A aliança Brasil-China num sistema internacional em transformação
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27/05/2015 11h39
Artigo: A aliança Brasil - China num sistema internacional em transformação Carlos Frederico Pereira da Silva Gama* Em meio ao corte de 70 bilhões em investimentos anunciado pelo governo Dilma Rousseff - o maior da história brasileira - a visita de uma delegação do governo chinês com promessas bilionárias de cooperação foi saudada como a grande novidade da política externa brasileira no turbulento 2015. artilhar
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial do Brasil. Naquele ano, o volume de comércio entre os dois países superou a casa de US$ 36 bilhões. Em 2014, esse relacionamento cresceu para US$ 87 bilhões anuais (com superávit de quase US$ 17 bilhões para o Brasil). Em 2011, a
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China se tornou o país que mais investe no Brasil. Naquela época, os investimentos diretos chineses representavam US$ 13 bilhões anuais. Atualmente, representam US$ 19 bilhões. Firmas chinesas participaram dos primeiros leilões de exploração do pré-Sal no regime de partilha; uma delas faz parte do consórcio vencedor do campo de Libra, leiloado em 20134. Montadoras de automóveis chinesas criaram fábricas no Brasil, a primeira delas aberta em 2014. A relevância da China para o Brasil não pode ser vista como novidade em 2015, portanto. O interesse pela visita chinesa advém de outras características do relacionamento bilateral. No pacote de US$ 53 bilhões de investimentos trazidos ao Brasil pela comitiva liderada pelo Primeiro-Ministro Li Keqiang figuram com destaque setores consolidados do relacionamento entre os países - a agropecuária, os minérios e combustíveis, o setor automotivo e investimentos em infraestrutura. Os impactos do relacionamento Brasil-China são menos óbvios. Ao passo que a China se tornou o maior destino das exportações brasileiras e nosso principal fornecedor (entre outros produtos, de máquinas e equipamentos), aquisições do Brasil representam apenas 2,6% das importações chinesas. O emergente mercado brasileiro representa somente 1,5% das exportações do país. O peso relativo do Brasil para a economia chinesa se dilui ainda mais no contexto de 2015. Apenas nos últimos 6 meses, delegações oficiais do governo chinês entabularam uma série de acordos comerciais com parceiros de todo o mundo. Em dezembro, foram US$ 3 bilhões em investimentos no Leste Europeu e Bálcãs (incluindo a construção de uma ferrovia entre Grécia e Hungria). O Cazaquistão recebeu no mesmo mês investimentos chineses de US$ 14 bilhões e a Venezuela, de Nicolás Maduro, a promessa de US$ 20 bilhões em investimentos ao longo de 2015. Em janeiro, a China prometeu investir US$ 8 bilhões na Suíça. Promessa similar foi feita à Indonésia. Uma linha de trem e alta velocidade ligando Beijing a Moscou foi anunciada no mesmo mês (ao custo de US$ 250 bilhões). Em fevereiro, a China anunciou investimentos de US$ 11 bilhões na Argentina. Um acordo de livre comércio com a Coréia do Sul foi fechado, envolvendo 17 áreas. Em março, o governo chinês anunciou o lançamento do Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura (BAII), que recebeu adesão imediata de boa parte das economias do G-20 - incluindo o Brasil. Em maio, a China http://www.sidneyrezende.com/noticia/249738
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ultrapassou os EUA como maior investidor na Austrália (quase 50% superiores, em 2014). Novos acordos com o Cazaquistão aumentaram o total de investimento chinês para US$ 38 bilhões. E a China se comprometeu a exportar gás natural para a Rússia, cujo PIB encolherá 5,8% em 2015 segundo previsões do governo russo, às voltas com sanções internacionais após a anexação da Criméia. O aprofundamento das relações sino-brasileiras consolida um cenário de interdependência assimétrica, traduzido num conceito de origem chinesa: duojihua. Duojihua reconhece, por um lado, que há múltiplos centros de importância no sistema internacional contemporâneo. Este não mais é dominado exclusivamente por uma única potência (caso dos Estados Unidos após o fim da Guerra Fria) ou por uma dupla de superpotências (como na Guerra Fria, na qual a União Soviética era a grande competidora dos EUA). Por outro lado, Duojihua enfatiza as contribuições singulares de culturas e sistemas políticos diferentes para a ordem internacional, que devem ser tolerados. Com base em diferenças e complementaridades, cada estado deve assumir tarefas condizentes com suas características. Essa nova divisão