4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais De 22 a 26 de julho de 2013. INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA E INTERESSE NACIONAL NA POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA

May 30, 2017 | Autor: Thais Virga | Categoria: Latin American Studies, Brazil, International Politics, External Politics
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4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais De 22 a 26 de julho de 2013.

INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA E INTERESSE NACIONAL NA POLÍTICA EXTERNA DO GOVERNO LULA

Área Temática: Política Externa Trabalho Avulso

Orlando Fernandes de Paula PPGRI San Tiago Dantas UNESP – UNICAMP –PUCSP Thaís Virga Passos PROLAM - USP

Belo Horizonte 2013

Orlando Fernandes de Paula Thaís Virga Passos

Integração Sul-Americana e Interesse Nacional na Política Externa do Governo Lula

Trabalho submetido e apresentado no 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI.

Belo Horizonte 2013

RESUMO No governo Lula a política externa brasileira deu prioridade à América do Sul. O propósito de aprofundar e coordenar uma aproximação entre os países de seu entorno pôde ser visualizada nos esforços diplomáticos em mecanismos multilaterais e nas relações bilaterais. Entretanto, a ênfase dada à região não significou concertação automática entre os países. Mesmo com a escalada de governos favoráveis à integração, o Brasil teve de lidar com contenciosos energéticos e comerciais que colocaram em dúvida o caráter pragmático da política externa brasileira. Ficaram expostas as divergências dos interesses que englobam o interesse nacional como um todo representado pela diplomacia brasileira. O governo Lula teve de conciliar os interesses dos diversos setores da sociedade civil e do próprio Ministério para negociar com as nações vizinhas. O presente trabalho busca debater o conceito de interesse nacional durante o governo Lula de acordo com a prática e discurso de sua política externa. Interesse nacional significou buscar o bem estar e o desenvolvimento das nações vizinhas com o aprofundamento da integração sul-americana para a inserção internacional do Brasil. Palavras – Chave Política Externa Brasileira – Governo Lula – Interesse Nacional

Introdução O presente artigo pretende realizar uma reflexão sobre a política externa brasileira e seu projeto de integração regional na América do Sul ao da primeira década do século XXI, principalmente no governo Lula da Silva (2003 a 2010). Por muitas vezes a diplomacia de Lula teve de lidar com contenciosos que conflitaram com o interesse de integração física, comercial, politica e cultural. O governo lidou inclusive com insatisfações internas dos grupos que articulam e formulam o interesse nacional em âmbito externo. Nesse sentido, a noção de interesse nacional em relação à proposta brasileira de integração regional durante o governo de Lula da Silva parece ter sido alterada, não em conteúdo, mas na prática, do discurso diplomático. Primeiramente trataremos sobre o significado de interesse nacional no sentido teórico para posteriormente analisarmos seu significado na prática da política externa de Lula na integração sul-americana. Parte-se da hipótese de que tal governo alterou a percepção do significado tradicional de interesse nacional ao compreender a região não apenas como um meio para sua inserção internacional, mas como um fim a ser perseguido, onde o bem-estar e o desenvolvimento das nações vizinhas são incorporados como parte do interesse do Estado brasileiro. Estado moderno e a ideia de Nação No processo de constituição dos Estados nacionais, Maquiavel chamava a atenção para a importância da unificação territorial, da organização das leis e da formação de um exército com tropas nacionais, ou seja, composta por indivíduos que nasceram e moram em sua nação para proteger seus cidadãos. [...] os principais fundamentos dos Estados sejam eles novos, velhos ou mistos, são boas leis e boas armas. E, como não é possível haver boas leis onde não há armas boas, e onde existem boas armas é conveniente que existam boas leis, falarei apenas das armas. Direi, assim, que as forças com as quais um príncipe preserva seu Estado são ou próprias ou mercenárias, ou auxiliares ou mistas. As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas (MAQUIAVEL, p.85).

