eds.) (1998). Latin America and the World Economy Since 1800. Cambridge, MA: David Rockefeller Center for Latin American Studies. Diamond, Jared (1997). Guns, Germs, and Steel: The Fates of Human Societies. Nova York: W. W. Norton (edição brasileira: Armas, Germes e Aço. Rio de Janeiro: Record, 2001). Easterlin, Richard (1981). “Why Isn’t the Whole World Developed?”, The Journal of Economic History, vol. 41, n. 1, The Tasks of Economic History, p. 1-19; disponível: http://links.jstor.org/sici?sici=00220507%28198103%2941%3A1%3C1%3AWITWWD%3E2.0.CO%3 (acesso: 15/03/2015). Engerman, Stanley L.; Sokoloff, Kenneth L. (1997). “Factor Endowments, Institutions, and Differential Paths of Growth Among New World Economies: a view from economic historians from the United States”, in: HABER, Stephen (ed.), How Latin America Fell Behind: essays on the Economic Histories of Brazil and Mexico, 1800-1914. Stanford: Stanford University Press, p. 260-291. Landes, David S. (1998). The Wealth and Poverty of Nations: why some are so rich and some so poor. Nova York: Norton (edição brasileira: A Riqueza e a Pobreza das Nações: por que algumas são tão ricas e outras são tão pobres. Rio de Janeiro: Elsevier, 1998). ——— (1994). Prometeu Desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa ocidental, desde 1750 até nossa época. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Liga das Nações (1927). Tariff Level Indices. Economic and Financial Section, 1927, II.34. Documentation for the International Economic Conference. Genebra: League of Nations. Maddison, Angus (2003). The World Economy: Historical Statistics. Paris: OECD, Development Centre Studies. ——— (2001). The World Economy: A Millennial Perspective. Paris: OECD Development Centre Studies. ——— (1982). Phases of Capitalist Development. Londres: Oxford University Press (cap. 1: “economic epochs and their interpretation”, disponível: http://www.ggdc.net/maddison/articles/Economic_Epochs.pdf). Myrdal, Gunnar (1970). The Challenge of World Poverty: A World Anti-Poverty Program in Outline. Nova York: Pantheon Books. ——— (1968). Asian Drama: An Inquiry into the Poverty of Nation. Londres: Allen Lane; The Penguin Press, 3 vols. Williamson, Jeffrey G. (2011). Trade and Poverty: When the Third World Fell Behind. Cambridge, MA: The MIT Press. Hartford, 2800: 28 de março de 2015, 19 p. 19

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.