8 fatos e reflexões para compreender o mundo em 2015

October 2, 2017 | Autor: Daniel Vasconcelos | Categoria: International Relations, Political Science, Relações Internacionais, Política Internacional
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8 fatos e reflexões para compreender o mundo em 2015 Daniel de Oliveira Vasconcelos Podemos afirmar que 2014 é, indubitavelmente, um divisor de águas para a história mundial. Mas como conceituar a trajetória da política mundial, os conflitos, as crises, as guerras, os avanços no campo do meio ambiente e dos direitos humanos, os retrocessos na política de segurança? Bem, tendo como ponto de partida os acontecimentos que competem para um impacto global em 2014, interpretamos que o mundo passou da gestação do multilateralismo responsável para a formação de lideranças regionais e de crises globais. Se isso, por um lado, significa o descarte de pertinentes processos em curso nos temas emergentes, como os direitos humanos e a saúde ambiental, por outro, mostra que a arquitetura do poder converge invariavelmente para um retorno ao realismo pragmático – ou neurótico? – das relações internacionais, em que a segurança política e econômica monopoliza os embates e as disputas por influência mundiais. O tema da segurança ganha prioridade, as economias sofrem nuances para um novo arranjo global que transfere o centro econômico para outro eixo dinâmico, órgãos multilaterais regionais ganham preeminência sobre órgãos universais. Como pontuar, todavia, os fenômenos mais pertinentes para o conceito de ordem mundial sendo gestado em 2014? Os eventos são por demais volumosos: desde o impasse nuclear no Irã e os ataques de Israel a Faixa de Gaza, até os movimentos pró-democracia em Hong Kong. Das eleições inéditas na Malásia, dos conflitos fronteiriços no Paquistão, do retrocesso dos países da Primavera Árabe, para a crise política no Haiti, as ameaças descabidas da Coreia do Norte e a vitória republicana nos EUA. Por certo, todos eles são importantes para o curso da história, uns mais do que outros. Procuremos, portanto, refinar aqueles eventos cujo escopo tende a influir mais sobre a mobilização política, militar e econômica de variados atores. Uma lista como esta é, obviamente, parcial. A tentativa de sumarizar grandes eventos por todos os continentes – ou, pelo menos, que afetam, no conjunto, a totalidade do globo – não descola da pretensão de dar voz a eventos que sequer são midiatizados. Dessa forma, são eles, subdivididos entre os temas da segurança humana e política (1 ao 5) e da segurança econômica

(6 ao 8): 1) Ebola e países africanos; 2) Guerra no Congo, Mali e Sudão do Sul e terrorismo na Nigéria; 3) Burkina Faso e União Africana; 4) Estado Islâmico e Estados falidos, Iraque e Síria; 5) A crise na Ucrânia: política de contenção russa e expansionismo da OTAN; 6) BRICS: pressão política sobre a economia internacional; 7) MERCOSUL, Unasul e o Grande Mercado Transatlântico (GMT); 8) A China e a Ásia: Apec, G20 e Encontro dos Países do Leste Asiático.

Segurança humana e política 1. Ebola e países africanos Os surtos de Ebola no oeste africano realçam ainda mais o dilema já bem desenvolvido pela literatura africanista das ultimas décadas referente à incapacidade dos estados africanos de projetar autoridade e operacionalizar suas instituições sobre seus territórios e populações. Os dados sobre a propagação da doença na África ocidental permitem um panorama mais acurado do problema das soberanias em crise. Se concentrarmos nos principais países dramaticamente afetados, Libéria (7635 contaminados, dos quais 3145 redundaram em óbito, 41% de mortalidade), Serra Leoa (7312 contaminados, dos quais 1543 redundaram em óbito, 21,6% de mortalidade) e Guiné-Conakry (2161 contaminados, dos quais 1327 redundaram em óbito, 61,3% de mortalidade) [1], a análise que se sucede é exatamente sobre a discrepância das infraestruturas estatais para o tratamento da doença. Uma taxa de mortalidade que ultrapassa 60% dos contaminados pela doença, como é o caso da Guine-Conakry, enquanto que em outro país essa taxa não chega a 22%, não deriva somente de um problema “cultural-antropológico” – o argumento já bem difundido seria sobre a baixa consciência das populações africanas em relação às condições básicas de prevenção e higiene – mas, principalmente, de uma insuficiência crônica de gestão publica e de logística sanitária. Dessa forma, não se trata somente de uma crise para a saúde humana, a ser salva por uma vacina, mas uma intensificação de um processo de precarização das instituições de estado para conter ameaças aos seus territórios e suas populações. Com os surtos de Ebola, retomar a ordem e o controle sanitário tornam-se tarefas dignas de um milagre político. Não é demais lembrar que a região da África ocidental passa, pelo menos desde a virada do milênio, por crises e conflitos identitários, como as guerras civis da Libéria e da Serra Leoa [2] e o recente levante no Mali, que põem em curso fluxos de refugiados,

