3039) Problemas Publicos, Solucoes Privadas? Nem sempre, nao necessariamente (2016)

May 30, 2017 | Autor: P. de Almeida | Categoria: Brazilian Studies, Liberalism, State Formation
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Problemas Públicos, Soluções Privadas? Nem sempre, não necessariamente! Paulo Roberto de Almeida (www.pralmeida.org; http://diplomatizzando.blogspot.com) [Palestra para Estudantes Pela Liberdade-BH, 20 de setembro de 2016] Nos últimos anos, tive o privilégio de participar de diversos eventos promovidos por capítulos regionais dos Estudantes Pela Liberdade, em algumas cidades do Brasil. Acabo justamente de oferecer algumas reflexões sobre o populismo econômico e a ‘destruição destrutiva’ na América Latina em evento organizado pelo EPL de Brasília, no último dia 16 de setembro (texto publicado em Mundorama, 9/09/2016; link: http://www.mundorama.net/2016/09/09/populismo-economico-e-destruicao-destrutivana-america-latina-por-paulo-roberto-de-almeida/). Digo privilégio porque este tipo de iniciativa seria muito difícil de ser realizado até alguns anos atrás, e impensável quando de minha graduação universitária, entre o final dos anos 60 e a primeira metade dos 70. A despeito do regime militar, supostamente de direita – na verdade, ele era tão, ou mais, estatizante e nacionalista quanto se pretende ainda hoje uma esquerda que sugere e promove políticas econômicas muito semelhantes àquelas da era militar – as escolas públicas, em geral, e as universidades, em especial, já eram dominadas por essa fauna bizarra que eu denomino de “gramscianos de academia”, o que não quer dizer que seus representantes tenham lido Gramsci ou Marx, no máximo cartilhas muito sintéticas ou aquelas vulgatas simplistas que exigem poucos neurônios no esforço de leitura. Entendo que eu esteja recebendo estes convites dos Estudantes Pela Liberdade na suposição otimista de que eu integre as correntes liberais, faça parte de movimentos libertários, ou que eu seja, de alguma forma, identificado com posturas políticas que caracterizam “pessoas de direita”. Sinto decepcionar os que assim acreditam, mas não me defino absolutamente por qualquer rótulo político muito estrito, ainda que na juventude – e lá se vão várias décadas – eu me pretendia marxista; mas eu acrescentava logo em seguida: marxista, mas não religioso. O que eu quero dizer com isto? Eu lia, sim, o meu Marx, o meu Lênin, e vários outros socialistas, mas ao lado deles eu também lia Raymond Aron, Roberto Campos e muitos teóricos e pensadores liberais, bem como de quaisquer outras tendências políticas. Sempre fui eclético em minhas leituras e em minhas tomadas de posição em relação aos principais problemas da sociedade: depois de sair do Brasil, no período mais duro do regime militar, viajei muito e li muito; visitei 1

todos os socialismos existentes, os reais e os surreais, assim como conheci todos os tipos de capitalismo, dos ideais aos esquizofrênicos; também frequentei todas as bibliotecas abertas à minha curiosidade insaciável. Parto do princípio de que a gente aprende sobretudo mediante dois métodos de estudo e de observação: nos bons livros (e até em alguns maus, também) e no contato com a realidade, em viagens, em conversas com todo tipo de gente, sobretudo as inteligentes. Pelos livros, na observação atenta do modo de funcionamento dos mais diversos tipos de países, fui aperfeiçoando minhas concepções políticas e econômicas, até chegar a esta não definição atual: não me considero um liberal, ou libertário, pois não creio nos rótulos reducionistas. No máximo eu poderia ser classificado de liberal contrarianista, ou então como um racionalista, ou seja, alguém que sempre procura definir problemas nos seus próprios termos, examinando as questões pela sua substância, ou sua essência, antes que por algum princípio genérico e invariável. Sempre tento formular respostas a desafios concretos, não teóricos, segundo as melhores armas do pensamento crítico, o que sempre envolve um alto grau de ceticismo sadio em relação a respostas prontas a problemas