Assim, Maquiavel inaugurava a ideia de Estado moderno. A nação estava ligada à origem da população e não ao jugo da burocracia estatal. Porém, a importância das boas leis está diretamente relacionada ao monopólio do uso da força pelo Estado, tanto interna quanto externamente. Onde há boas armas, há boas leis. Weber também considera o monopólio da violência como condição de existência do Estado moderno. Para este autor, o Estado é uma forma de dominação legítima de

homens sobre homens, derivando-se três tipos de dominação: a tradicional, a carismática e a racional legal. No Estado moderno do século XX, a principal característica seria a dominação racional legal, realizada através do aparelho administrativo do Estado. Assim, para criar uma unidade burocrática coesa, o Estado moderno teria criado a ideia de nação. De acordo com a teoria crítica de Relações Internacionais, a ideia de nação é um constructo ideológico do Estado, que emergiu para assegurar os poderes de uma classe dominante. Segundo Samuel Pinheiro Guimarães, a “ideia de que o Estado nasce com a nação não corresponde à realidade na maior parte dos casos, pois a nação seria de fato uma construção ideológica posterior, tendo muitas vezes a nação sido construída pelo Estado” (GUIMARÃES, 2008). Para Marx, o Estado moderno criou as condições necessárias para o desenvolvimento das relações capitalistas, funcionando como um grupo executivo de gestão da classe dominante. A emergência do Estado moderno como uma consequência da expansão capitalista. A ideia de nação teria sido uma ideologia forçosamente inventada pela organização política emergente, o Estado moderno, representando a classe dominante, para garantir sua legitimidade no domínio sobre seus cidadãos. Assim, o interesse da classe dominante é forjado a todos os indivíduos nacionais como interesse da nação. O “poder executivo do Estado moderno não passa de um comitê para gerenciar os assuntos comuns de toda a burguesia” (MARX, O Manifesto Comunista). Com a centralização do poder, toda a sociedade que antes tinha interesses divergentes de acordo com a região, os costumes e as etnias, passou a ser subordinada e aglomerada por um único governo, representando um interesse nacional. Para Mármora, o Estado nação moderno é o resultado dos interesses e da legitimidade da dominação burguesa com suas instituições liberais, que explicam as relações do poder econômico, cultural e ideológico. Aceitar o Estado e nação como conceitos pré-existentes, significa aceitar a alienação da classe subalterna e a hegemonia da classe dominante (MÁRMORA, 1986). De acordo com Hobsbawn, as nações [...] são fenômenos duais, construídos pelo alto, mas que, no entanto, não podem ser compreendidas sem ser analisadas de baixo, ou seja, em termos das suposições, esperanças, necessidades, aspirações e interesses das pessoas comuns, as quais não são necessariamente nacionais e menos ainda nacionalistas (HOBSBAWN, 2011, p.21).

No século XX, a ideia de nação assumiu implicações práticas no cotidiano social. Segundo Samuel Pinheiro Guimarães, Uma nação, em seu sentido político moderno, é uma comunidade de indivíduos vinculados social e economicamente, que compartilham certo território, que reconhecem a existência de um passado comum, [...]; que têm uma visão de futuro em comum; e que acreditam que esse futuro será melhor se se mantiverem unidos do que se separarem, ainda que alguns aspirem modificar a organização social da nação e seu sistema político, o Estado (GUIMARÃES, 2008).

