A ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS

June 15, 2017 | Autor: Barbara Teruel | Categoria: Direitos Homossexuais, Adoção, Jovens homoafetivos
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL - UFMS Faculdade de Direito - FADIR

BÁRBARA TERUEL

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS

Campo Grande - MS Janeiro - 2013

BÁRBARA TERUEL

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS Trabalho final de graduação apresentado como requisito para colação de grau no Curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, turma 2012, sob a orientação da Profa Gláucia Silva Leite.

Campo Grande - MS Janeiro - 2013

TERMO DE APROVAÇÃO

A

Monografia

intitulada:

“A

ADOÇÃO

DE

CRIANÇAS

POR

CASAIS

HOMOAFETIVOS” apresentada por Bárbara Teruel como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito à Banca Examinadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, obteve nota _______ para aprovação.

BANCA EXAMINADORA

Professora Gláucia Silva Leite Presidente

Examinador 1

Examinador 2

Campo Grande – MS, _____ de _____________ de 2013

Dedico aos meus pais, a minha irmã e aos

meus avós, que estiveram ao meu lado e me apoiaram durante toda a jornada acadêmica.

AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer a Deus por mais essa conquista na minha vida, por me

permitir vivenciar tantas experiências maravilhosas nestes cinco anos, me proteger, me propiciar muitas bênçãos. Sem a Sua mão sobre mim eu não seria nada.

Aos meus pais, pelo esforço realizado nestes anos, mesmo com as dificuldades

financeiras não deixaram de me dar sempre o melhor, não deixaram com que eu parasse meus estudos. Por me apoiarem nas minhas decisões, me ampararem nos momentos difíceis. Por se

orgulharem e confiarem que posso ir mais longe, isso me dá forças para eu não desistir. A minha irmã pela companhia nestes anos em que somos apenas nós nesta cidade, com nossos

pais morando longe sua parceria foi muito importante. Aos meus avós que estiveram do meu lado sendo meus avós e meus pais, não é a toa que dizem que avós são pais duas vezes. A

minha tia Andréa e meu tio Fábio por todas as vezes que se preocuparam comigo. Lucas e Karen obrigada pela parceria nas festas. Mateus te amo infinitamente por sua chatice.

A Nayara por estar comigo desde o vestibular, por se tornar minha irmã, me ajudar

sempre que precisei, por todas as festas e farras, por todos os conselhos. Ao Cássio por alegar a minha vida com suas alfinetas e seus comentários, que por sinal combinam muito com os meus. Por me apresentar a Paula e o Guilherme e aos três por estarem comigo em um dos

momentos mais felizes da minha vida. A Maria Clara minha melhor amiga, que ouve meus

surtos sobre OAB e monografia, que não me deixa desanimar e torce por mim. A Aline, Ulysses, Francis, Lucas Daniel, pela parceria e risadas.

A minha colega e amiga Laís Layne por compartilhar comigo das minhas angústias e

medos durante a faculdade, foi difícil, mas conseguimos. Aos meus amigos do fundão que me receberam no meio da faculdade e me mostraram o meu lugar nesta turma. A minha orientadora Profª Gláucia por me direcionar e me auxiliar na construção deste trabalho.

Por fim a minha tribo B de Jesus do acampamento Restauração por me mostrarem um

amor maior que supera sujeira, cara lavada, inchada, cabelo desgrenhado, mais humor e tudo mais. Vocês mudaram a minha vida. A todos aqui citados e os que estão no meu coração, muito obrigada, vocês fazem parte desta vitória.

“E a gente vai a luta. E conhece a dor. Consideramos justa toda forma de amor.” Lulu Santos

RESUMO

Vislumbrou-se neste trabalho fazer uma análise jurídico-histórica da adoção de crianças por casais homoafetivos. Realizando uma abordagem histórica quanto às relações homoafetivas

na sociedade e sua evolução no âmbito jurídico, passando a ter reconhecimento. Ressaltou-se

o conceito de família, desde os primórdios da civilização até o atual conceito. Abordou-se os

requisitos para adoção pelo Estatuto da Criança e do adolescente e os entendimentos da jurisprudência. Bem como a possibilidade da adoção de crianças por casais homoafetivos na legislação e na jurisprudência, ressaltando as consequências desta adoção para o adotado. Efetuou-se pesquisas em sites sobre relações homoafetivas, adoção, sites de doutrinadores

jurídicos e jurisprudências. Também livros jurídicos de Direito de Família, Adoção e livros de

psicologia. Buscaram-se dados que comprovassem nossa tese de que a adoção por homossexuais conjuntamente não trará consequências ruins, ao contrário, dará uma família a

uma criança abandonada. Conclui-se que não há qualquer risco de dano psicológico ou ao desenvolvimento do adotante, do mesmo modo que não há qualquer impedimento legal para a adoção por casais homoafetivos.

PALAVRAS-CHAVE: (Família, Adoção, Homoafetivos, Direito)

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 08

1. A FAMÍLIA .............................................................................................................. 11 1.1 HISTÓRICO ........................................................................................................ 11

1.2 ASPECTOS JURÍDICOS DA FAMÍLIA ATUAL ............................................. 13 1.2.1 Análise histórico-legislativa ...................................................................... 13

1.3 MODELOS DE FAMÍLIA NA ATUALIDADE ................................................ 18

2. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA ................................................................... 22

2.1 A HOMOSSEXUALIDADE E A SOCIEDADE ................................................ 22 2.2 A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR ..... 25

2.3 O DIREITO E A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA ................................... 31 2.3.1 Partilha de bens .......................................................................................... 37

2.3.2 Quanto aos alimentos, sucessão e previdência .......................................... 37

3 ADOÇÃO ................................................................................................................... 40 3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO .............................. 40 3.2 CONCEITO DE ADOÇÃO ..................................................................................... 42

3.3 ESPÉCIE DE ADOÇÃO NA ATUALIDADE........................................................ 44

3.4 REQUISITOS E PRESSUPOSTOS PARA ADOTAR E SER ADOTADO ...... 48

3.4.1 Do adotante ................................................................................................ 50

3.4.2 Do adotado ................................................................................................. 51

3.5 A ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS ......................... 53

3.5.1 Prós e contras a adoção por casais homoafetivos ...................................... 60

CONCLUSÃO............................................................................................................... 67

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 69

ANEXO A – Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo................... 76 ANEXO B – Acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná ......................................... 80 ANEXO C – Acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

– Câmara Especial ........................................................................................................ 83

ANEXO D – Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ..................... 88 ANEXO E – Decisão da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca do

Rio de Janeiro – RJ ...................................................................................................... 95 .

8

INTRODUÇÃO

A homossexualidade ainda é um tema que sofre muito preconceito nos dias atuais por

parte da sociedade. No entanto, cada vez mais vemos os homossexuais conquistando seus

direitos. No ano passado uma grande conquista foi realizada com o reconhecimento pelo STF da união estável homoafetiva.

Outro problema muito enfrentado pelos casais homoafetivos é quanto à adoção de

crianças por estes. A justiça brasileira já vem deferindo pedidos de casais homoafetivos que desejam adotar, no entanto, não são todos os magistrados que concedem, baseados, na maioria das vezes, no preconceito e na ignorância.

A Constituição Federal de 1988, ao reconhecer a família como base da sociedade,

dando-lhe especial atenção do Estado, concedeu juridicidade não só ao casamento, mas também aos relacionamentos sacralizados pelo matrimônio, assim como ao convívio

intergeracional, entre um dos pais e seus filhos. Rompeu-se a posição privilegiada do casamento como base de formação e proteção da família e inseriu-se o conceito de entidade familiar, da união estável e do vínculo monoparental.

A proteção da família é a proteção imediata, ou seja, no interesse da realização

existencial e afetiva das pessoas. Não é a família em si que é protegida constitucionalmente, mas o objetivo indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Desse

modo, visando o melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas apenas algumas entidades familiares e deixar desprotegidas outras.

Diante disto, tem-se a união entre pessoas do mesmo sexo como forma de entidade

familiar, sendo passível de proteção do Estado e digna dos mesmos direitos que as famílias heterossexuais, monoparentais, etc..

Segundo pesquisas realizadas, não há qualquer dano ao desenvolvimento físico e

psíquico da criança se esta for criada por pais homossexuais. É claro que não será fácil enfrentar o preconceito da sociedade, mas este mesmo preconceito existe quando a criança diz que vive em um abrigo sem pai nem mãe.

9 Não há, também, na legislação brasileira, qualquer impedimento para que casais

homossexuais adotem. Com o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo STF ficou ainda mais clara a possibilidade destes adotarem, uma vez que a legislação que trata sobre a adoção, exige que o casal seja casado, no entanto, equipara a união estável ao casamento, dessa forma casais homossexuais que vivem em união estável podem adotar conjuntamente.

A adoção surgiu da necessidade de as pessoas sem filhos darem continuidade à

família. Com o tempo passou a desempenhar papel de inegável importância, transformando-se

em instituto filantrópico, destinado não somente a dar filhos a casais estéreis, mas também a permitir que um número maior de menores desamparados fosse adotado e pudessem ter um novo lar. Atualmente busca-se um lar para uma criança e não um filho para um casal.

A Lei Nacional da Adoção não prevê a adoção por casais homossexuais, no entanto,

com o reconhecimento da união estável entre homossexuais não há qualquer argumento

cabível. Ainda, a adoção por homossexual individualmente há algum tempo têm sido

admitida, sendo submetida a cuidadoso estudo psicossocial por uma equipe interdisciplinar que possa identificar se visará o melhor interesse do adotando.

Portanto, a adoção de crianças por casais homoafetivos é possível legalmente, basta

que haja uma política de conscientização das pessoas, de que o fato dos pais serem do mesmo sexo não influenciará na orientação sexual da criança, nem afetará o seu desenvolvimento.

10

1.

A FAMÍLIA

1.1.

HISTÓRICO Sempre houve vínculo afetivo entre as pessoas, apesar dos tabus e do surgimento das

religiões. No entanto, em qualquer crença, tinha-se o acasalamento com fim de reprodução apenas.

Segundo Friedrich Engels1, “no estado primitivo das civilizações o grupo familiar não

consistia em relações individuais.” As relações ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo (endogamia). Desse modo, sabiam-se quem era a mãe, no entanto, desconhecia-se o pai, tendo a família um caráter matriarcal, estando a criança sempre junto da mãe. Mais tarde, devido às guerras, e a falta de mulheres, quem sabe até uma questão genética, os homens passaram a buscar relações com mulheres de outras tribos (exogamia).

No decorrer da história o homem caminhou para relações individuais, exclusivas,

ainda que algumas civilizações permaneçam em situação de poligamia, atingindo assim a atual cultura da monogamia. Esta desempenhou um papel muito importante na sociedade, beneficiando os filhos e estimulando o poder paterno.

No início a religião era manifestada em casa, não se tinha o hábito de ir a templos. Do

mesmo modo não havia regras, nem um padrão de ritual, sendo que o patriarca da família era o sacerdote e guiava o ritual independente. A família era conjuntamente uma unidade

econômica, religiosa, política e jurisdicional. Assim, o ascendente comum vivo, mais velho, era chefe político, juiz e sacerdote.

Tinham-se como deuses os ancestrais mortos, que protegiam apenas aquela família.

Estes deuses eram considerados criaturas sagradas, independentemente de terem sido pessoas boas ou más em vida.

A religião fez com que a família surgisse, para formar um corpo único nesta vida e na

do além. Segundo Fustel de Coulanges:

1

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade provada e do Estado, 1995, p. 31.

11 “Sem dúvida, não foi a religião que criou a família, mas seguramente foi a religião que lhes deu as regras, daí resultando receber a família antiga uma constituição muito diferente da que teria tido se os sentimentos naturais dos homens tivesse sido os seus únicos causadores.”2

A família, portanto tinha sua continuidade, e consequentemente a continuidade da

religião através de seus descendentes. Com medo do fim destes, admitiu-se, para quem não

tinha filho, a adoção. Se a mulher não pudesse ter filhos, podia-se haver o divórcio, no

entanto, na esterilidade masculina, substituía-se o marido por um irmão ou parente deste, sendo a mulher obrigada a entregar-se a ele.

A filha mulher não era suficiente, uma vez que esta não daria continuidade a religião

porque seria submissa ao marido e à religião dele. Assim, a família só tinha sequência com os filhos homens.

“No direito romano a família era organizada sob o princípio da autoridade.”3 O pater

famílias tinha o poder de impor castigos aos filhos, vendê-los, aplicar-lhes penas corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente submissa ao marido, podendo ser repudiada por este.

“Aos pouco foi então, a família romana evoluindo no sentido de restringir

progressivamente a autoridade do pater, dando-se maior autonomia à mulher e aos filhos,

passando este, a administrar os pecúlios castrenses (vencimentos militares).”4 Com o passar do tempo foi-se atenuando a severidade das regras, o romanos conheceram o casamento sine manu, passando os pais a criarem patrimônio independente para seus filhos.

Surgiu então a família como fator econômico de produção. A procriação existia para

que houvesse mão de obra para ajudar nos trabalhos do sustento da família, era uma família patrimonializada, hierarquizada e patriarcal.

Com a revolução industrial essa realidade mudou, a mulher passou a trabalhar, a

família se mudou para a cidade, passando a conviver em espaços menores, salientando o

vínculo afetivo que envolve seus integrantes. O homem deixou de ser a única fonte de subsistência da família, a família tornou-se nuclear, sendo o casal e sua prole.

COULANGES, Fustel de. A cidade Antiga, 1990, p. 23. GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro. Direito de família, 2010, p. 31. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil, 1990, p. 26-27; WALD, Arnold, O novo direito de família, 1988, p. 10-12. 2 3

12 A família brasileira, como é conceituada atualmente, sofreu influência da família

romana, da família canônica e da família germânica.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “a família é uma realidade sociológica e constitui

a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social.”5 Não importa como é analisada, sempre aparece como uma instituição necessária e sagrada, que merece a mais ampla proteção do Estado.

Segundo Silvio de Salvo Venosa, a família brasileira é vista da seguinte maneira: “Já se parte da ideia, no próprio rótulo da lei em projeto, no sentido de que a sociedade apresenta pluralidade de modalidades de famílias. Desde a família monoparental, aquela constituída somente pela mãe, a mais comum, ou pelo pai, não tão incomum, até a denominada família homoafetiva, há um universo amplo a ser descortinado pelos tribunais e que hoje se apresenta em um vazio legislativo. Longe se está, portanto, da tradicional família patriarcal, que ainda é vista na ótica do Código Civil de 2002.”6

Venosa “O direito de família e o Código Civil de 2002”, trata sobre o Projeto do

Estatuto das Famílias, que busca reconhecer e dar ordenamento jurídico às várias modalidades de família que existem na sociedade brasileira. “Ainda que não seja direito positivo, esse projeto nos fornece um quadro muito claro do estágio da sociedade e da família ocidental e brasileira.”7

“Uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como direito fundamental, prioriza-se a família socioafetiva, a não discriminação de filhos, a corresponsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar, e se reconhece o núcleo monoparental como entidade familiar.”8

“Com a inserção no conceito de entidade família, da união estável e do vínculo

monoparental, rompeu-se a posição excessivamente privilegiada do casamento com base de formação e proteção da família.”9

Tem-se, portanto, que a família brasileira consiste na união de pessoa formada por

vínculos, sejam sanguíneos ou afetivos, desde que haja entre elas uma relação, um GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., 2010, p. 17. VENOSA, Silvio de Salvo, O direito de família e o código civil de 2002, 2008, p. 1. 7 VENOSA, Silvio de Salvo, Para um novo direito de família, 2009, p. 1. 8 PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., 1990, p. 39. 9 DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 106. 5 6

13 comprometimento mútuo de permanecerem juntas, de desenvolverem a personalidades de seus integrantes e crescerem juntas. 1.2.

ASPECTOS JURÍDICOS DA FAMÍLIA ATUAL

1.2.1 Análise histórico-legislativa O direito brasileiro sofreu grande influência do direito português uma vez que, como

colônia, estava sujeito ao regimento de Portugal, primeiramente com as Ordenações Afonsinas, de Dom Afonso V, aproximadamente em 1447.

“Com relação a sua sistematização, as Ordenações Afonsinas foram divididas em cinco livros, estes em títulos que, com frequência, se subdividiam em parágrafos. O livro I, com 72 títulos trata de Direito Administrativo, compreendendo os cargos públicos, o governo, a justiça e o exército. O livro II, com 123 títulos versa sobre os bens da Igreja, Direitos régios e da nobreza. Já o livro III trata de Processo Civil, possuindo 128 títulos. Em seguida temos o livro IV que disciplina o Direito Civil e tem 112 títulos. Por fim o livro V contém 121 títulos e trata de Direito e Processo Criminal.”10

As ordenações Afonsinas tinham por objetivo reunir, em uma única fonte, o direito

vigente àquela época. Utilizaram como fonte o direito romano, direito germânico, direito canônico, leis das sete partidas e os costumes nacionais.

Já no reinado de Dom Manuel, precisamente em 1505, este encarregou três juristas

para atualizar as Ordenações Afonsinas, criando assim as Ordenações Manuelinas.

Manteve-se a sistematização e estrutura das Ordenações Afonsinas. Ressalta-se a

diferença de alguns conteúdos, principalmente “em matéria de direito subsidiário, além da interpretação vinculativa da lei, através de assentos da Casa da Suplicação”.11

Entre o período de D. Manuel e de D. Filipe II, diversos diplomas avulsos foram

expedidos que, além de revogar preceitos manuelinos, também legislavam sobre novas

matérias. Desse modo, o Cardeal D. Henrique, regente de D. Sebastião, ordenou a Duarte Nunes de Lião que organizasse todos os diplomas extravagantes, tendo esta coletânea entrado 10 11

ANDRÉ, Luiz Pedro André, As ordenações e o direito privado brasileiro, 2007, p. 6. COSTA, Mário Julio de Almeida, História do direito português, 1996, p. 284.

14 em vigor em 1569. Porém, esta obra de organização das leis extravagantes simplesmente compactou em um único texto os diversos diplomas legais, não realizando nenhuma reforma do texto manuelino.

Assim, D.Filipe I, rei de Espanha e Portugal, impeliu os trabalhos de uma nova

codificação entre 1583 e 1585, ficando esta concluída em 1595, tendo entrado em vigor

apenas em 1603. Diversas foram as suas edições, sendo a primeira de 1603. Importante será frisar a edição feita no Brasil em 1870 por Cândido Mendes de Oliveira.12

Como é sabido, vigoravam, em matéria criminal, no Brasil as Ordenações

Afonsinas, uma compilação publicada em 1446, sob o reinado de D. Afonso

V, que D. Manuel I, em 1505 mandou rever, promulgando em definitivo em 1512 o corpo de leis que ficou conhecido como Ordenações Manuelinas.

Passando Portugal ao domínio da Espanha, por uma lei dada em Madri, aos 5 de junho de 1595, Felipe II resolveu reformar as Ordenações Manuelinas e

ordenar nova receptação das normas e costumes jurídicos, confiando essa

tarefa codificadora a Pedro Barbosa, Paulo Afonso, Jorge de Cabedo e Damião de Aguiar, considerados, na época, ilustres cultores da ciência jurídica.13

Essas ordenações seguiram uma sistematização confusa, misturando normas de direito

de família, direito das sucessões e direitos obrigacionais, sem antes efetuar uma separação dessas matérias, estando tudo isso agrupado no seu livro IV.

No Direito brasileiro a Constituição Federal de 1934 foi a primeira constituição a

dedicar um capítulo à família. Esta, porém, determinava que família fosse formada a partir do casamento, sendo este indissolúvel. As demais seguiram a mesma linha de pensamento.

A Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002 mencionam a família,

estabelecem sua estrutura sem, no entanto, defini-la, uma vez que não há, tanto no direito quanto na sociologia, uma identidade de conceitos.

Latu sensu, família abarca todas as pessoas ligadas por um vínculo sanguíneo e que,

portanto, possuem um tronco ancestral comum, bem como as formadas por afinidade e pela adoção. Josserand considera que “este princípio é o único verdadeiramente jurídico, em que a 12 13

ANDRÉ, Luiz Pedro André, op. cit., 2007, p. 7. FREGADOLLI, Luciana. Antecedentes Históricos do Código Criminal de 1830, p.17.

15 família deve ser entendida: tem o valor de um grupo étnico, intermédio entre o indivíduo e o Estado.”14

Conforme já foi dito, o Código Civil de 1916 e as leis posteriores, vigentes no século

passado, reconheciam apenas a família constituída pelo casamento, de modelo patriarcal e hierarquizada. Atualmente destaca-se o vínculo afetivo que norteia a formação da família. A família socioafetiva tem sido priorizada pela doutrina e jurisprudência brasileira.

Segundo o Código Civil de 1916 o casamento, portanto, era considerado o único meio

correto de se formar uma família legítima. Esta união conjugal fazia sopesar sobre a mulher, a qual se encontrava em patamar inferior na hierarquia familiar, o dever de obedecer às ordens

do marido, que era considerado o “chefe” da relação matrimonial e tinha como imputações, entre outras, as de representar, gerir e sustentar a família, como preceituava o Art. 233 do CC/1916:

“Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (art.240, 247 e 251). (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962). Compete-lhe: I – a representação legal da família; (Redação dada pela lei 4.121, de 27.8.1962 II – a administração dos bens comuns e particulares da mulher que ao marido incumbir administrar, em virtude do regime matrimonial adotado, ou do pacto antenupcial (arts.178, $ 9º, I, c, 274, 289, I e 331); (Redação dada pela lei 4.121, de 27.8.1962) III – o direito de fixar o domicílio da família, ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao juiz, no caso de deliberação que a prejudique; (Redação dada pela lei 4.121, de 27.8.1962) IV – prover a manutenção da família, guardada as disposições dos art. 275 e 277; (inciso V renumerado e alterado pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962).”

As uniões que não eram formalizadas ou eram tidas fora do casamento eram

discriminadas no meio social, assim como os filhos frutos destas não eram considerados legítimos.

Já a Constituição Federal de 1988, adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a

dignidade da pessoa humana, fazendo uma verdadeira revolução no Direito de Família.

Assim, afirma o art. 226 da Constituição Federal, que “a entidade familiar é plural e

não mais singular, tendo várias formas de constituição”. Bem como que a Família, base da 14

JOSSERAND, Louis. Derecho civil, t.I, v.II, 4, 1952.

16 sociedade, tem especial proteção do Estado. Reconhece a união estável entre homem e mulher

como entidade familiar, e também a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, a chamada família monoparental.

Silvio de Salvo Venosa ressalta que o reconhecimento da união estável como entidade

familiar (art. 226, §7º) representou um grande passo jurídico e sociológico em nosso meio.15 A Constituição contém expressos os princípios relativos ao respeito à dignidade da pessoa humana, em que se encontram os institutos do direito de família, como a proteção aos filhos,

direitos e deveres entre os cônjuges, igualdade de tratamento entre homem e mulher e entre filhos biológicos e adotivos, dentre outros.

O art. 227 estabelece a alteração do sistema de filiação, proibindo qualquer forma de

discriminação em razão da concepção ter ocorrido dentro ou fora do casamento. Tem-se ainda

que os artigos 5º, I, e 226, §5º, aplicaram o princípio da igualdade entre homens e mulheres, revogando assim vários artigos do Código Civil de 1916.

No tocante à filiação, segundo Silvio Rodrigues, “é a relação de parentesco

consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado.”16

Zeno Veloso complementa dizendo que, “todas as regras sobre parentesco

consanguíneo estruturam-se a partir da noção de filiação, pois a mais próxima, a mais importante, a principal relação de parentesco é a que se estabelece entre pais e filhos.”17

“Em sentido estrito, filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. É considerada filiação propriamente dita quando visualizada pelo lado do filho. Encarada em sentido inverso, ou seja, pelo lado dos genitores em relação ao filho, o vínculo se denomina paternidade ou maternidade.”18

A Constituição estabelece absoluta igualdade entre todos os filhos, não permitindo

qualquer distinção entre filiação legítima e ilegítima, e adotiva. Uma vez que, no Código de 1916, filhos legítimos eram aqueles havidos a partir do casamento, sendo considerados ilegítimos os havidos fora do matrimônio, classificados ainda em naturais e espúrios. Naturais

VENOSA, Silvio de Salvo, Direito civil, 2003, p. 7. RODRIGUES, Silvio, Direito civil, 2004, p. 297. 17 VELOSO, Zeno, Direito brasileiro da filiação e paternidade, 1997, p. 7. 18 RODRIGUES, Carlos Roberto, Filiação, 2010, p. 1. 15 16

17 eram aqueles em que os pais não estavam impedidos de contrair matrimônio, e espúrios quando havia proibição legal para o casamento dos pais.

