A ADOÇÃO DO CONCEITO DE DIREITO NATURAL SOB O MODELO PRINCIPIALISTA PARA A DISCUSSÃO DO ABORTO

June 7, 2017 | Autor: Henrique Machado | Categoria: Bioética, Filosofia
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A ADOÇÃO DO CONCEITO DE DIREITO NATURAL SOB O MODELO PRINCIPIALISTA PARA A DISCUSSÃO DO ABORTO Henrique Bonato Machado. [email protected] (UPM)

PALAVRAS-CHAVE: bioética, principialismo, Locke, aborto.

A natureza multiforme da bioética permite sua abordagem por diferentes perspectivas. Tanto em seus fundamentos quanto em suas conclusões. Podemos analisa-la sob uma ótica humanista e antropocêntrica, tendo como referência o ser humano, bem como considera-la por um viés naturalista e darwinista, nos quais a humanidade é apenas mais uma espécie animal a ser considerada, com nenhuma superioridade intrínseca sobre os demais seres vivos. Embora a bioética permita a pluralidade de abordagens, é necessário ao profissional fazer uma opção a fim de basear suas pesquisas e conclusões de maneira mais objetiva possível. Para fins deste estudo, foi adotado como orientação o modelo principialista, proposto por Tom Beauchamp e James Childrees em sua obra Principles of Biomedical Ethics. O principialismo pode ser descrito como sendo um modelo bioético surgido nos Estados Unidos da América, com especial interesse na área médica, cujos pontos principais são: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça. Contudo, em um sentido lato, é uma convergência à bioética ao possuir aptidão para a discussão de problemáticas por meio da definição e aplicação de princípios. A partir do modelo principialista, sugerimos uma apropriação do conceito de “direito natural”, proposto pelo filósofo empirista John Locke, para a bioética com a finalidade de melhor definição, em especial, para os princípios de autonomia e justiça contidos no modelo supracitado. Um dos pensadores principais do Iluminismo e do Liberalismo, Locke destacou em sua obra “Segundo tratado sobre o governo civil” o que, posteriormente, denominou-se na Declaração de Independência dos EUA de “direitos inalienáveis do homem”. Esses direitos apontados por Locke referem-se ao direito à vida, liberdade, igualdade de dignidade, etc., elementos que, a partir de 10 de dezembro de 1948, passaram a integrar a Declaração Universal de Direitos Humanos, promulgado pela ONU. Como exemplo dessa influência de John Locke na supracitada declaração, destacamos o artigo 3: “Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ONU, 1948). Os pressupostos de Locke, clara influência aos Pais Fundadores dos EUA e à Declaração Universal de Direitos humanos, podem seguramente ser assumidos como fundamentação para o

exercício da bioética em suas múltiplas aplicações, entre elas, na discussão relacionada ao aborto. O tema do aborto tem sido alvo de grandes discussões no Ocidente nas últimas décadas, e o Brasil não é exceção, quando a partir da década de 1980, com o avanço do movimento feminista, o debate se tornou mais presente. Contudo, a regulamentação sobre o assunto ainda está assentada em artigos de 1940 do Código Penal brasileiro. Segundo Andrea Azevedo Pinto:

Regulado legalmente desde 1940, o direito à interrupção voluntária da gravidez é negado e criminalizado no Brasil segundo os artigos 124, 125 e 126 do Código Penal brasileiro de 1940, sob o título de “crimes contra vida” (PINHO, 2009, p.135).

Embora haja muitos fatores envolvidos na discussão, como controvérsias religiosas, políticas, médicas e outras mais, é de primordial importância a consideração de que é na bioética que o debate deveria se iniciar. Estabelecido então o princípio de que a bioética é a área na qual os principais argumentos na discussão sobre o aborto devem ser situados, e se o humanismo iluminista for adotado como paradigma formador das disciplinas humanas, como a psicologia, sociologia, antropologia e a filosofia moderna (essenciais para o desenvolvimento da ética e, consequentemente, bioética), a abordagem sociológica do ser humano proposta por Locke deve ser levada em profunda consideração ao se discutir o aborto, mesmo quatro séculos depois. De acordo com Locke, todo ser humano é dotado naturalmente de direitos naturais. Isto é, possuidor de direitos inalienáveis, independente do Estado ou qualquer autoridade ao qual está submetido. O “estado de Natureza” é regido por um direito natural que se impõe a todos, e com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens (LOCKE, 2011, p.9).

