A alimentação em dois engenhos brasileiros nos séculos 18 e 19: circulação, sujeitos e materialidades

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CAPÍTULO 2

A alimentação em dois engenhos brasileiros nos séculos 18 e 19: circulação, sujeitos e materialidades Marcos André Torres de Souza Gilberto Guitte Gardiman

INTRODUÇÃO A alimentação está entre os tópicos de pesquisa menos explorados na arqueologia histórica brasileira. A despeito do caráter vital dessa prática, bem como de sua inquestionável dimensão material, nossa produção tem estado muito aquém do que seria desejável. Este capítulo se constitui em um esforço para contribuir para a construção de entendimentos sobre os hábitos alimentares no Brasil durante os séculos 18 e 19 na perspectiva da Arqueologia. Com esse objetivo, analisaremos duas unidades rurais brasileiras de grande porte: o Engenho de Santo Izidro e o Engenho de São Joaquim, ambos situados em Goiás. Esses sítios, que vêm sendo alvo de pesquisas arqueológicas sistemáticas, localizavam-se próximos a importantes núcleos urbanos mineradores. O Engenho de Santo Izidro, datado do século 18, localizava-se “detrás da Serra Dourada”, uma região destinada ao abastecimento das vilas e arraiais próximos, incluindo Vila Boa (atual cidade de Goiás), Ferreiro e Ouro Fino. O Engenho de São Joaquim, datado do século 19, situava-se em outro ponto, implantando-se próximo à vila de Meia Ponte, atual Pirenópolis (Figura 1).

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Figura 1: Localização dos engenhos discutidos neste artigo e núcleos urbanos próximos. A área assinalada em cinza corresponde aos limites aproximados da antiga capitania de Goiás. Tradicionalmente, os estudos envolvendo a alimentação na Arqueologia histórica têm se preocupado em identificar inter-relações entre práticas de produção, aquisição e consumo de gêneros (e.g. Bowen, 1975; Landon, 1996, 1997; Wallman, 2014). Essa orientação foi amplamente influenciada pela perspectiva sistêmica de Binford (1965, 1980, 1984), cujo trabalho estabeleceu referenciais metodológicos importantes para uma compreensão holística das diversas atividades relacionadas à alimentação. Em certo sentido, nosso interesse coincide com a orientação adotada nesses estudos. É também nosso desejo mapear as diferentes escalas e inter-relações ligadas à alimentação. Utilizaremos, todavia, um norte metodológico distinto. Interessa-nos mapear associações, identificar agregados, encontrar os vínculos e relações que organizam e estruturam as práticas alimentares. Para isso, seguiremos a ótica da colaboração, que leva em conta coletivos de pessoas e coisas (Latour, 2012). Esses coletivos são por natureza heterogêneos, podendo incluir um número muito diverso de entidades, tais como o solo, as plantas, os animais e as pessoas. Entendemos que, por meio do exame dessas “entidades 66