Maria Helena Diniz19 ainda classifica a filiação como matrimonial, se advinda da

união de pessoas ligadas pelo casamento válido quando da concepção, ou de união que veio a ser anulada, ou ainda se fruto da união de pessoas que venham a convolar núpcias após o

nascimento do filho; e extramatrimonial resultado da relação de pessoas impedidas de contraírem matrimônio ou que não queiram realizá-lo.

Na legislação civil de 1916, os filhos tidos como incestuosos e adulterinos não podiam

ser reconhecidos. “O nascimento de filho fora do casamento colocava-o em uma situação marginalizada para garantir a paz social do lar formada pelo casamento do pai, fazendo prevalecer os interesses da instituição matrimônio.”20

Com o advento do decreto lei 4.737/42 e da lei 883/49, permitiu-se o reconhecimento

do filho havido fora do casamento, mas apenas após, e se houvesse, a dissolução do casamento do genitor. “Ainda assim, tais filhos eram registrados como filhos ilegítimos e só

tinham direito, a título de amparo social, à metade da herança que viesse a receber o filho

legítimo ou legitimado.”21 O legislador apenas concedeu o direito à investigação de paternidade com o fim de buscar alimentos, devendo a ação tramitar em segredo de justiça.

Atualmente, no entanto, todos os filhos são considerados iguais, conforme enfatiza o

art. 1.596 do Código Civil: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por

adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

“Juridicamente, não há que se fazer tal distinção, ante o disposto na Constituição Federal de 1988, art. 227, § 6º, e nas Leis n. 8.069/90 e 8.560/92, pois os filhos, havidos ou não do matrimônio, têm os mesmos direitos e qualificações, sendo proibidas quaisquer designações discriminatórias (CC, art. 1.596).”22

Segundo Luiz Edson Fachin, “após a Constituição, o Código Civil perdeu o papel de

lei fundamental do direito de família.”23 O Código Civil entrou em vigor em 11 de janeiro de DINIZ, Maria Helena. Curso de direito brasileiro, 2002. DELENSKI, Julie Cristine, O novo direito da filiação, 1997, p. 17. 21 DIAS, Maria Berenice, op. cit. 2011b, p. 356. 22 DINIZ, Maria Helena, op. cit., 2002, p. 423. 23 FACHIN, Luiz Edson, Da paternidade, relação biológica e afetiva, 1996, p. 83. 19 20

18 2003, sendo o projeto original de 1975, anterior à Lei do divórcio de 1977 e à Constituição

Federal de 1988. Desse modo o projeto sofreu diversas modificações para ajustar-se às normas da Constituição.

Alguns avanços significativos ocorreram com o “Novo Código”, como a não

obrigatoriedade da exclusão do sobrenome do marido do nome da mulher, quando da conversão da separação em divórcio. Assegurou o direito a alimentos ao cônjuge considerado culpado da separação.

1.3.

MODELOS DE FAMÍLIA NA ATUALIDADE O conceito de família foi se modificando ao longo do tempo, no início a família era

patriarcal, a qual segundo Hélio Apoliano Cardoso, “a cidadania plena concentra-se na pessoa do chefe, dotado de direitos, enquanto que os mesmos eram limitados aos demais membros

(esposa e filhos).”24 “Era, também, caracterizada pelo casamento de um homem e uma mulher, com objetivo de ter filhos.”25

O Estado e Igreja, tentando regular as relações afetivas e preservar um padrão de

moralidade, adotaram uma postura estritamente conservadora. “Assim, foram estabelecidos

interditos e proibições de natureza cultural e não biológico, e os relacionamentos amorosos passaram a ser nominados de família.”26

O catolicismo consagrou como sacramento indissolúvel a união entre um homem e

uma mulher, “ate que a morte os separe”. O cristianismo só aceita as relações afetivas entre homens e mulheres, com fim de procriação.

O Estado por sua vez, formalizou o casamento, sendo ele quem celebra o matrimônio,

atendidas diversas formalidades. Até a Constituição Federal de 1988, a única forma admissível de família era através do casamento.

CARDOSO, Helio Apoliano, Da união estável. Teoria e jurisprudência, 2000, p. 27. COSTA, Aline Grigoletti de Lacerda, Aspectos jurídicos da adoção por homossexuais, 2009, p. 4. 26 DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 44. 24 25

19 Os laços entre Estado e Igreja foram afrouxando e, consequentemente, os rígidos

padrões de moralidade foram diminuindo. “O objetivo maior passou a ser a busca da felicidade, e com ela, passaram a surgir novas formas de família.”27

Surge então o reconhecimento das famílias informais, aquelas tidas fora do casamento.

Antes, quaisquer relações chamadas adulterinas não eram reconhecidas pela lei. Os filhos tidos fora do casamento não eram reconhecidos, e nem podia ser, o que acabava gerando-lhes situações de preconceito e denominações pejorativas.

Além de não serem reguladas, as relações extramatrimoniais, estas eram severamente

negadas pelo legislador, ficando a concubina sem qualquer direito, o que não impediu que estas relações ocorressem.

Por mais rejeitadas pela lei, estas relações acabaram sendo aceitas pela sociedade, isto

fez com que a Constituição as aceitasse como família, surgindo então, a união estável, com o intuito de converter-se em casamento posteriormente.

Como diz Maria Berenice Dias, “na configuração de uma entidade familiar não é mais

exigida, como elemento constitutivo, a existência de um casal heterossexual, a prática sexual – chamada pela feia expressão “débito conjugal” – e nem capacidade reprodutiva.”28 Assim, não cabe deixar fora do conceito de família a convivência entre pessoas do mesmo sexo.

“A Constituição apenas exemplifica alguns tipos de entidades familiares, sem,

contudo, criar obstáculos a outras espécies de família.”29 Não se aceita como família apenas aquela formada entre um homem e uma mulher, mas sim todas aquelas que possuem vínculo

afetivo e que tenham intenção de formar uma família. E como o vínculo afetivo gera família,

não há outra alternativa a não ser o reconhecimento pelo Estado da família homoafetiva, dando-lhe especial proteção.

Foi-se o tempo em que só se via uma família formada por pai-mãe-filhos, há uma

diversidade de famílias. É comum ver a família monoparental, formada por pai e filhos, ou

mãe e filhos, aquelas formadas apenas por irmão, por primos, por tios e sobrinhos, avós e netos. Tem-se a família pluriparental, o famoso: os meus, os teus, os nossos. A família COSTA, Tereza Maria Machado Lagrota, Adoção por pares homoafetivos: uma abordagem jurídica e psicológica, 2003, p. 5. 28 DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 107. 29 MOSCHETA, Sílvia Ozelame Rigo, Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos, 2009, p. 49. 27

20 paralela, formadas por relações adulterinas. Havendo amor, as formações humanas merecem ser chamadas de família, pois cumpre essa função no dia a dia.

“A forma mais moderna de identificar a família pelo seu vínculo afetivo é a

denominada família eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo um processo de

emancipação de seus membros.”30 O ordenamento jurídico admitiu esse princípio eudemonista com a finalidade de proteger juridicamente a família, focalizando o sujeito, tal

como no art. 226 da CF que dispõe que: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integram.”

A partir deste conceito eudemonista, que tem como base o vínculo afetivo tem-se o

reconhecimento das famílias homoafetivas, uma vez que todas as espécies de vínculos que

tenham por base o afeto são merecedoras de proteção do Estado. “Como prole ou capacidade

procriativa não são essenciais para que o relacionamento de duas pessoas mereça a proteção legal, não se justifica deixar ao desabrigo do conceito de família a convivência entre pessoas do mesmo sexo.”31

A definição de família hoje reside no indivíduo, e não mais no patrimônio que cercam

a relação familiar.

“A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado.”32

As famílias homoafetivas possuem, portanto, proteção do Estado assim como qualquer

outro tipo de família. “É no âmbito do Judiciário que, batizadas com o nome de uniões homoafetivas,

as

uniões

de

pessoas

do

mesmo

sexo

começaram

a

encontrar

reconhecimento.”33 “Vencer o preconceito é uma luta árdua, que vem sendo travada diuturnamente, e quem aos poucos, de batalha em batalha, tem se mostrado exitosa numa guerra desumana.”34

WELTER, Belmiro Pedro, Estatuto da união estável, 2003, p. 32. DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 108. 32 GUAZZELLI, Mônica, O princípio da igualdade aplicado à família, 2004, p. 20. 33 DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 197. 34 SPENGLER, Fabiana Marion, União homoafetica:o fim do preconceito, 2003, p. 215. 30 31

21 Há relacionamentos que, mesmo formado por pessoas do mesmo sexo, possuem os

requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade, configurando, portanto, os requisitos de entidade familiar, merecendo a tutela legal.

Segundo Paulo Lôbo, “não há, na Constituição atual, qualquer referência a

determinado tipo de família, como advinha com as constituições brasileiras anteriores.” Ao

prover a elocução “constituída pelo casamento”35, sem substituí-la por qualquer outra, colocou “a família” sob a proteção constitucional, ou seja, qualquer família. “A referência constitucional é norma de inclusão, que não permite deixar ao desabrigo do conceito de família – que dispõe de um conceito plural - a entidade familiar homoafetiva.”36

“Ventilar a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a um ser humano, em função da orientação sexual, significa dispensar tratamento digno a um ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo (na qual, sem sombra de dúvida, inclui-se a orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana.”37

LÔBO, Paulo Luis Netto, op. cit, 2002. Idem, p. 95. 37 RIOS, Roger Raupp, A homossexualidade no direito, 2001, p. 34. 35 36

22

2.

UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA

2.1.

A HOMOSSEXUALIDADE E A SOCIEDADE Segundo Goethe, a homossexualidade é tão antiga como a heterossexualidade.

Conhecida desde as origens da humanidade. Muitas vezes não foi admitida, porém nenhuma

sociedade jamais a ignorou. A maneira de encarar o relacionamento entre iguais dependeu de costumes e códigos sociais, bem como diferenças geográficas e temporais.

“As restrições até hoje impostas às uniões homoafetivas dizem mais com sua

externalidade, ou seja, é alvo de rechaço o comportamento homossexual, sua conjugalidade, muito mais do que sua prática.”38

“Nas duas grandes civilizações antigas, que tiveram grande influência sobre a cultura ocidental, a homossexualidade sempre teve grande aceitação. Representava estágio de evolução da sexualidade, das funções definidas para os gêneros e para as classes.”39

Estava inserido na sociedade grega e era relevante também para o império romano.

Ocupava um lugar na estrutura social como ritual sagrado, a isto se denominava pederastia, que é a prática sexual entre um homem e um rapaz mais jovem. Apesar da aceitação da relação entre homens, valorizava-se apenas o “polo ativo” da relação. Isto porque, já naquela época, havia o machismo, em que o ato sexual ativo era considerado postura masculina e o passivo, postura feminina.

Tem-se que, na Grécia, era parte do cotidiano de deuses, reis e heróis a prática da

sexualidade livre. Há lendas sobre o rapto de jovens por Apolo, e do amor de Aquile por

Pátroclo. A heterossexualidade era considerada meramente procriativa e de certo modo

inferior à bissexualidade, que estava inserida no contexto social. A homossexualidade restringia-se a ambientes cultos, era vista como uma necessidade natural, manifestação

DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 33. SOUZA Ivone Coelho de, Homossexualismo, uma instituição reconhecida em duas grandes civilizações, 2001, p. 112. 38 39

23 legítima da libido, e era um privilégios dos mais abastados. “Não era considerada uma degradação moral, um acidente ou um vício.”40

Em Atenas, os filósofos tinham o envolvimento sexual com seus aprendizes como um

importante instrumento pelo qual se estreitavam as afinidades afetivas e intelectuais de ambos. O aprendiz, entre os 12 e os 18 anos de idade, tinha relações com seu tutor, desde que tal ato fosse consentido por ele e pelos pais do menino. Em Roma, por outro lado, havia

distinções em que a pederastia era encarada com bons olhos, enquanto a passividade de um parceiro mais velho era motivo de reprovação.

Para os espartanos a relação entre dois homens tinham como fundamento fortalecer o

exército. Eles entendiam que se houvesse amor entre os combatentes, quando estes fossem à

guerra não estariam lutando apenas por Esparta, mas também para proteger a vida de seu amado, fazendo com que os soldados se dedicassem mais. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti

observa que, “a notória eficiência do exército espartano torna, no mínimo, curioso o preconceito contemporâneo contra a presença de homossexuais nas Forças Armadas, como se não fossem capazes de exercer a função militar tão bem quanto os heterossexuais.”41

“A homossexualidade aceita era a masculina, verdadeiro modelo de pedofilia, pois constituíam rito de iniciação sexual aos adolescentes, que eram chamados de “efebos”. Era uma honra para um jovem ser escolhido por um “preceptor”: homem mais velho, modelo de sabedoria e geralmente um guerreiro, que se dispunha a transmitir-lhe seus conhecimentos. Fazia parte das obrigações dos “preceptados” servirem de “mulher” a seus preceptores, com o que ficariam mais bem treinados para a guerra e mais hábeis para a política. Os jovens que se negavam a tais práticas eram considerados desviantes.”42

Acreditava-se que durante a infância e na puberdade, o jovem identificava-se com a

figura da mãe, e com a iniciação homossexual encerrava-se essa fase, adquirindo o menino

identidade e unindo-se à comunidade masculina. Entendiam que o jovem tinha que ter relações com seu próprio gênero antes de se relacionar com o sexo oposto, para ser reconhecido como adulto. “A relação tinha caráter iniciatório e se restringia à ligação entre o homem mais velho e o menino ainda impúbere.”43

BLEICHMAR, Silvia, Pontualizações para uma teoria psicanalítica da homossexualidade, 1998, p. 39. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti, Manual da homoafetividade..., 2008, p. 42. 42 DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 35. 43 SOUZA, Ivone Coelho de, op. cit., 2001, p. 106. 40 41

24 Em Roma, a prática homossexual, com o nome de sodomia, não era escondida. “A

censura recaía apenas sobre quem desempenhava a posição passiva da relação, na medida em

que implicava debilidade de caráter.”44 Isto se dava, pois a passividade era assumida por rapazes, mulheres e escravos, que eram excluídos da estrutura do poder, assim a

masculinidade estava relacionada com poder político, já a passividade, com a feminilidade e a carência de poder.

Entre gregos e romanos, porém havia uma diferença imprescindível, os gregos mais

velhos cortejavam os jovens de seu interesse, presenteando-os de modo a convencê-los de sua

honra e boas intenções. Já os romanos proibiam o amor livre entre homens e meninos, estando

a sexualidade ligada à dominação. “Assim, era-lhes permitido apenas o amor por jovens escravos.”45

Segundo registros, na Babilônia praticava-se a prostituição homossexual masculina.

Durante a dinastia Zhou, na China, o casamento não estava necessariamente ligado ao amor, podendo este ocorrer fora do casamento, inclusive entre pessoas do mesmo gênero. “Não há relatos de relacionamento homossexuais entre mulheres naquela época.”46

No Brasil a homossexualidade existe antes mesmo da chegada dos europeus às terras

latinas. Várias são as evidências de que a homossexualidade era aceita na sociedade indígena.

Abelardo Romero diz que a homossexualidade desenvolvia-se há séculos, entre os

povos que aqui viviam, como uma doença contagiosa. Von Martius relata também que os portugueses ficaram espantados com a antropofagia e a sodomia dos índios, bem como o padre Manuel da Nóbrega, que em 1549 mencionou que muitos colonos tinham índios como mulheres segundo os hábitos da terra.

Entre os índios Tupinambás, ocorria tanto a homossexualidade masculina quanto a

feminina. Entre os Coruenas, o pajé realizava tratamento aos enfermos através de relacionamento sexual. Os Xamãs achavam que o pajé passava seus conhecimentos aos seus alunos através da relação carnal, em que o mais novo se entrega ao mais velho.

MORICI, Silvia, Homossexualidade: um lugar na história um lugar na história da intolerância social, um lugar na clínica, 1998, p. 156. 45 VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti, op. cit., 2008, p. 45. 46 FARIAS, Mariana de Oliveira; MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi, Adoção por homossexuais - a família homoparental sob o olhar da psicologia jurídica, 2009, p. 32. 44

25 Com a chegada dos portugueses, as ordenações eram lei nas terras brasileiras e

consideravam a sodomia como o mais pervertido, sujo e desonesto pecado. Porém, há vários documentos sobre práticas homossexuais no período colonial, justamente devido aos procedimentos usados para puni-la.

Com a independência do Brasil, houve o fim dos Tribunais do Santo Ofício e a criação

de um Código Penal logo no início do Império, a prática deixou de ser considerada criminosa. No entanto, a moral cristã e o preconceito estavam enraizados na sociedade. 2.2.

A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR “O ser humano não se resolve em si mesmo e, como é difícil experimentar um

sentimento de felicidade solitariamente, está sempre em busca de um estado de harmonia, só

capaz de ser encontrado, de maneira mais ou menos estável, a dois.”47 Assim, considera-se a família uma entidade histórica que está ligada com o curso da história, misturando muitas

vezes a história da família com a história da própria humanidade. “A família pode ser considerada uma instituição humana duplamente universal, uma vez que associa um fato da cultura, construído pela sociedade, e um fato da natureza, inscrito nas leis da reprodução biológica.”48

Antes mesmo de ser definido em lei, o conceito de família é definido pelo contexto

social em que está inserido, alterando-se com o passar dos anos. Não há um conceito que se

aplique a todas as épocas e regiões. “Mesmo em face da influência da religião no espaço

familiar dos séculos passados, especialmente e católica, que doutrinava que as famílias deveriam ter como modelo a Sagrada Família.”49

Os princípios e regras constitucionais, por se tratarem de um novo sistema jurídico,

estão presentes em diversos ramos do Direito. O Direito das Famílias recebeu influência do

Direito Constitucional, sofrendo profunda transformação. Como por exemplo, o princípio da igualdade que efetuou uma revolução ao eliminar as discriminações existentes no ramo das relações familiares.

GIKOVATE, Flávio, O instituto do amor, 1998, p. 27. ROUDINESCO, Elizabeth, A família em desordem, 2003, p. 16. 49 MOSCHETA, Sílvia Ozelame Rigo, op. cit., 2009, p. 23. 47 48

26 O princípio constitucional norteador da conceituação de família atualmente é o da

afetividade. A palavra afeto não está explicita no texto constitucional, mas está enlaçado no

âmbito de sua proteção. O primeiro obrigado a assegurar o afeto entre as pessoas é o próprio Estado. Ao serem reconhecidas as uniões estáveis como merecedoras da tutela jurídica, significa que a afetividade que enlaça duas pessoas adquiriu reconhecimento e inserção no

sistema jurídico. Houve a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeito e a realização individual.50

Este princípio destaca a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos, e o respeito a

seus direitos fundamentais. Paulo Lôbo, identifica na Constituição quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade:

“(a) a igualdade de todos os filhos independentemente da origem; (b) a

adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos; (c) a comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família; (d) o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança, do adolescente e do jovem.”51

O código Civil utiliza a palavra afeto apenas para identificar o genitor a quem deve ser

deferida a guarda unilateral. Belmiro Welter, no entanto, identificou outras passagens da valoração do afeto no Código Civil:

“(a) ao estabelecer a comunhão plena de vida no casamento; (b) quando admite outra origem à filiação além do parentesco natural e civil; (c) na consagração da igualdade na filiação; (d) ao fixar a irrevogabilidade da

perfilhação; e (e) quando trata do casamento e de sua dissolução, fala antes das questões pessoais do que dos seus aspectos patrimoniais.” 52

O afeto não é de natureza biológica. Deriva da convivência familiar, assim a posse de

estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, tendo como objetivo garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. Não é apenas um laço que envolve os integrantes de uma família.

WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no código civil, 2004. LOBO, Paulo. Famílias, 2010, p. 43. 52 WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no código civil, 2004. 50 51

27 Volta-se a falar da concepção eudemonista de família, que visa mais a realização dos

interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. Deste modo, a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas.

Há um novo olhar sobre a sexualidade, que valoriza os vínculos conjugais, baseando-

se no amor e no afeto. Instalou-se uma nova ordem jurídica no direito das famílias, atribuindo valor jurídico ao afeto. Basta dizer que o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade.

A Constituição Federal ao elencar as entidades familiares, menciona o casamento, a

união estável e a família monoparental. “Parece que, ao não regulamentar as uniões homossexuais as consideram inexistentes, em total incoerência com os princípios da

dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade.”53 Para preencher esta lacuna, bastaria substituir a expressão “um homem e uma mulher” por “entre das pessoas”, ou corajosamente, classificar a união homoafetiva como entidade familiar. Segundo Maria

Berenice Dias: “Pois é isto que ela é. Uma família constituída pelos laços do afeto, como qualquer outra.”54

Vale ressaltar que, a Constituição ao garantir especial proteção à família, não faz

qualquer discriminação quanto ao tipo de família, desse modo pôs sob tutela a família em si, ou seja, qualquer família. A referência constitucional é norma de inclusão, que não permite deixar ao desabrigo do conceito de família – que dispõe de um conceito plural – a entidade

familiar homoafetiva.55 O conceito de família atual está muito mais ligado à existência de vínculo afetivo que envolver seus integrantes do que à identidade sexual destes.

“Admitir a existência de comunidades familiares que não se caracterizam pelo vínculo matrimonial é respeitar os valores constitucionais da democracia e a eficácia dos direitos fundamentais, pena de a Constituição ser concretizada de forma discriminatória e ofensiva a esses postulados.”56

Paulo Lôbo57 ressalta que, a proteção da família é a proteção imediata, ou seja, no

interesse da realização existencial e afetiva das pessoas.

SANTORO, Cláudia, A necessidade de regulamentação das uniões estáveis homossexuais, 2005, p. 1. DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 81. 55 LÔBO, Paulo Luis Netto, op. cit, 2002, p. 95. 56 FILHO, Michelle Azevedo; JÚLIO Ana Célia de. Dos princípios norteadores do reconhecimento da união homoafetiva, 2012, p. 1. 57 LÔBO, Paulo Luis Netto, op. cit, 2002, p. 46. 53 54

28 “Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o lócus indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão se refletiria nas pessoas que as integram, por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade humana.”58

Até 1988, apenas considerava-se família aquela consagrada pelo casamento. Relações

afetivas constituídas fora do casamento não estavam inseridas no Direito de Família. Hoje não se tem mais a exigência de família com casamento e sexo com finalidade de procriação, temse sim família sem casamento, como a união estável.

A Constituição elegeu o afeto como elemento constitutivo da união estável, assim,

identifica-se família pela presença de um vínculo de afetividade. Semy Glanz a define como:

“(...) um conjunto formado por um ou mias indivíduos, ligados por laços

biológicos ou sociopsicológicos, em geral morando sob o mesmo teto, e

mantendo ou não a mesma residência. Pode ser formada por duas pessoas casadas ou em união livre, de sexo diverso ou não, com ou sem filhos; um dos pais com um ou mais filhos (família monoparental); uma pessoa

morando só, solteira, viúva, separada ou divorciada, ou mesmo casada, com residência diversa daquela de seu cônjuge (família unipessoal); pessoas

ligadas pela relação de parentesco ou afinidade (ascendentes, descendentes, e colaterais – e estes até o quarto grau).”59

O caput do artigo 226 da Constituição Federal alberga, além das relações

matrimoniais, tanto a união estável quanto o vínculo de um dos pais com seus filhos, ou seja, a família monoparental. “Portanto, para a configuração de uma entidade familiar, não mais é

exigida, como elemento constitutivo, a existência de um casal heterossexual, a prática sexual – chamada pela feia expressão “débito conjugal” – e nem capacidade reprodutiva.”60

“Outorgando a Constituição proteção à família, independentemente da celebração do

casamento, houve a inserção de um novo conceito, o de entidade familiar, albergando

vínculos afetivos outros.”61 Nesse contexto, a família não se caracteriza apenas pela existência do casamento, tendo deixado este de ser um traço diferenciador para sua definição. Do mesmo LÔBO, Paulo Luis Netto, op. cit, 2002, p. 46. GLANZ, Semy, A família mutante: sociologia e direito comparado, 2005, p. 30. 60 DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 107. 61 Idem, p. 99. 58 59

29 modo, não implica que, para que haja proteção do Estado deve haver diferenciação de sexos

do casal. Não se exclui as famílias formadas por pessoas do mesmo sexo, uma vez que no preâmbulo da Constituição está vedada qualquer discriminação em razão de sexo, havendo nítido conflito entre uma regra e um princípio constitucional.

Sendo filhos ou capacidade procriativa não essenciais para a proteção legal do

relacionamento entre duas pessoas, não se justifica excluir do conceito de família a convivência entre pessoas do mesmo sexo. “A Constituição apenas exemplifica alguns tipos

de entidades familiares, sem, contudo, criar obstáculos a outras espécies de família.”62 Se considerasse como família apenas o casamento, a união estável e a família monoparental,

estaria deixando sem amparo um enorme feixe de indivíduos que tem afeto por pessoas do mesmo sexo que o seu. A Magna Carta não reconhece apenas as uniões que tenham por pressuposto a diferença de sexo de seus membros. Como o convívio homoafetivo gera

família, não há outra opção senão reconhecê-lo como entidade familiar merecedora da proteção especial do Estado.