destruição de infraestrutura e surgimento de grupos paraestatais, muitos deles violentos e com causas extremistas, em frente confronto com a burocracia estatal. Os resultados de uma conflagração de conflitos e a irrupção do surto de Ebola modificam a geografia da África: com a criação de bolsões de refugiados de guerra e de doença; com a criação de um “estigma da doença”, sendo intrinsecamente relacionada com a população africana, que contribui para difusão de políticas e atitudes de discriminação pelo mundo [3]; com deterioração das instituições estatais e o enfraquecimento das soberanias do ocidente africano; por fim, com a pressão sobre os fluxos migratórios, as assistências internacionais unilaterais – que não contribuem para reestabelecimento e desenvolvimento de instituições, mas, sobretudo como contenção de crise e permanência da dependência, e a transferência de eixos comerciais, criando entraves insuperáveis para retomada do desenvolvimento. Ver mais em [4].

2. Guerra no Congo, Mali e Sudão do Sul e terrorismo na Nigéria O que Congo, Mali e Sudão do Sul têm em comum é uma prolongada e delicada instabilidade social, cujos reflexos são as altas taxas de assassinatos, atentados e acirramento das relações inter-étnicas. Tendo isso em vista, a importância desses conflitos para a política internacional se faz no campo da crítica à baixa solidariedade internacional e ao recrudescimento do status de guerra do continente africano. A extrema instabilidade dessas regiões provoca não somente os traumas da guerra, como saques, destruição de infraestrutura, ondas de estupro massivo e fluxos migratórios, mas aprofunda a inércia política dos estados e a desigualdade para a conquista de ferramentas necessárias ao desenvolvimento institucional e humano. O caso mais grave: a guerra civil na República Democrática do Congo (RDC), tendo início em 1994, já é considerada o maior conflito contemporâneo, com mais de 5 milhões de mortos, e não há perspectivas de uma solução coordenada e permanente [1]. Apesar de ter servido de “experimento” para um novo modelo de intervenção da Organização das Nações Unidas, através da MONUSCO, os resultados das operações de paz conjunta com o governo central são controversos. Se, por um lado, afirmam que o número de grupos rebeldes caiu drasticamente [2], por outro, a escalada de violência e a resposta majoritariamente militar pela MONUSCO e as crescentes preocupações da ONU com a integridade de seu pessoal fazem da operação uma intervenção contínua sem contenção do conflito. As guerras civis do Mali e Sudão do Sul resguardam um fundo comum com

o RDC: todas elas têm como bojo a extrema complexidade das relações sociais pós-coloniais. A ascensão de grupos rebeldes no norte do Mali, criando uma verdadeira cisão para com o sul, onde se encontra a capital, gera, nos últimos anos, um retrocesso para a consolidação da enfraquecida burocracia e para a garantia de segurança da população. Mesmo com a intervenção e a mediação francesa neste ano, os termos da paz encontram-se ainda pouco visualizáveis [3]. O mesmo vale para o Sudão do Sul, um dos últimos estados a conquistar independência e que, desde seu desmembramento do Sudão do Norte em 2011, enfrenta a irrupção de conflitos internos e interfronteiriços. O cessar-fogo não se materializa, em razão da não-resolução dos embates com o estado vizinho, Darfur [4], e segue para negociação com mediação da União Africana em 2015. O extremismo do grupo Boko Haram, na Nigéria, também prolonga uma situação de instabilidade e insegurança ao perpetuar uma visão antiocidental e com duras punições para qualquer iniciativa que convirja ou tenha referência à cultura capitalista. O rapto de mais de 200 mulheres, que ainda continuam sob a guarda do grupo terrorista [5], coloca o governo nigeriano em posição de desvantagem ante as ameaças e os atentados que não cessam de acontecer. A análise que se prossegue é: a pouca funcionalidade – por mal vontade ou incongruência com as características locais – das operações de paz e intervenções estrangeiras no território africano; a herança colonial de dilemas sociais insuperáveis com a divisão política e territorial vigente; o iminente perigo de instabilidade regional, ao transferir conflitos para alémfronteiras; por fim, a manutenção de um impasse continental com grave violação de direitos humanos e, mesmo assim, que pouco estimula um ativismo coerente por parte de uma sociedade internacional focada em conflitos com maiores desdobramentos geopolíticos para a dinâmica do poder mundial.