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reunidas” (Latour, 2012:112-113), temos melhores possibilidades de desvendar aspectos importantes ligados à alimentação no passado. Seguindo o que propôs Latour (2012:212), é nosso desejo ampliar o número de atores e o leque de agências. Uma barreira em potencial para essa abordagem – quase sempre imposta pela prática corrente da pesquisa feita em Arqueologia – diz respeito à segregação dos saberes, responsável, muitas vezes, por compartimentalizar os dados documentais e materiais e setorizar as especialidades, confinando zooarqueólogos, arqueobotânicos, geoarqueólogos e outros especialistas em espaços próprios e de pouco diálogo com a produção dos estudiosos mais generalistas da materialidade. Embora não estejamos em condições de cobrir neste texto um espectro desejavelmente mais amplo de materialidades ligadas à alimentação, assinalamos que fizemos um esforço consciente no sentido de cruzar diferentes tipos de dados, de modo a tentar contemplar de uma forma mais apropriada algumas das complexidades ligadas aos hábitos dos grupos que estamos estudando. Tendo isso em mente, realizaremos neste texto o cruzamento de diferentes linhas de evidência. Utilizaremos dados documentais provenientes de pesquisas feitas em quatro arquivos públicos e referentes a antigos registros de sesmarias, inventários e testamentos 13, bem como relatos de viajantes que passaram por Goiás na primeira metade do século 19. Utilizaremos também dados arqueológicos provenientes das escavações feitas nos dois sítios pesquisados. Uma parte importante das discussões que encaminharemos será baseada em dados arqueobotânicos, cujo estudo tem permitido entendimentos importantes sobre hábitos alimentares pretéritos (Zeder et al., 2006). Para essa análise, foram amostrados fragmentos de diversos objetos cerâmicos. Tais fragmentos já haviam passado por curadoria, porém a presença de uma fina camada de material carbonizado aderido às suas paredes propiciou amostragens feitas através da raspagem superficial desses resíduos 14. Foram os seguintes os documentos e arquivos pesquisados: fac-símiles da documentação sobre Goiás do Arquivo Histórico Ultramarino (doravante AHU), existentes no Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central (doravante IPEHBC); registros de sesmarias existentes no Arquivo Histórico do Estado de Goiás (doravante AHEG) e Arquivo da Procuradoria Geral do Estado de Goiás (doravante APGEG); e inventários e testamentos existentes no Arquivo do Cartório de Família de Pirenópolis (doravante ACFP). 14 As amostragens para análise foram realizadas por Gilberto Gardiman. A obtenção de amostras foi feita com lâminas sem uso, em áreas de 1cm². A título de comparação de métodos, fez-se em alguns fragmentos a extração do material alimentício impregnado nos poros da cerâmica, por injeção de água destilada por pipeta descartável sobre as superfícies anteriormente raspadas, seguida de "escavação" suave de gretas e porosidades do material com auxílio de uma agulha e, finalmente sucção, conforme método preestabelecido BABOT, M. D. P. 2004. Tecnología y utilización de artefactos de molienda en el Noroeste Prehispánico. Universidad Nacional de Tucumán, Facultad de Ciencias Naturales e IML.. Os líquidos de amostragem foram acondicionados em tubos Eppendorf e adicionados de glicerina até diluição final de 50% (PERRY, L. 2004. "Starch analyses reveal the relationship between type and function: an example from the Orinoco valley." Journal of Archaeological Science, vol. 31: 1069-1081.). ibid.. As lâminas foram montadas com os líquidos de amostragem armazenados, cobertas por lamínula e seladas com esmalte incolor. O material proveniente das raspagens a seco foi adicionado de glicerina 100% e suavemente desagregado com haste descartável (COIL, J., et al. 2003. "Laboratory goals and considerations for multiple microfossil extraction in archaeology." Ibid., vol. 30: 991–1008.) e posteriormente montado em lâmina, como descrito acima. As observações foram feitas em microscópio ótico Nikon E200, com luz normal e polarizada e 13

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Este texto fará um percurso específico, começando pelo meio, in media res. Tentaremos aqui seguir o conselho de Latour (2012:334): “frente a um objeto, atentem primeiro para as associações de que ele é feito e só depois examinem como ele renovou o repertório de laços sociais”. Assim, examinaremos primeiro a circulação, depois a localização dos sujeitos e materialidades na ordem geral das coisas. Na primeira parte do texto, apresentaremos os variados mecanismos de produção, distribuição e consumo de gêneros nos sítios que estamos investigando. Em seguida, pretendemos estabelecer algumas conexões entre os sistemas alimentares constituídos na região e grupos específicos de pessoas, o que será feito, principalmente por meio do exame de recipientes cerâmicos, bem como dos resíduos alimentares neles presentes. Por fim, pretendemos discutir de que forma a circulação das materialidades e sujeitos enlaçava relações sociais particulares na região que estamos estudando. A PRODUÇÃO, AQUISIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE GÊNEROS O Engenho de Santo Izidro é um caso interessante para uma compreensão mais minuciosa do sistema de produção, comercialização e distribuição de gêneros em uma propriedade rural setecentista. Criado na primeira metade do século 18, pertenceu ao capitão-mor Francisco Xavier de Távora, um dos mais ricos habitantes de Vila Boa. O estudo das práticas alimentares nessa propriedade é enormemente facilitado pela abundância de documentação, sobretudo no período compreendido entre 1771 e 1780. A essa época, ela era administrada por Joaquim Pereira de Velasco Molina, sobrinho de Francisco Xavier e um dos seus herdeiros. Após o falecimento do capitão-mor em 1767, Joaquim foi o administrador do engenho em diferentes momentos. Em função de um litígio jurídico com outros herdeiros, foi obrigado a apresentar um inventário de todos os bens existentes nessa propriedade naquele período, bem como um registro pormenorizado das suas despesas e dos seus rendimentos, o que incluiu o inventário dos gêneros aí produzidos e consumidos 15. Por meio dessa documentação, é possível compor um quadro geral da forma pela qual era montado o sistema de aquisição de gêneros para consumo nessa propriedade. A Figura 2 sintetiza de forma bastante esquemática esse quadro, apresentando, sob a forma de uma generalização ilustrativa, as principais fontes de recursos alimentares do engenho. Cumpre notar que, para o contexto brasileiro, essa propriedade tinha um porte bem acima da média, contando naquele momento com cerca de 155 escravos e pelo menos cinco feitores.

