A Agonia do Real

May 30, 2017 | Autor: Rene Garcia Jr | Categoria: Historia Economica
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Vigário G.S., editor não-sindicalizado, insubmisso à estética da decepção predominante nas letras

nacionais, expõe o ânimo do presente manifesto: entre as diversas balelas de que é

feito o mundo consta a de que, às vezes, a vida imita a arte. Lorota. No

relato futurista que Insight Inteligência oferece como exemplo de

crônica em carne viva, há nomes, datas, lugares que só serão coincidências se de fato o forem. Em estéticas, somos radicais:

Um conto do Vigário

Keystone

a ficção sempre imita a vida.

A CRONOLOGIA DE UMA CRISE

Os quatro dias que abalaram o Royal RENÊ GARCIA

NEVER CITY, 21H30MIN, SEGUNDA-FEIRA, MÊS DE DEZEMBRO DO ANO DA GRAÇA DO CÂMBIO No trigésimo segundo andar de um imponente prédio da Avenida Paulista, os quatro principais diretores de um dos mais agressivos bancos de investimentos norte-americanos, estão encerrando a reunião do comitê de estratégia. Discutem sobre que posições o banco deve tomar na semana seguinte nos mercados de títulos públicos e de câmbio. O cansaço e o vício em dosagens maciças de adrenalina, produzida pela ansiedade em dobrar a aposta, divide cada um dos participantes. Como sempre, vence o vício. — Creio no deus do câmbio, criador da diferença entre os homens e países da Terra, mais forte do que todos os sentimentos e emoções. Creio em sua onipresença, onipotência, nossa dependência. Creio no vil e viril metal, que distingue vencedores e derrotados, gloriosos e pobres-coitados, realistas e idealistas... Frank T. Moore, cidadão americano, 59 anos, longa experiência em gestão e negócios internacionais, dois meses de Brasil e atual vice-presidente sênior para a América Latina, sussurra baixinho a heresia, rindo em silêncio por dentro. Em sua cadeira giratória, de costas para os demais partners, o presidente do comitê observa, com o olhar distante, o balé das luzes das lanternas dos automóveis que trafegam pela avenida. Vistas do alto, as milhões de luminárias formam uma estranha mistura das cores vermelha e laranja, construindo uma tela viva de pintura abs2

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trata. Frank abre seu porta-charutos, retira um Cohiba 21 esplendido, e segurando-o com o polegar e o indicador, aproxima o acepipe tabagístico do ouvido, esfregando, suavemente, entre os dedos, a flor dos habanos. Com pompa e afetação, pega a guilhotina e decapita o melhor amigo, acendendo-o em seguida. Uma nuvem quase plúmbea de fumaça dá um certo clima noir ao recinto. Virando a cadeira para frente, de forma brusca e estudada, Frank injeta mais tensão no ambiente. Ao seu lado, com os olhos arregalados pela mistura de temor e admiração, Maurício Freitas Neto — brasileiro, economista, PhD em Economia pela Universidade de Stanford, 38 anos, diretor de Treasury do banco e ex-diretor da área externa do Banco Central, apaixonado por carros de corrida, cavalos e golfe, se arrepia com a mise-en-scène e sai do torpor produzido pelo perfume que o fumo queimado pelo boss proporciona. O engraçado é que antes ele odiava o cheiro do charuto. Sentado à sua direita, Charles Andrews de Mattos Brackenbury, brasileiro de 42 anos, engenheiro com doutorado em finanças pela London School, metódico, disciplinado e dono de temperamento explosivo. Mais perigoso num banco do que se fosse general-de-exército. Frank, com ar blasê, quebra a formalidade da reunião virando o assunto de cabeça para baixo. — Deve ter sido excepcional o outono em Cuba, quando foram colhidas as folhas dessa maravilha. Charles, com seu tom de voz nervoso e esganiçado, não se contém. — Frank, a situação é delicada, o câmbio pode mudar a qualquer momento. Eles dizem, lá no Palácio, que não, mas os sinais do mercado são outros. E nessa estória, o mercado fala por Deus. Os índices da bolsa estão em queda ao longo dos últimos dias, a taxa de juros subiu muito no mesmo período. Essa combinação deveria estancar ou trazer recursos mas, mesmo assim, continua saindo dinheiro do país. O déficit nas contas externas vem aumentando diariamente e a colocação de commercial papers (uma espécie de nota promissória internacional) por empresas nacionais já está tendo dificuldades. Você vem me falar de Cuba. Depois que Fidel morrer, a gente pensa. Agora, o risco é aqui. Não é, Antônio? Antônio de Albuquerque Souza e Lima, brasileiro, engenheiro formado pelo IME, 46 anos, prático, ambicioso, calculista, diretor de privatização e finanças corporativas do banco, ex-diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento, sorri. Toda vez que Charles fica nervoso, pede seu apoio. — De fato é verdade, todos os analistas, aqui e lá fora, dizem que a situação pode mudar a qualquer momento. Os economistas daqui dizem o contrário na mídia por cagaço, comprometimento ou por estarem com seu dinheiro aplicado conforme as declarações do governo.