3. Burkina Faso e União Africana Muitos países sofreram mudanças de regime político nos últimos anos, particularmente após a “Primavera Árabe”, porém um evento singular chama atenção, em 2014, na Burkina Faso: a rápida queda do presidente Blaise Campaore diante das insurreições populares contra sua pretensão de renovação do mandato presidencial – violando, assim, a constituição – e o envolvimento da União Africana (UA) na mediação da transição de regime demonstram um amadurecimento da maior instituição multilateral africana em sintonia com anseios democráticos

da população de Burkina Faso. Campaore permanecia como presidente desde 1987, após décadas de instabilidade política e troca de governos, em razão de uma reforma constitucional que suspendia o artigo 37, referente à reeleição presidencial. No ano de 2000, Campaore cede a demandas para a restauração desse artigo e, mesmo assim, é reeleito no pleito de 2005, alegando não ter efeitos retroativos a medida tomada em 2000. Sua mais recente tentativa de deturpar a constituição, em 2014, choca-se, entretanto, com uma população insatisfeita e mobilizada [1]. Sua renúncia é acompanhada da instalação de uma cúpula militar, responsável pela transição e abertura de novas eleições. A importância desses eventos para a política africana tem duas dimensões: em primeiro lugar, a ascensão da União Africana como entidade legitima para questionar, supervisionar e administrar conflitos políticos regionais; em segundo, os desdobramentos da Burkina Faso terão efeito direto nos ânimos políticos de outros estados africanos, cujos chefes de estado encerram mandato nos próximos anos. A União Africana acompanha a situação da Burkina Faso com apreensão até que, semanas após a instauração da cúpula militar, oficializa um ultimato de duas semanas para o retorno a um comando civil [2] sob ameaça de aplicação de sanções contra o estado. Apesar da negativa pela cúpula militar [3], defendendo a transição pela promulgação de eleições em 2015, o contencioso ainda tenderá a requisitar maior ativismo da União Africana: pela preocupação diante de uma possível instalação de novo governo militar sem previsão de término; e pela necessidade de criar maior operacionalidade dos seus instrumentos de sanção e imposição de deliberações conjuntas. A projeção do poder da União Africana depende de sua atuação na crise política da Burkina Faso e de sua supervisão nos próximos pleitos em Angola, Burundi, República do Congo, República Democrática do Congo, Libéria, Serra Leoa e Ruanda.

4. Estado Islâmico e Estados falidos, Iraque e Síria Região cuja instabilidade já atravessa décadas, o golfo pérsico e proximidades é palco de intensa intervenção estadunidense, de conflitos e fundamentalismos religiosos, de interesse geopolítico e econômico para diversos estados – inclusive, e sobretudo, dos EUA. O fortalecimento do Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL), a partir de um vácuo de poder ocasionado pela Guerra do Iraque consubstanciado ao amadurecimento de um extremismo islâmico, impõe ameaças regionais de segurança e destrói as chances de reconstrução dos estados do Iraque e da Síria. Ao