Por “estado de Natureza” devemos entender que Locke se refere ao estado natural de todo ser humano, independente de nacionalidade, etnia, credo, gênero, idade ou outra qualquer distinção. Portanto não há, naturalmente, indivíduos com mais ou menos direitos à vida,

liberdade, saúde ou segurança. Se esses direitos tiverem de ser concedidos, quer seja por uma instituição ou por outro indivíduo, logo esses direitos não são naturais e, portanto, revogáveis. Se desconsiderarmos o estado absoluto do direito natural, e torna-lo revogável por algo não absoluto, como leis específicas de uma nação ou a uma decisão particular e individual segundo os próprios pressupostos e a consciência de particulares, a bioética abandona seu papel normativo e se torna perigosamente relativa, sob o risco de vir a ser apenas uma opinião a se considerar e, não um padrão pelo qual os métodos e procedimentos devam se submeter. Como a finalidade da bioética não é ser apenas uma opinião a se considerar, mas um paradigma relevante para as questões humanas, é necessário um fundamento sólido que possa ser generalizado a todo ser humano, e não a categorias específicas. Por “categorias específicas” entenda-se que as discussões a respeito do tempo de gestação em que é permitida a prática do aborto, ou o contexto de violência sexual que levou a uma concepção indesejada, a fim de determinar a legalidade ou ética do aborto, são irrelevantes quando considera-se que a vida em gestação (independente do estágio), é possuidora dos mesmos direitos que qualquer ser humano já nascido, inclusive o direito à vida e proteção da mesma. Sobre isso, podemos citar novamente Locke: Cada um é “obrigado não apenas a conservar sua própria vida” e não abandonar voluntariamente o ambiente onde vive, mas também, na medida do possível e todas as vezes que sua própria conservação não está em jogo, “velar pela conservação do restante da humanidade”, ou seja, salvo para fazer justiça a um delinquente, não destruir ou debilitar a vida de outra pessoa, nem o que tende a preservá-la, nem sua liberdade, sua saúde, seu corpo ou seus bens (LOCKE, 2011, p.9).

Portanto, não cabe ao Estado ou mesmo aos pais, a autonomia da decisão pela interrupção da gestação, salvo, como previsto por Locke, se a continuidade da gestação trouxer riscos à vida da mãe, que poderá optar pela preservação do seu direito à vida. Ou seja, segundo o modelo principialista associado a definição de “direito natural” de Locke, o aborto não é uma opção sustentada pela bioética à exceção de risco de morte para a gestante em decorrência de complicações na gestação. O debate, portanto, se estabelece não na política, religião ou nos interesses minoritários, mas no próprio fundamento da bioética em seus pressupostos filosóficos e nos seus desenvolvimentos necessários.

REFERÊNCIAS

BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles of Biomedical Ethics. 6 ed. Oxford: Oxford University Press, 2008.

ENGELHARDT, H.T. Fundamentos da bioética. São Paulo: Loyola, 1998.

LOCKE, John. Second Treatise of Government. Oregon: Watchmaker Publishing, 2011. PINHO, Andrea Azevedo. Os debates sobre o aborto na mídia brasileira: dos enquadramentos midiáticos a construção de uma democracia plural. 04. Representações Sobre o Aborto: Acção Colectiva e (I)Legalidade num contexto em Mudança, v. , n. 4, p. 135-156, 2009. UNITED NATIONS. The Universal Declaration of Human Rights. Disponível em: Acesso em 15 de Abril de 2015.

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