A AÇÃO DOS PIPKRAKES NA MOBILIZAÇÃO DE SOLO NA SERRA DE SANTA HELENA

July 5, 2017 | Autor: Bruno Meneses | Categoria: Geography, Soil Science, Environmental Studies, Soil Erosion
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VI CONGRESSO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA – Coimbra, 2013 Atas/Proceedings – ISBN 978-989-96462-4-7

A AÇÃO DOS PIPKRAKES NA MOBILIZAÇÃO DE SOLO NA SERRA DE SANTA HELENA THE ACTION OF NEEDLE ICE IN THE MOBILIZATION OF SOIL IN SERRA DE SANTA HELENA

Meneses, Bruno Miguel, IGOT - Universidade de Lisboa, Portugal, [email protected]

RESUMO Os pipkrakes são um importante agente na morfogénese atual da Serra de Santa Helena, pela quantidade de solo mobilizado durante o ciclo gelo-degelo. Numa vertente desta serra monitorizou-se o movimento de partículas de solo por estes filamentos de gelo e aferiu-se a quantidade de solo perdido. Durante os primeiros quatro dias anticiclónicos da monitorização, não se verificou a fusão dos pipkrakes, apenas a formação de uma nova unidade na secção inferior (junto ao solo), o que causou a elevação dos sedimentos superficiais até cerca de 12cm. Nos 3 dias seguintes, aumentou a temperatura e ocorreu a fusão, deslocando-se os sedimentos à superfície cerca de 6cm para jusante, do qual resultou a perda de 32,97g/m2 de solo. Estes resultados evidenciam o papel dos pipkrakes na dinâmica atual destas vertentes, não só pelo solo erodido, mas também por proporcionarem a sua desagregação e desta forma aumentarem de perda por outros processos erosivos.

ABSTRACT The needle ice is an important agent in current morphogenesis of Serra de Santa Helena, because of soil erosion during the freeze-unfreeze cycle. This fact was verified after monitoring the movement of soil particles by these filaments of ice in one slope of the mountain. During the first four anticyclonic days of the monitoring period, we don’t have fusion of the needle ice, only the formation of a new unit in the lower section near ground, causing the elevation of the sediments in the surface at about 12cm. In the following 3 days, the increasing temperature and the merger occurred, moving sediments to surface about 6cm towards the downstream side which resulted in 32,97g/m2 of soil loss. These results reflect the importance of needle ice in current dynamics of these slopes, not only by soil eroded, but also for its desegregation, thereby providing increased loss by other erosive processes.

1. INTRODUÇÃO Os pipkrakes têm um papel relevante na erosão do solo (Pérez, 1984). Estes, também conhecidos na língua inglesa por needle ice (Lawler, 1988), são pequenos filamentos verticais de gelo com cerca de 1mm2 de secção que podem atingir um comprimento aproximado de 10cm, formados pela segregação de gelo próximo à superfície do solo durante noites calmas e sem nuvens (Outcalt, 1971, citado em Branson et al., 1996, p.459). Geralmente, estes filamentos desenvolvem-se sempre na vertical e elevam os grânulos ou sedimentos da unidade posterior, i.e., a camada superficial do solo, proporcionando o seu movimento vertical e horizontal durante um ciclo de gelo-degelo (Vieira, 1996). Este processo tem elevada importância, não só na desagregação do solo, mas também no seu transporte (Pérez, 1984; Branson et al., 1996). Esta desagregação é um fator que proporciona o aumento de perda de solo por erosão hídrica, sobretudo quando ocorre em simultâneo com o splash, processos com capacidade de libertação de partículas do solo, podendo dar início à formação de formas erosivas de maior dimensão, quando se proporciona a escorrência concentrada (Pedrosa et al., 2001). Segundo Vieira (1996, p. 10) a fusão destes pipkrakes pode originar a ocorrência de pequenos mudflows, sendo estes a associação entre o mecanismo de gelifluxão resultante da taxa de fusão mais rápida do que o solo pode drenar (elevada tensão de água intersticial). 213

VI CONGRESSO NACIONAL DE GEOMORFOLOGIA – Coimbra, 2013 Atas/Proceedings – ISBN 978-989-96462-4-7

2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1. Área de estudo (Serra de Santa Helena) A Serra de Santa Helena localiza-se no Concelho de Tarouca. Apresenta uma altitude de 1100m e declives bastante acentuados nas vertentes expostas a NE (>45º); já as vertentes a SW têm menor declive (5 a 15º). Quanto ao tipo de solo, predominam os Leptossolos úmbricos (de granitos e rochas afins), encontrando-se estes ocupados essencialmente por mato arbustivo nas vertentes expostas a NW e vegetação herbácea nas vertentes voltadas para a Cidade de Tarouca (E e NE), local afetado recentemente por um incêndio florestal que destruiu toda a vegetação de porte arbustivo e arbóreo. No setor superior das vertentes predominam os afloramentos de rochas graníticas. Quanto ao clima onde se insere esta serra, este é caracterizado por Daveau et al. (1985) como continental, acentuado pela posição topográfica, com verões moderados (23 a 29ºC) e invernos muito frios (mais de 40 dias com temperatura inferior a 0ºC).