Mesmo havendo omissão na Constituição não impediu o reconhecimento legal das

uniões homoafetivas. “A lei Maria da Penha, por exemplo, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, traz como conceito de família: qualquer relação íntima de afeto.”63

Com o julgamento do Supremo Tribunal Federal64 reconhecendo a união homoafetiva

como entidade familiar, merecedora dos mesmos direitos e deveres da união estável, não se

pode mais excluí-la do conceito de família, principalmente em razão do efeito vinculante do julgado.

Preenchidos os requisitos legais, não há como excluir do conceito de família as uniões

homoafetivas. Devem-se conceder os mesmo direitos e impor as mesmas obrigações que se tem em todos os vínculos afetivos com características idênticas.

Cristiano Chaves de Faria lembra que, a família homoafetiva não se confunde com a

família casamentária - fundada no casamento, união formal entre pessoas de sexos diferentes – ou com a família convivencial – fundada na união estável, como laço informal entre pessoas MOSCHETA, Sílvia Ozelame Rigo, op. cit., 2009, p. 49. Lei 11.340, art. 5º, inc. III: em qualquer relação íntima de afeto, 2006. 64 STF. ADI 4.277 e ADPF 132, j. 05.05.2011, rel. Min. Ayres Brito. 62 63

30 de sexos diferentes. “Configura modelo familiar autônomo, como a comunidade entre irmãos, tios e sobrinhos e avós e netos, merecedor de especial proteção do Estado.”65

Apesar de algumas resistências da sociedade, de segmentos religiosos e de parte dos

juízes, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar merecedora da mesma proteção da família. Como a decisão dispõe de efeito vinculante e eficácia erga omnes, não pode o Poder Judiciário ou qualquer órgão da administração pública

deixar de assegurar aos companheiros homossexuais os mesmo direitos das outras relações de afeto.

Em seu voto o ministro Luiz Fux questionou que: "Homossexualidade não é crime.

Então porque o homossexual não pode constituir uma família?".66 O que define o conceito de família hoje é principalmente o afeto. Portanto, se há afeto entre duas pessoas do mesmo sexo, que vivem juntas, configura uma família, ainda que uma família homossexual, diferente das famílias convencionais.

Luís Inácio Adams, advogado-geral da União, também defendeu o reconhecimento das

uniões homoafetivas. "O reconhecimento dessas relações é um fenômeno que extrapola a realidade brasileira e o primeiro movimento de combate à discriminação que sofrem esses casais vem do Estado, com o reconhecimento de benefícios previdenciários".67

Diante do reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar,

outros Tribunais passaram a adotar esse posicionamento, conforme julgado do Tribunal Regional Federal da 2ª região.

ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL - PENSÃO POR MORTE - COMPANHEIRA - UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA CABIMENTO. 1. A norma prevista no artigo 226, § 3º, da Constituição da República, regulamentada pela Lei nº 9.278/96, que assegura o reconhecimento da união estável entre homem e mulher, como entidade familiar, deve ser interpretada extensivamente às hipóteses de relação homoafetiva, em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade e da não discriminação. 2. Para a caracterização do vínculo de companheirismo homoafetivo, há que se demonstrar os mesmos requisitos exigidos para a configuração de união estável entre homem e mulher, quais sejam: convivência duradoura, pública, FARIAS, Cristiano Chaves de, Os alimentos nas uniões homoafetivas..., 2005. DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 203. 67 Supremo reconhece união estável homoafetiva. 65 66

31 contínua e reconhecida como tal pela comunidade na qual convivem os companheiros, além da presunção de dependência econômica. 3. Cabível a concessão de pensão por morte à companheira de ex-servidora pública federal, se as provas dos autos apontam, indubitavelmente, para a existência de união estável entre ambas, decorrente de relação afetiva, como entidade familiar, até o óbito da falecida servidora. 4. Apelação cível desprovida. Sentença confirmada. (TRF2 – Apelação Cível - AC 200951010227697 RJ 2009.51.01.022769-7 - Relator (a): Desembargador Federal FREDERICO GUEIROS - Julgamento: 23/01/2012 - Órgão Julgador: SEXTA TURMA ESPECIALIZADA - Publicação: EDJF2R - Data: 30/01/2012 - Página: 151).

Paulo Lôbo afirma que, “as uniões homoafetivas são entidades familiares

constitucionalmente protegidas, pois preenchem os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade e possuem escopo de constituição de família.”

68

A Constituição não veda o

relacionamento entre homoafetivos. Houve a flexibilização do conceito de família, passando o afeto a ser seu elemento principal. Uma vez que a Constituição elencou um rol de núcleos

familiares exemplificativos, como um casal de mesmo sexo, unido pelo afeto, constitui uma entidade familiar. 2.3.

O DIREITO E A UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA A Constituição Federal de 1988 ao reconhecer a família como base da sociedade,

dando-lhe especial atenção do Estado, concedeu juridicidade não só ao casamento, mas também aos relacionamentos sacralizados pelo matrimônio, assim como ao convívio

intergeracional, entre um dos pais e seus filhos. Rompeu-se a posição privilegiada do casamento como base de formação e proteção da família e inseriu-se o conceito de entidade familiar, da união estável e do vínculo monoparental.

A Magna Carta assegurou ainda o direito à igualdade, proibindo qualquer espécie de

discriminação, inclusive em razão de sexo. “Apesar de não agasalhar expressamente a união

homossexual, o faz de forma implícita.”69 Como a proteção a tais uniões não é excluída, podese utilizar o pensamento de Kelsen: tudo que não está explicitamente proibido está implicitamente permitido. A própria Constituição indica nesse sentido em seu artigo 5º, II:

Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. A não

referência à união homoafetiva não implica negação por parte da Constituição. O fato de ter LÔBO, Paulo Luiz Netto, Famílias, 2008, p.68. CF, art.3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 68 69

32 se omitido qualquer alusão à união entre pessoas do mesmo sexo não quer dizer que não a

reconheça. “Apesar da omissão legal e do preconceito moral e religioso, não há como negar à união entre pessoas do mesmo sexo o direito de ser reconhecida como família.”70

Para assegurar os direitos previstos da Constituição Federal a população LGBT buscou

o Poder Judiciário. Segundo Maria Berenice Dias:

“O legislador se acovarda na hora de assegurar direitos à maioria alvo de tanta discriminação. Esconde-se em motivos de natureza religiosa, mas certamente omite por temor de ser rotulado de homossexual, ou, quem sabe, por medo de comprometer sua reeleição.”71

No entanto, a falta de lei não significa a ausência de direitos, devendo a Justiça

preencher as lacunas da legislação. A omissão da legislação obviamente dificulta o reconhecimento do direito, principalmente em situações que afastam determinados

estereótipos convencionais, o que só faz aumentar a responsabilidade do Poder Judiciário. Por outro lado, não cabe evocar o silêncio da lei de modo a negar o direito àqueles que

encontram-se fora dos padrões impostos por uma moral conservadora, sendo que não prejudicam a ordem social.

Se duas pessoas possuem uma vida em comum, cumprem deveres de assistência

mútua, com afeto, o simples fato de serem do meso sexo não impede que tenham direitos e

obrigações reconhecidas e impostas. Conforme os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, faz-se o uso da analogia, aplicando os mesmos efeitos patrimoniais da união

estável, repartindo-se os bens adquiridos pelos companheiros durante sua vida em comum,

uma vez atendidos os requisitos da notoriedade, publicidade, em uma vida de comunhão e afeto.

“Uma vez que não conseguiam negar a existência dos relacionamentos, estes eram

relegados ao Direito das Obrigações. Como relações de caráter comercial, as controvérsias

eram julgadas pelas varas cíveis”72, consideradas sociedades de fatos, competindo a Justiça conferir a elas efeitos de ordem patrimonial. O que ocorria era uma verdadeira divisão de lucros, dividindo o patrimônio adquirido, comprovadamente, durante a união por esforço mútuo.

DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 144-145. DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 197. 72 Idem, p. 198. 70 71

33 A Justiça Gaúcha foi revolucionária ao definir como competência dos Juizados

Especializados da Família julgar as uniões homoafetivas e reconhecê-las como entidade

familiar no âmbito do Direito das Famílias. Outros Tribunais seguiram seu exemplo e as decisões cresceram em todo o país.

RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS. COMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA PARA JULGAMENTO DE SEPARAÇÃO EM SOCIEDADE DE FATO. A Competência para o julgamento de separação de sociedade de fato de casais formados por pessoas do mesmo sexo é das Varas de Família, conforme precedente desta Comarca, por não ser possível qualquer discriminação por se tratar de união entre homossexuais, pois certo que a Constituição Federal, consagrando o Princípio Democrático de Direito, proíbe discriminação de qualquer espécie, principalmente quanto à opção sexual, sendo incabível, assim, quanto à sociedade de fato homossexual. Conflito de Competência acolhido. (TJRS, Conflito de Competência n.70000992156. Rel. Min. José Ataídes Siqueira Trindade, Rio Grande do Sul, 29 jun. 2000).

“Com relação às uniões homoafetivas e o reconhecimento de direitos ao companheiro,

o Direito Previdenciário mais uma vez mostrou-se inovador.”73 A legislação não exige expressamente que os companheiros beneficiários da previdência social sejam de sexo diferente. Como o benefício previdenciário é um direito adquirido através do trabalho remunerado e do pagamento de contribuições previdenciárias, assegurado ao beneficiário e a

seus dependentes conforme disposto no artigo 201 da Constituição Federal e no artigo 215 da Lei no. 8112/90, não deve haver nenhum tipo de discriminação, respeitando assim os princípios constitucionais da liberdade, da isonomia e da dignidade da pessoa humana. Desse modo decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DE PENSÃO POR MORTE. INDEFERIMENTO NA VIA ADMINISTRATIVA, POR AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL. APELANTE ALEGA QUE VIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA COM EX-SERVIDORA PÚBLICA FALECIDA EM 23/01/2007. LEI ESTADUAL Nº 5.034/2007 QUE EQUIPARA OS PARCEIROS HOMOAFETIVOS À CONDIÇÃO DE COMPANHEIROS. PREVISÃO NA LEI DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO. VIGÊNCIA POSTERIOR AO ÓBITO DA EX-SERVIDORA. ARGUMENTO QUE NÃO ENCONTRA RESPALDO NA ORDEM CONSTITUCIONAL. O CONCEITO DE FAMÍLIA PREVISTO NA CRFB DEVE SER INTERPRETADO DE FORMA ABRANGENTE. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA, A TEOR DO ART. 29, § 4º, DA LEI 285/79. REVELIA RECONHECIDA. EFEITOS QUE NÃO SE OPERAM, 73

CARVALHO, Solange Araújo Paiva de, União estável homoafetiva, 2011, p. 26.

34 POR CONTA DO DISPOSTO NO ART. 320, II, DO CPC. EMBORA NÃO HAJA A PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS NA INICIAL, A PARTE COMPROVA A CONDIÇÃO DE COMPANHEIRA, CONFORME DOCUMENTOS ANEXADOS AOS AUTOS. RECURSO QUE SE DÁ PROVIMENTO, NA FORMA DO ART. 557, § 1º-A, DO CPC. (TJRJ – Apelação - APL 170363820098190001 RJ 0017036-38.2009.8.19.0001 – Relator (a): DES. GABRIEL ZEFIRO Julgamento: 27/06/2012 - Órgão Julgador: DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL - Parte(s): Apdo: FUNDO UNICO DE PREVIDENCIA SOCIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RIOPREVIDENCIA; Apte : AMENAYDE NUNES RIBEIRO DE ALMEIDA).

Somente no final do século passado a questão dos vínculos afetivos chegou às Cortes

Superiores. Em 1998 ocorreu a primeira decisão do STJ considerando a existência de uma

sociedade de fato, garantindo ao parceiro homossexual a metade do patrimônio adquirido em

esforço mútuo. “Essa foi a tendência amplamente majoritária, qual seja condicionar a partilha de bens à prova da mútua colaboração.”74

Nas questões que versavam sobre direito previdenciário, tanto no âmbito da justiça

federal, quanto da justiça estadual, houve aumento das decisões que amparavam as uniões

homoafetivas, até que em 2005 o Supremo Tribunal de Justiça concedeu pensão por morte ao

companheiro sobrevivente. Foi reconhecida a legitimidade do Ministério Público para atuar no processo por ser uma reivindicação em favor de tratamento igual quanto a direitos fundamentais.

A princípio, falava-se em sociedade de fato e exigia-se a comprovação do esforço

comum, porém, o Ministro Humberto Gomes de Barros, concedeu a inclusão do parceiro em plano de assistência médica, afirmando ainda que o homossexual não é cidade de segunda

categoria. “A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana.”75

O mesmo Relator, em julgamento diverso, ao reafirmar a existência do direito à

inclusão no plano assistencial observou:

A questão a ser resolvida resume-se em saber se os integrantes de relação homossexual estável têm direito à inclusão em plano de saúde de um dos parceiros. É grande a celeuma em torno da regulamentação da relação homoafetiva (neologismo cunha com brilhantismo pela Desembargadora Maria Berenice Dias do TJRS). Nada em nosso ordenamento jurídico STJ, REsp 733.136-RJ, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j.10.10.2006; STJ, REsp 648.763-RS, 4ª T., j.07.12.2006, rel. Min, Cesar Asfor Rocha. 75 STJ, REsp 238.715-RN, 3ª T., j.19.05.2005, rel. Min. Humberto Gomes de Barros. 74

35 disciplina os direitos oriundos dessa relação tão corriqueira e notória nos dias de hoje. A realidade e até a ficção (novelas, filmes, etc.) nos mostram, todos os dias, a evidência desse fato social. Há projetos de lei, que não andam, emperrados em arraigadas tradições culturais. A construção pretoriana, aos poucos, supre o vazio legal: após longas batalhas, os tribunais, aos poucos, proclamam os efeitos práticos da relação homoafetiva. Apesar de tímido, já se percebe alguma avanço no reconhecimento dos direitos adquiridos da relação homossexual, tímido em um primeiro momento. (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação - APL 170363820098190001 RJ 0017036-38.2009.8.19.0001 – Relator (a): DES. GABRIEL ZEFIRO - Julgamento: 27/06/2012 - Órgão Julgador: DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL - Parte(s): Apdo: FUNDO UNICO DE PREVIDENCIA SOCIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RIOPREVIDENCIA; Apte: AMENAYDE NUNES RIBEIRO DE ALMEIDA).

Em 2009 a Procuradoria Geral da República ingressou com Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental, sendo recebida pelo Supre Tribunal de Justiça como Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.277).

Em 05 de maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal julgou ações que pediam o

reconhecimento legal da união estável de homossexuais. Dez ministros votaram a favor da união homoafetiva: Carlos Ayres Britto, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski,

Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio de Mello, Celso de Mello e Cezar Peluso.

Ricardo Lewandowski disse em seu voto: “Não há como escapar da evidência de que

união homossexual é realidade empírica, e dela derivam direitos e deveres que não pode ficar à margem do Estado, ainda que não haja previsão legal para isso”. Por analogia, ele

estendeu o direito da união estável dos heteressexuais aos homossexuais enquanto o legislador não fizer leis a respeito.

Tal decisão mostra a evolução do direito brasileiro que deixa para trás os preconceitos,

os tabus da sociedade para garantir um país igualitário, justo e mais humano.

O Ministro Luiz Fux brilhantemente relatou: “A pretensão é que se confira

jurisdicidade à união homoafetiva, para que [os casais] possam sair do segredo e do sigilo, vencer o ódio e a intolerância em nome da lei. O que se pretende é a equiparação à união estável”.

No entendimento do ministro Ayres Brito, se a união gay não é proibida pela

legislação brasileira, automaticamente torna-se permitida. E, sendo permitida a união

36 homoafetiva, ela deveria ter os mesmos direitos garantidos para as uniões estáveis de

heterossexuais. Dois homossexuais, portanto, poderiam ser tratados como família. "A nossa magna carta não emprestou ao substantivo família nenhum significado ortodoxo", acrescentou. "Não existe família de segunda classe ou família mais ou menos."

Diante do reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal de Justiça,

diversas foram as decisões dos Tribunais de Justiça no mesmo sentido.

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. Ação de reconhecimento e dissolução de união homoafetiva C.C. pedido de alimentos Equiparação analógica ao regime da união estável para fins de fixação de competência. Pronunciamento histórico do E. Supremo Tribunal Federal a propósito da questão. Ante o recente pronunciamento unânime do E. Supremo Tribunal Federal a propósito da possibilidade de equiparação de tratamento da união homoafetiva à união estável, não se concebe subtrair das Varas da Família e das Sucessões os litígios a tanto concernentes, porquanto fundados em relações afetivas, não passíveis de redução a mero enfoque obrigacional. Competência do Juízo Suscitado. (TJSP - Conflito de competência: CC 870906620118260000 SP 0087090-66.2011.8.26.0000 – relator Presidente Da Seção De Direito Público - Julgamento: 23/05/2011 - Órgão Julgador: Câmara Especial - Publicação: 27/05/2011). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE. POSICIONAMENTO CONSAGRADO NO JULGAMENTO DA ADIN Nº 4277 E DA ADPF Nº 132. DIREITOS SUCESSÓRIOS. PREQUESTIONAMENTO. 1. Tendo em vista o julgamento da ADIn nº 4277 e da ADPF nº 132, resta superada a compreensão de que se revela juridicamente impossível o reconhecimento de união estável, em se tratando de duas pessoas do mesmo sexo. 2. Na espécie, o conjunto probatório é robusto no sentido da caracterização do relacionamento estável, nos moldes do art. 1.723 do CC, razão por que deve ser emprestado à relação havida entre a recorrente e a companheira falecida tratamento equivalente ao que a lei confere à união estável havida entre homem e mulher, inclusive no que se refere aos direitos sucessórios sobre as duas casas construídas com esforço comum, o que foi reconhecido judicialmente, na forma do art. 1.790, III, do CC (pois concorre a insurgente com a genitora da falecida). 3. O magistrado não está obrigado a se manifestar sobre todos os dispositivos legais invocados pelas partes, necessitando, apenas, indicar o suporte jurídico no qual embasa seu juízo de valor, entendendo ter dado à matéria à correta interpretação jurídica. APELO PROVIDO. (TJRS APELAÇÃO CÍVEL - OITAVA CÂMARA CÍVEL Nº 70045194677 COMARCA DE PORTO ALEGRE - L.S.C. APELANTE; S.R.O. APELADO).

A decisão do STF sofreu várias críticas, no entanto, é fato que a decisão colocou fim,

não só a omissão legislativa, mas impediu que os direitos fundamentais constitucionais fossem violados.

37

2.3.1. Partilha de bens Com o fim da união estável entre homoafetivos, pela separação, assim como na união

estável heterossexual, ocorre muitas vezes o pedido de partilha do patrimônio adquirido durante a convivência.

Em decorrência do preconceito, a tendência dos juízos era de efetuar a divisão

proporcional dos bens adquiridos durante a vida em comum. Não era dada qualquer relevância a natureza do relacionamento, aplicando-se as regras da sociedade de fato. No

entanto, na ausência de legislação que regule as uniões homoafetivas, necessário faz socorrerse das normas que tratam das uniões heteroafetivas como casamento e união estável.

Com o intuito de evitar o enriquecimento ilícito é que se buscou identificar a

possibilidade financeira de cada parceiro para a aquisição de bens, para estabelecer a

proporcional repartição. Por mais que esta medida visasse coibir o proveito exclusivo do titular da posse, acabava, na grande maioria das vezes, em resultados que se distanciavam de

uma solução justa. Muitas das vezes, estes relacionamentos usavam de certa discrição, o que acaba por dificultar a prova testemunhal. Ademais, empregava-se valor apenas financeiro, não atribuindo conteúdo valorativo ao cuidado e respeito mútuos. Tal medida desigualava a partilha, caracterizando resultado injusto.

Por cerca de uma década a Justiça teve dificuldade em construir uma jurisprudência

unânime, pois mesmo se falando em sociedade de fato, fazia-se analogia à união estável. Mas a jurisprudência avançou, e o Supremo Tribunal Federal igualou a união homossexual à heterossexual, atribuindo-lhes os mesmos direitos e obrigações. Portanto, não mais se fala em

dissolução da sociedade de fato, mas em dissolução da união homoafetiva, na qual a partilha de bens é baseada nas regras da união estável.

2.3.2. Quanto aos alimentos, sucessão e previdência As uniões homoafetivas, embora não positivadas no ordenamento jurídico, são

equiparadas à união estável, de forma a tornar exigível obrigação alimentar. “Ainda que a

legislação infraconstitucional não contenha expresso dispositivo sobre a prestação de

38 alimentos entre casais homossexuais, inexiste razão para discriminá-los e impedir a própria sobrevivência.”76

“A doutrina é amplamente favorável ao reconhecimento da obrigação

alimentar nos relacionamentos homoafetivos, que tem por base o afeto e a

solidariedade, tal qual os relacionamentos heterossexuais, não se podendo

deixar de reconhecer o direito a alimentos em prol de quem realmente necessite.”77

A obrigação de alimentos tem abrigo na Lei de Alimentos nº 5.478/1968, bastando

haver prova da união para configurá-la. É possível a concessão de alimentos provisórios, bem como que os companheiros pleiteiem seus direitos contra os parceiros se valendo das ações revisionais e do processo executório.

Houve sempre uma severa resistência do Judiciário em reconhecer a existência da

obrigação alimentar. Foi no Mato Grosso que o Tribunal de Justiça de uma única decisão assegurando o direito a alimentos.

78

No Rio Grande do Sul, o Tribunal admitiu a existência

do direito, mas indeferiu sua concessão por falta de prova da necessidade.79

Com a decisão do STF, que garantiu aos casais homossexuais os mesmos direitos dos

casais heterossexuais que vivem em união estável, certamente não há como não reconhecer a obrigação alimentar, assegurada de modo expresso pela lei civil.

Em decorrência da omissão legal, quando um dos parceiros falecia, havia uma grande

resistência por parte do Judiciário que concedia apenas a partilha dos bens adquiridos durante

o convívio. A dificuldade era tamanha, que quando não havia herdeiros necessários, o

companheiro não pleiteava qualquer direito sucessório. Invocava-se a Súmula 380, que requer a comprovação da efetiva participação do companheiro sobrevivente para conceder-lhe parte

do patrimônio arrecadado durante o período de convivência, de maneira proporcional a condição financeira. “Tal subterfúgio, além de impor prova quase impossível de ser produzida, acabava por gerar resultados para lá de injustos.”80

TONI, Cláudia Thomé, Manual de direitos dos homossexuais: legislação e jurisprudência, 2008, p. 71. FARIAS, Cristiano Chaves de, Obrigação alimentar, 2011, p. 329-330. 78 TJMT, AI23557/2008, 4ª Câm. Cív.,j.23.06.2008, rel. Des. Márcio Vidal. 79 TJRS, AC 70021908587, 7ª Câm. Cív., j.05/12/2007, rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel. 80 DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 152. 76 77

39 Apesar da omissão da lei, a jurisprudência passou a garantir ao companheiro

sobrevivente os mesmo direitos do companheiro da união estável, figurando como terceiro

lugar na ordem de vocação hereditária. Inexistindo contrato que estipule regime de bens, aplica-se o regime da comunhão parcial. Desse modo, além da meação sobre os bens

adquiridos durante o período de convivência, te o direito a sucessão com os descendentes ou as ascendentes do falecido.

Mesmo considerando as uniões homoafetivas como sociedade de fato, alguns tribunais

reconheciam direitos de natureza previdenciária. A solução era pouco técnica, uma vez que sócios não fazem jus a direitos pessoais, mas ao menos de aproximava de um resultado justo.

O Ministério Público Federal pleiteou uma ação pública contra o INSS buscando

garantir os benefícios previdenciários aos casais homoafetivos, com o fundamento de que estavam violando o princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade, que proíbe a

discriminação sexual.81 Foi concedida tutela antecipada, com abrangência nacional, para que fosse feita a inscrição do companheiro do assegurado como dependente principal. Tal liminar foi confirmada em todas as instâncias recursais, e o Instituto Nacional de Seguro Social editou

a Instrução Normativa 25/2000 e o Ministério da Previdência baixou Portaria 513/2010, para a concessão do benefício previdenciário em sede administrativa, incluindo o companheiro homoafetivo na primeira classe de dependentes.

Todas as esferas do Poder Judiciário, federais, ou do Trabalho e até a Militar, bem

como o STJ, já reconheciam direito de pensão por morte, direito previdenciário com a

inscrição do parceiro na condição de dependente, e a inclusão do mesmo no plano de assistência médica.