Nós temos no banco um lote expressivo de títulos com o risco do Royal e estou começando a sentir dificuldade em novas colocações, mesmo a taxa maiores. Um exemplo está nos novos lançamentos para empresas ligadas aos setores de telefonia e eletricidade recémprivatizadas, outro está na rolagem das emissões antigas de alguns bancos, que vencem agora. Frank, eu acho que vamos ser obrigados a diminuir nossa exposição em Royal. É o mais prudente. Eu sei que isso pode demorar um, dois, três ou até mais anos, que existe inércia, elasticidade da resistência e mesmo a enorme capacidade desse país em desacreditar qualquer racionalidade. Mas, chegamos na rodada de fogo. Acho melhor sair agora. — Creio na Divina Providência exclusiva dos materialistas, apátridas convictos, monoteístas de mercado. Creio na fé cega dos predadores do Estado, no absolutismo da convicção contrária aos ditos de governos, na ação em causa própria contra os interesses nacionais, ignorando fronteiras, símbolos, bandeiras... Frank permanece impassível. Sabe que vai fazer a hora, que os acontecimentos esperam por ele. Sem olhar para os presentes, solta uma longa e enervante baforada, que colore de azulado o ar carregado na sala de reunião. Fixando o infinito, pergunta a Maurício qual a posição financeira do banco. Maurício dispara uma parafernália de números e jargões inatingíveis aos mortais. O banco estava bastante alavancado em posições compradas em dólar, o que significa, no linguajar peculiar do mercado de derivativos, um grande descrédito na sobrevida do Royal. Jovem, arrojado e amante do turfe, solta mais uma das suas barbadas. Em sua opinião, o banco tinha que diminuir a posição pois, apesar da conjuntura favorável à especulação, o quadro a longo prazo ainda era seguro para o Royal. Tinha falado ainda hoje com um ex-companheiro do Banco Central, futuro candidato a um cargo no banco. O insider, com a garantia dos que temem perder um excelente emprego, tinha lhe jurado que não havia chance de desvalorização do Royal. As reservas cambiais estavam em US$ 75 bilhões, o ano era eleitoral e somente a âncora do Royal e os juros astronômicos mantinham a virtual situação de preços estáveis. Mesmo com o desequilíbrio crescente dos fundamentos econômicos e a crônica da morte anunciada do modelo de estabilização, eles ainda iam insistir. Afinal, não era a primeira vez que, no país do Royal, os governantes, assim como as baleias, nadavam juntos em direção ao suicídio. "Eles vão segurar a moeda", sentenciou. O boss balança ligeiramente a cabeça, num gesto que não quer dizer nada. Frank adora redundâncias, platitudes, dubiedades, afirmações acacianas, que não revelam coisa alguma. Devora os alemães, procurando em Nietzche, Kierkegaard e Schopenhauer citações ca-