Figura 1. Enquadramento geográfico da Serra de Santa Helena (esquerda) e a vista de perfil da mesma (direita).

2.2. Monitorização da mobilização de solo por pipkrakes Para a monitorização da quantidade de solo movido pelos pipkrakes durante o ciclo gelo-degelo, instalou-se numa vertente exposta a NE da serra (41º00’25,23’’N 7º47’48,65’’W) um coletor para recolha de sedimentos movimentados durante o mesmo, conforme o esquema da Figura 2. A área delimitada de solo corresponde a uma parcela de 1m2 e tem aproximadamente 46º de inclinação, encontrando-se sem qualquer tipo de ocupação vegetal. Pintaram-se alguns sedimentos e marcou-se a sua posição inicial em função das distâncias às barreiras laterais que limitam a parcela, com o intuito de se aferir a distância percorrida horizontalmente pelos mesmos após o degelo. Esta monitorização realizou-se entre os dias 16 e 22 de Janeiro de 2011 (dias anticiclónicos secos). Também se instalou um posto termométrico junto a esta parcela, para posterior análise da variação da temperatura. O datalogger utilizado neste posto ficou a cerca de 1,5m do solo. O solo depositado no coletor resultante do movimento proporcionado pelos pipkrakes, foi analisado em laboratório, aferindo-se o peso total (depois de seco), a sua textura e teor em matéria orgânica. Recolheu-se ainda uma amostra de solo na parcela para comparação das caraterísticas físicas com o solo recolhido no coletor.

Figura 2. Metodologia usada em campo para quantificar o solo movido por ação de pipkrakes. 214

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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Formação de pipkrakes na área de estudo No período em monitorização, verificou-se na parcela em estudo a formação de uma nova unidade de pipkrakes junto ao solo em cada noite dos primeiros quatro dias e o degelo destas formações nos dois últimos dias. A formação consecutiva destas unidades proporcionou a elevação das unidades superiores, atingindo os sedimentos à superfície uma elevação na ordem dos 12cm (Fig. 3). Com o degelo, estas formações foram tombando para jusante, processo que proporcionou o movimento destes sedimentos horizontalmente, ficando parte destes retidos no coletor aqui instalado. A formação consecutiva destes pipkrakes deve-se, também, à fraca exposição solar desta vertente.

Figura 3. Pipkrakes numa vertente exposta a NE da Serra de Santa Helena. Vertente com a película superficial do solo levantado por pipkrakes e alguns depósitos de sedimentos (esquerda). Perfil de várias unidades de pipkrakes na parcela monitorizada (direita).

3.2. Variação do desenvolvimento dos pipkrakes em função da temperatura Analisando o perfil do corte das unidades de pipkrakes da Figura 3 e as temperaturas diárias registadas no posto termométrico (Quadro 1), verifica-se que o desenvolvimento destas unidades está diretamente relacionado com a variação da temperatura mínima registada. No dia 17 de Janeiro, em que se verificou a temperatura mais reduzida, foi quando os filamentos se desenvolveram verticalmente com maior expressão (cerca de 4cm). A 19 de Janeiro, a temperatura mínima registada foi um pouco mais elevada, de -0,8ºC, verificando-se um menor desenvolvimento dos pipkrakes. A partir deste dia, houve um aumento de temperatura, acima dos 0º, não havendo formação de filamentos, mas apenas a fusão das unidades de pipkrakes superiores. No final do dia 21 de Janeiro já não se notou a sua presença devido ao degelo total. As amostras de solo recolheram-se no dia seguinte. Quadro 1. Temperatura mínima e máxima registada pelo datalogger do posto termométrico instalado no campo. 16-01-2011 17-01-2011 18-01-2011 19-01-2011 20-01-2011 21-01-2011 22-01-2011 6,1 5,4 5,8 6,7 7,9 8,6 12,8 T. Máx. (ºC) -1,1 -1,5 -1,3 -0,8 0,1 2,4 3,2 T. Min. (ºC)

3.3. Solo movido por pipkrakes Segundo Vieira (1996), apoiado no modelo apresentado por Birot (1981, p.304), quanto maior o tamanho do pipkrake e declive da vertente, maior será o movimento das partículas (por gravidade após a fusão). Este autor também menciona a existência de elevada complexidade neste movimento, pois podem ocorrer outros processos (e.g. micro-deslizamentos ou toppling) que originam diferentes trajetórias na movimentação das partículas. Este facto foi observado neste estudo através do movimento dos sedimentos pintados, que permitiu registar uma deslocação média de 4,91cm para jusante dos sedimentos levantados pelos pipkrakes que se formaram na parcela, após a sua fusão. 215