81

TRF – 4ª. Região, AC 2000.71.00.009347-0, 6ª. T., j. 10.08.2005, rel. Des. João Batista Pinto Silveira.

40

3.

ADOÇÃO

3.1.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA ADOÇÃO No princípio a adoção tinha por objetivo suprir a necessidade de casais que não

podiam ter filhos. Atualmente, no entanto, tem-se a adoção como uma proteção a criança que por algum motivo está desamparada pelos pais biológicos.

Na adoção clássica o objetivo era ter descendentes, como meio de manter na história,

porém a adoção moderna busca garantir que todas as crianças sejam criadas por uma família.

Há rumores de que nos Códigos de Hamurábi e de Manu utilizava-se a adoção entre os

povos orientais. Na Grécia desempenhou relevante função social e política. Mas foi no direito romano que encontrou disciplina e ordenamento sistemático e se expandiu.

O direito canônico ignorou a adoção, uma vez que a família cristã é baseada no

sagrado matrimônio, assim na Idade Média caiu em desuso. Foi retirada do esquecimento pelo Código de Napoleão de 1804, tendo-se irradiado para quase todas as legislações modernas.82

No Brasil a adoção foi sendo inserida no âmbito jurídico pois os brancos europeus

abandonavam seus filhos, os índios brasileiros não abandonavam seus filhos. Os europeus

traziam os costumes usados na Europa naquela época para as crianças enjeitadas pelos pais: “a “Roda dos Expostos”, que era uma maneira de abandonar os filhos em Orfanatos e Mosteiros de forma anônima.”83

Embora o direito pré-codificado no Brasil não tivesse sistematizado o instituto da

adoção, as Ordenações Filipinas faziam-lhe numerosas referências, permitindo assim a sua

utilização. “A falta de regulamentação obrigava, porém os juízes a suprir a lacuna com o direito romano, interpretado e modificado pelo uso moderno.”84

No Código Civil de 1916 apenas maiores de 50 anos, sem filhos legítimos ou

legitimados podiam adotar, e o vínculo de parentesco se limitava ao adotante e ao adotado. PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., 1990, p. 387-388. COSTA, Tereza Maria Machado Lagrota, op. cit.,2003. 84 BEVILÁQUA Clóvis, Direito de família, 2001, p. 344. 82 83

41 Em 1927 houve um aumento das adoções com a criação do primeiro Código de Menores do Brasil, que dava ênfase à institucionalização como forma de proteção à criança. Os orfanatos então passaram a ser procurados como forma de conseguir crianças para serem serviçais.

“Com a evolução do instituto da adoção, passou ela a desempenhar papel de inegável importância, transformando-se em instituto filantrópico, de caráter acentuadamente humanitário, destinado não apenas a dar filhos a casais impossibilitados pela natureza de tê-los, mas também a possibilitar que um maior número de menores desamparados, sendo adotado, pudesse ter em um novo lar.”85

A lei 3.133/57 trouxe algumas modificações significativas como a idade mínima para

o adotante que passou a ser 30 anos, sendo a diferença de idade entre adotante e adotado de 16 anos. Os casais só poderiam adotar após 05 anos de casamento, com ou sem filhos legítimos.

O adotado só possuía vínculo com os adotantes e se estes tivessem filhos biológicos o

adotado não teria direito sucessório. Se não houvesse outros filhos, o adotado herdaria tudo, e se o casal tivesse filho após a adoção, o adotado teria direito à metade do que o filho legítimo teria direito.

O Código de 1916 não integrava o adotado totalmente na nova família, permanecendo

este ligado aos parentes consanguíneos. Esta situação acabava obrigando os pais adotivos a

partilharem o filho adotivo com a família biológica, levando à prática ilegal de casais que registravam o filho alheio como próprio, surgindo a adoção simulada, ou à brasileira.

Criou-se com a lei 4.655/65 a legitimação adotiva, que dependia de decisão judicial,

era irrevogável e fazia cessar o vínculo de parentesco com a família biológica. Estabelecia um

vínculo de parentesco de primeiro grau, em linha reta, entre adotante e adotado. A partir dessa

lei também se deu ao filho adotado todos os direitos sucessórios do filho legítimo, mesmo se estes concorressem na sucessão.

Com o Código de Menores passou a existir a Adoção simples para o menor em

situação irregular, e a legitimação adotiva foi substituída pela Adoção plena, que deu situação de filho ao adotado. “O vínculo de parentesco foi estendido à família dos adotantes, de modo

85

GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro. 2010, p. 365.

42 que o nome dos avôs passou a constar no registro de nascimento do adotado, independentemente de consentimento expresso dos ascendentes.”86

A partir do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 que eliminou a distinção entre

adoção e filiação ao igualar os direitos dos filhos legítimos, ilegítimos e adotados, criou-se o

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.069/90) que passou a estabelecer como lei a igualdade de tratamento entre filhos biológicos e adotivos. “Extinguem-se a Adoção simples e plena, passando a existir apenas uma que dá todos os direitos ao adotado, como se filho fosse.”87

O Estatuto da Criança e do Adolescente é que rege todas as adoções de crianças e

adolescentes menores de 18 anos ou maior se quando do pedido já estiver sob guarda dos

requerentes, conforme determina o art. 40 dos mesmo. Já as adoções dos maiores de 18 anos serão regidas pelo Código Civil. A lei de adoção delega ao Estatuto da Criança e do Adolescente a adoção de crianças e adolescentes e manda aplicar à adoção de maiores seus

princípios. Tem-se nos dias de hoje a adoção moderna, cujo objetivo é conseguir uma família para uma criança e não uma criança para um casal sem filhos. 3.2.

CONCEITO DE ADOÇÃO O Código Civil em seu artigo 375 diz que adoção é aceitação legal como filho. Caio

Mário da Silva Pereira diz que “adoção é o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra

como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco, consanguíneo ou afim.” 88

“Adoção é ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.”89

Para Carlos Roberto Gonçalves, “é o ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em

sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha.”90 Pontes de Miranda diz que, DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011a, p. 482. Tereza Maria Machado Lagrota Costa, Monografia, Adoção por pares homoafetivos. 88 PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., 1990, p. 392. 89 DINIZ, Maria Helena, op. cit., 2002, p. 522-523. 90 GONÇALVES, Carlos Roberto, , op. cit.,2010, p. 362. 86 87

43 “adoção é o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de paternidade e filiação.”91

A adoção é principalmente um ato de amor. É um parentesco voluntário, decorre de

um ato de vontade. “O estado de filiação decorre de um fato (nascimento) ou de um ato

jurídico: a adoção”92, ato este, que está sujeito à chancela judicial. A adoção cria uma parternidade-maternidade-filiação fictícia entre pessoas estranhas. No entanto, a verdadeira

paternidade funda-se no desejo de amar e ser amado e não no fato das pessoas serem ligadas

pelo sangue. “A adoção consagra a paternidade socioafetiva, baseando-se não em fator biológico, mas em fator sociológico.”93

“Foi abandonada a concepção tradicional, em que prevalecia sua natureza contratual e

significava a busca de uma criança para uma família.”94 Hoje se busca uma família para uma criança e não mais uma criança para um casal.

Como a adoção é irrevogável conforme disposto no artigo 39 § 1º do Estatuto da

Criança e do Adolescente, rompe todos os laços com a família biológica. Questiona-se se com

a morte dos pais adotivos pode haver a adoção do filho, que foi adotado, pelos pais biológicos. Apesar de certa resistência na doutrina, não há impedimento legal, uma vez que com a morte dos pais adotivos o filho ficou órfão, houve rompimento do vinculo de filiação com a adoção, pode-se então haver adoção por parte dos pais biológicos.

É vedada a adoção por ascendentes ou entre irmãos, para estes a preferência é para

guarda ou tutela. O mesmo se aplica no tocante à união estável, sendo vedada a adoção entre ascendentes e descendentes dos conviventes. Não há impedimentos quanto à adoção entre

parentes colaterais. “Nada impede que alguém adote um sobrinho ou um primo, quer consanguíneo, quer ele tenha sido adotado.”95

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito de família, 1947. BIRCHAL, Alice de Souza, A relação processual dos avós no direito de família:..., 2004, p. 41. 93 VELOSO, Zeno, op. cit., 1997, p. 160. 94 PEREIRA, Tânia da Silva, Da adoção, 2006, p. 152. 95 Adoção. Pedido formulado por tios. Inexistência de vedação legal. (TJMG, AC 1022303116915-2/001, 5ªCâm. Cív., rel. Des. Mauro Soares de Freitas, j. 13.12.2007) 91 92

44 3.3.

ESPÉCIES DE ADOÇÃO NA ATUALIDADE O Estatuto da Criança e do Adolescente ao longo de seu conteúdo dispõe de várias

formas de adoção. Como por exemplo, em seu art. 41, §1º que dispõe sobre a adoção do filho

do companheiro ou cônjuge pelo outro. “Estamos tratando da adoção unilateral, que

estabelece biparentalidade fática do filho com o parceiro do genitor biológico.”96 É uma adoção de caráter híbrido, uma vez que permite a substituição de um dos genitores e sua

ascendência. No entanto, permanecem os impedimentos matrimoniais com relação à família sanguínea.

Não é necessário que haja consentimento expresso do genitor, tendo em vista que

muitas vezes este abandona o filho que passa a ter uma relação de paternidade com o companheiro ou marido da mãe. É possível também que o enteado acrescente o sobrenome do padrasto ou madrasta.

Segundo Maria Berenice dias, há três possibilidades para a ocorrência da adoção

unilateral:

“a) quando o filho foi reconhecido por apenas um dos pais, a ele compete autorizar a adoção pelo seu parceiro; b) reconhecido por ambos os genitores, concordando um deles com a adoção, decai ele do poder familiar; c) em face do falecimento do pai biológico, pode o órfão ser adotado pelo cônjuge ou parceiro do genitor sobrevivente.” 97

Há divergência doutrinária quanto à última hipótese, pois segundo a legislação na falta

de um dos pais, o poder familiar é exercido pelo outro exclusivamente. Há quem defenda que

o genitor sobrevivente não tem legitimidade para autorizar a adoção do filho. Deste modo, impede a adoção unilateral, impedindo-se a pessoa de ter uma nova identidade familiar. Mas,

sob o ponto de vista do melhor interesse da criança e adolescente, não há impedimento para tal, assegurando-se claro os laços com a família biológica e o direito de visita dos avós.

A adoção de maiores era facilitada, uma vez que podia ser efetuada por escritura

pública, dispensando a via judicial. A adoção simples, como é chamada, era regulada pelo

Código Civil de 1916 e não incluía a sucessão hereditária se o adotante tivesse filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos. Ainda segundo o Código de 16, se o adotado concorresse com filhos legítimos supervenientes à adoção, tinha direito apenas a metade da 96 97

GRISARD FILHO, Waldyr. Será verdadeiramente plena a adoção unilateral? 2001, p. 39. DIAS, Maria Berenice, op. cit,,2011a, p. 491.

45 herança. Com o princípio da igualdade da filiação previsto na Constituição de 88, todos os filhos, independentes se legítimos ou adotados passaram a ter os mesmo direitos.

Há divergências doutrinárias quanto a conveniência da adoção de maiores de idade.

Alguns alegam que a adoção tem por finalidade o exercício do poder familiar, não havendo justificativa para a adoção dessa medida aos maiores de 18 anos.

“Antônio Chaves alega que, além de ferir a finalidade do instituto (pois inexiste razão para proteger os maiores por meio da medida de colocação familiar), a adoção normalmente é revestida, nesses casos, de interesse escuso ou duvidoso, de ordem patrimonial ou econômica.”98

Já Sergio Gischkow Pereira considera que: “(...) a adoção como instituto por demais sublime e grandioso para que se amesquinhe com exegeses restritivas, alicerçadas no fechamento egoístico da família consanguínea, em estranhas concepções sobre meias-filiações e no aceitar de uma desigualdade que só provocará problemas psicológicos ao adotado, tudo em nome de interesses menores, porque puramente patrimoniais, ou seja, vinculados à herança.”99

Vale salientar que é desnecessário o estágio de convivência. Por se tratar de direito

personalíssimo é preciso que haja manifestação expressa de vontade das partes.

Aplica-se o impedimento a adoção por ascendentes ou entre irmãos, inclusive no

vinculo de parentesco referente à união estável. Porém, não há impedimento quanto à adoção entre parentes colaterais, tios e sobrinhos.

Ainda, é necessária a anuência do cônjuge ou companheiro do adotante, caso este

também não seja adotante. Os pais biológicos não precisam consentir com a adoção, mas ao

mesmo devem ser citados, já que a sentença terá grande influência nas suas vidas. De outro modo, como se trata de ação relativa ao estado de uma pessoa, para a sentença produzir coisa

julgada com relação a terceiros é indispensável a citação de todos os interessados como litisconsortes necessários (CPC 472).100

A adoção póstuma é aquela que decorrente do falecimento do adotante no curso da

adoção. É necessário que o procedimento judicial de adoção já tenha iniciado, no entanto tem

CHAVES, Antônio, Adoção, adoção simples e adoção plena, 1983, p. 607. PEREIRA, Sérgio Gischkow. Estudos de direito de família, 2004, p. 123. 100 Trata-se de litisconsórico necessário unitário, uma vez que a sentença decidirá a lide de modo uniforme para todas as partes. Assim, se não requerida a citação, deverá o juiz determiná-la de ofício, sob pena de nulidade (CPC 47). DIAS, Maria Berenice, O terceiro no processo, 1993, p. 46. 98 99

46 sido afastado pela jurisprudência, a partir de uma decisão de STJ. Segundo este basta que seja

comprovada a inequívoca intenção de adotar, o que pode ser declarado ainda que ao tempo da morte não tenha tido início o procedimento para a formalização da adoção.101

“A posse do estado de filho é mais do que uma simples manifestação escrita pelo de cujus, porque o seu reconhecimento não está ligado a um único ato, mas a uma ampla gama de acontecimentos que se prolongam no tempo e que perfeitamente servem de sustentáculo para o deferimento da adoção.”102

“A justiça apenas convalida o desejo do falecido.”103 Também é possível a adoção por

meio de testamento, uma vez que evidencia claramente a intenção de adotar.

No Brasil é frequente o companheiro da mulher registrar o filho dela como se seu

fosse. Isto constitui crime, no entanto não há condenações pela motivação afetiva que envolve essa conduta.

No entanto, havendo rompimento do vínculo afetivo do casal, e frente a obrigação de

arcar com alimento a favor do filho, o pai busca a anulação ou negação de paternidade. A jurisprudência, reconhecendo a voluntariedade do ato, praticado de modo espontâneo, por

meio da “adoção à brasileira”, passou a não admitir a anulação do registro de nascimento, considerando-o irreversível.104

Tem-se também a adoção intuitu personae quando há o desejo da mãe de entregar o

filho a determinada pessoal, ou quando alguém pretende adotar certa criança. Por exemplo, alguém que encontrou um recém-nascido no lixo e deseje adotá-lo. Nada impediria a mãe de

escolher a quem entregar seu filho. Se há a possibilidade de escolher quem ficará com o filho após sua morte, por que não quem cuidará de seu filho já que está não possui condições.

No entanto, mesmo que a mãe entregue seu filho a quem deseja que o crie o Ministério

Público ingressa com pedido de busca e apreensão e a criança acaba em uma instituição,

permanecendo lá até o fim do processo de destituição do poder familiar, o que pode levar anos. “Só depois a criança é entregue ao primeiro inscrito na lista que esteja disposta a adotá-

STJ, REsp 457635/PB, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 19.11.2002. SANTOS, Caio Augusto dos; BAHIA, Cláudio José. Da possibilidade da adoção após o falecimento..., 2005, p. 488. 103 DIAS, Maria Berenice, op. cit,, 2011a, p. 496. 104 Anulatória de registro civil. Desconstituição de paternidade. (TJRS, AC 454064-3, 11ª. Câm. Cív., rel. Des. Luiz Antônio Barry, j.03.10.2008). 101 102

47 la.”105 Como a maioria das pessoas que querem adotar preferem crianças de pouca idade, esta

criança foi retirada de quem a quis e agora ninguém a quer. O STJ tem se atentado para isto e visado o melhor interesse da criança.

A Lei da Adoção tem permitido que casais cadastrados para adoção recebam crianças

sob guarda. E pessoas que possuem a guarda legal de crianças acima de três anos ou adolescentes podem adotá-los mesmo que não estejam cadastrados à adoção, se comprovada a afinidade e afetividade, e que não haja má-fé.

O ECA deixa claro a preferência pela adoção de crianças por brasileiros, sendo a

adoção por estrangeiros condicionada à falta de brasileiros habilitados interessados. Podem adotar estrangeiros residentes no Brasil ou fora dele.

Há divergência quanto a adoção por estrangeiros, pois alguns alegam que pode

conduzir ao tráfico de menores, outros alegam que fere o direito à identidade da criança e muitos outros motivos. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “não há razão para não se acolher a pretensão de estrangeiros interessados na Adoção e que podem proporcionar afeição, carinho e amparo às crianças e adolescentes necessitados.”106

Estrangeiros radicados no país poderão adotar em igualdade com os brasileiros, uma

vez que prevalece a lei do domicílio. Lembrando que sempre se dará preferência a brasileiros.

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 46, 3º prevê o estágio de

convivência de trinta dias entre o adotando e o estrangeiro adotante, independente da idade da criança ou adolescente. Se após estudo realizado pela Autoridade Central Estadual for

verificada a compatibilidade da legislação estrangeira com a nacional, além dos postulantes preencherem os requisitos objetivos e subjetivos necessários, será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, que terá validade de, no máximo, um ano.

O país de residência do adotante é chamado de país de acolhida.” O pedido de adoção

de brasileiro deve ser requerido à Autoridade Central do país de acolhida, que encaminha

relatório à Autoridade Central Estadual de onde reside a criança (ECA 52, I, II, III).”107 A habilitação do estrangeiro adotante, ou residente fora do Brasil, tem validade de um ano, podendo ser renovada. Quando se tratar se adoção de adolescente, este deve consultado, e DIAS, Maria Berenice, op. cit,, 2011a, p. 498. GONÇALVES, Carlos Roberto, , op. cit.,2010, p. 392. 107 DIAS, Maria Berenice, op. cit,, 2011a, p. 494. 105 106

48 deve ser elaborado um parecer por uma equipe profissional demonstrando que ele está apto a ser adota e levado para um país estrangeiro.

Os organismos nacionais e estrangeiros de adoção devem ser credenciados. Este

credenciamento tem validade de dois anos, e semestralmente devem apresentar relatórios pósadotivos, e a cada ano, relatórios sobre o acompanhamento das adoções internacionais (ECA 52 §4º, IV).

A Autoridade Central Federal brasileira pode, a qualquer momento, solicitar

informações sobre a situação de crianças e adolescentes adotados (ECA 52 §10).108 Quando for o Brasil o país de acolhida, deve emitir certificado de naturalização provisória (ECA 52-

C). A adoção de estrangeiro por brasileiro concede ao adotado a condição de brasileiro nato,

pois a Constituição não admite qualquer discriminação referente à filiação, nem mesmo pelo fato de decorrer da adoção.

Há ainda a adoção homoparental, uma questão polêmica e divergente. Porém, não há

obstáculo à adoção homossexual, havendo muitos gays e lésbicas que se candidatam individualmente à adoção. As únicas exigências para a concessão da adoção são que se

fundamente em motivos legais e que possua reais vantagens para o adotado. Nada impede que

duas pessoas adotem, independente da identidade sexual. No entanto ainda há, em alguns

Estados, a resistência em deferir a adoção ao casal que mantém união homoafetiva. Debateremos este assunto mais profundamente em outro capítulo. 3.4.

REQUISITOS E PRESSUPOSTOS PARA ADOTAR E SER ADOTADO A adoção de crianças e adolescentes atualmente é regulada pela Lei 12.010/2009. Com

apenas sete artigos a lei realizou inúmeras alterações no Estatuto da Criança de do

Adolescente, revogando expressamente dez artigos do Código Civil referentes à adoção, dando nova forma a dois outros artigos.

A Lei Nacional da Adoção (lei 12.010/2009) determina prazos para dar maior

agilidade aos processos de adoção, criando um cadastro nacional para facilitar o encontro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados por pessoas habilitadas e limita em dois anos, prorrogáveis caso necessário, a permanência de crianças e adolescentes em abrigos. 108

DIAS, Maria Berenice, op. cit,, 2011a, p. 495.

49 O art. 19 do ECA fixa o prazo de seus meses para a reavaliação de toda criança ou

adolescente que estiver participando do programa de acolhimento familiar ou institucional. O cadastro nacional foi definido em resolução do Conselho Nacional de Justiça.

Caso queira, o adotado tem o direito de conhecer sua família biológica, sua origem, e

ter acesso irrestrito ao processo que resultou em sua adoção. O mesmo direito é permitido aos descendentes que desejem saber sua história familiar.

A Lei ainda estabelece o conceito de família extensa ou ampliada, que consiste nos

parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afetividade, além dos pais e filhos. Desse modo, a adoção só é permitida depois de eliminadas todas as possibilidades de convívio familiar, inclusive com parentes próximos.

No art. 1º, §2º a lei dispõe que somente em caso de absoluta impossibilidade de serem

mantidas junto à família natural é que a criança ou adolescente será colocado em família substituta, sob a forma de adoção, tutela ou guarda.

Segundo a Lei 12.010/2009, o instituto da adoção consiste tanto na de criança e

adolescente como na de maiores, exigindo processo judicial em ambos os casos. Desse modo, descabe qualquer adjetivação, devendo ser chamadas apenas de “adoção”.

Segundo a nova redação dada pelo art. 1.618 do Código Civil a “adoção de crianças e

adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente”.

O art. 1.619 do Código Civil dispõe que a adoção “de maiores de 18 (dezoito) anos

dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se no

que couber, as regras gerais da Lei n.8069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Como se vê o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei. 8.069/90 é a lei que regula a

questão da adoção no Brasil, e apesar de ser uma lei brilhante encontra dificuldades em ser executada plenamente por falta de vontade política.

50 3.4.1 Do adotante O estado civil, o sexo e a nacionalidade não influem na capacidade ativa da adoção.

Está implícito, no entanto, que o adotante deve estar em condições morais e materiais de desempenhar a função,de elevada sensibilidade, de verdadeiro pai de uma criança carente, cujo destino e felicidade lhe são entregues.

“Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009). Vigência. § 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. § 2° Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009). Vigência.”

Aduz ainda o artigo 29 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não será

permitida a colocação em família substituta “a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado”. Não permite sequer a inscrição como interessada na adoção, a pessoa que não preencher os

requisitos legais, ou as hipóteses do art. 29. O art. 42, §2º, exige ainda que na adoção por ambos os cônjuges ou companheiros, fique comprovada a estabilidade da família.

Como a adoção exige capacidade, não podem adotar os maiores de 18 anos que sejam

absolutamente ou relativamente incapazes, como por exemplo, aqueles que não tenham discernimento para a prática desse ato, os ébrios habituais e os excepcionais sem

desenvolvimento mental completo, mesmo porque a natureza do instituto pressupõe a introdução do adotando em ambiente familiar saudável, capaz de propiciar o seu desenvolvimento humano.

A preferência de adoção é para brasileiros, ficando a adoção por estrangeiros

condicionada à inexistência de brasileiro habilitados interessados, exigindo-se um prazo

mínimo de trinta dias de convivência, devendo ser cumprido no Brasil, não dependendo da idade da criança ou do adolescente.

Não estão legitimados a adotar os tutores e curadores os seus pupilos e curatelados,

enquanto estes não prestarem contas da sua administração e saldarem o alcance, se houver. Esta restrição visa proteger os interesses dos tutelados ou dos filhos do interditado, buscando

51 impedir que se utilize a adoção como meio para fugir do dever de prestar contas e de responder pelos débitos de sua gestão.

O adotante pode adotar quantos filhos quiser, simultânea ou sucessivamente. Se for

casado, não depende do consentimento do outro cônjuge para efetuar a adoção. O pai que não

queria reconhecer o filho havido fora do casamento pode adotar este, no entanto o filho pode recusar e ingressar com pedido de reconhecimento de paternidade.

Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. Assim não pode o avô

adotar o neto, nem o homem solteiro, ou um casal sem filhos, adotar um irmão de um dos cônjuges. Não podem marido e mulher serem adotados pela mesma pessoa, visto que passariam à condição de irmãos.