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pazes de confundir, complicar ou despistar. Como diria Heidegger, "tudo é nada e nada é tudo". Ou mesmo Tim Maia: "Tudo é tudo e nada é nada". Frank se levanta assobiando. É o sinal de partida. Todos se cumprimentam sem entusiasmo. A lenda do mercado financeiro apruma o corpo esbelto e olha seu relógio vacheron constantin. — Maurício, me dá uma carona até o apart? Estou em cima da hora e dispensei o motorista. O jovem economista vibra pela deferência e possibilidade de fazer o agrado. Descem juntos até a garagem, trocando monossílabos. Entram no potente turbo e disparam na noite. Frank levanta a cabeça, olha pelo teto solar da BMW para o céu escuro e sem estrelas da paulicéia. Estranho país. Aliás, todos os países são estranhos, reflete em seu vazio. Desvia o olhar para a janela. Por uma longa extensão da calçada, uma legião de famélicos, indigentes, trapos humanos. Todos ancorados no chão. Mendicantes se reproduzindo como bactérias. Miséria e desemprego já não eram xifópagos como no passado recente, mas, quando comiam, comiam na mesma mesa. Para ele, tratavam-se apenas de indicadores para construção de um índice, variáveis de maior ou menor risco. Aumenta o emprego, é possível ganhar algum nos mercados à vista e de futuros. Se tiver desemprego, a roleta gira da mesma maneira. A rentabilidade varia com o tamanho da disritmia e o apetite do jogador. Lembrou-se de um sociólogo recém-falecido, uma espécie de profeta do materialismo-cristão, uma mistura de Ghandi com Michael Jackson. Sem nunca ter sido miserável ou desempregado, ele vocalizava por todos os excluídos. Estranho sujeito. Magérrimo, fragilíssimo, mas com uma presença arrebatadora. Ficou impressionado nas duas vezes que o personagem foi lhe pedir donativos para sua causa. Se utilizasse todo aquele carisma e verve a seu serviço, teria ganho rios, oceanos de dinheiro. Os miseráveis aguçam seu instinto assassino. Frank retira de sua pasta um CD com sinfonias wagnerianas e, enquanto o coloca no som do carro, pergunta ao companheiro: — Qual MAIO• JUNHO • JULHO 1998

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a opinião do analista e consultor político do banco sobre o cenário? — O homem é ótimo. É assessor informal do presidente da República e controla, como marionetes, diversos donos de jornais. Em sua análise, com a reeleição definida, o presidente poderá fazer as reformas, não realizadas no primeiro mandato principalmente por falta de visão patriótica do Congresso. Agora, que a voz rouca das urnas iria falar mais alto, o grande mandatário poderia fazer os ajustes profundos e traumáticos necessários. Com relação ao cenário social, o desemprego estava muito alto, recorde de todos os tempos. Mas, as demissões estavam concentradas nos segmentos de mais baixa renda e desqualificação profissional. No andar de cima, estava havendo até alguns aumentos no emprego e nas remunerações. Fenômenos naturais de um processo típico de adaptação à abertura e globalização. O importante — segundo ele — é que a economia estava respondendo e o PIB para o semestre deveria fechar com uma taxa de crescimento pequena, mas positiva. A balança comercial estava apresentando déficit alto no mês, com um acumulado maior que no ano anterior mas, no próximo ano, as exportações com certeza iriam reagir. — Creio na santíssima trindade, na globalização, privatização e desregulação. Creio no felino sangüinolento do câmbio, cavalo dos poderosos, maior que o maior dos preços, que mata todos os cordeiros e aleija os pequenos roedores, tanto na terra, quanto no céu das suas pretensões. Amém. Maurício estaciona o carro na frente do hotel onde Frank está hospedado. Vira-se, em respeitoso silêncio, aguardando o momento solene da despedida. Ser o chofer honorário daquele homem, em sua circunstância, significava poder. Um mito, uma legenda, o maior de todos. Espere! Deus vai falar. — Eu sei que você é bom economista e acima de tudo bem informado, mas eu gostaria que durante o fim de semana, você pensasse sob uma ótica prática, me explicando o que ocorre na seguinte situação: — Em que momento, e por quais motivos, os investidores deixam de financiar um país e como ocorre uma ação especulativa? 4

