A ADMISSIBILIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM FACE DE DECISÃO SOBRE A COMPETÊNCIA

May 31, 2017 | Autor: J. Rodrigues Vieira | Categoria: Direito Processual Civil, Novo Código De Processo Civil Brasileiro, Recursos No Processo Civil
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A ADMISSIBILIDADE DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM FACE DE DECISÃO SOBRE A COMPETÊNCIA JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA Professor Titular de Direito Processual Civil da FDUFMG Desembargador do TJMG TIAGO COSTA XAVIER Pós-Graduado em Direito Processual Civil Assessor Judiciário

O Código de Processo Civil de 2015 operou profundas reformas no sistema recursal. A que mais suscita dúvidas neste primeiro momento refere-se às hipóteses de cabimento do Agravo de Instrumento. Este breve estudo tem por objetivo o exame e a refutação de uma proposta de interpretação extensiva que, pelo brilho de seus autores, tem ganhado força no alvorecer do Novo Código: o cabimento do Agravo contra decisão que versa sobre competência. Não desconhecemos a corrente doutrinária que sustenta a interpretação extensiva das hipóteses do art. 1.015, como forma de conferir organicidade ao sistema, bem como para evitar a proliferação de Mandados de Segurança (DANIEL ASSUNÇÃO AMORIM NEVES, “Novo CPC Comentado”. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1.688). Contudo, sob pena de desvirtuar a utilidade do estabelecimento de rol taxativo de cabimento, deve tal ampliação ser feita com prudência, conforme lição de CÁSSIO SCARPINELLA BUENO: No máximo será bem vinda, justamente para não generalizar o emprego do mandado de segurança como sucedâneo recursal, interpretação ampliativa das hipóteses do art. 1.015, sempre conservando, contudo, a razão de ser de cada uma de suas hipóteses para não generalizá-las indevidamente” (“Manual de direito processual civil: volume único”, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2/2016. VitalSource Bookshelf Online, p. 691) A interpretação extensiva, como se vê da lição de CARLOS MAXIMILIANO, exige realmente a preservação da ratio da lei: [...] é o caso de interpretação extensiva, consistente em pôr em realce regras e princípios não expressos, porém contidos implicitamente nas palavras do Código. A pesquisa do sentido não constitui o objetivo único do hermeneuta; é antes o pressuposto de mais ampla atividade. Nas palavras não está a lei e, sim, o arcabouço que envolve o espírito, o princípio nuclear, todo o conteúdo da norma. O legislador declara apenas um caso especial; porém a ideia básica deve ser aplicada na íntegra, em todas as hipóteses que na mesma cabem (“Hermenêutica e Aplicação do Direito” Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 199).

Sobre a tese em exame, tal consiste na posição de FREDIE DIDIER JUNIOR, que identifica na decisão sobre a convenção de arbitragem (art. 1.015, III do CPC de 2015) o conteúdo de uma decisão sobre a competência. Assim, afirma o doutrinador que a hipótese de cabimento contempla interpretação extensiva, para tornar recorrível toda decisão que versar sobre a competência do Juízo. Cumpre-me esclarecer, embora a interpretação autêntica não seja decisiva, que na tramitação do Projeto de Novo CPC o Senado havia excluído oito hipóteses de agravo de instrumento que constavam do Substitutivo da Câmara – uma delas, a do (então) inciso X, do Art. 1.028: a decisão que versar sobre competência. Torna-se no mínimo difícil sustentar ser a intenção do legislador a inclusão de uma tal hipótese, quando deliberadamente fez por exclui-la. Então a tese de interpretação extensiva defrontaria o velho brocardo inclusio unius alterius exclusio. Verdadeiro é, porém, que a lei posta em vigência e em contato com o ordenamento jurídico perde necessário contato com a intenção do legislador, alcançando outras repercussões, quiçá em exclusão daquela. É o que, ad argumentandum, poderia ter ocorrido com a decisão sobre competência, a sugerir, como de prestigiosa corrente doutrinária, um inciso implícito no Art. 1.015, do CPC de 2015. A tese de interpretação extensiva, engenhosa e subscrita por processualista (citado) de indisputável renome, não reflete, d. v., a inteireza do sistema do Código de 2015. Ademais, com a devida vênia, entendo que a similitude estabelecida entre a decisão sobre rejeição de convenção de arbitragem e a decisão sobre competência não subsiste, após rigoroso exame da natureza jurídica da arbitragem. O primeiro argumento apresentado afirma que tanto a alegação de convenção de arbitragem como a de incompetência têm como objetivo recusar o Juízo: Primeiramente, em razão da identidade da ratio: são situações muito semelhantes, as quais, até mesmo pela incidência do princípio da igualdade, não poderiam ser tratadas diferentemente: alegação de convenção de arbitragem e alegação de incompetência têm por objetivo, substancialmente, afastar o juízo da causa. Ambas são formas de fazer valer em juízo o direito fundamental ao juiz natural – juiz competente e imparcial, como se sabe. (Curso de Direito Processual Civil – Vol I, Salvador: Juspodivm, 2016, 18ª ed, p. 238). O segundo afirma a possibilidade de interpretação extensiva mesmo diante de rol taxativo: As hipóteses de cabimento de Agravo de Instrumento são taxativas, o que não impede a interpretação extensiva de algumas daquelas hipóteses. A decisão que rejeita a convenção de arbitragem é uma decisão sobre competência, não sendo razoável afastar qualquer decisão sobre competência do rol de decisões agraváveis, pois são hipóteses semelhantes, que se aproximam, devendo receber a devida graduação e submeter-se ao mesmo tratamento normativo. (Curso