Dessa forma, o interesse nacional é visto como um termo dinâmico, em constante construção e mudança. A própria consciência nacional se desenvolve desigualmente entre diferentes grupos e regiões sociais de um país. Nesse sentido, a teoria crítica de Relações Internacionais contribui para abrir conceitos que, anteriormente fechados, ajudam a compreender as estruturas sociais, que são anteriores ao sistema de Estados soberanos (VIGEVANI et. al., 2011). A partir de então é imprescindível analisar as relações de poder entre os Estados e dentro dos próprios Estados, para compreender o significado de interesse nacional. Interesse Nacional na política externa brasileira De acordo com Bobbio, o termo interesse nacional está relacionado às relações internacionais onde cada Estado tem como interesse primordial a sua sobrevivência por seus próprios meios. Na visão realista, a utilização da força contra outro Estado é um meio válido para a buscar e garantir o interesse nacional (BOBBIO, 2007). Assim, para assegurar seus interesses primordiais de sobrevivência, cada Estado busca assegurar mecanismos de poder, sejam econômicos, políticos, diplomáticos, culturais e militares. Segundo a corrente realista das relações internacionais o interesse nacional é pautado pela garantia de sobrevivência de um Estado, através de estabilidade política, crescimento econômico, desenvolvimento social e, principalmente, soberania. Nogueira e Messari defendem que é essa sobrevivência que caracteriza o interesse nacional: “o interesse nacional supremo e fundamental que deve levar à mobilização de todas as capacidades nacionais e ao qual se submetem todos os demais interesses” (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.27). Segundo Putnam, é inegável que a política externa seja condicionada por fatores domésticos e externos. Assim, para assegurar a retificação doméstica e externa, o autor chamou a política internacional de “jogo de dois níveis”, onde o líder político nacional aparece como negociador em ambos:

The politics of many international negotiations can usefully be conceived as a two-level game. At the national level, domestic groups pursue their interests by pressuring the government to adopt favorable policies, and politicians seek power by constructing coalitions among those groups. At the international level, national governments seek to maximize their own ability to satisfy domestic pressures, while minimizing the adverse consequences of foreign developments. Neither of the two games can be ignored by central decision-makers, so long as their countries remain interdependent, yet sovereign (PUTNAM, 1988, p.436).

O líder nacional deve negociar internamente para chegar ao consenso sobre os interesses do país, para poder representar legitimamente os interesses de seus eleitores em âmbito externo. the chief negotiator has no independent policy views, but acts merely as an honest broker, or rather as an agent on behalf of his constituents. That assumption powerfully simplifies the analysis of two-level games. However, as principal-agent theory reminds us, this assumption is unrealistic. Empirically, the preferences of the chief negotiator may well diverge from those of his constituents (PUTNAM, 1988, p.456).

A política externa de qualquer país é condicionada por elementos internos que estão relacionados ao processo decisório, ao regime político, e a tradição cultural do país; e por elementos externos que constrangem e limitam as ações dos Estados no cenário internacional. Assim, parte da tarefa da política externa brasileira, entendida como política pública é “traduzir necessidades internas em possibilidades externas para ampliar o poder de controle de uma sociedade sobre o seu destino”, visando o desenvolvimento e a inserção do país no sistema internacional (LAFER, 2007, p. 16). Também é função da política externa brasileira interpretar o significado de interesse nacional de acordo com as visões de mundo de seus formuladores, para atuar como Estado soberano no sistema internacional. Por isso, as mudanças de governo, seja por via eleitoral, seja por via hereditária ou violenta, levam alguns Estados a realinharem seus rumos, seus objetivos e seu significado de interesse nacional. Deste modo, a política externa brasileira passou por algumas transformações, mesmo sob a tradicional característica de institucionalidade e continuidade.