“Para que o cônjuge ou companheiro também possa adotar, conjuntamente com o outro, é necessário que fique comprovada a “estabilidade da família”, ou seja, que o casal tenha um lar onde reina a harmonia no relacionamento e exista segurança material. A exigência, como se pode constatar pela clara redação do dispositivo em apreço, não se aplica apenas à união estável.”109

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 42, §2º, exige que na adoção

conjunta, os cônjuges sejam civilmente casados, ou mantenham união estável, não admitindo que irmãos adotem conjuntamente. No §4º, está disposto que, os divorciados, os judicialmente

separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a

guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência, comprovada a existência do vínculo de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, justificando assim a excepcionalidade da concessão.

3.4.2 Do adotado Com a nova redação dada ao art. 1.619, do Código Civil, pela Lei Nacional da

Adoção, a adoção de maiores de 18 anos dependerá da assistência efetiva do poder pública e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couberem, as regras gerais da Lei n. 8.069/90 o Estatuto da Criança e do Adolescente.

109

GONÇALVES, Carlos Roberto, op. cit., 2010, p., 377.

52 Tanto as adoções de menores, quanto a de maiores revestem-se das mesmas

características, estando sujeitas a decisão judicial, em atenção ao comando constitucional de que a adoção será sempre assistida pelo Poder Público. Bem como, a adoção de criança e adolescente até 18 anos e a dos maiores de 18 anos de idade é regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Podem ser adotadas todas as pessoas cuja diferença mínima de idade para com o

adotante seja de dezesseis anos. Não importa se o adotado é filho havido do casamento de um

dos pais ou não, tenha ou não pais conhecidos. A existência de filho adotivo não é

impedimento à adoção de outra pessoa. Não é exigida nenhuma justificação do adotante para a nova adoção. “Outrossim, a superveniência de filhos não anula os efeitos da adoção realizada quando os cônjuges ou companheiros não filhos.”110

A Lei Nacional da Adoção introduziu o §4º ao art, 28, dispondo sobre a necessidade

de manter unidos os irmãos sujeitos à adoção:

“Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.”

O Código Civil de 1916 mencionava à possibilidade de se adotar o nascituro. No

entanto, a regra não foi reproduzida no Estatuto da Criança e do Adolescente, nem no Código Civil de 2002. Antônio Chaves assim se pronuncia sobre a supressão de nosso direito:

“(...) contra-senso do ponto de vista humano e do ponto de vista legal. Do humano, porque a ninguém deveria ser facultado adotar uma criatura que ainda não nasceu, que não sabe se vai ou não nascer com vida, qual seu sexo, seu aspecto, sua viabilidade, sua saúde etc. Do ponto de vista jurídico, porque a dependência em que fica essa adoção, de um acontecimento futuro e incerto, importa numa verdadeira condição, que o art. 375 (do CC/1916) não admite.”111

110 111

GOMES, Orlando, Direito de família, 2001, p. 374. CHAVES, Antônio, op. cit., 1983, p. 165.

53 3.5.

A ADOÇÃO DE CRIANÇAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS Ainda é grande no Brasil a obstinação em aceitar a filiação homoparental, por

considerarem que a criança estaria exposta a dano potencial futuro por não possuir referências comportamentais de sexos diferentes.

“As controvérsias sobre o direito à homoparentalidade – ou seja, o direito à

paternidade a pares homossexuais – não podem ser solvidas sem ultrapassar a faze mais ampla do preconceito e da discriminação, ainda tão enraizadas na nossa cultura.” 112

“Impõe-se a desconstrução e a edificação de um novo senso comum, baseado em um conhecimento emancipatório e uma nova compreensão da realidade, superando a tendência legislativa de proibir que homossexuais possam legalizar suas uniões, adotar crianças e adolescentes ou lançar mão das técnicas de reprodução artificial para concretizar seu projeto parental.”113

O direito de gerar e criar filhos está diretamente ligado à dignidade da pessoa humana,

como indivíduo inserido numa sociedade. “Trata-se de uma busca pela felicidade, pela

realização do ser humano como recriador.”114 A proibição da homoparentalidade fere o direito de personalidade, um dos principais direitos fundamentais, que consiste no direito de ter filhos, uma vez que a maternidade e a paternidade fazem parte da realização humana. Está

inclusive reconhecido pela Declaração Universal dos Direito Humanos, em seu art. XVI que garante a homens e mulheres o direito de constituir família.

Assim, trata-se de direito personalíssimo, indisponível, inalienável, passível de

proteção do Estado, não podendo o este vedá-lo, pois, estaria impedindo o exercício da cidadania e da democracia, além de violar os princípios constitucionais.

Todo ser humano tem direito a constituir uma família, está disposto nos princípios

constitucionais da nossa legislação, a mesma que veda qualquer tipo de discriminação em

razão de sexo, desse modo não há que se falar em discriminação quanto à homossexuais que desejam construir uma família.

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no artigo 226, §6º, que

fundamenta o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da DIAS, Maria Berenice, op. cit,, 2011b, p. 160. SAPKO, Vera Lucia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais..., 2005, 166. 114 MOSCHETTA, Sílvia, op. cit., 2009, p. 143. 112 113

54 paternidade responsável; e no artigo 227, caput, que garante à criança e ao adolescente o direito à dignidade, ambos da Constituição Federal.

“Portanto, a dignidade como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo ser criada, concedida ou retirada, já que existe em cada ser humano como algo que é inerente à sua essência.”115

Este princípio não admite qualquer discriminação em razão de nascimento, raça, sexo,

opiniões ou crenças. Não está relacionado à idade, inteligência, saúde mental, como se comporta. “A dignidade humana é um valor preenchido a priori, isto é, todo ser humano tem dignidade só pelo fato de ser pessoa.”116

Pietro de Jesús Lora Alarcón sopesa que “as finalidades do direito e do Estado podem

sintetizar-se em uma só: a proteção integral da vida do ser humano, sua felicidade.”117 Desse modo, entende-se que havendo garantia estatal da dignidade da pessoa, dando-lhe igualdade de condições em todos os sentidos de sua vida, esta atingirá a felicidade.

“(...) filósofos de todos os tempos colocaram a felicidade como aspiração dominante do ser humano, que a procura cada qual a sua maneira. A felicidade sendo a grande referência à vida, é, nesse sentido, a motivação maior ao trabalho, direcionando passos, caminhos, relacionamentos e metas. O homem-pensamento, o homem-emoção e o homem-ação ganham integridade no ser feliz (...)”118

Tem-se ainda como princípio norteador o do melhor interesse da criança, que foi

incorporado em nosso ordenamento da Convenção Internacional sobre Direitos da Criança de 1989, pelo Decreto nº 99.710/90. É um princípio reitor, que deve ser considerado pelos

legisladores, juízes, e executores de qualquer ação que aborde, direta ou indiretamente, os menores.

São Direitos Fundamentais Especiais das crianças e adolescentes: “a) Direito à vida: corresponde ao direito à não interrupção do ciclo ital do ser humano e à existência em condições dignas; ABEL, Ivan José, Justiça social e dignidade humana ..., 2005, p. 130. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto, O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana:.., 2010, p. 52. 117 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora, Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988, 2009, p. 318. 118 MATOS, Francisco Gomes de, Fator QF – quociente de felicidade:..., 1997, p. 7. 115 116

55 b) Direito à saúde: direito ao bem estar físico, psíquico e social da pessoa, assim como as ações preventivas e curativas por parte do Estado; c) Direito à liberdade: devem as crianças e os adolescentes se conduzirem em conformidade com a própria vontade, observadas as vedações legais, nada obstante o controle vai depender dos pais, pois eles são elementos balizadores da liberdade dos filhos; d) Direito á dignidade: direito a um tratamento que preserve a integridade física e psíquica; e) Direito ao respeito: a criança e o adolescente têm direito à moral, com preservação de sua imagem, identidade e autonomia; f) Direito à educação: direito à formação intelectual com a finalidade de preparação para a cidadania; g) Direito à convivência familiar: direito à criação e educação no seio familiar de uma comunidade familiar. Somente na família existe à proteção psíquica, afeto, segurança. Dessa forma, se esse direito não for possível com sua família natural, que seja então com uma família substituta.” 119

Desses princípios, decorre um direito soberano, que é o Direito à convivência familiar.

Uma vez que a família é fundamental para o desenvolvimento de todo ser humano, resta

comprovado que qualquer empecilho para que ocorra esta convivência familiar resulta em grave violação ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao princípio do melhor interesse da criança.

Deste modo, a adoção se caracteriza como forma de colocação de criança ou

adolescente no meio familiar, visando impedir a institucionalização dessas crianças, que têm seus direitos fundamentais suprimidos ou ameaçados.

A paternidade não consiste em um ato físico, mas sim no afeto e na dedicação para

com o filho. A paternidade socioafetiva insere o instituto da adoção no sentido da concepção

eudemonista de família, que é a busca da felicidade espiritual. Desse modo, podemos definir a adoção como um puro ato de amor, que permite o desenvolvimento e promove a dignidade da pessoa humana.

Está previsto na Constituição o princípio da proteção integral, impondo ao Estado o

dever de garantir a crianças e adolescentes o respeito à liberdade, igualdade e dignidade. Deve prevalecer o princípio do melhor interesse da criança, devendo o magistrado verificar a real

situação da criança escolhendo o melhor para ela. “Cabe lembrar a sombria realidade

brasileira, em que muitas crianças jamais tiveram qualquer convivência familiar, direito este previsto constitucionalmente.”120 119 120

MARTA, Taís Nader; MUNHOZ, Iriana Maira. Entidade homoafetiva frente à adoção, 2009, p. 53. TORRES, Aimbere Francisco, Adoção nas relações homoparentais, 2009, p. 98.

56 O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 42 dispõe que, podem adotar os

maiores de 18 anos, independentemente do estado civil, não traz qualquer restrição ao sexo ou à orientação sexual do adotante. É possível tanto ao homem quanto à mulher adotar, conjunta ou separadamente, independente do estado civil destes.

A Lei Nacional da Adoção exige que os adotantes sejam casados “civilmente”, porém,

permite que casais que convivam em união estável adotem. Desse modo, tendo sido a união estável homoafetiva igualada à união estável heteroafetiva, inclusive de forma vinculante pelo

STF, não havendo impedimentos, deve-se conceder a adoção, se fundada em motivos legais e obtiver reais vantagens ao adotando.

Não havendo proibição no direito brasileiro quanto à adoção por casal homoafetivo,

bem como a equiparação da união homoafetiva com a união estável, busca-se uma interpretação ampla e sensata pelos magistrados, para que acolha ao menos a inicial,

concedendo a guarda provisória, e dado acesso ao resultado do estágio de convivência e à análise psicossocial. Desse modo, permite-se que haja um estudo por parte dos profissionais das áreas específicas de análise do relacionamento de pessoas, mais preparados para investigar o ambiente familiar emocionalmente. “Só a equipe técnica atestará a viabilidade ou

inviabilidade psicossocial da educação pelo casal homoafetivo, constituindo grave prejuízo o magistrado descartar o estudo profissional.”121

Assim dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente quanto aos requisitos para a

colocação de criança ou adolescente em família substituta:

“Art. 165. São requisitos para a concessão de pedidos de colocação em família substituta: I - qualificação completa do requerente e de seu eventual cônjuge, ou companheiro, com expressa anuência deste; II - indicação de eventual parentesco do requerente e de seu cônjuge, ou companheiro, com a criança ou adolescente, especificando se tem ou não parente vivo; III - qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se conhecidos; IV - indicação do cartório onde foi inscrito nascimento, anexando, se possível, uma cópia da respectiva certidão; V - declaração sobre a existência de bens, direitos ou rendimentos relativos à criança ou ao adolescente.”

121

SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, 2005.

57 Resta demonstrado que não há nenhuma vedação legal quanto à adoção por pessoa

homossexual ou um casal homoafetivo. Assim, não compete ao magistrado basear-se na

orientação sexual do adotante para o deferimento da adoção, visto que a legislação não o faz. Busca-se uma estrutura familiar afetiva estável para o bom desenvolvimento da criança.

Há ainda aqueles que buscam a adoção apenas um do par se habilitando, não se

identificando como homossexual. É uma maneira de contornar as resistências dos tribunais. “Ainda que seja concedida a adoção a um homossexual que viva com um parceiro, criam-se

laços afetivos entre o filho e o companheiro do adotante, havendo a necessidade de se tutelar juridicamente também esse vínculo.”122 É possível que um companheiro adote o filho do outro, o fato de possuírem uma relação homoafetiva não impede a adoção pelo cônjuge.

Como a adoção homoparental tem sido admitida, a justiça passou a aceitar a

habilitação conjunta para a adoção. “Totalmente descabido dar tratamento diferenciado às diversas formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de que tem contornos cada vez

mais amplos.”123 “Deve sempre ser avaliado o desejo de ser pai ou mãe, devendo ser reconhecida a maternidade/paternidade aos casais homossexuais que realmente desejam serem pais e mães, com aspiração de dar e receber amor.”124

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul foi pioneiro nesta questão, tendo a decisão

sido confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJRS - APELAÇÃO CÍVEL - SÉTIMA CÂMARA CÍVEL - Nº GIRARDI,Viviane, Famílias contemporâneas, filiação e afeto..., 2005, p. 160. PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Princípios fundamentais e norteadores..., 2006, p. 60. 124 MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo, op. cit., 2009, p. 174-177. 122 123

58 70013801592 COMARCA DE BAGÉ M.P. – APELANTE - L. – APELADO).

No Brasil com o julgamento da ADI 4.277 e da ADPF 132, em 05 de maio de 2011,

foi reconhecida a união estável homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal, igualando as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. “Na

prática, a união homoafetiva foi reconhecida como um núcleo familiar como qualquer outro. O reconhecimento de direitos de casais gays foi unânime.”125

Muitos outros tribunais vêm seguindo o exemplo do Tribunal de Justiça do Rio

Grande do Sul e baseando-se na decisão do Supremo Tribunal Federal, admitindo assim a adoção de crianças por casais homoafetivos, como tem ocorrido nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Apelação – Procedimento de habilitação no cadastro de pretendentes à adoção, por casal em união homoafetiva – Deferimento, com ressalva de vedação à adoção de infante masculino – Alegação do Juízo de que a adoção de um garoto por mulheres em união homoafetiva não se mostra adequada, vez que a figura paterna é essencial para a formação de sua personalidade – Inadmissibilidade - Adoção deve em tudo se assemelhar à família naturalmente constituída - Conduta da sexagem (possibilidade de escolha do sexo do bebê) que não é admitida nos nascimentos naturais e, assim, não deve ser imposta às pretensas adotantes - Adoção que, acima de tudo, é medida protetiva de colocação da criança em família substituta e, como tal, não deve encontrar obstáculos, senão aqueles legalmente previstos – Situações hipotéticas não podem basear as decisões judiciais – Lesão a direitos constitucionalmente reconhecidos – Às autoras, o direito constitucional à família. À criança, ou adolescente, o direito a ampla proteção – Estado que tem o dever de proteger a criança e o adolescente, não podendo, assim, restringir a adoção por pares homoafetivos, que comprovadamente possuam convivência familiar estável - Tramitação idêntica do processo de adoção requerido por pessoa heterossexual deve ter aquele solicitado por homossexual – Estudos favoráveis juntados aos autos – Obstáculo que é vedado por disposição constitucional (artigo 5º) e representa prejuízo ao melhor interesse das crianças e adolescentes – Apelo ao qual se dá provimento, para reformar parcialmente a r. sentença a fim de excluir dela a vedação para eventual adoção de criança do sexo masculino. (TJSP – Câmara Especial - Apelação 0004884-79.2011.8.26.0457) (Ver ANEXO C). ADOÇÃO DE ADOLESCENTE COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER – O pedido inicial deve ser acolhido porque o Suplicante demonstrou reunir condições para o pleno exercício do encargo pleiteado, atestado esse fato, pela emissão de Declaração de Idoneidade para a Adoção com parecer favorável do Ministério Público contra o qual não se insurgiu no prazo legal devido, fundando-se em motivos legítimos, de acordo com o Estudo Social e parecer psicológico, e apresenta reais vantagens para o 125

HAIDAR, Rodrigo, Supremo Reconhece a união homoafetiva, 2011.

59 Adotando, que vivia há 12 anos em estado de abandono familiar em instituição coletiva e hoje tem a possibilidade de conviver em ambiente familiar, estuda em conceituado colégio de ensino religioso e frequenta um psicanalista para que possa se adequar à nova realidade e poder exercitar o direito do convívio familiar que a CF assegura no art. 227. JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO NA INICIAL. (1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro – Processo Nº 97/1/03710-8/ Juiz Siro Darlan de Oliveira. Julgado em 20 de agosto de 1998.) (Ver ANEXO E).

No entanto o maior número de decisões ainda é da justiça gaúcha: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE. POSICIONAMENTO CONSAGRADO NO JULGAMENTO DA ADIN Nº 4277 E DA ADPF Nº 132. DIREITOS SUCESSÓRIOS. PREQUESTIONAMENTO. 1. Tendo em vista o julgamento da ADIn nº 4277 e da ADPF nº 132, resta superada a compreensão de que se revela juridicamente impossível o reconhecimento de união estável, em se tratando de duas pessoas do mesmo sexo. 2. Na espécie, o conjunto probatório é robusto no sentido da caracterização do relacionamento estável, nos moldes do art. 1.723 do CC, razão por que deve ser emprestado à relação havida entre a recorrente e a companheira falecida tratamento equivalente ao que a lei confere à união estável havida entre homem e mulher, inclusive no que se refere aos direitos sucessórios sobre as duas casas construídas com esforço comum, o que foi reconhecido judicialmente, na forma do art. 1.790, III, do CC (pois concorre a insurgente com a genitora da falecida). 3. O magistrado não está obrigado a se manifestar sobre todos os dispositivos legais invocados pelas partes, necessitando, apenas, indicar o suporte jurídico no qual embasa seu juízo de valor, entendendo ter dado à matéria à correta interpretação jurídica. APELO PROVIDO. (TJRS APELAÇÃO CÍVEL - OITAVA CÂMARA CÍVEL - Nº 70045194677 COMARCA DE PORTO ALEGRE - L.S.C. – APELANTE; S.R.O. APELADO). (Ver ANEXO D). APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. AÇÃO DE ADOÇÃO. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. GENITORA QUE ABANDONOU O FILHO EM TENRA IDADE AOS CUIDADOS DE TERCEIRO QUE, AGORA, POSTULA SUA ADOÇÃO. VÍNCULO BIOLÓGICO QUE NÃO SUPERA O VÍNCULO AFETIVO QUE SE ESTABELECEU ENTRE ADOTANTE E ADOTANDO, O QUAL ERIGIU VERDADEIRO NÚCLEO FAMILIAR. EXCLUSÃO DO POLO ATIVO DA AÇÃO DO PARCEIRO HOMOAFETIVO DO ADOTANTE. CONFUSÃO ENTRE UNIÃO ESTÁVEL E PARCERIA CIVIL. EFEITOS. 1. Passados mais de cinco anos do abandono do infante pela genitora, deixando-o com padrinho que dele cuidou, atendendo suas necessidades de afeto, educação, saúde e alimentação, deve ser destituído o poder familiar da mãe biológica, entregando-o à adoção a quem com ele consolidou núcleo familiar fundado em vínculo de afeto e proteção. 2. Hipótese em que se exclui do pólo ativo da ação o parceiro com quem o adotante mantém Parceria Civil, em face da impossibilidade legal de duas pessoas que não sejam civilmente casadas, ou estejam em União Estável,

60 adotarem. A tanto é importante não se confundir, conceitualmente e quanto aos efeitos diversos, a União Estável, que por definição constitucional e legal existe somente entre o homem e a mulher, com a Parceria Civil, instituto de inspiração no direito comparado e de natureza jurisprudencial, que envolve a relação estável entre duas pessoas do mesmo sexo. 3. É fato que a Constituição matiza valores em seu conteúdo que são recolhidos na vontade social pelo legislador constitucional, estabelecendo ele categorias jurídicas diferenciadas para determinados grupos de indivíduos, tais como: “o idoso”, “a criança”, “o homem”, “a mulher”. Aliás, quanto à mulher, enquanto mãe, e somente uma mulher pode ser mãe biológica, tem na Lei Fundamental alemã, - hoje consagrada como um dos mais importantes estatutos da cidadania e do humanismo no mundo, proteção especial contra a comunidade, isto é, o legislador constitucional alemão definiu como categoria jurídica específica e merecedora de especial proteção, o grupo de indivíduos, do sexo feminino, que sejam, no momento, “mãe”. Assim, não há discriminação por sexo, compreendida aqui a condição ou orientação sexual de um determinado indivíduo ou grupo, ou mesmo não viola o princípio da igualdade, a diversidade de estatutos jurídicos para cada grupo social, isto é, no caso concreto, para os heterossexuais e para os homossexuais. APELAÇÃO PROVIDA, EM PARTE. (TJRS- APELAÇÃO CÍVEL - SÉTIMA CÂMARA CÍVEL Nº 70033357054 - COMARCA DE SANTA MARIA - V.M.T. – APELANTE; C.M.S.C.S. - APELADOS).

A Justiça vem deixando de lado o preconceito e permitindo que casais adotivos

tenham filhos através da adoção. Essas decisões confirmam que o fato de o adotante ser

homossexual não acarreta uma perturbação emocional para a criança, tendo em vista que este preenche todos os requisitos legais exigidos, bem como possui parecer psicológico favorável concedido pela equipe técnica.

3.5.1. Prós e contras a adoção por casais homoafetivos A maioria da doutrina utiliza como argumento para a impossibilidade da adoção por

casais homoafetivos, o fato de que estes não poderiam constar como pais no registro de nascimento, uma vez que não são pais biológicos. No entanto, isto não convence, uma vez

que, se o filho é registrado apenas pela mãe, não quer dizer que este não tenha um genitor. Desse modo, não há impedimento algum para que a criança seja registrada por duas pessoas do mesmo sexo.

“Tratando-se de adoção por parte de um casal homossexual (masculino ou feminino)

basta que no registro da criança fique consignado: o nome dos pais ou o nome das mães.

61 Fácil e simples de resolver, como se vê, bastando que se tenha boa vontade e que se queira, mesmo, resolver.”126

Sendo, a Lei 6.015/73 - Lei dos Registros Públicos - de exigências meramente formais, nela não se encontra óbice sobre que o registro indique, como pais, duas pessoas do mesmo sexo. O Estatuto da Criança e do Adolescente, a tal respeito, apenas prevê, no art. 47, que "o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil, mediante mandado do qual não se fornecerá certidão". O § 1º do mesmo artigo, outrossim, não discrimina, com base no sexo biológico: "a inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome dos seus ascendentes". Se, quando se está diante das chamadas "produções independentes" ou de adoções deferidas a uma pessoa solteira, faz-se constar somente o nome de um ser humano como pai ou mãe, não há por que haver resistência em formalizar os nomes de duas pessoas como pais ou mães, somente por serem do mesmo sexo. A resistência não refletiria, veladamente, um flagrante preconceito, ainda decorrente de uma visão negativa para com a homossexualidade e as uniões homossexuais?”127

Em 2005, Enézio de Deus, na 1ª edição de seu livro “A Possibilidade Jurídica de

Adoção Por Casais Homossexuais”, já defendia que os magistrados determinassem que, quando da adoção por casal homossexual, constasse na certidão de nascimento, apenas: filho

de: ... “nome de um (a) dos companheiros (as)” e de: ... “nome do (a) outro(a)

companheiro(a)”. E quanto aos avôs, constassem os nomes de todos eles, sem, especificamente haver distinções entre "paternos" e "maternos", assim, constando, no teor das certidões, somente, as expressões: "filho (a) de: ... e de: ..., sendo avós: ...".

Com o Decreto nº 6.828, de 27 de abril de 2009, passou a vigorar em todo o país, um

modelo padronizado de certidão de nascimento. Apesar de refletir uma ótica familiar heterossexual, o modo como tal modelo foi construído, não impede que se formalize o vínculo de filiação entre uma criança ou um adolescente e duas pessoas do mesmo sexo.

Outro argumento utilizado para a não concessão da adoção por pares homoafetivos é

quanto às consequências que essa adoção terá no desenvolvimento psicológico e sexual da

criança, pelo fato de não haver referência de ambos os sexos. Maria Berenice Dias assim responde:

“As evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos 126 127

FERNANDES, Taísa Ribeiro, Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos, 2004, p. 112. SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus, A certidão de nascimento na adoção por casal homossexual, 2010, p. 1.

