A acumulação primitiva de Marx: resenha cap. XXIV do Capital

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DISCIPLINA DE ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL
PROFESSOR: FRANCISCO BRAUN
ACADÊMICO: GABRIEL PORTO PIMENTEL


A 'ACUMULAÇÃO PRIMITIVA' DE MARX


A 'Acumulação Primitiva' de Marx, capítulo do Capital, retrata, entre outras coisas, um dos fenômenos mais marcantes da sociedade moderna: o surgimento da cidade. Não só da cidade, mas o surgimento de todo um princípio de lógica de progresso e desenvolvimento que o mundo iria se encaminhar. A cidade urbana, que começou a aparecer na fase de industrialização dos Estados europeus, até o século XV só era vista nas cidades do Mediterrâneo, como Gênova e Veneza, pelo grande contato que tinham com o Oriente, e ainda "em meados da década de 1980, 42% da população era urbana", e só em alguns anos depois o mundo passou a ter a população maior parte urbana do que rural.
A previous accumulation, ou acumulação primitiva, é o nome dado a esse período que engloba um processo de transformação que começou na Europa, e que mais tarde teria sua influência no mundo todo. Esse processo é acompanhado pelas grandes navegações e descobertas marítimas; pela desintegração dos costumes feudais e religiosos; de uma racionalização da visão de mundo; e, notadamente, do surgimento da organização política, o Estado, aos moldes como o temos hoje; em suma, o período de transição definitiva para a modernidade. É neste momento que se desenvolve o germe do sistema capitalista. É o ponto de partida para o modo de produção, que pressupõe a dissociação do produtor de sua terra e dos instrumentos (meios) de produção.
Marx começa o capítulo citando uma "estória" – ao que parece para criticar – ocorrida num passado muito distante, a história de justificação da doutrina capitalista, o "pecado original da economia", defendida por Thiers e outros evolucionistas da época (ao que Marx também não escapa) onde fala que "Havia outrora, em tempos muito remotos, duas espécies de gente: uma elite laboriosa, inteligente e sobretudo econômica, e uma população constituída de vadios, trapalhões que gastavam mais do que tinham." Compara a história com o pecado original da teologia. O capitalismo seria, nesse sentido, uma evolução que não abarcaria todos, ou melhor, só selecionaria aqueles aptos a fazê-lo. Porém, a defesa intransigente da doutrina do capitalismo "como a única legítima ... para todos os estágios de desenvolvimento", é na verdade, conquistada "pela escravização, pela rapina... em suma, pela violência".
A acumulação primitiva é o processo histórico no qual ocorreu a expropriação de alguns da propriedade dos meios de produção, transformando em capital os meios sociais de produção, e aqueles em trabalhadores assalariados. Esse processo aconteceu pela "libertação" da mão de obra, por se desvincular dos laços feudais de subordinação, tornando a sua força de trabalho em mercadoria, e a venda desta a única maneira de subsistência. Desse modo, houve uma transição dos poderes feudais a um outro grupo da sociedade, a burguesia nascente, a quem interessava o "livre desenvolvimento da produção e à livre exploração do homem pelo homem."
Os prenúncios da sociedade capitalista aparecem no século XIV e XV com a expropriação dos camponeses, que acarretou deslocamentos em grandes massas sem direitos para os meios urbanos que nasciam por essa causa, e que cresceriam a medida do desenvolvimento. A expropriação do uso e propriedade da terra é então a base do processo de acumulação primitiva, que aconteceu de diferentes maneiras em diferentes lugares. No caso, Marx analisa a Inglaterra, onde aparece muito bem esse processo, e acredita-se, por ser a pioneira nesse processo e responsável pela influência que teve mais tarde na exportação do capitalismo como modelo econômico, social e político para o resto todo.
No século XV a maior parte da população consistia em camponeses proprietários, independente da situação feudal em que se encontravam. Existiam aí também os assalariados da agricultura, esses trabalhavam no seu tempo livre para os grandes proprietários; o bailiff, que foi substituído pelo arrendatário; e os assalariados propriamente ditos, que eram um número pequeno (MARX, 1890, p.832). Além disso, existiam as terras comuns, ou comunais, as quais eram de uso comum para criação de gado e retirada de lenha dos camponeses. A repartição da terra na produção feudal era feita entre o maior número possível de camponeses. Entretanto, houve nessa época a dissipação do poder do senhor feudal, embora "o poder real, produto do desenvolvimento burguês" interessado em um poder centralizado e absoluto para regular suas atividades comerciais, "em seu esforço pela soberania absoluta, acelerasse pela força a dissolução das vassalagens, não foi de modo algum a causa única dela." O surgimento da manufatura de lã que impulsionou transformar as terras de lavoura em pastagens propiciou esse processo de expulsão dos camponeses de suas terras, mesmo sendo criadas leis para limitar e que impedissem a usurpação e o adquirimento de grandes extensões de terras. Também se impulsionou esse processo, no século XVI, por conta da Reforma, que acentuou a pauperização do povo, e a tomada de bens da Igreja, que era grande proprietária de terras feudais inglesas. Nas últimas décadas do século XVIII, desaparecera o que restava da propriedade comunal, uma velha instituição que se conservara sob o feudalismo. Isso tudo acabou originando os grandes domínios da oligarquia inglesa, que utilizou as terras para ampliar a exploração agrícola dirigida para o comércio, e que era ligada ao grupo de financistas banqueiros e à burguesia manufatureira.
O processo que se seguiu no século XVIII "consiste em ter tornado a própria lei o veículo do roubo das terras pertencentes ao povo, embora os grandes arrendatários empregassem simultânea e independentemente seus pequenos métodos particulares". Assim se assumiu o cercamento das terras comuns. Marx apresenta aqui uma variedade de exemplos da literatura econômica da época sobre "o cercamento das terras comuns". A revolução agrícola acompanha a usurpação das terras e a "limpeza das propriedades".

O roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do Estado, a ladroeira das terras comuns e a transformação da propriedade feudal e do clã em propriedade privada moderna, levada a cabo com terrorismo implacável, figuram entre os métodos idílicos da acumulação primitiva. Conquistaram o campo para a agricultura capitalista, incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das cidades a oferta necessária de proletários sem direitos (MARX, 1890 , p. 850)



O proletariado que emergiu pela expulsão violenta de suas terras, se dirigiu aos centros de manufatura nascente, embora sem direito algum. Pela indisponibilidade de absorver a todos, muitos acabaram em se tornar mendigos, ladrões e vagabundos pelas circunstâncias em que se encontravam. Para tratar de tal situação, foram criadas diversas leis para punir esses indigentes que estavam a vadiar e nada a produzir. Essa legislação começou na Inglaterra no reinado de Henrique VII, e posteriormente leis de Henrique VIII, Eduardo VI e Jaime I, como também leis análogas na França. O sistema de trabalho assalariado exigia assim, a disciplina da população rural expulsa e expropriada de suas terras, fadada a vagabundagem, pelo "açoite, o ferro em brasa e a tortura".

Ao progredir a produção capitalista, desenvolve-se uma classe trabalhadora que por educação, tradição e costume aceita as exigências daquele modo de produção como leis naturais evidentes. [...] em seu pleno desenvolvimento, quebra toda resistência, a produção contínua de uma superpopulação relativa mantém a lei da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o salário em harmonia com as necessidades de expansão do capital, e a coação surda das relações econômicas consolida o domínio do capitalista sobre o trabalhador (MARX, 1890, p. 854).


O controle e a disciplina do trabalhador por meio do emprego da força do Estado é este "um fator fundamental da chamada acumulação primitiva".
Marx também analisa a gênese do arrendatário capitalista, a formação do mercado interno para o capital industrial, a gênese do capitalista industrial e a tendência histórica da acumulação capitalista.
O que é interessante na contribuição de Marx com este texto, além de assentar a doutrina dos estudos da Economia Política, como também da História para esse período, é pensar no resultado que se deu pela posterior homogeneização e internacionalização das transformações e dos modelos econômicos e políticos que surgiram nesse período delimitado por "acumulação primitiva". Pois, não somente no atual resultado dessas transformações, mas no próprio período protagonizado pela Europa, é válido pensar, através dessa conceitualização, o que acontecia nos demais lugares do planeta e como de lá foram muito influenciados. Como também, a proliferação dos modos de produção, como caminho único de desenvolvimento e realização de uma sociedade; como a institucionalização dos modelos políticos de organização (o Estado-nação) em realidades e circunstâncias totalmente diferentes daquelas onde foram concebidas, se adequaram as mesmas, e a resposta, ou o produto que isso demonstra agora, tanto no âmbito interno desses que aderiram por meio da dominação, como no âmbito internacional, que coloca pautas na agenda da política internacional para os tomadores de decisões, que outrora foram os que ali as implantaram.




Vale aqui um trecho de Stuart Hall, que embora falando de Caribe, contribui nesse sentido:

"Nossas sociedades são compostas não de um, mas de muitos povos. [...] Em vez de um pacto de associação civil lentamente desenvolvido, tão central ao discurso liberal da modernidade ocidental, nossa "associação civil" foi inaugurada por um ato de vontade imperial" (HALL, 2003, p. 30)





REFERÊNCIAS

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.







Resenha do capítulo XXIV a "A Chamada Acumulação Primitiva" do Capital de Karl Marx
(HOBSBAWM apud POPULATION, 1995, p. 288)

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