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NEVER CITY, TERÇA-FEIRA, 10H30MIN (HORÁRIO DE BRASÍLIA) Sol forte na cidade. Frank conclui o lauto café da manhã depois de uma longa noite de traquinagens. Não iria para o banco hoje. Operaria do apart através do arsenal eletrônico. Estava cansado e constipado. Os exageros químicos na madrugada cobravam a fatura no dia seguinte. A caspa de satã, tia branca, brilho da noite, lacraia de prata, vitamina da mente... Sorriu. É hora de ligar os terminais de computador. The show must go on. 10H45MIN — Diretamente de Over City DC, o ministro da Fazenda está fazendo uma conference call com o presidente do Banco Central, que se encontra em Januever River City, para avaliar a situação aqui e na Ásia. As informações de Washington são de que há preocupação do FED (Banco Central americano) com a região do Royal e Ásia, em especial com a Indonésia, Malásia e Japão. O presidente do Banco Central tranqüilizou o ministro, afirmando que a situação estava sob controle 11H — Abre o pregão da Bolsa de Nova York — estável — e as Bolsas de Valores de Never City e Januever River acompanham a tendência. Não dá para ficar em casa. Frank interfona para a portaria, avisa ao motorista que está descendo. São alguns minutos e outros átimos de segundo para disparar em direção ao quartel-general. Já no interior da Mercedes, a primeira providência é ligar o terminal dentro do automóvel. 11H22MIN — O FED surpreende o mercado, anunciando uma alta discreta nos juros. Frank entra em passos lentos no investment bank. A calma em pessoa. Por dentro um vulcão. Fecha-se em sua sala. O onisciente terminal já está ligado. Conecta os seus três mosqueteiros na Intranet. 12H30MIN — A Bolsa de NY cai poucos pontos, as Bolsas do país do Royal apresentam ligeira baixa. Está chegando a hora do Royal. Aconteceu com as tulipas holandesas, o cravo-da-índia e outras moedas de valor virtual. Frank liga para a área de operações e fala com Maurício, relatando que a área de pesquisa do banco em Nova York está muito preocupada com a situação da Ásia. Recomenda que aumente a posição em papel indexado ao dólar e fique vendido em títulos externos do país do Royal e da Argentina. É uma forma de se proteger contra uma eventual desvalorização da moeda. 17H — A Bolsa em NY registra no fechamento uma queda maior que é acompanhada pela média das Bolsas européias e ainda mais expressiva na América Latina. Quase no mesmo horário, o Banco Central informa o resultado do último leilão de venda de dólar, man-