registradas com câmera digital não acoplada ao equipamento. Grânulos de amido foram mensurados por meio do programa ImageJ 15 AHU, IPEHBC, CD-ROM, Doc. 2159, 30.7.1784. 68

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Figura 2: Diagrama das fontes de aquisição de gêneros para consumo no Engenho de Santo Izidro. Uma das fontes potenciais de suprimento alimentar do engenho vinha das suas criações. Segundo o inventário realizado 16, ela contava, naquele momento, com cerca de 960 porcos 17, 17 cabras e 10 ovelhas. Foi descrita também a presença de bois, todos, no entanto, empregados nos serviços do engenho, sendo mencionados 70 animais de carro e 20 de canga. Considerando-se esse dado, é bem possível que as 26 novilhas e garrotes descritos não fossem destinados ao consumo. Assim, destaca-se nesse conjunto o alto número de porcos, em contraste com a ausência de bois ou aves. Considerando a ausência de registros sobre a venda de porcos, é possível que eles fossem destinados ao consumo interno da propriedade. O registro de despesas do engenho mostra que parte dos gêneros aí consumidos podia ser adquirida no mercado. Parte dos gastos da propriedade no período 1771-1880 foi com “despesas para sustento”, totalizando 1:240$300 réis. Conforme mostra a Figura 3, os maiores gastos foram com a compra de sal (76,1% do total), incluindo, em maior número, sal do reino e, em menor número, sal da terra. Segue-se a compra de carne de vaca (27,9%). Nesse grupo, a parte do animal não é comumente discriminada, aparecendo menção apenas a uma vaca inteira, mocotó, seis arrobas de carne-seca, fatos (miúdos) e 21 cabeças. AHU, IPEHBC, CD-ROM, Doc. 2159, Auto de avaliação, 4.4.1780. O documento descreve, em uma parte, o número de 60 porcos e, em outra, o número de 20 varas. Para a estimativa apresentada nos baseamos no Diccionario da lingua portuguesa, de 1789 (SILVA, A. D. M. 1789. Diccionario da lingua portugueza. Typographia Lacerdina, Lisboa.). Segundo esse dicionário, uma vara de porcos tinha de 40 a 50 animais. Utilizamos, então, para a estimativa, o número de 45 porcos por vara. 16 17

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Seguem-se partes de porco (17,3%), representadas por 36 ½ arrobas de toucinho, 15 capados, dois lombos, seis pernis e duas arrobas de banha. De mais baixa aquisição, encontramos os peixes (2%), sendo 5 ½ arrobas de peixe seco e 1 ½ arroba de peixe fresco, e as aves, representadas apenas por sete patos (0,1%). Compondo esse conjunto estão alguns itens não especificados em relação ao tipo de animal, como moídos, sebos e tripas, além de azeites, vinagres, louças para cozinha e alguns itens ilegíveis.