que invariavelmente são sempre mais complexos do que nossa capacidade analítica, de diagnóstico ou de tipo prescritivo. Este posicionamento preliminar tem importância para esta minha palestra a vocês, nesta noite. Fui convidado pelo capítulo de Belo Horizonte dos Estudantes Pela Liberdade sob a sugestão de que eu poderia falar alguma coisa em torno deste binômio: “problemas públicos, soluções privadas”. Parece claro, transparente, unilateral, o que justamente desperta meus instintos contrarianistas, ainda que de corte liberal. O que eu tento fazer, em todos os meus escritos e palestras, é demonstrar a importância de não ser um fundamentalista de mercado, pelo lado econômico, ou um principista político, no terreno doutrinal, no encaminhamento de questões de interesse relevante na sociedade. É, portanto, com base nestas considerações de ordem geral que eu me disponho a tentar formular algumas reflexões pessoais sobre o público e o privado enquanto mecanismos supostamente antagônicos para a definição de soluções privadas a problemas públicos, ou coletivos. Não creio que se possa partir dessa dicotomia para encaminhar de modo adequado soluções efetivas a uma infinidade de problemas com que nos defrontamos nas sociedades completamente urbanizadas e altamente complexas que são as nossas. Pois bem, o que poderíamos dizer a propósito dessa fórmula aparentemente sedutora que me foi oferecida como tema de palestra: problemas públicos, soluções 2

privadas? Em primeiro lugar que ela pode ser um bom slogan, e até um bom princípio organizador, de caráter geral, para a definição inicial e um encaminhamento muito preliminar de quaisquer problemas detectados e que requerem soluções criativas, em função dos recursos disponíveis e da dimensão das populações envolvidas. Mas ela é também redutora, no sentido em que pretende enfeixar problemas necessariamente diferentes num mesmo cesto unidirecional de respostas, apontando para o polo oposto ao do problema, ou seja, sair do público, considerado talvez como pouco eficiente, para caminhar resolutamente em direção da solução privadas, supostamente a melhor. Pode ser que seja assim, ou talvez deva ser assim na maior parte dos casos, mas uma regra de bom senso, ou de precaução, recomendaria que adotássemos uma postura de questionamento completo, integral, do problema específico considerado, para a partir daí começar a examinar esse problema de todos os ângulos possíveis, e com todas as informações disponíveis, para só então formulas respostas tentativas, talvez parciais, de caráter eminentemente pragmático, ao desafio em causa. Vamos examinar, a título de exemplo, alguns casos de problemas brasileiros, e suas soluções possíveis, sempre tentando adequar essas questões aos critérios que me foram oferecidos como uma espécie de guia de ação para seu encaminhamento satisfatório, ou seja: problemas públicos, soluções privadas. Serei sintético na exposição e nas prescrições. Quais são, em minha opinião, os maiores problemas brasileiros, públicos, portanto, ou coletivos, e quais seriam as supostas soluções privadas a esses mesmos problemas? Minha lista, não exaustiva, cobre uma dúzia de problemas “coletivos”, os quais vou discutir sumariamente segundo o mesmo formato: breve exposição de qual seria o problema, proposta de solução, natureza da solução pela dicotomia proposta. 1) Problema: Peso excessivo do Estado brasileiro para a economia e a sociedade. Solução: Redução radical do peso do Estado na vida da nação, começando pela diminuição à metade do número de ministérios, com a redução ou eliminação concomitante de uma série de outras agências públicas. Dicotomia: A solução imaginada pela maior parte dos observadores políticos se prende ao próprio governo, quando na verdade esse é o problema menor. O Estado oprime a sociedade por um sem número de regulações, de impostos, de proibições e de imposições burocráticas as mais diversas. Mesmo a redução do número de ministérios adotada recentemente é um engodo, pois só se eliminaram os órgãos no papel, subsistindo a imensa burocracia disfuncional. Sem dúvida que um começo de solução seria a privatização do maior número possível de empresas estatais, a começar pelos bancos públicos, pela Petrobras, por todo o setor elétrico e por um número ainda maior, provavelmente gigantesco, de empresas estatais nos dois outros níveis da federação. Mas tampouco isso é uma solução ao imenso problema do peso 3