tendo a cotação do dia anterior. O país detentor de uma das maiores reservas cambiais do mundo parece sólido feito uma rocha. 20H30MIN — Da Indonésia, a repórter da CNN informa o início de mais um golpe contra o sucessor do presidente Suharto e o apoio da população. A Bolsa das Filipinas, Coréia e Cingapura apresentam quedas acentuadas e as moedas desses países desvalorizam-se em relação ao dólar. Do elevador, Frank se despede, pedindo que todos aguardem no escritório. O jogo está esquentando. A insustentável leveza da âncora do Royal começa a dar sinais de que vai boiar. "Tudo é efêmero, cada vez mais efêmero" — declama para os partners, em sua habitual catilinária de palavras vãs. A porta do elevador se fecha. Só os iniciados e depravados sabem o que está se passando. 22H — O presidente do Banco Central japonês anuncia um programa de sustentação do iene e corte de impostos. A bolsa japonesa reage mal e entre a abertura e o fechamento de terça-feira registra queda no Nikey. O índice bate o menor valor dos últimos 25 anos. 23H30MIN — Os únicos ruídos são os do terminal da Bloomberg e de vorazes aspirações. Um trator de sucção, um twister nasal, um tatu americano puxando vento e tudo mais sobre uma bandeja de prata. Frank liga do hotel para Maurício, Charles e Antônio e fazem uma conference call. Frank relata a situação e diz que a abertura de terça-feira será preocupante, pois a opinião de Nova York é que a América Latina será muito prejudicada com a nova onda asiática. Seus interlocutores, em uníssono, decidem pelo aumento da posição comprada em dólar e a venda de ações do país do Royal, Argentina e Chile, assim como de títulos externos do Royal e Argentina. Frank acelera na contramão. Deus é superlativo. — Entrem pesado vendendo dólar e comprando ações. Usem terceiros, laranjas. Quero que os outros nos sigam. Melhor do que ganhar, só ganhar fodendo todo mundo. O recado é que nós acreditamos no Royal e seus satélites. Antes de qualquer ponderação, fecha a confe6

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rência. Um ruído de trovão sacode o ambiente. Frank aspira mais forte do que nunca. Chegou a hora da rodada de fogo.

QUARTA-FEIRA, 6H15MIN, CÉU CINZENTO E UM CLIMA DE MORMAÇO

Nenhum minuto de sono a noite toda. Maurício telefonou quatro vezes, não atendeu nenhuma delas. Deixou-o conversando com a secretária eletrônica. Dessa vez não tinha condições de ir ao centro. Comandaria a batalha final dali mesmo. Afinal, o anfiteatro de guerra era o computador, bem ali do lado. Tempo de dar ordens. 8H — O Banco Central anuncia a suspensão do leilão de títulos públicos com cláusula cambial e comunica o início de mais um leilão de venda de dólar. Quer acalmar definitivamente o mercado, pois se o governo vende mais títulos de dívida indexados em moeda forte sinaliza que uma desvalorização do Royal seria um tiro no próprio pé. Frank dá a primeira ordem. Manda trocar a posição aos poucos. É hora de comprar dólar e deslizar o tapete do Royal. 9H30MIN — O Banco Central divulga o terceiro leilão de dólar do dia, e o resultado mantém o Royal na cotação anterior. Mr. Moore começa a pular, urrar, é primal. Só, no enorme salão, bate no peito como um orangotango. Nunca foi tão feliz. É hora de Wagner. Corre para o som, já cantarolando a Cavalgada das Walkírias. O momento é marcial. Frank rodopia, rodopia. É saúde pura. Até a eterna constipação passou. 10H30MIN — As bolsas de Never City e Januever River abrem em queda forte. 11H — Na abertura a Bolsa de Nova York opera em baixa. Compra, compra, vende, vende. Compra. Vende. O barulho da orquestra sinfônica é ensurdecedor. A posição em ativos cambiais do banco já foi quase inteiramente revertida. 12H — Em pronunciamento frente a uma platéia de banqueiros americanos e europeus, o presidente do FED anuncia a intenção de o Banco Central americano de elevar as taxas de juros, pois os indicadores de curto e médio prazos para a economia americana apresentam fortes sinais de aquecimento e o PNB deve fechar o ano com uma taxa de crescimento maior que a previsão. É divulgado o índice de desemprego nos EUA, a menor taxa desde a Segunda Guerra (a economia americana está fortemente aquecida). 12H15MIN — Na Reuters, lê-se: "Segundo Greenspan, a crise asiática deverá levar os países da região a um forte aumento em suas exportações e a preços muito baixos, o que deve acarretar um substantivo aumento das exportações desses países para o EUA". 12H17MIN — A Bolsa de NY reage com pequena baixa. As bolsas da América Latina acompanham a tendência.