tornar ainda mais complexo o quadro, os EUA, na formação de uma coalizão antiterrorista com estados árabes e outros aliados, iniciam campanhas de bombardeamentos em ambos os estados onde o ISIL se faz presente, as quais, às vistas do direito internacional, configuram-se atos de provável violação das resoluções do Conselho de Segurança – aliás, sendo este o único órgão internacional com legitimidade plena para definir uma ameaça internacional e orquestrar uma investida contra ela. A situação do Iraque e da Síria é a das mais precárias: milhões de refugiados procuram um local mais seguro para lhes acolher – o número de refugiados sírios já chega a mais de 10 milhões e, dentre estes, 4 milhões encontram-se em território estrangeiro [1]; bombardeamentos constantes, que põem em estado de terror toda uma população, sendo obrigada a conviver com violência, explosões, mortes, e sem avistar a menor das expectativas de uma resolução da crise; a falência dos estados imersos no conflito; o empreendimento contraditório da intervenção militar ortodoxa, sem autorização e sem muito apoio de grande parte dos demais países. A justificativa do uso da força e da opção pela intervenção por decisão unilateral vai contra os preceitos da Carta da ONU, uma vez que esta estipula serem dois os casos passíveis de engajamento externo: configurar extrema urgência para contenção de ameaça à paz ou quando um estado urge por assistência da comunidade internacional. Entretanto, somente após analisados e autorizados pelo Conselho de Segurança (no caso, Resolução 2178/14) serão devidamente enquadrados os instrumentos e meios necessários – não necessariamente o uso da força – para restauração da ordem [2]. Mas, gravidade maior ainda se encontra na expansão do ISIL, onde os ataques da coalizão não surtem efeitos [3], e do seu discurso extremista, em choque com a crise síria – rebeldes lutam já há alguns anos contra o governo de Bashar al Assad – e com o vazio iraquiano. Suas populações tenderão a continuar a sofrer intensa violação de direitos humanos, e os estados sucumbirão à bancarrota de suas instituições, já muito debilitadas. São duas as principais considerações: em primeiro lugar, devemos ater ao papel dos EUA na região, com seu unilateralismo intervencionista, angariando mais instabilidade do que ordem, o que põe em perspectiva a própria instituição do terrorismo no mundo – interessante opinião de Noam Chomsky a respeito em [4]; em segundo, o quão maléfico é a permanência de um estado de caos, onde as infraestruturas básicas são destruídas, os fluxos de refugiados não tendem a reduzir, as atrocidades são a ordem do dia, e o desenvolvimento não avança, mas retrocede –

estima-se que a Síria, por exemplo, já retrocedeu 40 anos em níveis de desenvolvimento econômico e social [5].

5. A crise na Ucrânia: política de contenção russa e expansionismo da OTAN Talvez o maior impasse atual, a crise que se instala na Ucrânia é de extrema complexidade para a geopolítica mundial. Ela envolve tanto as condições históricas dos países europeus como também as questões identitárias e os anseios de lideranças para a contenção de movimentos políticos que julgam ferirem suas políticas de segurança regional e internacional, contribuindo para pressionamentos sobre a balança de poder da eurásia. O expansionismo da OTAN nos anos que sucedem o falecimento da União Soviética é concomitante à crescente preocupação russa em termos geopolíticos e de segurança: de ano em ano, os estados que uma vez pertenciam à URSS foram sendo incorporados à OTAN, algo que suscita questionamentos quanto a um possível “cerco” à Rússia [1], pelos menos na visão desta, e a pressiona em prol de uma política de contenção. É preciso, entretanto, ter em mente que os avanços e recuos são classificados por ambas as partes de acordo com seus interesses na região. A incorporação da Crimeia pela Rússia vem de uma vontade de resgate territorial, visto que àquela porção, além de alto valor geopolítico e econômico ao ligar-se com o Mar Negro, possui verdadeiros laços nacionais, seja por conta da população ou pela história de pertencimento anterior à própria URSS. A crise no leste da Ucrânia embarca na instabilidade regional, momento oportuno para que grupos dissidentes da nacionalidade ucraniana requisitem sua autonomia conquanto se autodeterminam de diferente identidade nacional [2]. Propostas de cessar-fogo vêm em resposta ao acirramento do conflito, mas o seu sucesso é pífio. Sanções são impostas à Rússia, convictos que estão europeus e estadunidenses de envolvimento russo em território nacional ucraniano. A Rússia, por outro lado, mantém a negativa dessas movimentações em terras estrangeiras e procura opções para seu ostracismo forçado. A situação é, portanto, delicada. A Rússia detinha boa parte do fornecimento energético para a Europa e, com a instabilidade política, a geografia comercial e energética tende a se alterar: tentativa de acordo com a Turquia e decisões por fechamento de gasodutos [3] redirecionam, para ambas as partes, os esforços de cooperação energética [4] e as distanciam ainda mais na matéria política. A grande questão que torna o conflito no leste europeu complexo é a história: as identidades, os nacionalismos, as guerras,

etc., definiram posições pouco transigentes e muito competitivas. A Rússia herda o fardo de se sentir sempre em oposição ao ocidente; este, por sua vez, continua com a postura soberba de ingerência em políticas que não lhe compete – vide OTAN; os países pós-desmembramento da URSS congregam populações heterogêneas ao ponto da cisão e da hostilidade. O resultado, bem possível, relaciona-se a novo distanciamento, o qual não pode ser confundido com aquele das décadas da Guerra Fria, mas que invariavelmente impõe situação alarmante para a política mundial.

