30 000 anos de História do Cavalo

May 30, 2017 | Autor: Fernando Coimbra | Categoria: Archaeology, Fine Arts, Horses, Archaeology of Horse and Riders
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The Horse and the Bull in Prehistory and in History

Coordination Fernando Augusto Coimbra

2016

30.000 anos de história do cavalo: sua divulgação através da pintura contemporânea Fernando Coimbra*, Rosário Sousa** *Arqueólogo - Centro de Geociências, uID 73 - FCT Centro Português de Geo-história e Pré-história Instituto Terra e Memória - [email protected] **Artista contemporânea - Docente de Educação Visual no Ensino Básico [email protected]

Resumo: Os autores divulgam um projeto iniciado em 2009 no Equuspolis (Golegã), tendo por base o intercâmbio de saberes entre o signatário (arqueólogo, investigador de arte rupestre), e a signatária (artista contemporânea inspirada na arte pré-histórica e antiga), tendo já frutificado na realização de três exposições de pintura, articulada cada uma com uma conferência sobre a mesma temática, sendo obviamente a pintura da autoria daquela artista e as conferências da responsabilidade do referido arqueólogo. Apresentam-se nesta comunicação os meandros daquela interação de conhecimentos, seus resultados em termos culturais e as técnicas utilizadas nas diversas pinturas. Palavras-chave: arte, pintura, interação, técnicas. Abstract: The authors disclose a project started in 2009 at Equuspolis (Golegã), based on the exchange of knowledge between the signatory (archaeologist, rock art researcher), and the undersigned (contemporary artist inspired by prehistoric and ancient art), having already resulted in the realization of three exhibitions of contemporary painting, linked each one with a lecture on the same theme, being obviously the painting made by that artist and the lectures of the responsibility of the archaeologist. This communication presents the characteristics of that interaction of knowledge, its results in a cultural way and the techniques used in the different paintings. Keywords: art, painting, interaction, techniques.

Nota introdutória Nas últimas décadas, a arte pré-histórica e a arte antiga têm sido fonte de inspiração para inúmeros artistas plásticos por todo o mundo. Basta navegar na Internet para ter acesso a alguns exemplos verdadeiramente notáveis. De facto, aquelas manifestações do passado revelam uma estética e uma harmonia que se podem considerar intemporais, independentemente da carga simbólica que frequentemente encerram. Embora não tenham sido efetuadas 281

na Pré-história para apreciação do observador, atualmente são consideradas autênticas obras de arte, cuja reprodução em tela contribui para a sua divulgação e simultaneamente para o conhecimento da História. As diferentes tipologias da representação de cavalos em arte rupestre inspiraram a signatária para a produção de algumas obras de arte, iniciando-se, em conjunto com o outro autor deste trabalho, no ano de 2009, um projeto que acreditamos ter um certo grau de ineditismo – a realização de exposições de pintura contemporânea antecedidas por uma conferência que aborda e explica a mesma temática. Por outro lado, também pensamos ser pouco comum que palestrantes na área das ciências humanas possam disfrutar de uma exposição que ilustre os seus argumentos.