62 danosos ao normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio de crianças com pais do mesmo sexo. Também não há registro de dano sequer potencial ou risco ao sadio estabelecimento dos vínculos afetivos. Igualmente nada comprova que a falta do modelo heterossexual acarreta perda de referenciais a tornar confusa a identidade de gênero. Diante de tais resultados, não há como prevalecer o mito de que a homossexualidade dos genitores gere patologia nos filhos. Nada justifica a estigmatizada visão de que a criança que vive em lar homossexual será socialmente rejeitada ou haverá prejuízo a sua inserção social. Identificar os vínculos homoparentais como promíscuos gera a falsa ideia de que não se trata de um ambiente saudável par a o seu bom desenvolvimento. Assim, a insistência em rejeitar a regulamentação da adoção por homossexuais tem por justificativa indisfarçável preconceito.”128

Preocupam-se também com a pressão social que estas crianças estarão sujeitas, quando

da convivência com outras crianças, por serem criadas por pais homoafetivos. Mas

acreditamos que a pressão sofrida por crianças que passam suas vidas em instituições, orfanatos, é maior do que a pressão de uma criança que vive no seio de uma família homoafetiva. Esta criança apesar de todo preconceito que a envolve terá carinho, afeto,

atenção individualizados, exclusivos para ela, ao contrário do que ocorre nas instituições. Jair Barbosa Júnior define este fenômeno como hospitalismo, “que se traduz como a

sintomatização psíquica de elementos traduzidos por internações, é comum nessas crianças,

sem contar que elas podem desenvolver um estado psicotizante, devido à insegurança produzida pela insegurança advinda da falta de pais.”129

“O aspecto mais significativo é ser assegurado ao filho um ambiente sadio, devendo os

pais prepará-lo para enfrentar alguma espécie de bulling no ambiente escolar.”130 “O seu desenvolvimento

depende,

fundamentalmente,

de

os

genitores

cumprirem

suas

responsabilidades paternas, desimportando a composição do núcleo familiar; caso contrário, é como se eles não existissem.”131

Vale ressaltar que a criança não será adotada por um casal homossexual sem que este

passe por uma avaliação psicossocial para saber se está apto a adotar estar criança. Assim questiona Elisabeth Roudinesco:

“Será preciso efetivamente admitir um dia que os filhos de pais homossexuais carregam, como outros, mas muito mais que os outros, o traço DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b. BARBOSA JÚNIOR, Jair. A nova família – adoção por homossexuais, 2008. 130 DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b. 131 COSTA, Gley P. O amor e seus labirintos, 2007, 105. 128 129

63 singular de um destino difícil. E será preciso admitir também que os pais homossexuais são diferentes dos outros pais. Eis porque nossa sociedade deve aceitar que eles existem tais como são. Ela deve lhes conceder os mesmos direitos. E não é os obrigando a serem “normais” que os homossexuais conseguirão provar sua aptidão para criar seus filhos.”132

Há ainda a questão da criança não ter a referência de ambos os sexos, o que acarretaria

a perda da referência de pai e mãe. No entanto, esta questão é afastada por quem se aprofunda no estudo das entidades familiares homoafetivas. “Todas as pessoas são capazes de

desempenhar o papel materno ou paterno, dependendo de sua personalidade.”133 “Os referenciais de pai e mãe são representações simbólico-comportamentais de gênero que não se exaurem no corpo físico, enquanto aspecto biológico.”134

Não existem pesquisas científicas apontando que a orientação sexual dos pais

influencie significativamente na educação dos filhos. Ao contrário, há estudos que destacam a importância do afeto e de uma estrutura emocional sólida entre o casal para que haja um bom desenvolvimento dos filhos.

Cabe lembrar que todas as crianças maltratadas, vítimas de abuso sexual,

espancamentos e que hoje se encontram em orfanatos ou nas ruas, foram vítimas de suas próprias famílias biológicas, muito provavelmente formadas por casais heterossexuais.135 Portanto, uma família em que haja amor entre os pais, independente de suas orientações

sexuais, e entre esses com os filhos, é muito melhor do que uma família de pais heterossexuais onde estes não possuem um bom relacionamento entre eles, ou com os filhos.

“A ausência de pais dos dois sexos não influencia o desenvolvimento da identidade sexual e psicológica dos filhos. O modelo de identidade das referências femininas e masculinas não fica prejudicado, pois é exercitado pela presença dos demais adultos envolvidos na vida da criança, como avós, professores, tios e amigos dos pais/mães. As crianças não fazem confusão sobre sexo/gênero dos genitores, são sendo o aprendizado das diferenças sexuais prejudicado em razão de serem criadas por famílias homoparentais.”136

Os homossexuais temem em não conseguir adotar uma criança em virtude do

preconceito. “Sendo assim, quando fazem um pedido de adoção é, geralmente, em relação à ROUDINESCO, Elisabeth, A família em desordem, 2003, p. 195. DIAS, Maria Berenice, op. cit., 2011b, p. 168. 134 SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus, op. cit., 2005, p. 131. 135 TORRES, Aimbere Francisco, Adoção nas relações homoparentais, 2009, 103. 136 ZAMBRANO, Elizabeth, Adoção por homossexuais, 2007, p. 146-147. 132 133

64 criança com a qual já possuem um vínculo afetivo.”137 “A parentalidade socioafetiva sobrepõe-se à biológica quando a questão é estabilidade social, construída no relacionamento

diário e afetivo, formando um esteio emocional capaz de garantir um pleno desenvolvimento do ser humano em questão.”138

Pesquisas apontam dados sobre as condições e preferências dos adotantes e as

características dos disponíveis para adoção:

“Dos 11.125 pretendentes à adoção, 90% são casados ou vivem em união estável, 10% vivem sozinhos e, nesta condição, pretendem assumir a paternidade ou a maternidade. A maioria (50%) possui renda média entre 3 e 10 salários mínimos, e não tem filhos (76,5%). Quanto às preferências, 70% só aceitam crianças brancas. A grande maioria dos que querem adotar é também branca (70%). 80,7% exigem crianças com no máximo três anos; o sistema mostra que apenas 7% das disponíveis para adoção possuem esta idade. Além disso, 86% só aceitam adotar crianças ou adolescentes sozinhos, quando é grande o número dos que possuem irmãos, e separá-los constituiria um novo rompimento, o que deve ser evitado a todo custo. Todos esses pontos se apresentam como um grande fator de restrição.”139

Ainda segundo a Juíza de Direito no Rio de Janeiro e integrante do Comitê Gestor do

CNA, Dra Cristiana de Faria Cordeiro, fazendo um comparativo entre os pretendentes e as crianças disponíveis para adoção afirmou:

“Enquanto escrevo, há 14.574 pretendentes (ou casais) inseridos no sistema, para 2060 crianças ou adolescentes cuja situação jurídica de disponibilidade para adoção é definitiva (pais destituídos do poder familiar, pais que entregaram voluntariamente ou crianças/adolescentes órfãos). A maioria esmagadora de pretendentes é das regiões sul e sudeste, sendo São Paulo a unidade da federação que concentra mais pessoas inscritas para adotar; 38,97% dos habilitados só aceitam adotar uma criança branca. Se uma menina branca, sem irmãos, com até 12 meses de idade for disponibilizada para adoção no Rio de Janeiro, ela encontra hoje 5132 pretendentes em todo o Brasil. Um menino do Rio de Janeiro, negro, de 8 anos, com um irmão ou irmã, encontra (em tese, já que são necessários contatos telefônicos, pois às vezes já houve adoção e o sistema não foi atualizado) 22 pretendentes no Brasil. A faixa etária predominante para aqueles que esperam uma família é de 12 a 14 anos. Há crianças bem pequenas, mas aí entram outros dados que não as colocam dentro do perfil mais desejado: têm irmãos, ou têm doenças ou deficiências.

FARIAS, Mariana de Oliveira; MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi, op. cit. , 2009, p. 223. CHAVES, Marianna, Homoafetividade e direito:..., 2011, p. 227. 139 PACHÁ, Andréa; NETO, Francisco de Oliveira. O cadastro nacional de adoção..., 2008, p. 1. 137 138

65 Há 319 grupos de irmãos cadastrados. Alguns destes, formados por 6, 7 e até 8 irmãos! Todavia, 84,17% dos pretendentes no Brasil se inscreveram para a adoção de apenas uma criança.”140

Segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) o principal empecilho à

adoção no País é o desafino entre os candidatos à paternidade e o perfil das crianças e

adolescentes que se encontram nos abrigos. Aproximadamente de 80% das pessoas inscritas

no Cadastro de adoção procuram uma criança com até três anos de idade, mas apenas 7% dos

menores cadastrados encontram-se nesta faixa etária. Somente 1% das famílias aceita acolher uma criança maior de dez anos; 86% das famílias deseja adotar apenas uma criança, sendo

que 26,2% possuem irmãos. Em torno de 41% dos possíveis pais desejam somente crianças brancas, um requisito que recusa 63,5% das crianças existentes no cadastro.

A reportagem "O Lado B da Adoção", veiculada na Revista Época de 17/07/09

demonstra que:

“No Cadastro Nacional de Adoção há 22.390 pais potenciais, 78,75% só aceitam crianças entre 0 a 3 anos, 16,67% só aceitam crianças entre 4 a 7 anos e 1,58% só aceitam crianças entre 8 a 11 anos. Nos abrigos há cerca de 80 mil crianças, onde 6,12% têm de 0 a 03 anos, 14,71% têm de 4 a 7 anos, 27,91% têm de 8 a 11 anos e 51,61% das crianças têm mais de 12 anos. Mas que podem ser adotadas só há 3.277 crianças, 236 (7,20%) delas têm de 0 a 3 anos, 504 (15,38%) têm de 4 a 7 anos, 956 (29,17%) têm de 8 a 11 anos e 1.581 (48,25%) delas têm de 12 a 17 anos.”141

Conforme destaca Ana Paula Buchalla: “(...)ao contrário da maioria dos casais heterossexuais de classe média, que preferem adotar recém-nascidos brancos e absolutamente saudáveis, "gays" e lésbicas não fazem restrição alguma a cor, idade ou estado de saúde. Sabem como ninguém o que é ser vítima de exclusão e preconceito.”142

Percebe-se então que os homossexuais estão muito mais abertos a darem amor a uma

criança independente de como esta criança seja, eles apenas querem ter um filho, ao contrário da maioria dos casais heterossexuais que querem escolher a idade, a cor e o sexo da criança.

CORDEIRO, Cristiana de Faria, Do virtual ao real - o cadastro nacional da adoção, 2012, p. 1. MELLO, Kátia; YONAHA, Liuca. O lado B da adoção, 2009, p. 1. 142 BUCHALLA, Anna Paula, Meu pai é gay. Minha mãe é lésbica, 2001, p. 66-70. 140 141

66 É claro que não se pode esquecer que não será fácil para esta criança enfrentar o

preconceito da sociedade, mas será que crescer em um abrigo, sem atenção e carinho individual, tendo que conviver sem um pai, ou dois, uma mãe, ou duas, é melhor do que permitir que casais homoafetivos amem esta criança?

Nesse diapasão, negar a inserção de uma criança em uma família apta a lhe dar amor,

carinho, atenção e um futuro melhor apenas por se tratarem de pessoas do mesmo sexo, é uma postura pura e nitidamente preconceituosa e ousamos dizer, egoísta.

67

CONCLUSÃO

Com a evolução humana, a inserção da mulher no mercado de trabalho, o ser humano

mais independente, a família deixou de ser apenas um legado que se perpetua por gerações. O

conceito de família está ligado ao comprimento de sua função social, revigorando-se sempre como ponto central do indivíduo na sociedade, uma espécie de aspiração à solidariedade.

Houve a repersonalização da sociedade e consequentemente a valorização da pessoa

humana, passou a se justificar a proteção da entidade familiar. Assim o conceito de família foi

afastado do pressuposto do casamento, deixando este de ser o único marco sinalizador do estado civil das pessoas. As famílias atuais estão caracterizadas pela afetividade, dignidade da

pessoa humana, cidadania e solidariedade. Podendo ser informal, monoparental, respeita a diversidade sexual e a igualdade conjugal.

A Constituição, diante dos fatos do cotidiano, decidiu reconhecer as relações afetivas

existentes fora dos laços matrimoniais, bem como às famílias formadas por um dos pais e seus filhos e às uniões estáveis entre homem e mulher. A Constituição não proibiu o reconhecimento legal das uniões homoafetivas, concedendo-lhe o reconhecimento de entidade familiar merecedora da proteção do Estado.

Baseada nesses conceitos de família e no reconhecimento da união homoafetiva como

entidade familiar, a Justiça brasileira passou a reconhecê-la como entidade familiar, permitindo a sua formalização. O reconhecimento da união estável homoafetiva foi um grande

passo no ordenamento jurídico brasileiro abrindo portas para que outros direitos fossem concedidos aos casais homoafetivos.

Assim, sendo a união homoafetiva reconhecida como família, abriram-se as portas

para que os casais que vivem em união homoafetiva pudessem adotar. Pelos princípios da isonomia, da não discriminação por orientação sexual e da legalidade, expressos na Constituição Federal, não é possível excluir dos homossexuais o direito de adotar.

Não existe argumento judicial ou social para que não se permita a adoção por casais

homossexuais. Não estão os magistrados atados ao ordenamento positivado, uma vez que o conjunto de leis deve ser interpretado, adequando-se aos casos concretos.

68 Conforme ficou demonstrado em pesquisa realizada neste trabalho, há muitas crianças

disponíveis para adoção, no entanto, estas não atendem aos requisitos exigidos pela maioria

dos casais heterossexuais aptos a adotar. Assim como apontam os dados que casais homossexuais não têm preferência quanto à raça, cor, sexo e idade da criança.

Se não há impedimento legal para a adoção de crianças por casai homoafetivos e estes

se encontram aptos a adotar depois de passarem pela seleção, por que não conceder a adoção a

estes? Visto que não há danos psicológicos, nem riscos ao desenvolvimento normal desta criança, uma vez que a homossexualidade dos pais não influenciará esta criança no seu desenvolvimento, qual a razão?

Conclui-se ser possível igualar a adoção homossexual à adoção heterossexual, tendo

em vista que a orientação sexual do adotante não é requisito para a adoção. Não pode a preferência sexual de uma pessoa ser motivo para ser tratada de maneira desigual, sob pena de infringir o princípio constitucional da isonomia.

A Justiça brasileira já admite que casais homoafetivos adotem crianças. Aos poucos se

vence o preconceito, admitindo-se que o mais importante é o fato de a criança receber amor, carinho, atenção, permitindo-lhe crescer em um ambiente saudável e feliz.

69

REFERÊNCIAS

ABEL, Ivan José. Justiça social e dignidade humana: uma reflexão sobre o poder judiciário. São Paulo: EDUSC, 2005. ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2009. ANDRÉ, André Luiz Pedro. As ordenações e o direito privado brasileiro. Revista eletrônica da Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, RJ, v. 3, n. 3, out. 2007. Disponível em: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/AndreAndre.pdf. Acesso em: 15 jan. 2013. BARBOSA JÚNIOR, Jair. A nova família – adoção por homossexuais. Anuário da Produção Científica Dicente. Anhanguera Educacional. Valinhos, São Paulo. 2008. Disponível em: http://sare.anhanguera.com/index.php/anuic/article/viewFile/481/465. Acesso em: 15 jan. 2013. BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. Campinas: Red Livros, 2001. BIRCHAL, Alice de Souza. A relação processual dos avôs no direito de família: direito à busca da ancestralidade, convivência familiar e alimentos. In: PEREIRA, Rodrigo Cunha (coord.) Anais do IV Congresso brasileiro de direito de família - afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. BLEICHMAR, Silvia. Pontualizações para uma teoria psicanalítica da homossexualidade. In: GRAÑA, Roberto B. (org.). Homossexualidade: formulações psicanalíticas atuais. Porto Alegre: Artmed, 1998. BUCHALLA, Anna Paula. Meu pai é gay. Minha mãe é lésbica. Revista Veja, p. 67. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/17224/a-possibilidade-juridica-da-adocao-porpares-homoafetivos/3. Acesso em: 15 jan. 2013. CARDOSO, Helio Apoliano. Da união estável. Teoria e jurisprudência. 1ª Ed. São Paulo: Iglu, 2000. CARVALHO, Solange Araújo Paiva de. União estável homoafetiva. Fortaleza, Ceará, 2011. Monografia de Curso de Especialização em Direito de Família. Centro de Estudos Sociais Aplicados, da Universidade Estadual do Ceará. Disponível em: http://www.mp.ce.gov.br/esm p/biblioteca/mono grafias/dir.familia/uniao.estavel.homoafetiva.pdf. Acesso em 30 nov. 2012. CHAVES, Antônio. Adoção, adoção simples e adoção plena. São Paulo: Ed. RT, 1983. CHAVES, Marianna. Homoafetividade e direito: proteção constitucional, uniões, casamento e parentalidade – Um panorama luso-brasileiro. Curitiba: Juruá, 2011.

70 CORDEIRO, Cristiana de Faria. Do virtual ao real. O cadastro nacional da adoção. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2012. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/atosadministrativos/13344:do-virtual-ao-real-o-cadastro-nacional-de-adocao. Acesso em: 10 jun. 2012. COSTA, Aline Grigoletti de Lacerda. Aspectos jurídicos da adoção por homossexuais. Curitiba/PR, 2009. Faculdades Integradas do Brasil – Unibrasil. Disponível em: http://www.unibrasil.com.br/arquivos/direito/20092/aline-grigoletti-de-lacerda-costa.pdf. Acesso em 22 nov. 2012. COSTA, Gley P. O amor e seus labirintos. Porto Alegre: Artmed, 2007. COSTA, Tereza Maria Machado Lagrota. Adoção por pares homoafetivos: uma abordagem jurídica e psicológica. Juiz de Fora, 2003. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais Vianna Júnior, de Juiz de Fora/MG. COULANGES, Fustel de. A cidade Antiga. [La Cité Antique]. Trad. de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca, Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1990. DELENSKI, Julie Cristine. O novo direito da filiação. São Paulo: Dialética, 1997. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8ª Ed. São Paulo: Editora RT, 2011. ____________. O terceiro no processo. Rio de Janeiro: Aide, 1993. ____________. União homoafetiva: o preconceito e a justiça. 5ª Ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Editora RT, 2011. ____________. União homossexual: aspectos sociais e jurídicos. In: Revista Brasileira de Direito de Família, v. 4, jan./fev./mar., Porto Alegre: Síntese, 2000. Acesso em: 10 set. 2012. MICHAELIS. Moderno dicionário da língua http://michaelis.uol.com.br/. Pesquisa em 10 jul. 2012.

portuguesa.

Disponível

em:

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito brasileiro - Direito da família. 17ª Ed.,v. 5. São Paulo: Saraiva, 2002. FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade, relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. FARIAS, Cristiano Chaves de. Obrigação alimentar. In: DIAS, Maria Berenice. Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: RT, 2011. ____________. Os alimentos nas uniões homoafetivas: uma questão de respeito à Constituição. Revista Brasileira de Direito de Família, v. 6, n. 28, Porto Alegre/RS, 2005. Acesso em: 22 nov. 2012. FARIAS, Mariana de Oliveira; MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi; Adoção por homossexuais: a família homoparental sob o olhar da psicologia jurídica. Curitiba: Juruá, 2009.

71 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. São Paulo: Método, 2004. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FILHO, Michelle Azevedo; JÚLIO, Ana Célia de. Dos princípios norteadores do reconhecimento da união homoafetiva. Faculdade de Direito de Alta Floresta, MT – FADAF. 2012. Disponível em: http://ienomat.com.br/revista/index.php/judicare/article/view/49/154. Acesso em: 01 set. 2012. FREGADOLLI, Luciana. Antecedentes Históricos do Código Criminal de 1830. P. 17. Disponível em: http://revistas.unipar.br/akropolis/article/viewFile/1707/1479. Acesso em: 20 jan. 2013. GIKOVATE, Flávio. O instituto do amor. São Paulo: MG Editores, 1998. GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto: as possibilidades jurídicas da adoção por homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. GLANZ, Semy. A família mutante: sociologia e direito comparado. Inclusive o Novo Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. GOMES, Orlando. Direito de família. 11ª Ed. Rio Janeiro: Forense, 2001. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. vol. VI - Direito de Família. 7ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. GRISARD FILHO, Waldyr. Será verdadeiramente plena a adoção unilateral? Revista Brasileira de Direito de Família, out./dez., Porto Alegre: Síntese, 2001. GUAZZELLI, Mônica. O princípio da igualdade aplicado à família. In: WELTER, Belmiro Pedro; MADALENO, Rolf (coords.). Direitos fundamentais do direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. HAIDAR, Rodrigo. Supremo reconhece a união homoafetiva. Consultor Jurídico, Brasília, 05 maio, 2011. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e casamento em evolução. Revista Brasileira de Direito de Família. n. 1, abr./jun. Porto Alegre: Síntese, 1999. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001. Disponível em: http://houaiss.uol.com.br/. Acesso em: 5 jul. 2012. JOSSERAND, Louis. Derecho civil, t.I, v.II, 4. Tradução espanhola de Santiago Cunchillos y Manterola. Buenos Aires: Bosch, 1952. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de

72 Direito de Família. Família e cidadania. O novo CBB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. ____________. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. MARTA, Taís Nader; MUNHOZ, Iriana Maira. Entidade homoafetiva frente à adoção. Sistema Anhanguera de Revista Eletrônica, v. 12, n. 16, 2009. Disponível em: http://sare.anhanguera.com/index.php/rdire/article/view/924. Acesso em: 08 jan. 2013. MATOS, Francisco Gomes de. Fator QF – Quociente de Felicidade: Ciclo de felicidade no trabalho. São Paulo: Makron Books, 1997. MELLO, Kátia; YONAHA, Liuca. O lado B da adoção. Revista Época. 20 jul. 2009. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI83075-15228,00O+LADO+B+DA+ADOCAO.html. Acesso em: 15 jan. 2013. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito de família. vol. III, 3ª Ed. São Paulo: Max Limonad, 1947. MORICI, Silvia. Homossexualidade: um lugar na história da intolerância social, um lugar na clínica. In: GRAÑA, Roberto B. (org.). Homossexualidade. frmulações psicanalíticas atuais. Porto Alegre: Artmed, 1998. MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. Curitiba: Juruá, 2009. NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. PACHÁ, Andréa; NETO, Francisco de Oliveira. O cadastro nacional de adoção: primeiros resultados. 2008. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/index.php?option=comcontent&view= article&id=5827:justica-mantem-prontidao-nos-aeroportos-do-rio-dejaneiro&catid=1:notas&It em-id=169. Acesso em: 10 jun. 2012. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. 5, 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A sexualidade vista pelos tribunais. 2ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. ____________. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. PEREIRA, Sérgio Gischkow. Estudos de direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). A ética da convivência familiar e a sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

73 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado/Esmafe, 2001. RODRIGUES, Silvio. Direito civil. vol. 6. 28ª Ed. Atualização de Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004. ROUDINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. SANTORO, Cláudia. A necessidade de regulamentação das uniões estáveis homossexuais. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 875, 25 nov. 2005. Disponível em: http://jus2,uol.com.br/ doutrina/texto.asp?ida=7625. Acesso em: 09 jun. 2012. SANTOS, Caio Augusto dos; BAHIA, Cláudio José. Da possibilidade da adoção após o falecimento do adotante se que este tenha iniciado o procedimento judicial. In: SAPKO, Vera Lúcia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais: sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. Curitiba: Juruá, 2005. SAPKO, Vera Lucia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais: sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. Curitiba: Juruá, 2005. SILVA JÚNIOR, Enézio de Deus. A certidão de nascimento na adoção por casal homossexual. Belo Horizonte/MG, 2010. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/577. Acesso em 17 jan. 2013. ____________. A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais.Curitiba: Juruá, 2005. SOUZA, Ivone Coelho de. Homossexualismo, uma instituição reconhecida em duas grandes civilizações. In: INSTITUTO INTERDISCIPLINAR DE DIREITO DE FAMÍLIA. Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001. SPENGLER, Fabiana Marion. União homoafetiva: o fim do preconceito. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003. TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. TONI, Cláudia Thomé. Manual de direitos dos homossexuais: legislação e jurisprudência. São Paulo: SRS Editora, 2008. TORRES, Aimbere Francisco. Adoção nas relações homoparentais. São Paulo: Atlas, 2009. VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da homoafetividade - Da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. São Paulo: Método, 2008. VELOSO, Zeno. Direito brasileiro da filiação e da paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. vol. 6. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003.

74 ____________. O direito de família e o Código Civil de 2002. 07 jul. 2008. Disponível em: http://www.silviovenosa.com.br/artigo/o-direito-de-familia-e-o-codigo-civil-de-2002. Acesso em: 14 out. 2012. ____________. Para um novo direito de família. 18 ago. 2009 Disponível em: http://www.silviovenosa.com.br/artigo/para-um-novo-direito-de-familia. Acesso em: 14 out. 2012. WALD, Arnold. Direito de família. 6ª Ed. São Paulo: Ed. RT, 1988. WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no código civil. 2ª Ed. São Paulo: Thomsom/IOB, 2004. ____________. Estatuto da união estável. 2ª Ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. ZAMBRANO, Elizabeth. Adoção por homossexuais. In: SOUZA, Ivone Candido Coelho de. (org.). Direito de família, diversidade e multidisciplinariedade. Porto Alegre: IBDFAM/RS, 2007.