Segurança econômica 6. BRICS: pressão política sobre a economia internacional Países que compõem os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), apesar de perfis muito distintos quanto à qualidade das instituições democráticas, aos desempenhos econômicos e à organização social e cultural, formam um corpo homogêneo quando se trata da crítica ao unilateralismo estadunidense, às assimetrias do sistema financeiro internacional e às vantagens históricas do Norte em matéria de segurança política e econômica. Se, por um lado, esse bloco caminhou timidamente nos últimos anos, por outro, em 2014, suas ações implicaram em um redimensionamento do debate sobre a tendência de transferência do eixo político-econômico, da hegemonia do Norte para o desenvolvimento compartilhado do Sul. A criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS na ocasião da Reunião de Cúpula dos BRICS, em Fortaleza, é um passo além para a institucionalização dos anseios políticos do bloco. A iniciativa vem em resposta ao desinteresse das grandes organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), em promover reais investimentos nos países emergentes sem a manutenção das assimetrias e dependências que historicamente influíram os acordos dessas entidades. Todavia, os BRICS ainda se deparam com incongruências passíveis de prejudicar seu ativismo político e econômico: em primeiro lugar, o incremento, apesar de ser da ordem de 100 bilhões de dólares para os cinco países e, com isso, impulsionar setores prioritários, não será capaz de modificar de maneira sistêmica o perfil dessas economias; em segundo, a própria assimetria intra-bloco, com o protagonismo insuperável chinês, cria contradições para uma política comum [1]; por fim, as preferências regionais – seja por conta da crise na Ucrânia para a Rússia, a Unasul e o MERCOSUL

para o Brasil, a projeção ao mercado asiático pela China, os conflitos da Índia com países vizinhos – transferem grande parte da energia de mobilização para outros direcionamentos de suas políticas externas. De qualquer forma, os BRICS ainda seguem como alternativa viável para inserção internacional dos países membros e para diversificação de parcerias estratégicas, como bem observamos nas cooperações Brasil-China em matéria de tecnologia espacial [2] e ÍndiaRússia no âmbito do fornecimento de matérias primas e recursos energéticos – sendo, para a Rússia, no caso, uma estratégia de diversificação em contrapartida às sanções europeias [3].

7. MERCOSUL, Unasul e o Grande Mercado Transatlântico (GMT) Movimentos dos países tanto na Ásia como na América instigam parcerias tradicionais e promovem aproximações oportunas para os EUA e a União Europeia. Se, por um lado, este bloco volta-se para os EUA em busca de compensação comercial não vingada com o MERCOSUL, aqueles, por sua vez, devem procurar dar mais atenção sobre a parceria tradicional europeia, visto os recentes impasses do “contrapoder” chinês na Ásia [ver próximo ponto]. A América do Sul também ganha modelo novo de dinâmica político-econômica com malgrado do tratado de livre-comércio MERCOSUL-União Europeia, em negociação desde 1995, porquanto que a institucionalização da Unasul promove reaproximação dos países sul-americanos para o trato dos problemas econômicos e de segurança e remedia o arrefecimento do MERCOSUL, sendo este provocado pelas crises argentina e venezuelana e pelo desaquecimento da economia brasileira. Em primeiro lugar, entendemos a situação do MERCOSUL: na Venezuela, um líder pouco carismático comparado ao seu antecessor tenta dar prosseguimento a uma política independente de desenvolvimento nacional. Protestos contra os grandes índices inflacionários, de mais de 50%, as crises de abastecimento de alimentos e a repreensão de oposições extremistas das políticas “chavistas” criam instabilidade política, social e econômica para o país e para o bloco que compõe [1]. Na Argentina, apesar de certa recomposição desde a grande crise de 2001, os índices econômicos denotam uma verdadeira instabilidade sistêmica, cujo desdobramento vai em direção ao desenvolvimento de um conceito de “crise permanente” [2]. O desempenho precário das estratégias de atração de investimentos e aquecimento comercial resulta, portanto, em ações pouco coordenadas com o bloco. No Brasil, o governo responde com certa austeridade algumas tendências de aumento da inflação e pressões orçamentárias e,