Por isso, quando há mudança de governo, de regime político ou do grupo governante1, por mais pragmática e coesa que seja a política externa brasileira, e por maior que seja o constrangimento externo; as prioridades, a agenda e a visão de mundo são modificadas. A busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, pode constituir um objetivo permanente da política externa, mas o meio para se atingir e a prioridade dada a esse objetivo, pode ser diferente. Segundo Maria Regina Soares de Lima, o processo de democratização política no Brasil ao longo da década de 1980 promoveu uma abertura das decisões sobre política externa. O Itamaraty diminuiu sua autonomía relativa “en el proceso de decisión de la política exterior, especialmente en los casos de necesidad de ratificación de las acciones exteriores por parte del Congreso” (LIMA, 1994, p.39). Além das transformações estruturais no processo de tomada de decisão da política externa, o próprio Itamaraty teria incorporado novas ideias ao longo das últimas décadas. Para Arbilla, “a capacidade da corporação diplomática de controlar a maioria dos canais de ingresso de indivíduos e ideias imprime uma lógica institucional no processo de formulação dos quadros conceituais da política externa” (ARBILLA, 2000, p.346-347). As novas ideias foram incorporadas na medida em que se tornaram compatíveis com a tradição institucional e dos quadros do Itamaraty. Dessa forma, compreender os aspectos de mudança no processo de formulação e de tomada de decisão na estrutura da política externa brasileira é extremamente importante para analisar o significado de interesse nacional e sua interpretação por parte do grupo governante. A noção de interesse nacional (ou interesses nacionais) não pode ser compreendida somente pelo viés do Estado, ou seja, de cima para baixo. Segundo Honório Rodrigues, “a política externa não é partidária, mas é representativa de interesses de classe” que exprime mais as suas opiniões e aspirações que as do povo (RODRIGUES, 1966, p.42). Para o autor, existem dois principais elementos que definem o interesse nacional no Brasil, os interesses do povo e os interesses da União.

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Pode haver mudança de governo concomitante à manutenção da grupo governante. Por classe governante, entendemos como determinados grupos e setores da sociedade civil, suficientemente organizados e com poder intelectual e material capaz de influenciar políticas públicas que deveriam visar (ou visam) o interesse coletivo. Exemplos: partidos políticos, empresários, banqueiros, associações industriais e religiosas, etc. No caso de um governo aberto às demandas populares, levam-se em conta também os movimentos sociais, sindicatos, associações populares, ONGs, etc.

Por interesse do povo deve-se entender os benefícios da educação, saúde, bem-estar e as garantias individuais; por interesse da União deve-se entender a unidade política, a integridade territorial, a ocupação efetiva, o desenvolvimento econômico nacional e regional, e o regime representativo (RODRIGUES, 1966, p.91-92).

O interesse nacional é um conceito dinâmico, está em constante mudança decorrente das transformações do cenário internacional e da política interna. Quando se diz que determinado objetivo de política externa constitui uma política de Estado, esquece-se que a composição de tal Estado remete à dominação de uma classe governante. Assim, política de Estado pode ser entendida como política de classe. E a política de classe tem uma ideologia. O governo Cardoso (1995 – 2002) interpretou o interesse nacional como a inserção do país em um mundo globalizado, pretendendo participar das normas e regimes internacionais, abrindo as portas para o capital estrangeiro, privatizando empresas públicas em nome de um interesse cosmopolita, cedendo nossa soberania e autonomia em nome de um alinhamento com os países desenvolvidos com o objetivo de conquistar ganhos futuros. Para Moniz Bandeira, a política exterior de Fernando Henrique constituiu como acessório dos interesses hegemônicos dos Estados Unidos no mundo e, em especial, na América Latina. “O governo Cardoso, qualquer que fosse seu propósito de cooperar com os Estados Unidos, não podia deixar de atender e responder aos interesses concretos do Brasil [...] gerados e modelados pelo processo produtivo” que o Estado nacional deveria articular e representar (BANDEIRA, 2005, p.68). Na América do Sul, durante o governo Cardoso, a diplomacia brasileira trabalhou ativamente para que o patrimônio de impecável boa convivência com nossos vizinhos se traduza cada vez mais em cooperação e integração. Sem prejuízo da defesa sempre firme dos interesses nacionais, o Brasil manteve-se fiel à sua tradição de buscar conciliar esses interesses com os de nossos vizinhos, em fórmulas capazes de produzir avanços em benefício de todas as partes envolvidas (LAMPREIA, 1998, p.15).