do Estado, que passa pela regulação bizantina, dantesca, de todas as atividades econômicas (e até simples benemerência privada) pelo governo. Uma desestatização das mentalidades é urgente, mas isso, infelizmente, não vai se conseguir antes de muito tempo. Mas, por isso mesmo, cada uma das medidas de “desestatização” precisa ser pensada em sua dimensão própria, pois não cabe adotar uma diretiva de ordem geral, sem prever o papel de cada um dos órgãos estatais na vida coletiva. O que se pretende, finalmente, não é substituir monopólios estatais por oligopólios privados, e sim estabelecer o princípio da concorrência em todos os setores onde isso é possível. Em algumas áreas, porém, existem os chamados monopólios “naturais”, como saneamento básico, e para isso é preciso uma regulação específica. 2) Problema: Disfuncionalidade e fragmentação do sistema político-partidário. Solução: A reforma política é a mais importante de todas, mas por isso mesmo ela não será feita, por ser complexa e atingir interesses privados dos políticos eleitos. Um dos grandes problemas é o chamado “presidencialismo de coalizão”, que se transforma facilmente em “presidencialismo de mensalão”, ou seja de cooptação via chantagem, quando não corrupção. Para isso, tem de se reduzir o número de partidos e diversas “cláusulas de barreiras” são pensadas. Proponho uma via mais simples: o fim, simplesmente, do Fundo Partidário e a adoção do financiamento exclusivamente privado dos partidos políticos, como entidades de direito privado que são. Pode-se pensar também no fim da proibição, que certamente virá, do financiamento de empresas a campanhas eleitorais, o que foi uma grande bobagem do Legislativo e do Judiciário. Cabe exigir, também, o fim de qualquer tipo de financiamento público de campanhas: a população não pode pagar duplamente por um sistema político fundado sobre os impostos. Dicotomia: Mais uma vez estamos discutindo problemas que se passam na esfera do Estado e tendem a ser regulados dentro do Estado para o próprio Estado. O que se pode argumentar é que, como partidos são entes privados, que sejam financiados pela sociedade, voluntariamente, não compulsoriamente como é hoje. 3) Problema: Poderes institucionais do governo em situação de obesidade; grandes gastos do Estado consigo mesmo, o que é uma decorrência setorial do problema 1. Solução: Extinção imediata de 50% de todos os cargos em comissão, em todos os níveis e em todas as esferas da administração pública, e designação imediata de uma comissão parlamentar, com participação dos órgãos de controle e de planejamento, para a extinção do maior volume possível dos restantes cargos, reduzindo-se ao mínimo necessário o provimento de cargos de livre nomeação; extinção do nepotismo cruzado. Dicotomia: Existem funções públicas – como as da Justiça, Defesa, representação política, organização econômica mais geral – que só podem ser exercidas por órgãos públicos, mas caberia revisar a estrutura dos três poderes para justamente reduzir onde for possível. Dos três poderes, o judiciário é o mais repleto de mordomias inaceitáveis, e o legislativo é o mais obeso, não apenas no Congresso; cada humilde câmara de vereadores da mais modesta cidade do interior possui os seus cargos em comissão e os salários amarrados ao regime geral, e este ao dos ministros do Supremo; revisar inteiramente a estrutura dos poderes, nos três níveis; reduzir número de representantes em cada um dos legislativos existentes, eliminar todas as mordomias escabrosas no judiciário. Mas, como se vê, se trata de medidas ao interior do próprio Estado, sem muitas possibilidades de soluções privadas, cabendo, no entanto, à sociedade, fazer pressão para que o Estado seja reduzido ao mínimo. 4