apesar de nada comparada aos casos argentino e venezuelano, preocupa-se principalmente pela pouca operacionalidade da política econômica para conciliar responsabilidade fiscal e investimentos permanentes para o desenvolvimento social e econômico. Tendo isso em vista, o MERCOSUL atravessa por uma fase em que o eixo dinâmico do bloco não converge em suas políticas de integração econômica. As iniciativas brasileira, argentina e venezuelana de tratar unilateralmente suas crises assinalam um risco para instituições já “consolidadas”, como a Tarifa Externa Comum, bem como uma timidez para progredir reformas de estabilização macroeconômica, internalização de normas estipuladas em suas reuniões de cúpula e o prosseguimento de negociações intra-bloco e inter-blocos [3]. O enfraquecimento do MERCOSUL ocasiona a transferência das energias políticas em duas dimensões: em primeiro, as políticas de integração voltam-se para a operacionalização da Unasul, que já conta com a inauguração da sede em Guayaquil, a eleição de Ernesto Samper como secretário-geral e as deliberações para funcionamento básico da instituição, além de iniciativas promissoras, como a “cidadania sulamericana” [4]; em segundo, o congelamento dos trabalhos para conclusão de acordo comercial entre União Europeia e MERCOSUL, em decorrência não somente das intempéries acima tratadas mas, sobretudo, da pouca disposição de ambas as partes em ceder na política protecionista agrícola (caso europeu) e na política industrial nacionalista (caso sul-americano), redireciona a estratégica europeia para o Grande Mercado Transatlântico (GMT). Além do traço de complementaridade em suas pautas comerciais, EUA e União Europeia convergem no perfil econômico e social de seus empreendimentos – leia-se: o valor depositado sobre o poder de suas multinacionais, o que garantiria incrementos na ordem de 100 bilhões de dólares anuais para cada parte [5]. Apesar de duvidosa no campo da legitimidade política, uma vez que as partes seriam compelidas a modificarem legislações locais ao bel-prazer de instituições privadas, as negociações devem invariavelmente tomar maior fôlego em 2015. Ora, a reaproximação EUAUnião Europeia e os avanços na integração sul-americana em torno da Unasul conferem uma tendência factível no campo das relações internacionais: o debate Norte-Sul segue em pleno desentendimento no plano econômico, a migrar para o campo político, ao passo que o intercâmbio político regional do Sul vem a incrementar as negociações para concretização de seus planos de desenvolvimento nacional.

8. A China e a Ásia: Apec, G20 e Encontro dos Países do Leste Asiático Os grandes eventos sobre economia e comércio em 2014 reiteram uma tendência de transferência do centro dinâmico da economia para a Ásia e, sobretudo, a mudança de um paradigma multilateral centrado na Organização Mundial do Comércio em direção aos acordos bilaterais e regionais. A última década foi particularmente importante para a ascensão da China, em 2014, como maior potência econômica mundial [1]: os fluxos de exportação e importação e de investimentos em vários países sofrem alterações com a presença chinesa – como, por exemplo, a pauta comercial brasileira tendo a China como principal parceria; os fóruns internacionais são ponderados pela posição chinesa; e as iniciativas corretivas do sistema financeiro internacional tem maior impacto sob liderança chinesa que quando protagonizada por demais países emergentes. O Fórum da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC), o Encontro dos Países do Leste Asiático (East Asia Summit) e o Encontro do G20 revelam que o apetite comercial da China, entretanto, vai além da abertura de novos mercados, porquanto cria novas áreas de influência e status de liderança global. No primeiro caso, a relutância da China em aderir à Parceria Transpacífica (TPP) demonstrou um importante poder de barganha chinês, haja vista que o arcabouço normativo da possível parceria afetaria tanto as suas pretensões comerciais para a Ásia como sua prerrogativa de formular políticas econômicas independentes – a adesão ao tratado seria condicionada a revisões sobre propriedade intelectual, legislação trabalhista, meio ambiente, etc., temas de delicada importância para a China [2]. A resposta chinesa a um possível isolamento aos benefícios de um grande tratado comercial é, praticamente, imediata: sua proposta de criação do Banco de desenvolvimento para a Ásia [3] e da Área de Livre-comércio da Ásia-Pacífico (FTAAP) marca uma abordagem assertiva da inteligência chinesa para contenção dos avanços comerciais dos EUA e aproximação dos países limítrofes [4], ao que impõe suas próprias condições de negociação e os coopta para seu guarda-chuva conceitual de funcionamento de mercado. Além disso, acordos de livre-comércio com Coreia do Sul e Austrália, em pleno andamento do Encontro do G20, sinalizam sua estratégia de consolidação de potência regional. Enfim, dentro do quadro das negociações para a liberalização do comércio mundial – o fracasso da Rodada Doha e o acirramento das posições dentro da Organização Mundial do Comércio em relação a tarifas e subsídios, a válvula de escape que se apresenta pelos grandes