75

ANEXOS

76 ANEXO A – Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO Presidência da Seção de Direito Público Registro: 2011.0000064953 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Conflito de Competência nº 0087090-66.2011.8.26.0000, da Comarca de São Bernardo do Campo, em que é suscitante MM JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE

SÃO BERNARDO DO CAMPO sendo suscitado MM JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA FAMÍLIA E SUCESSÕES DE SÃO BERNARDO DO CAMPO.

ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Julgaram procedente o conflito, para declarar competente o Juízo Suscitado, 3ª Vara da Família e das Sucessões de São Bernardo do Campo. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores JOSÉ SANTANA Vice-Presidente (Presidente sem voto), MAIA DA CUNHA (Presidente da Seção de Direito Privado) e MOREIRA DE CARVALHO. São Paulo, 23 de maio de 2011. LUIS ANTONIO GANZERLA

Presidente da Seção de Direito Público Relator

Assinatura Eletrônica CÂMARA ESPECIAL VOTO N.º 18.232

CONFLITO DE COMPETÊNCIA N° 0087090-66.2011.8.26.0000

SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CÍVEL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO

SUSCITADO: JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA DA FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES DE SÃO BERNARDO DO CAMPO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA.

Ação de reconhecimento e dissolução de união homoafetiva c.c. pedido de alimentos. Equiparação analógica ao regime da união estável para fins de fixação de competência. Pronunciamento histórico do E. Supremo Tribunal Federal a propósito da questão. Ante o recente pronunciamento unânime do E. Supremo Tribunal Federal a propósito da possibilidade de equiparação de tratamento da união homoafetiva à união estável, não se concebe

subtrair das Varas da Família e das Sucessões os litígios a tanto concernentes, porquanto fundados em relações afetivas, não passíveis de redução a mero enfoque obrigacional. Competência do Juízo Suscitado.

77 Trata-se de conflito negativo de competência entre o Juízo da 1ª Vara Cível de São Bernardo do Campo

(suscitante) e o Juízo da 3ª Vara da Família e das Sucessões de São Bernardo do Campo (suscitado) em ação de reconhecimento e dissolução de união homoafetiva c.c. pedido de alimentos.

A ação foi inicialmente distribuída ao Juízo Suscitado, que houve por bem determinar a redistribuição livre, a uma das Varas Cíveis da Comarca, por entender não enquadrada a matéria no âmbito da competência especializada. Operada a redistribuição ao Juízo Suscitante, este houve por bem suscitar o conflito, por entender presente causa determinante a justificar a competência especializada das Varas da Família e das Sucessões. É o relatório. O conflito negativo de competência está configurado, uma vez que ambos os Magistrados consideram-se incompetentes para conhecer a lide. Com razão o Juízo Suscitante. Não se pode mais considerar a instituição

família sem levar em conta as profundas modificações que vêm ocorrendo, de fato, nas sociedades. Realmente,

não mais se concebe a noção de família baseada somente na relação de casamento entre homem e mulher com objetivo de formação de uma prole:

O modelo de família constituído por um homem e uma mulher, casados civil e religiosamente, eleitos reciprocamente, como parceiros eternos e exclusivos a partir de um ideário de amor romântico, que coabitam numa mesma unidade doméstica e que se reproduzem biologicamente com vistas à perpetuação da espécie, ao engrandecimento da pátria e à promoção da felicidade pessoal dos pais não esgota o entendimento do que seja uma família. Da mesma forma, sociólogos, antropólogos, historiadores e cientistas políticos sistematicamente têm demonstrado que as noções de casamento e amor também vêm mudando ao longo da história ocidental, assumindo contornos e formas de manifestação e de institucionalização plurívocos e multifacetados, que num movimento de transformação permanente colocam homens e mulheres em face de distintas possibilidades de materialização das trocas afetivas e sexuais. (LUIZ MELLO DE ALMEIDA NETO, Família no Brasil dos anos 90. Um estudo sobre a construção social da conjugalidade homossexual, 1999. Universidade de Brasília). O artigo 226, parágrafos 3º e 4º da Constituição Federal, reconhecem como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, bem como a comunidade formada por um dos pais e sua prole. O elenco dado pelo referido artigo, entretanto, não esgota as hipóteses fáticas dignas de tutela jurídica, tampouco exclui

expressamente qualquer delas. Encarar tal dispositivo como regra de exclusão é ignorar todos os princípios que regem o ordenamento constitucional, numa visão simplista e equivocada.

Com efeito, a Carta Magna, escorada no princípio da dignidade humana, concede proteção a todos, indistintamente, vedando discriminação de qualquer espécie por motivo de raça, sexo, cor ou idade, e assegura o

“exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos” (Constituição Federal, preâmbulo).

A este propósito, vem bem a calhar a luz do magistério de KONRAD HESSE, invocado por PAULO LÔBO

(“Famílias”, Ed. Saraiva, 2008, p. 63), segundo o qual a interpretação constitucional é concretização,

78 precisamente para considerar: “o que não aparece de forma clara como conteúdo da Constituição é o que deve ser determinado mediante a incorporação da 'realidade' de cuja ordenação se trata”. Daí encontrar-se o intérprete

“obrigado à inclusão em seu âmbito normativo dos elementos de concretização que permitam a solução do problema”. Conclui PAULO LÔBO, sob este enfoque, que “A discriminação é apenas admitida quando

expressamente prevista na Constituição. Se ela não discrimina, o intérprete ou o legislador infraconstitucional

não o podem fazer”. Nesse sentido, por ocasião do julgamento da ADI 330 o preclaro MIN. CELSO DE MELLO já havia tido oportunidade de registrar assentimento ao posicionamento doutrinário, apoiado em valiosa

hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e da invocação de princípios fundamentais (como os da

dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), para proclamar o alto significado de que se revestem tanto o

reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto o reconhecimento da legitimidade éticojurídica da união homoafetiva como entidade familiar, em ordem a permitir que se extraiam,

em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito e na esfera das relações sociais. Em suas palavras:

“Essa visão do tema, que tem a virtude de superar, neste início de terceiro milênio, incompreensíveis resistências sociais e institucionais fundadas em fórmulas preconceituosas inadmissíveis, vem sendo externada, como anteriormente enfatizado, por eminentes autores, cuja análise de tão significativas questões tem colocado em evidência, com absoluta correção, a necessidade de se atribuir verdadeiro estatuto de cidadania às uniões estáveis homoafetivas.” Nessa quadra de considerações, quer parecer inadmissível a essa altura da evolução do pensamento doutrinário e jurisprudencial, pretender reduzir ao enfoque exclusivamente obrigacional questões subjacentes a relacionamento afetivo, determinado à constituição de entidade familiar, em tudo e por tudo

digna de proteção estatal. Aliás, malgrado o registro de julgados em sentido contrário (CC nºs 127.165-0/9, rel.

DES. EDUARDO GOUVÊA, j. 27.03.2006, 141.095.0/1, rel. DES. CANGUÇU DE ALMEIDA, j. 09.04.2007, 168.490.0/1, rel. DES. EDUARDO PEREIRA, j. 19.01.2009 e 171.379.0/2, rel. DES. MARTINS PINTO, j.

09.03.2009), esta C. Câmara Especial já teve oportunidade de proclamar a competência especializada das Varas da Família e das Sucessões na solução de litígios envolvendo relações homoafetivas, a exemplo do que se colhe

do CC nº 170.046-0/6-00, rel. DES. MARIA OLÍVIA ALVES, j. 16.03.2009, cuja ementa vem vazada nos seguintes termos:

CONFLITO NEGATIVO - Cível e Família - União homoafetiva – Pedido declaratório - Pretensão voltada ao mero reconhecimento da união, para fins previdenciários - Ausência de discussão patrimonial - Omissão legal a ser suprida pela analogia e pelos princípios gerais de direito - Aplicação do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil – Situação equiparável à união estável, por aplicação dos princípios constitucionais da igualdade e dignidade da pessoa humana - Art. 227, § 3º, da Constituição Federal de que não tem interpretação restritiva Proteção à família, em suas diversas formas de constituição - Matéria afeta ao Juízo da Família - Conflito procedente em que se reconhece a competência do Juízo suscitado. A toda evidência outro não foi o entendimento consagrado em recente julgamento histórico do E. Supremo

Tribunal Federal, ao proclamar, por unanimidade, o reconhecimento da entidade familiar homoafetiva, à imagem

79 e semelhança da tutela constitucional assegurada à união estável, circunstância a determinar, para além de qualquer dúvida, a fixação de competência para a solução dos litígios a tanto correspondentes na esfera especializada das Varas da Família e das Sucessões.

Resultado do julgamento: Julgo procedente o conflito, e assim o faço para declarar competente o Juízo Suscitado, 3ª Vara da Família e das Sucessões de São Bernardo do Campo. LUIS GANZERLA

Desembargador Relator

Presidente da Seção de Direito Público (Assinatura eletrônica)

80 ANEXO B – Acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná Processo: 0648257-5

APELAÇÃO CÍVEL Nº. 648257-5 DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - 2ª VARA DA INFÂNCIA, DA JUVENTUDE E ADOÇÃO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ APELADO : J. S. B. J. RELATOR: DES. COSTA BARROS

APELAÇÃO CÍVEL - HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO - ADOTANTE HOMOSSEXUAL - LIMITAÇÃO DE IDADE DO ADOTANDO - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO DESPROVIDO. A adoção é

um ato que envolve a criação de vínculos afetivos, onde pais e filhos se adotam na nova relação, independentemente da orientação sexual dos adotantes.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 648257-5, da 2ª Vara da Infância, da Juventude e Adoção do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, em que é apelante o MINISTÉRIO

PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e apelado J. S. B. J. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, em face dos termos da r. sentença exarada nos autos de

Habilitação para Adoção, sob n. , a qual julgou procedente o pedido de inscrição para adoção formulado por J. S. B. J., com fundamento nos §§ 1º e 2º do art. 50, do Estatuto da Criança e do Adolescente (46/62).

Inconformada com a decisão recorre a ilustre representante ministerial, Dra. Marília Vieira Frederico, aduzindo que, por se tratar de pedido de adoção feito por homossexual, deve ser deferida apenas para adoção de pessoas com 12 anos de idade ou mais, porque estas têm condições de opinar se querem participar de uma família

homoafetiva ou não, haja vista não se tratar de modelo familiar tradicional, motivo que poderá levar a criança a discriminação no meio social.

Por tais razões, requer o provimento do recurso com a limitação em 12 anos da idade mínima do adotando. O apelado apresentou contra-razões, alegando que não pode ser discriminado em face da sua sexualidade, uma

vez que preenche todos os requisitos previstos na lei. Requer o desprovimento do recurso. A juíza a quo manteve a decisão, na fase do art. 198, inciso VII do ECA. É o relatório. VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, conheço do recurso. A questão trazida a esta Corte limita-se a imposição ou não de limite mínimo de idade, no caso, 12 anos, para o

deferimento de pedido de habilitação feito por homoafetivo. A pretensão manifestada por J. S. B. J. é adotar,

81 individualmente, criança com idade entre 0 e 3 anos, de cor branca a morena, independentemente de sexo, podendo ser a criança HIV positivo ou com problemas reversíveis, aceitando inclusive irmãos, tendo o mais velho até três anos de idade (f. 21/24).

Pois bem, verifica-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 29 e 50, §§ 1º e 2º não traz limitação de idade ao adotando, prevendo, sim, que haja compatibilidade da pessoa do adotante com a natureza da medida e a colocação da criança num ambiente familiar adequado.

No caso, entende a douta Promotora de Justiça que somente a criança com 12 anos de idade ou mais poderia

escolher se quer fazer parte de uma família sem os contornos da família tradicional com enfrentamento de todas as ordens, referindo-se ao fato do pretenso pai ser homossexual, f. 64/76.

Ora, em que pese a preocupação da douta promotora de justiça, ela não se mostra impeditiva do direito do apelante pretender adotar criança com menor idade, a fim de criar vínculos afetivos de pai em relação ao filho.

Certo é que, quanto mais idade tem a criança, mais difícil é a sua adaptação num ambiente familiar diverso do modelo tradicional, posto que ela já tenha conceitos e preconceitos formados, muitas vezes estigmatizados pela sociedade.

Por outro lado, não se pode dizer que essa forma de relação familiar traga prejuízos à criança, sejam de ordem moral, social ou afetiva.

Acerca do tema, ANA CARLA HARMATIUK MATOS, leciona: O que deve importar são as características pessoais dos pais (ou dos candidatos à adoção), sua capacitação, sua habilidade nos âmbitos emocional e patrimonial quanto às questões tão peculiares exigidas pelo universo da paternidade e maternidade." E, mais adiante, observa:2 "(...) pesquisas realizadas pela Associação Americana de Psicologia indicam que"não há um único estudo que tenha constatado que as crianças de pais homossexuais e de lésbicas teriam qualquer prejuízo significativo em relação às crianças de pais heterossexuais. (...) o ambiente promovido por pais homossexuais e lésbicas é tão favorável quanto os promovidos por pais heterossexuais para apoiar e habilitar o crescimento 'psicológico das crianças'. A maioria das crianças em todos os estudos funcionou bem intelectualmente e 'não demonstrou comportamentos ego-destrutivo prejudiciais à comunidade'. Os estudos também revelam isso nos termos que dizem respeito às relações com os pais, auto-estima, habilidade de liderança, ego-confiança, flexibilidade interpessoal, como também o geral bem-estar emocional das crianças que vivem com pais homossexuais não demonstravam diferenças daqueles encontrados com seus pais heterossexuais. (In: Filiação e homossexualidade. Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 78. 2 op cit., p. 83. ). Em caso semelhante, já tive a oportunidade de acompanhar o voto do ilustre juiz, hoje Des. D'Artagnan Serpa Sá, cuja ementa cita-se:

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO. SENTENÇA TERMINATIVA. QUESTÃO DE MÉRITO E NÃO DE CONDIÇÃO DA AÇÃO.

82 HABILITAÇÃO DEFERIDA. LIMITAÇÃO QUANTO AO SEXO E À IDADE DOS ADOTANDOS EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DOS ADOTANTES. INADMISSÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. APELO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Se as uniões homoafetivas já são reconhecidas como entidade familiar, com origem em um vínculo afetivo, a merecer tutela legal, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos onde a lei não prevê. 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento. Do seu conteúdo, extrai-se:"Quando invocamos o artigo 45 do Estatuto da Criança e do Adolescente e propagamos o direito destes de se manifestar sobre a própria adoção e sobre a família a que irão pertencer, o fazemos nos casos em quem as crianças a serem, facultativamente, adotados tem idade e discernimento para tanto. Agora, impor aos apelantes crianças com estas características porque capazes de manifestar os seus preconceitos e aceitar ou não as intempéries de ter como pais um casal homossexual, é contrariar todo o discurso sobre igualdade e isonomia, princípios primordiais de garantia e direitos fundamentais.Veja-se, ainda, que é muito mais fácil para uma criança de pouco idade crescer amando e respeitando seus pais adotivos, quaisquer que seja, com todas as suas particularidades, pautadas em valores éticos e morais apropriados à nova sociedade que se apresenta em lenta, mas gradual, mutação e com a qual temos a obrigação de contribuir, do que para as crianças e adolescentes que já tem enraizados os seus preconceitos e falsas impressões sobre uma relação homoafetiva. (AC n. 529976-1, rel. Juiz conv., hoje Des. D'Artagnan Serpa Sá, j. em 11/03/2009) Ademais, diante da possibilidade de pessoas solteiras adotarem, como inclusive é o caso dos autos, apresenta-se, como condição mais importante para a adoção, que as crianças órfãs, abrigadas, sejam amadas, respeitadas e tenham a oportunidade de vivenciar uma relação familiar, seja ela constituída por famílias monoparentais, tradicionais ou mesmo homoafetivas.

Na verdade, a adoção envolve a criação de vínculos afetivos, onde pais e filhos se adotam na nova relação, independentemente da orientação sexual dos adotantes.

Ante o exposto, voto pelo desprovimento do recurso de apelação. ACORDAM os magistrados integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto do Relator.

Participaram do julgamento os Senhores Magistrados: DES. JOSÉ CICHOCKI NETO e JUIZ CONV. MARCOS S. GALLIANO DAROS. Curitiba, 12 de maio de 2010. DES. COSTA BARROS Relator

83 ANEXO C – Acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Câmara Especial

TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo

Câmara Especial Apelação 0004884-79.2011.8.26.0457 Registro: 2012.0000348490 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0004884-79.2011.8.26.0457, da Comarca de Pirassununga, em que são apelantes XÁDIA ROBERTA FERREIRA ZANATTA CITAL e ANA LÚCIA DE OLIVEIRA, é apelado PROMOTOR DE JUSTIÇA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DE PIRASSUNUNGA.

ACORDAM, em Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso, para reformar parcialmente a r. sentença de fls. 53/60, a fim de excluir dela a

vedação para eventual adoção de criança do sexo masculino. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VICE PRESIDENTE (Presidente sem voto), PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO E PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL. São Paulo, 23 de julho de 2012 CLAUDIA GRIECO TABOSA PESSOA RELATORA

Assinatura Eletrônica Voto nº 931 Apelantes: Xádia Roberta Ferreira Zanatta Cital, Ana Lúcia de Oliveira

Apelado: Promotor de Justiça da Vara da Infância e da Juventude de Pirassununga

84 Apelação – Procedimento de habilitação no cadastro de pretendentes à adoção, por casal em união homoafetiva –

Deferimento, com ressalva de vedação à adoção de infante masculino – Alegação do Juízo de que a adoção de um garoto por mulheres em união homoafetiva não se mostra adequada, vez que a figura paterna é essencial para a formação de sua personalidade – Inadmissibilidade - Adoção deve em tudo se assemelhar à família naturalmente constituída - Conduta da sexagem (possibilidade de escolha do sexo do bebê) que não é admitida

nos nascimentos naturais e, assim, não deve ser imposta às pretensas adotantes - Adoção que, acima de tudo, é medida protetiva de colocação da criança em família substituta e, como tal, não deve encontrar obstáculos, senão aqueles legalmente previstos – Situações hipotéticas não podem basear as decisões judiciais – Lesão a direitos constitucionalmente reconhecidos – Às autoras, o direito constitucional à família. À criança, ou adolescente, o

direito a ampla proteção – Estado que tem o dever de proteger a criança e o adolescente, não podendo, assim,

restringir a adoção pares homoafetivos, que comprovadamente possuam convivência familiar estável -

Tramitação idêntica do processo de adoção requerido por pessoa heterossexual deve ter aquele solicitado por homossexual – Estudos favoráveis juntados aos autos – Obstáculo que é vedado por disposição constitucional

(artigo 5º) e representa prejuízo ao melhor interesse das crianças e adolescentes – Apelo ao qual se dá

provimento, para reformar parcialmente a r. sentença a fim de excluir dela a vedação para eventual adoção de criança do sexo masculino.

Trata-se de apelação interposta por Xádia Roberta Ferreira Zanatta Cital e por Ana Lúcia de Oliveira, em face da

r. sentença prolatada as fls. 53/60, pela qual o MM. Juízo da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Pirassununga deferiu a inscrição das apelantes no cadastro de pretendentes à adoção, vedando, entretanto, adoção de infante do sexo masculino. Argumentou o d. Juízo Monocrático, em síntese, que “a adoção de um garoto por

mulheres em união homoafetiva”, não se mostraria adequada, vez que, a figura paterna é essencial para a formação da personalidade da criança.

As apelantes buscam a reforma do decidido, alegando, em resumo: 1. Que os estudos social e psicológico apontaram para a possibilidade de adoção de criança do sexo masculino; 2. Que não compete ao Juízo fazer

ilações sobre os riscos de eventual adoção por duas mulheres; 3. Que não há amparo legal, tampouco técnico-

psicológico para a referida proibição; 4. Que a vedação não se pauta na dignidade da pessoa humana; 5. Que a

orientação sexual das pessoas não pode representar óbices; 6. Que eventual ausência da figura paterna não representa, necessariamente, risco de criação de formação de pessoa violenta; 7. Que a principal razão da filiação

é transmitir afeto e amor, razão pela qual não se admite restrição quanto ao sexo na adoção. As fls. 100/101, juntou-se “adendo” corrigindo pequeno erro material constante da apelação, recebido a fls. 102. Manifestou-se o

Ministério Público do Estado pelo provimento do recurso interposto (fls. 104/107). A d. Procuradoria Geral de Justiça elaborou parecer, também opinando pelo provimento do recurso (fls.). É o relatório. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e tenho que a ele deva ser dado provimento.

85 Por proêmio, cabe-nos considerar que a possibilidade de adoção por pessoa que alega homoafetividade não se

confunde com a questão de fundo. Trata de questão já assente em nossos tribunais. Desde que preenchidos todos os requisitos necessários à inclusão no cadastro de pessoas aptas à adoção, o direito à inclusão no rol dos pretendentes, para aqueles que mantêm relação homoafetiva, não pode ser excluído por este simples fato. Recente decisão desta C. Câmara expôs o seguinte entendimento: “(...) É evidente que a opção sexual da apelada não poderia ser considerada para negativa de inclusão no rol

pretendido, sob pena de violação aos princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana (incisos II e III, do artigo 1º, da Constituição Federal), ressaltando, ainda, os artigos 3º, inciso IV, e 5º, caput e inciso II, também da Carta Magna.(...)” (Apelação nº 9000003-34.2011.8.26.0576, Rel. Des. Silveira Paulilo, j. 30/01/12).

O C. STF, aliás, já se manifestou acerca da “família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277, relatada pelo Ministro Ayres Britto).

Nesse passo, a opção sexual das apelantes não será considerada, por si só, no presente caso. Superada esta

análise prévia, passo a apreciar a questão meritória do recurso. Tem-se dos autos que o d. Juízo de primeiro grau deferiu a inscrição das apelantes no cadastro de adotantes da Comarca, mas condicionou a adoção homoparental à criança do sexo feminino, havendo por bem vedar a adoção de infante masculino. Tal decisão, entretanto, merece parcial reforma.

Como cediço, a adoção deve em tudo se assemelhar à família naturalmente constituída. Não se concebe a sexagem (possibilidade de escolha do sexo do bebê) nos nascimentos naturais. Tanto assim que o Conselho

Federal de Medicina, em resolução de 1992 (confirmada pela Resolução nº 1.957/10), proibiu o uso de técnicas

de reprodução assistida com o objetivo de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro

filho. Tal conduta, portanto, não deve ser imposta às pretensas adotantes, seja qual for o pretexto. O C. STF, apreciando caso análogo, dispôs: “Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é

transformar a sublime relação de filiação, sem vínculo biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento.” (RE 615261 / PR, Relator: AURÉLIO, julgamento: 16/08/2010).

Min. Marco

A adoção, acima de tudo, é medida protetiva de colocação da criança em família substituta e, como tal, não deve encontrar obstáculos, senão aqueles legalmente previstos. Obstar o acesso à criança constante do cadastro de

adoção, por ser do sexo masculino, pode tolher seu direito de encontrar rápida guarida em família saudável, com pena de prejuízo a seu melhor interesse.

O d. magistrado apoiou sua tese em citação de terapeuta australiano (Steve Biddulph), autor de best-seller. Não

nos parece, contudo, entendimento adequado para a realidade brasileira, vez que se contrapõe à maioria das posições hoje consolidadas. Vê-se, inclusive, que está em desencontro à posição do Conselho Federal de

86 Psicologia que, em 1999, editou a Resolução nº 01, cujo artigo 2° dispõe: “Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.”.

Conclui-se que não há amparo legal, tampouco técnico-científico, que aponte para a possibilidade de maior risco na criação de criança do sexo masculino por casal de mulheres. Do contrário, teríamos de necessariamente

concluir que tal risco existe quando crianças são criadas por mães solteiras, cujos pais são falecidos ou desaparecidos.

Igualmente, não há como garantir que crianças do sexo feminino encontrem melhor educação entre mulheres,

não sendo raros os casos de meninas criadas apenas por pais. Situações hipotéticas não podem basear as decisões

judiciais. Assim, nos parece que a vedação imposta no decisório não merece permanecer, vez que representa empecilho que a lei não prevê.

Ao limitar o pedido aqui postulado, o Juízo lesa um complexo de direitos constitucionalmente reconhecidos. Às

autoras, fere o direito constitucional à família. À criança, ou adolescente, embaraça o direito a ampla proteção. O

estado tem o dever de proteger a criança e o adolescente. Não pode, assim, restringir a adoção por pares homoafetivos, realidade encontrada na sociedade atual, desde que comprovadamente possuam convivência familiar estável.