1 – Os meandros de uma interação O presente artigo resulta, então, do intercâmbio de saberes entre o signatário (arqueólogo, investigador de arte rupestre), e a signatária (artista contemporânea inspirada na arte pré-histórica e antiga), tendo já frutificado na realização de três exposições de pintura, articulada cada uma com uma conferência sobre a mesma temática, sendo obviamente a pintura da autoria daquela artista e as conferências da responsabilidade do referido arqueólogo. A primeira exposição esteve patente no Equuspolis (Golegã) de 5 a 31 Março 2009, intitulando-se “O Cavalo e o Homem na Arte Rupestre – uma visão contemporânea”, precedida pela conferência “A imagem do Cavalo e do Homem na Arte Rupestre”. A segunda foi exposta no Palácio do Pelourinho (Golegã), durante a Feira Nacional do Cavalo de 2011, com o nome “Cavalos e cavaleiros ao longo dos tempos” (1), articulando-se com a conferência “Cavalos e cavaleiros desde a Pré-História à Idade Média”. A terceira decorreu no Solar Condes de Resende (V. N. de Gaia), entre 9 de Março e 8 de Abril de 2013, com a designação “30 000 anos de História do Cavalo”, que viria a dar título ao presente artigo e cuja abertura foi precedida pela conferência alargada “O cavalo e a Arqueologia” (2). Foi repetida no âmbito do I Congresso Internacional – O cavalo e o touro na Pré-história e na História, tendo lugar no Cine Teatro da Chamusca nos dias 18 e 19 de Maio de 2013, todavia, desta vez, sem a conferência habitual. A referida complementaridade entre as exposições/conferências e a necessária investigação para a colocar em prática, permitiu analisar e divulgar detalhadamente a grande importância económica, social e religiosa do cavalo na História da Civilização. Verificou-se, assim, que este animal constituiu inicialmente apenas uma fonte de alimentação (carne) e de matérias-primas, aproveitando-se os ossos para o fabrico de utensílios e a pele para vestimentas 282

(3). Após a domesticação, tornou-se num auxiliar da caça, permitindo perseguir com maior velocidade qualquer tipo de presa. Este tipo de atividade vai proporcionar um treino no domínio do cavalo que será fundamental para a sua utilização como “máquina de guerra”, quer atrelado a carros de combate, quer montado por guerreiros que teriam vantagem sobre os que combatiam apenas a pé. De facto, as caçadas organizadas, cujos exemplos estão patentes em iconografia muito variada exigem, para além do domínio da montada, o manejamento eficaz de armas como a lança ou o arco e flecha. O cavalo revolucionou ainda os transportes e as comunicações, permitindo viagens mais rápidas e a diversificação do comércio. Transformou-se posteriormente num símbolo de estatuto social, diferenciando-se quem tem cavalos de quem não os tem. De facto, abundam na arte de diversos períodos e culturas imagens de grandes guerreiros representados a cavalo, podendo mesmo falar-se de uma aristocracia equestre europeia na 2ª metade do I milénio a.C. (Coimbra & Oosterbeek, 2012). Por último, este animal tem ainda um papel preponderante nas crenças e nos mitos, surgindo frequentemente com carácter psicopompo (guia de almas) ao longo dos tempos e dos lugares, estando associado a divindades diversas e tendo ele próprio uma divindade protetora – Epona, no período Galo-Romano – e Rhiannon na mitologia alto medieval do País de Gales e da Escandinávia (Coimbra, no prelo). Metodologicamente falando, a escolha das gravuras rupestres a utilizar nas exposições foram escolhidas entre os dois autores, com a preocupação de abarcar diversas cronologias e ainda diferentes áreas geográficas. Após a seleção das imagens, publicadas em livros ou revistas da especialidade, algumas delas foram ampliadas pelo processo da quadrícula para posteriormente serem reproduzidas em tela, acrescentando-se frequentemente texturas, cor, a ideia de movimento, etc. Por exemplo, o aumento de dimensão de algumas gravuras de Tanum (Suécia), com a finalidade de reprodução em tela, permitiu ao signatário observar aspetos não detetados anteriormente. Observando a Fig. 1, o que parecia ser inicialmente uma cena bélica passou a ter outra interpretação. De facto, algumas figuras a cavalo não apresentam armamento, o que é anormal no caso de um conflito. Encontram-se todas representadas com o tronco de frente, exceto uma, em situação central, que revela um busto, devendo ser a imagem de uma mulher. Portanto, poderemos estar aqui perante as seguintes situações: trata-se da oferta de uma mulher de um grupo social a outro, de modo a celebrar um acordo de paz ou de comércio; trata-se do rapto de uma mulher de outro grupo social, trazida por um grupo armado, a cavalo, que é recebido com festejos ao chegar ao seu povoado.