"Bom para eles, bom para nós. Ruim para o Royal. Mas, o que é o Royal? O que sempre foi o Royal?" 13H — O Banco Central do México anuncia a ampliação na banda de flutuação do peso mexicano, o que representa maior flutuação da moeda mexicana ou, em bom português, uma desvalorização do peso. Na bolsa argentina, o índice das principais ações negociadas cai rapidamente. 13H12MIN — O Chile anuncia uma desvalorização no peso chileno e uma nova faixa de flutuação da moeda frente a uma cesta de moedas. Na prática, um jargão de mais desvalorização cambial. Não existe mais sombra de ser humano naquele quarto de hotel. O maior dos predadores morde a caça nas ancas, vértebras, pescoço. Jorra sangue no computador. Frank agita os braços como que possuído pela fúria wagneriana. Ele rege a sinfonia na selva. O animal estrebucha no visor informático. Vai dando seus últimos suspiros. 15H — As bolsas do Brasil e da Argentina entram em acentuada queda. 15H35MIN — O Banco Central realiza o sexto leilão de venda de dólar e a perda de reservas ao longo do dia é de US$ 12,6 bilhões, o mesmo se verifica nos fluxos para a bolsa e no mercado de câmbio. Os papéis do país do Royal e os argentinos sofrem forte desvalorização no mercado internacional. 16H — O megainvestidor checo, naturalizado americano, George P. Kashovisk, administrador do maior fundo de investimentos em papéis de mercados emergentes, declara em entrevista à Bloomberg, que não é o responsável pelo movimento especulativo que está ocorrendo na América Latina. E acha difícil a manutenção pelo país do Royal da atual política cambial. Ele acredita que, em breve, o país será obrigado a alterá-la. 16H10MIN — As bolsas do país do Royal registram queda recorde e a da Argentina acompanha. 16H30MIN — A principal bolsa do Royal, em Never City, bate o limite de queda para o dia. O pregão é interrompido por dez minutos. Dois ope8

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radores enfartaram. Fala-se em suicídios no mercado financeiro. 16H45MIN — O Banco Central realiza o décimo segundo leilão de dólar do dia e o quarto de títulos de curto prazo. Mesmo necrosando intestinalmente o país, não consegue mais tranqüilizar os mercados. Nas ruas, nos lares, nos bares, o nervosismo toma conta até dos mais alienados. 16H48MIN — O Banco Central impõe limites nas posições dos bancos brasileiros em dólar — pretende diminuir a pressão especulativa compradora. Todo mundo quer comprar dólar e vender Royal. 16H50MIN — O Banco Central da Argentina reafirma seu compromisso com o plano de conversibilidade. As bolsas brasileiras abrem novamente em queda, que é acentuada pela baixa nas bolsas argentinas. 18H — O presidente do Banco Central, em entrevista coletiva, ratifica a posição do governo em não mudar a política cambial, apesar da crise. 19H10MIN — O porta-voz do Banco Central garante que não haverá mudanças na política cambial. Os jornalistas fazem chacota. O BC, ao longo do dia, atuou dezoito vezes para segurar o dólar e a perda de reservas durante a crise atinge o limite crítico estabelecido pelo Conselho Monetário. Acende a luz vermelha no Ministério da Fazenda. O ministro se dirige à sede do governo para comunicar formalmente a situação ao presidente da República. O presidente se dirige à Nação em cadeia nacional. Reafirma que a âncora cambial mantém o país atrelado a um porto seguro, apesar do maremoto nas finanças internacionais. A voz do presidente não lhe sai do ouvido. Frank se lembra do cardeal Mazzarino, no Breviário dos Políticos. "Os princípios dos negócios públicos requerem grande indústria e prudência, para que ocorram sucessos seguros; pois conforme os primeiros movimentos dura depois o resto da carreira. E se um dia conquistaste fama de grande homem, mesmo errando, os próprios erros te serão atribuídos como glória". Bonifrate! 19H30MIN — O presidente da República convoca os ministros da Fazenda e do Planejamento, o presidente do Banco Central e o seu diretor de política monetária para uma reunião de emergência no Planalto, também são convocados o presidente do Banco de Desenvolvimento e o ministro das Comunicações e os líderes do governo na Câmara e no Senado. Após curto debate entre os participantes a tese do presidente do Banco de Desenvolvimento sai vitoriosa 23H30MIN — O porta-voz da Presidência em cadeia nacional comunica que: "O presidente da República, ouvindo os ministros da área econômica, decidiu pela imediata implantação de um amplo programa de