internacional do trabalho promove relações diplomáticas flexíveis, em contraste com regras universais (por exemplo, associadas às instituições multilaterais). O leque de opções internacionais dos chineses se ampliou nos últimos anos, ao passo que parceiros tradicionais do Brasil se afastaram ao longo dos governos Lula e Rousseff. A interpendência se aprofundou e a assimetria, idem. A União Europeia se debate em sua própria crise, dividida entre a austeridade alemã, promessas de saída da zona do Euro na Grécia do Syriza e o plebiscito sobre a permanência ou não do Reino Unido na União, sob o governo conservador reeleito de David Cameron. O acordo de livre comércio da UE com o Mercosul esbarrou em dificuldades de ambos os lados - com Argentina e Venezuela sendo as principais dores de cabeça brasileiras no tocante à integração regional. Após a crise de 2008, o comércio dos EUA com o Brasil diminuiu em 1/3 em relação ao volume recorde de 2008. A recuperação da pauta comercial foi prejudicada por arranhões nas relações bilaterais (como o escândalo de espionagem da NSA, que vitimou a presidenta Dilma e a motivou a lançar uma iniciativa internacional, bem-sucedida, de combate à cyber espionagem através da regulação internacional da Internet). Somente em 2015, Dilma e Barack Obama se encontrarão http://www.sidneyrezende.com/noticia/249738
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oficialmente (em junho) para reatar os laços entre os dois gigantes americanos. Além de estender suas relações bilaterais, os chineses apostam suas fichas em dois instrumentos de fomento pelos quais são, em grande medida, responsáveis: o Novo Banco de Desenvolvimento ("Banco dos BRICS") e o BAII. Por sua vez, o Brasil enfrenta uma crise de credibilidade de suas empresas, no rastro das investigações de corrupção que respingaram sobre o BNDES. A cooperação com parceiros emergentes do Sul global (especialmente na África) perdeu fôlego ao longo do ano eleitoral. À desaceleração da economia se somou uma crise entre o governo e sua base no Congresso. O Brasil foi o último país a aprovar a criação do "Banco dos BRICS" (Maio) e aderiu ao BAII apenas após países europeus manifestarem seu interesse pela membrezia. Ao passo que os chineses utilizam a consolidação de suas relações com o Brasil para pressionar outros parceiros (como a Austrália), o Brasil enfatiza variáveis domésticas. Os investimentos chineses podem substituir cortes orçamentários em obras estratégicas como as do PAC num ano de queda prevista do PIB brasileiro da ordem de 1,2%. Mas até mesmo essas diferentes prioridades sofreram os impactos da visita chinesa. Ao passo que o primeiro-ministro Keqiang solicitava que o Brasil facilite a chegada de trabalhadores chineses empregados intensivamente nos programas de cooperação daquele país, o governo Rousseff amargava o fechamento de 70 mil postos de trabalho em maio, centrais sindicais lançavam manifestos pró-emprego e o governo lidava com as implicações da flexibilização das regras do seguro-desemprego e da terceirização no Congresso. O desconforto com a interdependência assimétrica com a China divide o governo Rousseff. Dias antes da visita oficial de Keqiang, o ministro Mangabeira Unger (Secretaria de Assuntos Estratégicos) defendeu a flexibilização do Mercosul e uma parceria estratégica com os EUA para fazer frente à ascensão chinesa - que seria sinal de perda de fôlego na estrutura produtiva brasileira. Dias depois, outro ministro, Aloísio Mercadante (Casa Civil), defendeu os acordos em termos pragmáticos: o Brasil deve explorar todas as possibilidades de fazer bons negócios. Atualmente, 93% do valor das exportações brasileiras para a China são provenientes de commodities, minérios e combustíveis, e 73% das importações brasileiras da China provêm de máquinas, equipamentos e manufaturados. A consolidação das relações Brasil-China demanda um esforço político à altura para repensar o http://www.sidneyrezende.com/noticia/249738
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lugar do Brasil num mundo em rápida transformação. Além de criar saídas virtuosas para a crise do presente, é necessário pesar os custos e possíveis ganhos de todas as opções disponíveis em política externa. Isso pressupõe lidar com efeitos não-pretendidos da proximidade com um colega importante dos BRICS.
*professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT), pesquisador associado (voluntário) ao BRICS Policy Center, parceria da PUC-Rio com a Prefeitura do Rio de Janeiro, em colaboração voluntária ao SRZD
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