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Quanto ao solo recolhido no coletor instalado a jusante da parcela, depois de seco na mufla a 105ºC durante 24 horas, obteve-se o total de 32,97g. Este foi reintroduzido novamente na mufla a 500ºC para se remover a matéria orgânica (MO) por ignição, determinando-se posteriormente a granulometria, obtendo-se os resultados apresentados no Quadro 2. A amostra de solo recolhida na parcela foi alvo dos mesmos procedimentos. Os resultados obtidos revelam maior percentagem de sedimentos grosseiros no solo do coletor (85,18% do total), face ao que se verificou no solo da parcela (80,12 do total), evidenciando-se desta forma a maior capacidade dos pipkrakes na movimentação dos sedimentos de maior volumetria. Ao longo da vertente onde se monitorizou a erosão de solo, há vários depósitos de sedimentos grosseiros e pequenos blocos na base de microtaludes, facto explicado pela ocorrência destes processos realçando-se, assim, a sua importância na dinâmica atual destas vertentes. A movimentação de blocos devido a estes processos também é referida por Vieira (1996). Quadro 2. Composição física do solo recolhido no coletor e na parcela de solo em monitorização (%). Areia grossa Areia fina Limo Argila (>2mm) Amostra (0,1 - 2mm) (0,05 - 0,1mm) (0,002 - 0,05mm) (0 - 0,002mm) Coletor (A) 43,0900 42,0900 10,3489 1,1523 0,5686 Parcela (B) 41,3100 38,8111 9,0980 5,9209 1,9400 1,7800 3,2789 1,2509 -4,7686 -1,3714 ∆ A-B

MO % 2,7502 2,9200 -0,1698

4. CONCLUSÃO Através das técnicas utilizadas na monitorização da perda de solo por pipkrakes, verificou-se que este processo tem um papel relevante na modelação das vertentes da Serra de Santa Helena, pela quantidade de solo erodido e por proporcionar a movimentação de pequenos blocos. No período de monitorização ocorreu apenas um ciclo gelo-degelo, com a formação consecutiva de várias unidades de pipkrakes nos dias com as temperaturas mais baixas, fator que permitiu a sobrelevação dos sedimentos superficiais até 12cm. Quando ocorreu a fusão destas formações, verificou-se movimentação média de 4,91cm da película superficial de solo para jusante na parcela de solo monitorizada, distância explicada pelo declive da parcela e pela queda resultante da altitude a que estes sedimentos foram elevados pelos pipkrakes. Esta movimentação também se comprovou pela quantidade de solo retido no coletor, do qual foi possível observar a seletividade dos pipkrakes na elevação de sedimentos grosseiros e consecutiva movimentação horizontal. A presença de múltiplos depósitos de sedimentos grosseiros ao longo da vertente onde se realizou o estudo evidencia a influência dos pipkrakes na morfogénese atual desta serra. Sendo os resultados apresentados apenas de um ciclo gelo-degelo, seria interessante monitorizar noutros períodos anticiclónicos e noutros locais em que se formem pipkrakes, de forma a comparar a perda de solo induzida por estas formações policíclicas, em função das diferentes características físicas das vertentes e ocupação do solo.

REFERÊNCIAS Birot, P. (1981) – Les processus d´érosion à la surface des continents. Masson, Paris. Branson, J.; Lawler, D. & Glen, J. (1996) - Sediment Inclusion Events During Needle Ice Growth: A Laboratory Investigation of the Role of Soil Moisture and Temperature Fluctuations. Water Resources Research, vol. 32, n.º 2, pp. 459-466. Daveau, S. & Colaboradores (1985) - Mapas Climáticos de Portugal. Nevoeiro e Nebulosidade. Contrastes Térmicos. Centro de Estudos Geográficos, Memória N.º 7, Lisboa. Lawler, D.M. (1988) - A bibliography of needle ice. Cold Regions Science and Technology, vol. 15, n.º 3, pp. 295-310. Outcalt, S. (1971) – An algorithm for needle ice growth. Water Resources Research, vol. 7, n.º 2, pp. 394-400.

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Pedrosa, A.; Bateira, C.; Soares, L. & Silvério, M. (2001) – Metodologia para o Estudo dos Ravinamentos. Metodologias de Estudo de Processos de Erosão dos Solos, Porto, pp. 85-98. Pérez, F.L. (1984) -Striated soil in an Andean paramo of Venezuela: Its origin and orientation. Arctic Alpine Research, vol. 16, pp. 277-289. Vieira, G. (1996) – A Acção dos Pipkrakes na Morfogénese Actual na Serra na Serra do Gerês. Revista Finisterra, vol. XXXI, n.º 61, pp. 3-28.

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