O termo “interesses nacionais” aparece de maneira enfática, demonstrando firmeza defensiva nas relações com seu entorno. O próprio ministro de Cardoso afirmava que o Brasil deveria defender os interesses brasileiros de forma firme na região e procurar conciliar esses interesses aos dos países vizinhos, o que não significa convergência automática.

Integração e Interesse Nacional no governo Lula O século XXI inicia na região uma sequência de governos que buscaram fortalecer a capacidade de gestão do Estado. O foco nos últimos anos tem sido a ênfase nas políticas sociais voltadas à superação da pobreza, a autonomia em relação aos grandes centros, o maior controle estatal sobre os recursos naturais (principalmente os energéticos) e a busca por uma maior consistência na integração da América do Sul. Keohane (1992) ressaltou a situação de interdependência assimétrica entre os países da região. Situando o Brasil em meio à integração regional e levado em consideração as assimetrias entre os países da América do Sul, principalmente de aspecto econômico, é importante ressaltar que essas caracterizam o papel da diplomacia brasileira para melhor conduzir e se inserir nos processos integracionistas. Ou seja, a política externa brasileira para a região deve ser pautada frente aos diferentes níveis de autonomia e dependência dos países. Novas composições nos âmbitos comercial, territorial e econômico começaram a ser mais amplamente discutidas e impulsionadas, e tendências para a integração regional tornaram-se fortalecidas. Segundo Sader, ao privilegiar processos de integração na região, os países também fortalecem instituições e processos: Dessa forma, participam do Mercosul, da União das Nações SulAmericanas (Unasul), do Conselho de Segurança da América do Sul, (...), entre outras iniciativas. Com isso, (...), contribuem não apenas para o fortalecimento de um espaço Sul no mundo, mas também para a construção de um mundo multipolar. (...) alguns avançam firmemente na direção da ruptura com o modelo neoliberal (...); outros flexibilizam o modelo econômico, desenvolvem mais políticas sociais e participam de processos de integração regional. Em seu conjunto, esses países geram dependências mútuas para o futuro (...). (SADER, 2009, p. 154).

As potencialidades econômicas, sociais, biológicas e tecnológicas atuais e de longo prazo evidenciam a importância dada pelo Brasil em integrá-la. O continente possui o mais diversificado potencial energético e detêm a maior reserva de água doce do mundo, grandes jazidas de importantes minérios, extensas áreas férteis e agricultáveis. Outro fator de destaque se remete à rica biodiversidade da região, que poderá contribuir com novas formas produtivas. Sem contar, dentre outros aspectos, no tamanho de sua população (potencial consumidor), extensão do território (potencial de produção e defesa), e finalmente, um ambiente pacífico no que compete à busca por resolução de contenciosos internos através da diplomacia, na maioria das vezes.

A política externa do governo de Lula denotou as potencialidades de um projeto de integração com o objetivo de desenvolvimento interno e também regional. Frente a algumas diretrizes e particularidades da política externa brasileira destacou-se o enfoque à América do Sul visando o fortalecimento das relações entre os países da região assim como com outros países do hemisfério Sul. Em 2003 Lula tornou evidentes as principais linhas de atuação da política externa: a defesa do multilateralismo nas negociações; uma política externa ativa e altiva 2, e, a chamada “Opção Sul-Americana”. O objetivo central é a consolidação e fortalecimento da América do Sul em seus aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais em meio ao cenário internacional. As agendas integracionistas no período recente para a região tem seu espectro de atuação ampliado. Com relação à possibilidade de maior participação na economia mundial, Moreira ressalta que a América do Sul está a frente de um desafio que definirá seu papel no século XXI. Com objetivos de retomar o crescimento econômico com ampla participação social, e que gere bem-estar social, com baixos níveis de pobreza e da região e aumente sua relevância na economia mundial (MOREIRA, 2009). Segundo Vidigal, “o processo de integração regional da América do Sul tende a aumentar a confiabilidade regional e a solução negociada de conflitos” (VIDIGAL, 2008). Nos contenciosos envolvendo o Brasil, optou-se pela busca pacífica de resolução, através das vias diplomáticas. Em suma, conforme analisam Faria e Almeida a diplomacia “presidencial” brasileira durante o Governo Lula objetivou o estabelecimento de um papel preponderante do Brasil na região sul-americana e no mundo (FARIA, 2003; ALMEIDA, 2005). Segundo Rubens Barbosa, os países devem necessariamente se atentar à vizinhança, por questões econômicas e também políticas: Nenhum país, por mais poderoso que seja e mais globalizada a sua economia, pode deixar de dar atenção à sua vizinhança por razões de parceria comercial, mas, sobretudo, por uma questão de exigência política. Somente desse modo será capaz de acompanhar e entender as transformações regionais que afetam seus interesses (BARBOSA, 2008, p. 11).