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Fig. 1 – Celebração a cavalo (Exposição de 2009).

2 – As técnicas de pintura Relativamente à primeira exposição (2009), as técnicas de pintura utilizadas foram muito diversificadas. Para alguns casos inspirados na arte rupestre paleolítica recorreu-se a pigmentos naturais, obtidos através de minerais (óxidos de ferro e manganésio), aglutinados com gema de ovo, sendo a pintura executada sobre fragmentos de calcário (4), ou sobre tela, utilizando-se também, por vezes carvão sobre tela. Texturas simulando rocha foram conseguidas adicionando areia grossa de rio, colada e prensada sobre tela, sendo os motivos pintados posteriormente com acrílico. Em outras obras foi aplicada uma espessa camada de pasta acrílica para cobrir todo o quadro, produzindo um efeito marmorizado, e, numa fase seguinte, efetuou-se uma raspagem de modo a desenhar o motivo pretendido, dando o aspeto de uma inscultura rupestre (Fig. 2). Na segunda exposição (2011), a artista inspirou-se em iconografia desde o Paleolítico até à atualidade, pertencente a culturas variadas, juntando textura, cor e, por vezes, dimensão às imagens originais. Foi possível observar exemplos de arte pré-histórica da região franco-cantábrica, de arte egípcia, de arte grega clássica, arte cita, celtibérica, romana, viking, irlandesa, arte medieval francesa, arte mongol, arte indiana, arte japonesa e arte portuguesa contemporânea. As técnicas basearam-se sobretudo em acrílico sobre tela, tendo em conta 284

Fig. 2 – Cena de caça. Raspagem sobre pasta acrílica (Exposição de 2009).

aspetos como a importância da cor para clarificar a imagem e para aumentar o seu poder. Como se referiu, criaram-se texturas, adicionando areia de rio em algumas telas, de modo a dar a ideia de rocha, e serradura em um dos casos, representando pele de búfalo de um escudo dos índios Sioux. Na reprodução da imagem de um cavalo vencedor, de Torre de Palma, a ideia de mosaico foi conseguida através da simulação de tesselas, pintadas uma por uma, segundo a técnica romana da distribuição de opus tesselatum (Fig. 3). Por último, em alguns casos, teve-se ainda em consideração a importância da informação histórica patente nas imagens do passado. De facto, ao recriar, na atualidade, arte de outras eras, torna-se importante compreender aquele tipo de informação inerente a essa iconografia antiga, pois esses dados ajudam a guiar o artista contemporâneo no reviver daquelas imagens. Por outro lado, essa iconografia de outros tempos também fornece informação de alto valor histórico-cultural, como é o caso de uma gravura rupestre de Kamenaja Mogila (Sul da Ucrânia), reproduzida na exposição de 2011, onde se representa um homem tentando domesticar um cavalo. Este, que se encontra preso por rédeas, baixa a cabeça e parece escoucear, numa atitude de inconformismo (Fig. 4). O petróglifo é atribuído ao final do II milénio/ início do I milénio a.C. (Coimbra, 2011), evidenciando, por exemplo, que já se recorria a rédeas para dominar cavalos selvagens, mas que a sela nesta cultura ainda não era conhecida (5). Deste modo, a recriação deste tipo de arte é também divulgar a História da Civilização. 285

Fig. 3 – Simulação de mosaico romano de Torre de Palma (Exposição de 2011).

Fig. 4 – Cena de domesticação com rédeas (Exposição de 2011).

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Fig. 5 – Krishna em cavalo constituído por cinco mulheres (Exposição de 2011).