Figura 3: Gráfico de porcentagens das despesas feitas com sustento no Engenho de Santo Izidro, 1771-1780. Assumimos aqui que tais despesas podem ter sido feitas para a propriedade como um todo, o que, obviamente, é um limitador para o entendimento de como os diferentes grupos que ocuparam o sítio se serviram desses recursos. É difícil também se chegar a uma estimativa precisa sobre o peso desses itens no regime alimentar dos moradores do engenho. Em face do grande número de escravos que viviam na propriedade, consideramos que eles estivessem restritos a algumas épocas do ano ou a um grupo limitado de pessoas, como proprietários e trabalhadores remunerados. Conforme pode ser notado na descrição feita acima, uma parte pouco expressiva desses itens era importada de Portugal, caso dos vinagres, azeites e sal do reino que a despeito de custar três vezes mais que o da terra era o preferido. Todavia, a maior parte era de produção regional. Ao menos uma porção desses itens podia ser adquirida nas roças e fazendas vizinhas, já numerosas no período 18. Por exemplo, a carne de vaca, que não era produzida no engenho, podia ser adquirida em uma das três fazendas existentes na 18 Os registros de sesmarias até o momento identificados na região conhecida como “Detrás da Serra Dourada” apontam para 27 concessões datadas entre 1750 e 1817 (AHU, IPEHBC, facsímiles da documentação sobre Goiás; AHEG, livros de sesmarias; APGEG, livros de provisões e sesmarias).

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localidade, sendo uma delas o Sobradinho 19, que foi localizado arqueologicamente. Essa fazenda, que foi a maior unidade de criação de gado da região, pertencia ao cirurgião-mor de Vila Boa, Antônio Gomes de Oliveira, e confinava com o Engenho de Santo Izidro 20. Gêneros como a mandioca, o cará, o milho, a batata-doce e o inhame, podiam ser também adquiridos por grupos indígenas aldeados em Mossâmedes e nas suas imediações (Figura 1). Baseada em uma política de pacificação dos grupos indígenas, a Coroa determinou a criação de assentamentos como esse, de modo a reunir índios de diversas nações (Chaim, 1983; Ravagnani, 1987; Ata des, 1998). Conforme notou Saint-Hilaire (1975:64) em sua passagem por Mossâmedes, os índios aí aldeados vendiam excedentes da sua produção, que podem ter tido como destino não só as cidades, mas também as propriedades próximas. A compra de itens no mercado era complementada por aquisições especiais, destinadas aos escravos doentes. O valor empenhado na aquisição desses itens foi consideravelmente mais baixo, totalizado 300$500 réis. A variedade aqui é significativamente maior e o peso de cada grupo mais bem distribuído, como pode ser notado na Figura 4. Conforme mostra o gráfico, a carne de vaca e seus derivados tiveram sua importância diminuída, representando apenas 24,8% dos gastos. Nesse grupo distinguem-se 26 arrobas de carne-seca, uma peça de entrecosto, leite, mocotó e 11 libras de manteiga. A carne de porco, pouquíssimo expressiva nesse conjunto, representa apenas 2,3% dos gastos, estando representada por cinco lombos, sete pernis e várias peças não discriminadas. Seguem-se as aves e seus derivados, que nesse grupo tem grande expressividade (42,5% dos gastos). Elas estão representadas quase que inteiramente por galinhas e frangos, totalmente ausentes no grupo anterior e aqui totalizando o número expressivo de 626 animais. Esse conjunto inclui também 35 dúzias de ovos. Seguem-se várias ervas e especiarias, incluindo canela, erva doce, cominho, pimenta-do-reino, pimenta e “chá” (4,3%). Estão incluídas nesse grupo também algumas variedades de bebidas alcoólicas, compreendendo 13½ frascos de vinho, seis de aguardente do reino e seis de aguardente não especificado, totalizando 12,1% da amostra. Finalmente, verifica-se uma diversidade de itens que aparecem em menores quantidades, incluindo: azeites, vinagres, pães e cebolas brancas.

19 AHEG, Sesmarias, Caixa 1, pcte n.4, 3-12-1750; AHEG, Sesmarias, Caixa 4, pcte n.5, 2-71769; AHU, IPEHBC, CD-ROM, Doc. 2285, 9.9.1788 20 AHU, IPEHBC, CD-ROM, Doc. 1333, 22.2.1766; AHU, IPEHBC, CD-ROM, Doc. 1931, 9.7.1778.