4) Problema: Os governos como propagandistas de si próprios, o que é inaceitável. Solução: Eliminação total de qualquer publicidade governamental que não motivada a fins imediatos de utilidade pública; extinção de órgãos públicos de comunicação com verba própria: a comunicação de temas de interesse público se fará pela própria estrutura da agência no âmbito das atividades-fim, sem qualquer possibilidade de existência de canais de comunicação oficiais. Dicotomia: Os governos, federal, estaduais e municipais, ademais das empresas públicas, gastam fortunas em propaganda oficial, geralmente inútil, e custosa, dando margem, justamente a casos de corrupção e propinas. Não se trata aqui de uma oposição entre público e privado, mas do cerceamento de uma atividade, a publicidade, que não deve existir no âmbito governamental. Quando o governo precisar fazer uma campanha educativa, ou emergencial, poderá fazer apelo à benemerência dos grandes meios de comunicação, ou pagar, ou requisitar de forma muito limitada, espaços nos veículos privados para transmitir informações realmente relevantes. Quando elas o forem, os próprios veículos farão isso espontaneamente, como serviço ao público (lembrando que todos eles são objeto de concessão pública, o que também precisar ser revisto, para evitar outra fonte de abusos e corrupção). 5) Problema: Ineficiência e baixa produtividade no setor público. Solução: Criação de uma comissão de âmbito nacional para estudar a extinção da estabilidade no setor público, com a preservação de alguns poucos setores em que tal condição funcional seja indispensável ao exercício de determinadas atribuições de interesse público relevante, mas sujeitos sempre a revisão periódica de eficiência. Dicotomia: Trata-se de aproximar o serviço público do setor privado: a estabilidade é um convite à ineficiência progressiva, e deveria simplesmente ser banida como norma geral. Pode parecer radical como solução, pois está entranhado na cultura nacional, mas cabe reconhecer que o Estado deve aproximar-se cada vez mais de soluções de mercado para suas funções: precisou de algum especialista?, contrate por tempo determinado; depois reveja posições, necessidades, contratos, sem a atual estabilidade adquirida de partida. 6) Problema: Educação de baixíssima qualidade, em todos os níveis, mas o fenômeno atinge tanto o setor público quanto o privado, que aliás é super-regulado pelo Estado. Solução: Reforma radical dos sistemas públicos de educação, nos três níveis, segundo critérios meritocráticos e de resultados; criação de uma carreira de professores de primeiro e de segundo grau, e de ensino técnico-profissional sem os vícios do isonomismo e da estabilidade, com requisitos de formação permanente. Dicotomia: Já existe uma oferta dupla, em todos os níveis, por parte de escolas públicas e estabelecimentos privados. Soluções liberais pretendem que o ensino seja totalmente privado, e que mesmo as universidades públicas sejam pagas, pelos que nelas estudam, com bolsas para os de menor renda. Não creio que, no futuro previsível, seja possível abandonar o ensino público para os dois primeiros graus, e de alguma forma para o ensino técnico profissional, ou privatizar completamente as instituições federais de ensino superior. Soluções como vouchers para famílias pobres provavelmente não teriam o resultado que se espera, com base num modelo aliás insuficientemente testado nos próprios Estados Unidos. O Estado possui uma responsabilidade pela equalização de chances entre os diferentes estratos sociais, mediante a oferta de uma escola de qualidade. Trata-se, indiscutivelmente, do mais grave problema da nacionalidade, que não pode ser resolvido em bases dicotômicas. 5