Como cediço, para que a adoção seja autorizada, deve o juiz analisar elementos objetivos e subjetivos do adotante, legalmente previstos, mediante auxílio da equipe técnica multidisciplinar. Deve, ainda, colher oitivas e

elementos que atestem a idoneidade moral, a estabilidade emocional e a aptidão para o uso do poder familiar do

pretenso adotante. Tudo, entretanto, independente de sua orientação sexual. No caso dos autos, inclusive, vê-se a tomada de cautela maior, com o retorno do caso ao Setor Técnico de Psicologia, este que, por sinal, reforçou a

possibilidade de inserção das apelantes no cadastro de pretendentes à adoção, sem qualquer restrição (fls. 33/34 e 46/47).

Concluiu a senhora técnica que, “diante das considerações acima e das entrevistas realizadas na avaliação

psicológica previamente realizada, não foram observados impedimentos à adoção de uma criança do sexo

masculino pelo casal aqui avaliado”. Favorável, também, foi o estudo social juntado aos autos (fls. 28/30). Aponte-se, ainda, a concordância ministerial. É do parecer do ilustre Promotor de Justiça, Dr. Celso Augusto

Werneck de Rezende, a seguinte explanação: “Estando presentes os elementos citados referentes à estrutura

psicossocial, conforme fls. 28/30, 33/34 e 46/47, não se nos afigura razoável impor a limitação à adoção de meninos, conforme citado, data maxima venia, com base no “imponderável” ou em único entendimento técnico

(...). Além disso, pondera- se ser mais favorável a um menor em condição de ser adotado a sua inclusão em uma família que o deseja e, reconhecidamente estruturada, pode recebê-lo de braços e corações abertos, que sua manutenção em estado de acolhimento institucional, este sim excepcional, de caráter transitório e até certo ponto prejudicial ao infante.” Tramitação idêntica do processo de adoção requerido por pessoa heterossexual deve ter aquele solicitado por homossexual.

87 A limitação do pedido formulado, em face da orientação sexual da pessoa, é contrária aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais. Nesse passo, o óbice imposto (quanto à adoção de criança do sexo

masculino, por casal de mulheres que mantém relação homoafetiva), não encontra amparo no artigo 5º, da Constituição da República, e representa prejuízo ao melhor interesse das crianças e adolescentes. Oportuno mencionar o ensinamento de Vechiatti:

“(...) ante a lacuna da legislação a respeito, é cabível uma interpretação extensiva ou uma analogia para permitir

que homossexuais solteiros e casais homoafetivos adotem crianças e adolescentes, por força dos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, e dada a absoluta inexistência de prejuízos ocasionados por essa

adoção, ao menor, que, muito pelo contrário, passará a receber amor, solidariedade, respeito, confiança, e todos

os valores que configuram uma vida digna, em atendimento ao seu direito subjetivo de ser adotado.” (VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. São Paulo: Método, 2008, p. 548).

O deferimento da adoção de criança do sexo masculino ao casal requerente tem mínima chance de representar

prejuízos ao adotado, ante a perspectiva de vir a ser (a criança ou o adolescente) atendido quanto aos seus interesses, a partir da inserção em um lar, com amor e afeto essenciais para o pleno desenvolvimento.

O indeferimento, ao contrário, é certeza de prejuízo à criança, que não tem ao lado os pais biológicos, ou decaiu do poder familiar, e se encontra em situação de abrigamento. Insta salientar que as apelantes não recusam a adoção de meninas. Pretendem, apenas, não ver obstado o direito de adotarem meninos, o que afasta a alegação

do Juízo singular de que “acreditam ser fácil a adoção de um garoto”. Por tais razões é que o presente recurso merece ser provido, para reforma parcial da decisão atacada. Pelo exposto, por meu voto, dou provimento ao recurso, para reformar parcialmente a r. sentença de fls. 53/60, a fim de excluir dela a vedação para eventual adoção de criança do sexo masculino.

CLAUDIA GRIECO TABOSA PESSOA Relatora

88 ANEXO D – Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA.

POSSIBILIDADE. POSICIONAMENTO CONSAGRADO NO JULGAMENTO DA ADIN Nº 4277 E DA ADPF Nº 132. DIREITOS SUCESSÓRIOS. PREQUESTIONAMENTO.

1. Tendo em vista o julgamento da ADIn nº 4277 e da ADPF nº 132, resta superada a compreensão de que se revela juridicamente impossível o reconhecimento de união estável, em se tratando de duas pessoas do mesmo sexo.

2. Na espécie, o conjunto probatório é robusto no sentido da caracterização do relacionamento estável, nos

moldes do art. 1.723 do CC, razão por que deve ser emprestado à relação havida entre a recorrente e a companheira falecida tratamento equivalente ao que a lei confere à união estável havida entre homem e mulher,

inclusive no que se refere aos direitos sucessórios sobre as duas casas construídas com esforço comum, o que foi

reconhecido judicialmente, na forma do art. 1.790, III, do CC (pois concorre a insurgente com a genitora da falecida).

3. O magistrado não está obrigado a se manifestar sobre todos os dispositivos legais invocados pelas partes,

necessitando, apenas, indicar o suporte jurídico no qual embasa seu juízo de valor, entendendo ter dado à matéria à correta interpretação jurídica. APELO PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL

OITAVA CÂMARA CÍVEL Nº 70045194677

COMARCA DE PORTO ALEGRE L.S.C. - APELANTE S.R.O. - APELADO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo, nos termos dos votos a seguir transcritos. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS. Porto Alegre, 22 de março de 2012.

DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL,

89 Relator. RELATÓRIO

DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL (RELATOR) Trata-se de recurso de apelação interposto por LUCIR da S. C., inconformada com a sentença de parcial procedência proferida nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com petição de herança movida em face da SUCESSÃO de REJANE de O., cujo dispositivo foi lançado nos seguintes termos:

Isso posto, julgo procedente, em parte, o pedido, para declarar a existência de parceria civil entre LUCIR da S. C. e a falecida REJANE de O., no período compreendido entre 10.07.1983 e 21.02.2008, quando do falecimento

de Rejane. Em consequência, declaro a propriedade de LUCIR da S. C. sobre a fração ideal de 50% do imóvel que lhes servia de moradia, localizado na Rua Alcides Honório da Silveira, 115, Bairro Rubem Berta. A partilha

deverá ocorrer respeitando esta proporção, inclusive no que toca às duas construções efetivadas sobre o terreno. Condeno a demandada ao pagamento de locativos para a autora, devidos desde a data da citação, em valores que vão liquidados em 30% do salário mínimo nacional.

Insurge-se, em suma, contra o reconhecimento de que a relação havida foi de parceria civil, não tendo em razão disso direitos sucessórios.

Sustenta que a legislação pátria não proíbe a união homoafetiva, o que importa reconhecer que é permitida pelo Direito, cabendo ao julgador, diante da lacuna da lei, fixar os efeitos jurídicos decorrentes dessa união, apontando que o art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e o art. 126 do CPC indicam o uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito para decidir.

Alega que o texto constitucional, em seu art. 1º, III, dita como princípio básico do sistema o respeito à dignidade

humana, o qual acabou ferido pela decisão atacada, mencionando que o art. 226, §3º, que reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, deve ser aplicado às uniões homoafetivas constituídas com o intuito de família, pois o Direito deve acompanhar a evolução da própria sociedade, tecendo comentários, ainda, a respeito do princípio da igualdade e da proibição do tratamento discriminatório.

Assevera ter sido plenamente demonstrada que a união havida com Rejane foi pública, contínua, duradoura e

com o intuito de constituir família, somente cessando em razão do seu falecimento, razão por defende deva ser

reconhecida a união estável, decorrendo daí os efeitos jurídicos atinentes a esta modalidade de relacionamento, inclusive os relativos à sucessão. Colaciona jurisprudência.

Prequestionando a matéria, postula o provimento do apelo (fls. 229/237).

90 Apresentadas as contrarrazões (fls. 241/244), os autos foram remetidos a esta Corte para julgamento, opinando a Procuradoria de Justiça pelo provimento do apelo (fls. 247/249).

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado. É o relatório. VOTOS

DES. RICARDO MOREIRA LINS PASTL (RELATOR) Eminentes colegas, conheço do apelo, porquanto próprio, tempestivo (interposto antes da fluência do prazo recursal, fls. 228 e 229) e dispensado de preparo (benefício da gratuidade judiciária deferido à fl. 33).

No caso, insurge-se a recorrente contra a declaração da existência de parceria civil com a falecida Rejane,

postulando o reconhecimento da união estável homoafetiva havida, bem como dos direitos sucessórios daí decorrentes, o que, com a devida vênia do entendimento em sentido diverso, tenho que merece prosperar.

É que, com efeito, em recente decisão, o Tribunal Pleno do STF, no julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, em 05.05.2011, reconheceu a proteção jurídica da união estável entre pessoas do mesmo sexo, conferindo

interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 1.723 do Código Civil , a fim de “excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas

do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”.

Restou, assim, superada a compreensão sentencial de que “se revela juridicamente impossível a união estável,

em se tratando de duas pessoas do mesmo sexo” (fl. 213), como ainda vinha sendo afirmado nesta Corte de

Justiça (assim, v. g., EI nº 70037917184, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, 10/09/2010; AC nº 70031663818, 7ª Câmara Cível, Rel. José Conrado Kurtz de Souza, 28/04/2010; AC nº 70033073388, 8ª Câmara Cível, Rel. Luiz Ari Azambuja Ramos, 22/04/2010).

Deste modo, e considerando que, na espécie, o conjunto probatório constante dos autos é robusto no sentido da presença dos elementos caracterizadores de um relacionamento estável, nos moldes do art. 1.723 do Código Civil, ou seja, de que houve, assim como reconhecido no ato judicial atacado, “coabitação, relacionamento

amoroso, durabilidade de mais de vinte anos e intuito de conjugalidade, entre Lucir e Rejane, o qual se estendeu até o falecimento desta última” (fl. 215, verso), não há dúvida de que deve ser emprestado à aludida relação

tratamento equivalente ao que a lei confere à união estável havida entre homem e mulher, inclusive no que se refere aos direitos sucessórios, como postulado, na forma do art. 1.790, III, do Código Civil (pois concorre a recorrente com a genitora da falecida), sobre as duas casas construídas com esforço comum no terreno localizado

91 na Rua Alcides Honório da Silveira, nº 115, Bairro Rubem Berta, no Município de Porto Alegre, o que foi judicialmente reconhecido (fl. 216), não tendo sido objeto de irresignação pela recorrida.

Nesse sentido, por representar exatamente o entendimento que obtive da análise do caso em julgamento, peço licença para adotar, em acréscimo às razões de decidir, os lúcidos fundamentos contidos no parecer ofertado nesta Instância pela ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Noara Bernardy Lisboa, in verbis:

Pelo que se verifica da sentença recorrida, o Juízo a quo reconheceu a existência de parceria civil entre a apelante e a falecida, nos seguintes termos:

“Outrossim, em que pese a impossibilidade jurídica acima referida, isso não significa que a relação homossexual esteja à margem do ordenamento jurídico. (...)

Deste modo, se é certo que não se pode declarar existente a união estável, nada impede que se reconheça a parceria civil. (...)

Nesse cenário, compulsando o contexto probatório que aportou nos autos, é possível concluir que houve, de fato, coabitação, relacionamento amoroso, durabilidade de mais de vinte anos e intuito de conjugalidade, entre Lucir e Rejane, o qual se estendeu até o falecimento dessa última.

A relação assemelhou-se à típica união estável, ...” (fls. 214 e 215v). (Grifou-se) Vale lembrar que a sentença hostilizada foi proferida em dezembro de 2010 e, de acordo com a respectiva fundamentação, leva a crer que somente não declarou a existência de união estável entre a apelante e a falecida,

porque, àquela época, havia, em tese, o impedimento legal de se reconhecer esse instituto jurídico entre pessoas do mesmo sexo.

Outrossim, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, em maio de 2011, que julgou a Ação Direta de

Inconstitucionalidade – ADI 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 132, reconhecendo a união estável para casais do mesmo sexo, essa interpretação não mais se sustenta.

A partir dos referidos julgamentos, com efeito vinculante, interpreta-se o artigo 1.723 do Código Civil de forma a não colidir com o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal.

Ou seja, ao se aplicar o referido artigo 1.723, deve-se interpretá-lo de forma a não criar qualquer discriminação em virtude da opção sexual, excluindo-se “qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua,

pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo

perfeito de "família". Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”.

Neste sentido, jurisprudência deste Tribunal de Justiça:

92

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. Há possibilidade jurídica na ação declaratória de união estável mantida entre pessoas do

mesmo sexo, uma vez preenchidos os demais requisitos exigidos em lei. Precedentes desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça. Configurada a continuidade e a publicidade da união pelas partes, com o intuito de constituir

família, é de ser reconhecida a união estável homoafetiva. Sentença de procedência confirmada. NEGARAM

PROVIMENTO Á APELAÇÃO. (Apelação Cível Nº 70038506176, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 19/10/2011) (Grifou-se)

Desta forma, deve ser acatado o entendimento do Supremo Tribunal Federal e declarada a existência de união

estável homoafetiva entre a apelante, Lucir da Silva Cardoso, e a falecida, Rejane de Oliveira, com os

respectivos efeitos legais daí decorrentes, no caso, as regras que tutelam o direito sucessório entre companheiros, aplicando-se o artigo 1.790, inciso III, do Código de Processo Civil. Acerca do tema, alinho recentes precedentes do STJ: PROCESSUAL

CIVIL.

AGRAVO

REGIMENTAL.

RECURSO

ESPECIAL.

UNIÃO

ESTÁVEL

HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PRECEDENTES. 1. Na linha da jurisprudência

predominante no STJ, não é juridicamente impossível o pedido de reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo. Carência de ação corretamente afastada pela decisão agravada. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 805.582/MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, 21/06/2011)

CIVIL. RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. EMPREGO DA ANALOGIA. 1. "A regra do art. 226, § 3º da Constituição, que se refere ao reconhecimento da união estável

entre homem e mulher, representou a superação da distinção que se fazia anteriormente entre o casamento e as

relações de companheirismo. Trata-se de norma inclusiva, de inspiração anti-discriminatória, que não deve ser interpretada como norma excludente e discriminatória, voltada a impedir a aplicação do regime da união estável

às relações homoafetivas". 2. É juridicamente possível pedido de reconhecimento de união estável de casal homossexual, uma vez que não há, no ordenamento jurídico brasileiro, vedação explícita ao ajuizamento de

demanda com tal propósito. Competência do juízo da vara de família para julgar o pedido. 3. Os arts. 4º e 5º da Lei de Introdução do Código Civil autorizam o julgador a reconhecer a união estável entre pessoas de mesmo

sexo. 4. A extensão, aos relacionamentos homoafetivos, dos efeitos jurídicos do regime de união estável

aplicável aos casais heterossexuais traduz a corporificação dos princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. 5. A Lei Maria da Penha atribuiu às uniões homoafetivas o caráter de entidade familiar, ao prever, no seu artigo 5º, parágrafo único, que as relações pessoais mencionadas naquele dispositivo

independem de orientação sexual. 6. Recurso especial desprovido. (REsp 827.962/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, 21/06/2011)

93 DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO HOMOAFETIVA POST

MORTEM. DIVISÃO DO PATRIMÔNIO ADQUIRIDO AO LONGO DO RELACIONAMENTO. EXISTÊNCIA DE FILHO ADOTADO PELO PARCEIRO FALECIDO. PRESUNÇÃO DE ESFORÇO

COMUM. 1. Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às

portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela. Essa circunstância não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para regular as relações contextualizadas em uma

sociedade pós-moderna, com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais. 2. Os princípios da igualdade e da dignidade humana, que

têm como função principal a promoção da autodeterminação e impõem tratamento igualitário entre as diferentes estruturas de convívio sob o âmbito do direito de família, justificam o reconhecimento das parcerias afetivas entre homossexuais como mais uma das várias modalidades de entidade familiar. 3. O art. 4º da LICC permite a

equidade na busca da Justiça. O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidades familiares, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o

reconhecimento, como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização de entidade familiar diversa e que serve, na hipótese, como parâmetro diante do vazio legal - a de união estável com a evidente exceção da diversidade de sexos. 4. Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo

sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem a ocorrência dos impedimentos do art. 1.521 do CC/02, com a exceção do inc. VI quanto à pessoa casada separada de fato ou judicialmente, haverá, por consequência, o reconhecimento dessa parceria como entidade familiar, com a

respectiva atribuição de efeitos jurídicos dela advindos. 5. Comprovada a existência de união afetiva entre

pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento, em nome de um apenas ou de ambos, sem que se exija, para tanto, a

prova do esforço comum, que nesses casos, é presumida. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1199667/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, 19/05/2011)

Acerca da afirmação dos direitos hereditários aqui pleiteados, permito-me ainda mencionar: APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. APELO DA SUCESSÃO. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Seja como parceria civil (como reconhecida majoritariamente pela

Sétima Câmara Cível) seja como união estável, uma vez presentes os pressupostos constitutivos, de rigor o reconhecimento de efeitos patrimoniais nas uniões homossexuais, em face dos princípios constitucionais

vigentes, centrados na valorização do ser humano. Caso em que se reconhece as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união

heterossexual. APELO DO AUTOR O apelante alegou que a sentença foi extra petita, pois decidiu sobre direito

sucessório que não é objeto da presente ação declaratória. Disse que a sentença inovou e causou-lhe prejuízos ao esclarecer que "terá direito a um terço da herança, nos termos do art. 1790, III, do CC". Aduziu que deve ser

aplicado o artigo 1.837 do Código Civil para determinar a ordem da vocação hereditária. Contudo, a sentença não foi extra petita, na medida em que não houve decisão sobre este tema. A sentença apenas fez referência ao

94 tema na fundamentação sem que tal referência constasse do dispositivo sentencial. Logo, não há decisão sobre este tema, o qual, de fato, não foi objeto desta ação. Aliás, sequer houve discussão sobre esta temática durante o

processo. Nesse passo, não há porque decidir esta questão agora, devendo tal pretensão ser deduzida nos autos

do inventário do companheiro do autor. NEGARAM PROVIMENTO AOS APELOS. (Apelação Cível Nº 70035804772, Oitava Câmara Cível, TJRS, Relator Rui Portanova, 10/06/2010)

Por derradeiro, com relação ao prequestionamento, ressalto que o magistrado não está obrigado a se manifestar

sobre todos os dispositivos legais invocados pelas partes, necessitando, apenas, indicar o suporte jurídico no qual embasa seu juízo de valor, entendendo ter dado à matéria à correta interpretação jurídica. Logo, a falta de enfrentamento expresso de fundamentos legais mencionados pelas partes não acarreta omissão no julgado, até porque apresentadas razões suficientes para justificar a decisão (v. g., AI nº 70018830596, 18ª Câmara Cível, TJRS, Relator André Luiz Planella Villarinho, j. em 08/03/2007; e AI nº 70015250665, 12ª Câmara Cível, TJRS, Relatora Naele Ochoa Piazzeta, j. em 14/09/2006). ANTE O EXPOSTO, dou provimento ao apelo. Em face da solução preconizada, condeno a parte recorrida aos ônus da sucumbência, mantendo a verba

honorária na mesma extensão fixada na origem, ficando suspensa sua exigibilidade, contudo, em face da concessão do benefício da assistência judiciária que ora defiro.

DES. RUI PORTANOVA (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a). DES. LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Apelação Cível nº 70045194677, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: MARCO AURELIO MARTINS XAVIER

95 ANEXO E – Decisão da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca do Rio de Janeiro – RJ

1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro Processo nº 97/1/03710-8

Juiz Siro Darlan de Oliveira Requerente: J.L.P.M. Adolescente: M.S.P.

Data do julgamento: 20/07/98 Vistos, etc... O Requerente propôs AÇÃO DE ADOÇÃO do adolescente com Destituição de Pátrio Poder em face dos

Requeridos alegando que o menor já se encontra em companhia do Requerente, após ter sido abandonado por vários anos no Educandário R.D. desde 1988, quando contava apenas 2 anos de idade. Instruiu o pedido com os

documentos acostados às fls. 6/7. Deferida a guarda provisória (fls. 9), a citação editalícia (fls. 24/26) e funcionou regularmente o Dr. Curador Especial (fls. 28). Estudo Social às fls. 15/16, relatório de visita

domiciliar às fls. 32/33 e declaração de idoneidade para a adoção às fls. 34, laudo de parecer psicológico favorável ao deferimento do pedido às fls. 39. Saneador irrecorrido. Realizada a audiência de instrução e julgamento às fls. 44 com manifestação da Promotoria da Infância e da Juventude requerendo sejam repetidos os

estudos sociais e psicológicos (fls. 46/47), laudos às fls. 49/52, não encontrando as Assistentes Sociais óbices ao pleito do Requerente. Manifestaram-se as representantes do Ministério Público às fls. 55/57 opinando pelo indeferimento do pedido. É o relatório. DECIDO: O pedido inicial deve ser acolhido porque o Suplicante demonstrou reunir condições para o pleno exercício do

encargo pleiteado, atestado esse fato pela emissão da Declaração de Idoneidade para Adoção que se encontra às fls. 34 com o parecer favorável do Ministério Público contra o qual não se insurgiu no prazo legal devido,

fundando-se em motivos legítimos, de acordo com o Estudo Social (fls. 15/16 e 49/52) e Parecer Psicológico (fls. 39/41), e apresenta reais vantagens para o Adotando, que vivia há 12 anos em estado de abandono familiar

em instituição coletiva e hoje tem a possibilidade de conviver em ambiente familiar (chama o Requerente de “pai”), estuda em colégio de conceituado nível de ensino religioso, o Colégio S.M. e frequenta um psicanalista para que melhor possa se adequar à nova realidade de poder exercitar o direito do convívio familiar que a Constituição Federal assegura no art. 227.

A Constituição da República assegura igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, não

admite o texto constitucional qualquer tipo de preconceito ou discriminação na decisão judicial quando afirma

96 que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”, estando previsto ainda que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Ora, não alegam os Fiscais qualquer norma impeditiva para o acolhimento do pleito inicial, ao

contrário manifestaram-se favoravelmente ao deferimento da Habilitação para Adoção cujo certificado instrui o

pedido e a manifestação contida às fls. 55/57 parece referir-se a pedido diverso do contido na peça exordial eis

que afirma que “o ordenamento jurídico brasileiro não prevê o casamento de pessoas do mesmo sexo, o que data venia não é matéria a ser decidida por esse juízo, além de estar em franca contradição com os fatos e laudos da equipe interprofissional ao afirmar que “não acredita que trará reais vantagens para o adotando”.”.

Afirmam os expertos que “M. demostra estar feliz com sua inserção num contexto familiar. Os vínculos

formados com o Sr. J. são de confiança e parecem estar permitindo o desenvolvimento pleno do menino”

(Parecer psicológico, fls. 41) e, “o menino exibia boa aparência, expressando-se com naturalidade, parecendo-

nos estar recebendo os cuidados necessários ao seu desenvolvimento (Estudo Social, fls. 51) e, ainda, o próprio adolescente afirma às fls. 44: “que agora tem um pai de nome J. ... que está gostando de morar com seu novo pai,

que além de estudar brinca muito, que seu novo pai é professor de ciências, que quando seu pai está trabalhando fica com a empregada, que deseja ser adotado”. Qual será então o conceito de “reais vantagens” dos Ilustres Fiscais? Deve ser muito diferente do que afirmam a Equipe Interprofissional e o próprio interessado, o adolescente, que prefere ver acolhido o pedido que permanecer em uma instituição sem qualquer nova chance de ter uma família, abandonado até que aos doze anos sofrerá nova rejeição já que não poderá mais permanecer no

Educandário R.M.D., onde se encontra desde que nasceu, e será transferido para outro estabelecimento de

segregação e tratamento coletivo, sem qualquer chance de desenvolver sua individualidade e sua cidadania, até que por evasão forçada ou espontânea poderá transformar-se em mais um habitante das ruas e logradouros

públicos com grandes chances de residir nas Escolas de Formação de “marginais” em que se transformaram os atuais “Presídios de menores” e, quem sabe, atingir ao posto máximo com ingresso no Sistema Penitenciário? Será esse o critério de “reais vantagens”???

A lei não acolhe razões que tem por fundamento o preconceito e a discriminação, portanto o que a lei não proíbe não pode o intérprete inovar. ISTO POSTO.

Julgo Procedente o pedido inicial para deferir, com fundamento no art. 39 da Lei 8.069/90, ao Requerente a

adoção do adolescente, acima qualificada, e passará a chamar-se M.C.P.M., filho de J.L.P.M., sendo avós paternos S.M.M. e D.P.R. Decreto a perda do Pátrio Poder em relação aos pais biológicos. Cancele-se o registro

de nascimento e increva-se a presente no competente cartório de registro civil. P.R.I. Transitado em julgado. Arquive-se.

Rio de Janeiro, 20 de julho de 1998. SIRO DARLAN DE OLIVEIRA

Juiz Titular da 1ª Vara da Infância e Juventude

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.