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Nota final As exposições sobre o cavalo já realizadas pela signatária permitiram a divulgação de iconografia muito diversificada, cuja observação e análise levam a concluir que este animal, ao longo dos tempos, teve mais impacto nas sociedades do que qualquer outro. De facto, como já alguém escreveu, “se o cão é o melhor amigo do homem, foi o cavalo que ajudou a construir a civilização”. A arte contemporânea, através de exposições individuais e coletivas, é assim um excelente veículo para divulgar e realçar, entre o público em geral, a importância da arte pré-histórica e da arte antiga, ambas detentoras de uma estética que se pode considerar intemporal. Por exemplo, uma das obras mais curiosas da exposição “Cavalos e cavaleiros ao longo dos tempos” reproduz uma pintura mural de meados do séc. XVIII existente no atual Castle Mandawa Hotel (Rajasthan, Índia), onde se observa Krishna montando um cavalo formado por cinco gopis, pastoras indianas devotadas incondicionalmente àquele deus hindu (Fig. 5). É mais um exemplo da divulgação de outras culturas, outros costumes. A bibliografia disponível sobre o cavalo, em termos de arte e de informação histórico-cultural, é extremamente extensa e dispersa por diferentes tipos de publicações. De modo a não alongar demasiadamente a lista de referências bibliográficas, indicamos seguidamente apenas os artigos que resultaram diretamente do conhecimento adquirido pelos signatários através da implementação do projeto iniciado em 2009 e como seu resultado prático, para além das obras que foram objeto de exposição.

Notas: 1 A Câmara Municipal da Golegã imprimiu um catálogo com imagens de todas as obras, acompanhadas por comentários, em português e em inglês, da responsabilidade de F. Coimbra, que assinou ainda um pequeno texto introdutório e um glossário. O catálogo encontra-se disponível para download gratuito em: http://institutoterramemoria.academia.edu/FernandoCoimbra 2 Esta conferência fez parte do curso “Esplendor da Arqueologia: Ciência-CulturaTurismo”, organizado pela Confraria Queirosiana – Amigos do Solar dos Condes de Resende. 3 Refira-se que os cavalos da última glaciação (Würm) devido ao frio tinham uma pelagem bastante espessa, o que seria aproveitada para confecionar vestimentas. 4 Estes exemplos foram produzidos para a exposição “O Cavalo e o Homem na Arte Rupestre – uma visão contemporânea”, que foi adquirida integralmente por um colecionador. Fotos de todas as obras estarão brevemente disponíveis para visualização num blogue da artista. 5 Todavia, são conhecidas terracotas de Chipre e de Creta com a mesma cronologia onde já se representam figuras humanas, a cavalo, sobre selas. 288

Bibliografia Coimbra, F.A., 2013. Possible funerary scenes in rock art: Some case studies from Greece, Italy and Portugal. Actas do XXV Valcamonica Symposium. Centro Camuno di Studi Preistorici, Capo di Ponte, 51-57. Coimbra, F. A., (no prelo). O cavalo como animal psicopompo na Europa do I milénio a.C. Actas do I Congresso Internacional – O cavalo e o touro na Pré-história e na História. Centro Português de Geo-história e Pré-História. Coimbra, F.A.; Iliadis, G., 2011. The hunting scene on Rock 3 from Mana (Philippi, Eastern Macedonia, Greece). In Landscape within Rock Art, Oosterbeek, L.; Nash, G. (eds.) ARKEOS, 29. Proceedings of the XIV International Rock Art Seminar, Tomar, 83-92. Coimbra, F.A.; Iliadis, G., (no prelo). A possible horse hunting scene in the rock art from Philippi (Greece). Actas do I Congresso Internacional – O cavalo e o touro na Pré-história e na História. Centro Português de Geo-história e Pré-História. Coimbra F.A.; Oosterbeek I., 2012. Protohistoric horse riders beyond the Pillars of Heracles, in Land Art. Folklife & Ethnological Museum of Macedonia – Thrace, Thessaloniki, 14-15. Coimbra, F. A., Sousa, R. 2011. Cavalos e cavaleiros ao longo dos tempos. (Catálogo da exposição). Câmara Municipal da Golegã, 31 p.

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