cortes de despesas e a edição e o encaminhamento de nove medidas provisórias formando um pacote de providências de natureza fiscal e tributária, buscando o equilíbrio das contas públicas, através do aumento de impostos e cortes significativos de gastos e reafirma o compromisso inabalável do Governo com a estabilização dos preços e o desenvolvimento econômico e social." 23H45MIN — O Conselho Monetário Nacional em reunião extraordinária decidiu e o Banco Central do Brasil tornou público que: "Com o objetivo de preservar as reservas internacionais e garantir a continuidade do Plano Royal, a partir de amanh㠗 quarta-feira —, o Banco Central adotará para o Royal o regime de flutuação livre dentro da faixa de variação de RS$ 1,45 com RS$ 1,55 e a moeda do país terá livre flutuação frente às principais moedas, dentro de um prazo máximo de doze meses." São 24 horas de um dia próximo e no mesmo mês em que Cristo nasceu. Frank abre uma garrafa de champanhe e toma um único gole. Joga a garrafa no chão, esgotado. Pega um pilot, abre um arquivo e escreve: Dezembro, Quarta-feira, dia X - Posição líquida financeira — resultado positivo – Divisão A. Latina – US$ 890 milhões – Frank – Bônus – 6.5% igual - US$ 57.8 mil. password xxxx

QUINTA-FEIRA, 10H, UMA MANHÃ TÃO ESCURA QUANTO A NOITE, QUANDO OS PÁSSAROS SUBITAMENTE PARARAM DE CANTAR

O mercado abre e após pequena flutuação o dólar é negociado a RS$ 1,50. As bolsas operam em alta. Os juros caem substancialmente. Frank chega novinho em folha ao banco. O perfume de Roger Galet incensa o ar. Entra na porta do trigésimo segundo andar. É aplaudido por dezenas de funcionários e sócios de pé. O presidente do Banco Central tinha pedido demissão pela manhã. Seu substituto, já indicado, é o presidente do Banco de Desenvolvimento, um velho amigo seu. Os jornais não deixam mais dúvidas em relação ao vitorioso. As

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bolsas do país do Royal sobem e batem no limite superior de alta. Nas argentinas a queda é forte. As principais manchetes são:

GOVERNO MUDA POLÍTICA CAMBIAL ATAQUE ESPECULATIVO OBRIGA GOVERNO A DESVALORIZAR O ROYAL MERCADO REAGE BEM À MUDANÇA NA POLÍTICA CAMBIAL

13H — Maurício vai almoçar com Frank. É recebido com versos shakesperianos: “E agora que o inverno de nosso desgosto Fez-se verão glorioso ao sol de York E as nuvens que cobriam nossas casas Estão todas enterradas no oceano Nossas frontes ostentam as coroas” O jovem economista ruboriza, como sempre. Mas, Frank solta a língua, animadamente. — Você se lembra, Maurício, do enigma da última segunda-feira? — Lembro e já desvendei. A resposta é você, gafanhoto. Enquanto você existir, Frank, não existe trigal protegido. — Errou — fala baixinho o boss. — A resposta são eles. — Quem? — Eles, que ancoraram ao vento a embarcação no fundadouro, que fizeram da farsa um consenso e tiveram o requinte de escrever o próprio epitáfio. Eu só assinei. n

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RENÊ GARCIA, economista

MAIO• JUNHO • JULHO 1998

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