acordos regionais e bilaterais de comércio ganha fôlego nas iniciativas chinesas e desperta, talvez, nova preponderância do bilateralismo comercial na economia política mundial.

Sites consultados: Ponto 1: [1] http://www.economist.com/blogs/graphicdetail/2014/12/interactive-ebola-map [2] http://foreignpolicy.com/2014/10/06/the-toxic-politics-of-ebola/ [3] http://www.wsj.com/articles/for-u-s-liberians-stigma-adds-to-ebolas-burden-1413830673 [4] http://foreignpolicy.com/2014/12/10/sierra-leones-ebola-epidemic-is-spiraling-out-ofcontrol/ Ponto 2: [1] http://www.bostonglobe.com/ideas/2014/11/28/congo-peacekeeperswar/zfBirYjxsokst0dZahfWCJ/story.html [2] http://www.globalsecurity.org/military/world/war/congo.htm [3] http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2014/09/mali-forgotten-war20149691511333443.html [4] http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRKBN0JN28F20141209 [5] http://www.bbc.com/news/world-africa-13809501 Ponto 3: [1] http://foreignpolicy.com/2014/11/01/burkina-fasos-silver-lining/ [2] http://www.aljazeera.com/news/africa/2014/11/burkina-faso-army-pick-consensus-leader201411313571845248.html [3] http://www.bbc.com/news/world-africa-29948773

Ponto 4: [1] http://observador.pt/2014/12/05/o-mundo-abandonou-os-refugiados-sirios-acusa-amnistiainternacional/ [2] http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/10/1528992-luiz-alberto-figueiredo-o-uso-daforca-nas-relacoes-internacionais.shtml [3] http://foreignpolicy.com/2014/09/23/u-s-strikes-havent-beaten-isis-in-iraq-can-they-do-soin-syria/ [4] http://noticias.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/noam-chomsky/2014/11/01/o-maiorestado-terrorista.htm [5] http://www.oem.com.mx/eloccidental/notas/n3408549.htm Ponto 5: [1] http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/economia/20141204/putin-afirma-que-ocidenteutiliza-sancoes-para-enfraquecer-russia/213992.shtml [2] http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2014/02/geopolitics-ukraine-crisis2014223124338526657.html [3]http://br.rbth.com/internacional/2014/12/02/russia_e_turquia_lancam_alternativa_conjunta _para_o_south_strea_28537.html [4] http://www.economist.com/news/business-and-finance/21635974-aftermath-debacle-overrussias-south-stream-pipeline-european-countries-are-making Ponto 6: [1] http://www.cartacapital.com.br/revista/808/o-banco-dos-brics-2173.html [2] http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2014/12/parceria-entre-brasil-echina-satelite-cibers-4-e-lancado-ao-espaco.html [3] http://in.reuters.com/article/2014/12/11/russia-india-rosneft-idINKBN0JP0ZM20141211

Ponto 7: [1]http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/02/140217_protestos_venezuela_entenda_ cc [2] http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/01/entenda-crise-economica-e-politica-naargentina.html [3]http://economia.ig.com.br/mercosul+aos+20+anos+2+crises+e+turbulencias/a130008076447 7.html\ [4]http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/38742/em+reuniao+no+equador+unasul+in augura+sede+e+adota+cidadania+sul-americana.shtml [5] http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1687 Ponto 8: [1] http://www.marketwatch.com/story/its-official-america-is-now-no-2-2014-12-04 [2] http://thediplomat.com/2014/10/free-trade-and-the-sovereignty-squeeze/ [3] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/10/1537974-chineses-lancam-novo-banco-dedesenvolvimento-na-asia.shtml [4] http://thediplomat.com/2014/11/after-apec-east-asia-summit-and-g20-china-emerges-aglobal-leader/

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