7) Problema: Baixa produtividade das IFES, sobretudo na transposição da pesquisa acadêmica para o mundo da pesquisa aplicada e para o chão das fábricas e campos. Solução: Autonomia completa das universidades públicas, inclusive do ponto de vista orçamentário, com alguma alocação de recursos públicos para pesquisa e extensão, mas funcionamento de cursos com pagamento de mensalidades e bolsas de estudos, ou empréstimos educacionais; fim de isenções fiscais nas instituições privadas. Regulação da integração entre empresas e universidades de forma bem mais aberta (aliás compulsória) do que hoje. Pode-se começar pela escolha de um reitor de fora da Universidade, em bases administrativas realistas, com programa de metas e conselhos universitários integrados também por empresários e civis de fora. Dicotomia: As universidades públicas vivem numa redoma, e é preciso extinguir essa cultura da torre de marfim. A sociedade tem de ser chamada a participar de todos os aspectos de sua administração, a começar pela sua direção, aberta e com base em critérios de eficiência, sujeito a renovação a cada dois anos. 8) Problema: Previdência pública em estado já falimentar, e se agravando rapidamente, com desigualdades inaceitáveis entre o regime geral e o setor público. Solução: Início imediato de um processo de reforma profunda dos sistemas previdenciários (geral e do setor público), para a eliminação de privilégios e adequação do pagamento de benefícios a critérios atuariais de sustentabilidade intergeracional do sistema único; trata-se de condição indispensável para a solvabilidade futura de um sistema que já está quebrado e que arrisca comprometer todo o orçamento público em médio prazo. Dicotomia: O ideal seria que o Brasil saísse do sistema de repartição – dito “pay-asyou-go”, na terminologia anglo-saxã – e aderisse a um sistema de capitalização, com base em contas individuais. Seria inclusive uma forma de resolver a situação de baixa poupança estrutural no Brasil, e a canalização de vultosos fundos para os investimentos necessários em todas as frentes. Mas esse salto se afigura praticamente impossível, pois o Estado teria de continuar arcando com pagamentos aos já entrados durante muitos anos, décadas, sem dispor de novas entradas. A conta pode ir a dezenas de bilhões, virtualmente não financiável. O jeito mesmo é continuar atuando progressivamente, ou seja, diminuindo as fontes de previdência estatal, o que obrigaria as pessoas a aderirem a planos privados, ou cuidarem da sua própria poupança para a aposentadoria. Parece cruel, mas acho que mais cruel ainda é jogar a conta para as gerações futuras. 9) Problema: Uma Consolidação da Legislação do Trabalho desempregadora, custosa. Solução: Reforma da CLT, num sentido contratualista, e extinção imediata do Imposto Sindical e da unicidade sindical, conferindo liberdade às entidades associativas, sem quaisquer privilégios estatais para centrais sindicais; também se pode pensar na extinção, pura e simples, da Justiça do Trabalho, que é, ao contrário do que se pensa, criadora de conflitos trabalhistas, estimuladora de litígios, ou de maior litigiosidade no mercado de trabalho, impondo um enorme custo a todo o sistema produtivo e à própria máquina do Estado; a maior parte dos países recorre a sistemas arbitrais ou a varas especializadas do sistema judiciário, não a um caro, perdulário, inútil aparato trabalhista que penaliza a todos sem ganhos reais. Dicotomia: Sem dúvida, aqui se trata de beneficiar o setor privado, o único capaz de gerar emprego e renda, mas como sempre, a solução tem de vir do governo, hélas! 6

10) Problema: Um Sistema Único de Saúde irrealista, perdulário, irracional. Solução: Reforma do SUS, de forma a eliminar gradualmente a ficção da gratuidade universal, com um sistema básico de atendimento coletivo e diferentes mecanismos de seguros de saúde baseados em critérios de mercado. Dicotomia: Questão complexa que, como na área da educação, demandará anos, se não décadas, de reformas parciais, de adaptações, o que demonstra que não existe, na verdade, uma solução ideal a um setor que sempre vai exigir um volume enorme de recursos (privados ou públicos), e levando em conta que a tendência de políticos em geral, demagogos em especial, sempre vão lutar por um sistema estatal, que como sabemos, é sempre ineficiente, custoso, propenso a desvios e corrupção, ou então a gastos inúteis. A solução privada não seria capaz de lidar com necessitados reais, que não conseguiriam honrar compromissos de tratamento, ou seguros de saúde muito abrangentes. Trata-se de um drama geral, que ocupa praticamente todos os países do mundo, avançados ou em desenvolvimento, uma vez que a evolução demográfica vai sempre pesar no bolso dos contribuintes, pois a tendência é a de atribuir ao Estado a solução de problemas privados, ou familiares. 