Não apenas esteve envolvido objetivos econômicos, mas também, com grande relevância, se busca conjuntamente, a estruturação de uma coalizão regional balizada

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Essa política externa é caracterizada pela busca de um adensamento e fortalecimento das relações entre os países do Hemisfério Sul, destacando um novo jogo de forças no cenário internacional: América do Sul, África e os principais países asiáticos.

por interesses relativos à defesa e à política. Respectivamente esses podem ser exemplificados pela busca por maior controle da região amazônica e suas imensas potencialidades e pela maior cooperação e fortalecimento da região frente à debates e fóruns internacionais. Assim ressalta Lima: que el liderazgo estructural exitoso sea la capacidad del gobernante para conseguir que los niveles interno e regional coincidan, construyendo un conjunto de iniciativas cooperativas, aceptadas tanto por sus bases electorales internas como por sus sócios regionales (LIMA, 2007, p.39).

A América do Sul passou a um status prioritário na política externa brasileira (GARCIA, 2008). Frente à institucionalização dos principais processos ligados à integração regional destaca-se a I Reunião de Presidentes da América do Sul realizada em agosto de 2000, em Brasília. Dessa Reunião surgiu a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), um mecanismo focado na coordenação de ações intergovernamentais com objetivos comuns entre os doze países3 da região visando o fortalecimento da integração de infraestrutura de transportes, energia e comunicações. Pela primeira vez, se estudariam projetos visando ligações efetivas entre o Atlântico e o Pacífico, tais como: melhoramento e ampliação de aeroportos; construção e ampliação de malhas ferroviárias e rodoviárias; estabelecimento e regulação de fronteiras; linhas de transmissão, dentre outros. A IIRSA representou um marco de uma agenda voltada a projetos de integração de infraestruturas em nível sulamericano. A iniciativa objetiva a coordenação entre governos (e alguns bancos governamentais), instituições financeiras multilaterais4 e setor privado com o propósito de favorecer a integração. São três os principais eixos orientadores da IIRSA: Tabela 1 – Princípios Orientadores da IIRSA Considera o Continente Sul americano como um espaço geoeconômico integrado em que se Regionalismo Aberto

pretende a redução das barreiras internas ao comércio e de ineficiências na infraestrutura e nos sistemas regulatórios e operativos.

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Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela. 4 São três as instituições financeiras multilaterais da região envolvidas na IIRSA, são elas: Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF) e Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA).

Em função do regionalismo aberto, a região é organizada através de franjas multinacionais que Eixos de integração e desenvolvimento

concentram fluxos de comércio atuais e potenciais, onde se busca implementar um padrão mínimo e comum de serviços de infraestrutura. Sustentabilidade econômica, proporcionada pela eficiência

e

competitividade

dos

processos

produtivos. Sustentabilidade social, derivada do impacto do Sustentabilidade

Econômica,

Ambiental e Político-institucional

Social,

crescimento econômico sobre a qualidade de vida da população. Sustentabilidade ambiental, pelo uso racional dos recursos naturais e sua conservação. Sustentabilidade político-institucional para que os atores públicos e privados se insiram ao processo de desenvolvimento e integração.

A Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA), criada em 2004, teve como prioridades: a ampliação do diálogo político; a integração física, energética e das telecomunicações; o estabelecimento de mecanismos financeiros; o meio ambiente; além da promoção da coesão social. A CASA se transformaria, em abril de 2007, na União das Nações Sul-americanas (UNSAUL). A partir da integração entre as duas uniões aduaneiras existentes na região (o Mercosul e o CAN)5, a UNASUL se propôs a fortalecer continuamente o processo integracionista na América do Sul. A UNASUL focaliza uma agenda voltada à construção da integração regional nas esferas cultural, social, econômica e política. Dentre suas prioridades destacam-se as políticas sociais (educação, saúde e cultura) e a integração energética e de infraestrutura necessárias para permitir a interconexão da região e seus povos. O objetivo é fortalecer o processo de crescimento e desenvolvimento da região como um todo, a fim de dirimir assimetrias entre os países. A integração regional constitui parte do interesse nacional brasileiro desde o início do século XX. Entretanto, o país sempre buscou certo grau de autonomia perante seus vizinhos nesse processo. Mesmo no governo Lula, após a crise de 2008, o Brasil passou a concentrar energias nas negociações multilaterais e no “fortalecimento do papel das grandes economias emergentes. Nesse processo, o

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Mercado Comum do Sul e Comunidade Andina de Nações.

Mercosul e os países da região não surgem como variáveis importantes” (VIGEVANI; RAMAZINI, 2009, p.41). Segundo Samuel P. Guimarães, para o “Brasil a construção de um bloco sulamericano é um objetivo estratégico mais do que fundamental: é essencial” (GUIMARÃES, 2012). O que se verificou no governo Lula foi que o interesse nacional passou a incorporar também os interesses das nações vizinhas como a busca pelo desenvolvimento. Isso explica a política negociadora perante contenciosos, diferente da postura “firme” de Lampreia na região. O governo Lula interpretou que o Brasil deveria desenvolver-se, somente, conjuntamente com seu entorno, para arrefecer problemas futuros como os de imigração, tráfico, fronteira, contrabando, etc. Conclusão O Brasil buscou formar uma aliança estratégica com os países de seu entorno geográfico para afirmar sua liderança, ganhar mais peso em decisões multilaterais e garantir maior projeção internacional. Para Honório Rodrigues, “a harmonia continental tem sido uma diretriz dominante de nossa politica exterior desde 1870 e caminhamos sempre no sentido de um ajustamento de interesses e objetivos” (RODRIGUES, 1966, p.24). O interesse nacional pode determinar a escolha de integração, ou a recusa desta; pela perda relativa de autonomia em favor de uma integração que vise um ganho maior no futuro. Os interesses comerciais, políticos e culturais do Brasil se estendem pelo globo. Por isso, apesar de enfatizar as relações regionais, o país também manteve interesse em intensificar e diversificar as relações com países em desenvolvimento do hemisfério Sul. Entretanto, a América do Sul se constituiu como foco prioritário na agenda do governo Lula. A política externa de Lula interpretou como interesse nacional o objetivo em construir uma região coesa em um mundo multipolar, cedendo relativa autonomia em razão de uma integração regional que traria maiores benefícios futuros ao país. Assim, podemos notar que as divergências sobre a interpretação do interesse nacional não aparecem nos fins, mas nos meios. Os fins geralmente são os mesmos: desenvolvimento social e econômico, independência nacional, prosperidade da nação, diminuição da desigualdade social. Referências ALMEIDA, Paulo Roberto de. Políticas de integração regional no governo Lula. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB. 2005, vol. 2, n. 1.

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