de Direito Processual Civil – Vol III, Salvador: Juspodivm, 2016, 13ª ed, p. 216) Contudo, a despeito da aproximação tentada, observa-se que cada uma das questões – convenção de arbitragem e competência – veicula temas diferentes: a arbitragem articula-se não com a competência, mas com a jurisdição. Com efeito, quer se afirme que a arbitragem seja equivalente jurisdicional, quer se a afirme como exercício da jurisdição por autoridade não estatal – como o faz o próprio FREDIE DIDIER JR. (Curso de Direito Processual Civil – Vol I, Salvador: Juspodivm, 2016, 18ª ed, p. 173) – quer se considere a arbitragem como recusa à jurisdição estatal (LUIZ GUILHERME MARINONI, Teoria do Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 174 e seguintes), o conteúdo da decisão contemplada no art. 1.015, III do CPC de 2015 não versa sobre o exercício válido de parcela da jurisdição, mas sobre se a causa pode ser objeto da jurisdição estatal. Assim, justifica-se o tratamento privilegiado dado pela lei à questão, eis que não se trata de definir qual Órgão detentor de jurisdição pode conhecer da causa, mas se a própria soberania estatal pode atuar com substitutividade sobre a controvérsia. Pode haver, eventualmente, inconvenientes diante da irrecorribilidade imediata das decisões sobre competência. Porém, não se pode negar que o sistema do CPC de 2015 os suplantou, em consideração da maioria dos casos, instituindo mecanismo – talvez complexo – para as situações discrepantes do habitual. Mas não deve a jurisprudência tornar-se referência de si própria, para avançar além de bases hermenêuticas sólidas. Ademais, como já aponta parte da doutrina, a criação de hipóteses de cabimento não contempladas na legislação possui o inconveniente de romper com a integridade do sistema de preclusões do Código. Com efeito, é a opinião de ANDRÉ VASCONCELOS ROQUE, LUIZ DELLORE, FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI, MARCELO PACHECO MACHADO E ZULMAR DUARTE:

Quando são ampliadas as hipóteses de recorribilidade para situações não antecipadas pelo legislador, há um importante efeito colateral para o qual ainda não se deu a devida atenção: também podem ser criadas novas hipóteses de preclusão imediata, não imaginadas pelos advogados e demais profissionais do direito. O sistema preclusivo erigido pelo CPC/2015 está estritamente vinculado às hipóteses de cabimento do agravo. A ampliação das situações de cabimento pode acarretar maior extensão da ocorrência da preclusão imediata, como se depreende do artigo 1.009, § 1o, do CPC/ 2015. Somente não precluem – até o momento em que seja interposta a apelação ou apresentadas as contrarrazões à apelação – as questões não suscitáveis de imediato na via do agravo de instrumento.

Assim, a ampliação jurisprudencial dos temas passíveis de serem objeto de agravo pode trazer a reboque a expansão da ocorrência da preclusão imediata do processo. Imagine-se, por exemplo, um advogado que deixa de interpor agravo de instrumento, por não encontrar a competência entre as matérias relacionadas no artigo 1.015 do CPC/2015, confiando que poderá rediscuti-la na apelação ou em contrarrazões à apelação. Caso adotado o entendimento consagrado pelo relator do agravo de instrumento nº 000322307.2016.4.02.0000, acima indicado, este advogado poderia ter a desagradável surpresa de não ver a sua alegação de incompetência apreciada no julgamento da apelação, sob o fundamento de que, em decorrência de interpretação extensiva do art. 1.015, III, a matéria precluiu de imediato. (“Hipóteses de Agravo de Instrumento no Novo CPC: os efeitos colaterais da interpretação extensiva”. Disponível em . Acesso em 20/07/2016)

Assim, soma-se à inexistência de identidade aqui apontada a preocupação com o princípio da proteção da confiança legítima, uma vez que a adoção da tese da interpretação extensiva pode surpreender a parte que, confiando na natureza exaustiva do rol do art. 1.015 do CPC/15, pode ver-se surpreendida pela configuração da preclusão em razão de não ter interposto o Agravo. São estas as considerações que pretendíamos fazer, de forma a contribuir com o debate acadêmico sobre a questão.

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