11) Problema: Criminalidade em alta, falência dos serviços de segurança pública. Solução: Revisão dos sistemas de segurança pública, incluindo o prisional, ou penitenciário, por meio de uma Comissão Nacional de especialistas do setor. Todas as áreas de segurança pública carecem de recursos contínuos e crescentes, mas existem exemplos de países que experimentam queda nos níveis de delinquência. Dicotomia: Existe uma concepção arraigada em certos meios “liberais”, a de que o porte de armas deve ser autorizado a todos os cidadãos de bem, mas creio que se trata, a exemplo de várias outras “soluções importadas”, de uma péssima solução para um problema realmente grave. Não existe uma solução “privada” para a segurança pública, a menos de investimento pessoal na sua defesa privada, o que está ao alcance de uma pequeníssima minoria. Como para os muitos problemas na área educacional, não basta pagar melhor professores e policiais (inclusive porque alguns, nas altas esferas dos aparatos de segurança e judicial, já ganham muito bem), mas se trata de buscar soluções integradas, que vão exigir longos anos de debates públicos e soluções públicas, ainda que parciais. 12) Problema: As ONGGs, as organizações não governamentais governamentais, ou seja, sobrevivendo unicamente com transferências públicas e subsídios oficiais. Solução: Não se trata do mais grave problema coletivo do país, mas cabe referir que o Estado delega, por incompetência ou impossibilidade de prestar diretamente, muitos atendimentos ditos “sociais”, a entidades da sociedade civil, as ONGs. Ocorre que muitas delas são criadas expressamente para sobreviver, ou até viver largamente, às custas dos recursos públicos, ou seja, os impostos de todos os cidadãos. Uma “solução” progressiva é a eevisão geral dos contratos e associações do setor público, nos três níveis da federação, com organizações não governamentais, que em princípio devem poder se sustentar com recursos próprios, não com repasses orçamentários oficiais. Dicotomia: A cultura do associativismo e da benemerência são ainda primitivos no Brasil, daí o surgimento de uma indústria de ONGs especializadas em arrancar dinheiro dos contribuintes oferecendo um serviço qualquer que é pouco fiscalizado e objeto de transações inconfessáveis em diferentes esferas de governo, nos três níveis. O mesmo ocorre, aliás, com os privilégios concedidos às religiões e “empresas” do setor educacional, onde se desenvolve uma “indústria” de subsídios ou de isenções, 7

que simplesmente não deveriam existir, seja pelo princípio do Estado laico, seja pelo reconhecimento de que ofertas de serviços para a população deveriam se pautar por critérios de mercado, não por assistência governamental. Nos casos em que a confusão ocorre estamos em face de uma combinação da esperteza de alguns, a ingenuidade de outros, e a demagogia geral do sistema político, que vê nessas áreas sua clientela cativa para as próximas eleições, quando não são os próprios políticos a se meterem em negócios privados (religiosos, educacionais, benemerência, etc.) com recursos públicos Como se pode constatar pelos exemplos acima, não existem soluções privadas unívocas, ou seja, universais e exclusivas, para uma série inteira de problemas públicos, ou coletivos. A vida, nas sociedades altamente urbanizadas da nossa época, se tornou tão complexa que o Estado foi chamado a organizar, administrar, gerir, promover, empreender, dirigir uma série enorme de serviços coletivos, e quando ele não faz, diretamente, é dele que devem vir as regras, normas, leis que se ocupam deste ou daquele setor das chamadas “public utilities”. Mesmo nos países mais liberais economicamente, o peso do Estado na vida econômica é muito grande, e promete continuar sendo assim no futuro previsível. Ainda que eu partilhe da opinião de que a regulação pelo próprio mercado, ou seja, sistemas de amplas liberdades econômicas, é sempre preferível à regulação burocrática pelo Estado, não vejo como, atualmente – e nos próximos cem anos, quando o mundo ainda não será tão rico quanto imaginamos – se possa prescindir do Estado para a maior parte dos problemas coletivos referidos acima. O que sim pode e deve ser feito é fazer com que economistas com visão liberal façam seus cálculos e estimativas sobre o funcionamento de alguns desses serviços, que todos apresentam problemas, em bases essencialmente privadas. Estimo, por exemplo, que poderíamos extinguir muitas das, senão todas as, regulações do trabalho, inclusive o próprio salário mínimo, que é um promotor do desemprego e da informalidade, tanto quanto os sindicatos, num sistema como o nosso, são máquinas de produzir desemprego e desigualdades distributivas. Creio que se deve caminhar para soluções totais de mercado para toda a educação superior, mas não considero possível, nas condições atuais do Brasil, adotar a mesma solução para o ensino compulsório, ainda que eu começaria abolindo o MEC e dando ampla liberdade a todas as instâncias federais para atribuírem à própria comunidade a responsabilidade principal pelo ensino primário. Creio que uma “solução” para a ineficiência do setor público está no fim, total e completo, da estabilidade, assim como a eliminação completa do financiamento público 8

para partidos políticos e suas atividades eleitorais. Os menos liberais vão argumentar com o famoso “peso do setor econômico”, ou seja, grande oligopólios dominando o jogo político, no que eu não acredito absolutamente. Resumindo, as soluções liberais, ou seja, de mercado, sem interferência estatal, são sempre preferíveis, mas elas não são possíveis todo o tempo em todas as áreas. Por isso, a minha recomendação aos liberais: para cada problema coletivo, ou público, a única solução é estudar a questão por todos os ângulos, pedir simulações ou exercícios experimentais, e verificar como regular um determinado serviço pela via dos mercados, e como isso pode ser implementado sem distorções maiores do que as existentes nos sistemas públicos atuais (que já funcionam precariamente, especialmente em países dotados de fraca institucionalidade, como ainda é o caso do Brasil). Minha recomendação, portanto, seria esta: escapar das generalidades, ou das generalizações, das soluções principistas, ou baseadas num ideal de sociedade ainda que pertencente à vertente liberal (que não deixa de ser uma ideologia, ademais de um objetivo respeitável no plano das relações humanas). Os estatizantes, os marxistas, os keynesianos sinceros têm tendência a desprezar soluções liberais para a maior parte dos serviços públicos, e acusam os que assim sugerem de “fundamentalistas de mercado”, o que pode até ser verdade em determinados casos. Não existem soluções perfeitas para os gigantescos formigueiros humanos que são as principais nações do planeta na atualidade, e as fricções entre o público e o privado são inevitáveis e talvez até crescentes, uma vez que os Estados avançaram demais na regulação da vida privada dos cidadãos, e nitidamente exibem condições cada vez mais precárias de se desempenhar satisfatoriamente em cada uma das áreas em que se exige essa presença estatal, direta ou apenas reguladora. Não pretendo ter soluções ideais para cada um dos problemas discutidos acima, mas como um liberal contrarianista minha proposta é quase sempre a mesma: exiba um ceticismo sadio, tanto em relação aos problemas detectados quanto no que se refere às soluções apontadas. E estude profundamente o assunto antes de propor a solução de menor custo. Quase sempre, ela será de mercado, mas nem sempre, não necessariamente. Paulo Roberto de Almeida Brasília, 12 de setembro de 2016

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