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Figura 4: Gráfico de porcentagens das despesas feitas com alimentos para os escravos doentes no Engenho de Santo Izidro, 1771-1780. Se as despesas feitas com alimentos para os escravos doentes são comparadas com aquelas feitas para o sustento, fica claro que a alimentação com fins terapêuticos tinha o potencial de afetar o regime alimentar de alguns grupos residentes no engenho. Dentre esses itens, destacam-se os frangos e as galinhas, cujo emprego para fins curativos era usual à época, sobretudo sob a forma de canja. Quase sempre presentes nas prescrições médicas de hospitais do Brasil e de Portugal, eram tidos como possuindo capacidade revitalizadora, boa digestão e alto poder nutritivo (Age, 2014:208). Em um estudo recente, Age (2014:206207) menciona os muitos usos dessa ave no Hospital Real Militar de Vila Boa no período 1750-1825, quando era prescrita para o tratamento de um número muito variado de enfermidades. O consumo moderado de várias bebidas alcoólicas, incluindo, com destaque, os diferentes tipos de vinhos, era também creditado como efetivo no tratamento médico. No século 18, o fator intoxicante das bebidas alcóolicas era considerado secundário (Soares et. al, neste volume). Ao mesmo tempo, produtos como o vinho eram geralmente tidos como capazes de restabelecer as forças e combater uma série de enfermidades (Age, 2014:212). Por essas razões, os itens descritos nesse conjunto devem ter sido adquiridos para o tratamento de enfermos em Santo Izidro. Cumpre notar que seu consumo se baseava, fundamentalmente, em princípios médicos herdados de Portugal. É útil notar também que, tendo sido introduzidos por iniciativa dos proprietários, esses itens podiam permitir aos moradores do engenho desfrutar, ainda que circunstancialmente, de alguns requintes alimentares que não faziam, necessariamente, parte do seu cotidiano. O arrolamento dos rendimentos do engenho oferece outro conjunto de dados, referente à produção das suas roças (Figura 5). Esses rendimentos estão atrelados ao valor relativo de cada produto no mercado e não indicam, necessariamente, o volume de produção. Permitem, todavia, algumas aproximações sobre os tipos de gêneros para consumo existentes na propriedade.

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Figura 5: Gêneros vendidos pelo Engenho de Santo Izidro, 1771-1780 (valores em réis). Nas vendas feitas pelo engenho destacam-se, como era de esperar, os principais derivados da cana-de-açúcar (aguardente, açúcar e rapadura), que respondem, somados, por 31,6% dos rendimentos. Todavia, chama atenção a diversificação dos itens produzidos, para além da sua principal vocação. No documento aparecem ainda o milho e o fubá, que correspondem, somados, a 18,9% dos rendimentos. Segue-se a farinha de mandioca, que responde por 30,6% dos rendimentos. Um pouco mais distante, encontramos ainda o feijão (13,1%), o arroz (4,8%) e o trigo (1,2%). Enquanto, muito possivelmente, o cultivo da cana fosse feito nas proximidades da sede do engenho, o dos demais gêneros era feito em uma localidade mais distante, em uma sesmaria anexada à principal, denominada Barreiro, onde havia casas de vivenda, paiol e uma roda e prensa 21. Dessas roças deu conta João Roiz Bento, feitor-mor do engenho. Em um auto de perguntas feitas ao empregado em 1784, respondeu ele que nessa roça existiam, já havia muitos anos, cultivos de milho, feijão e arroz 22. O inventário realizado na propriedade poucos anos antes permite acrescentarmos a essa lista o cultivo de mandioca, também feito no local 23. Parece-nos certo que parte dessa produção era vendida nas vilas e arraiais próximos, servindo para abastecer os mineradores e seus escravos. Consideramos também que parte dessa produção devia permanecer na propriedade, de modo a ser utilizada no sustento dos seus trabalhadores. Para essa afirmativa, baseamo-nos no que dizem as fontes coevas, que costumeiramente relacionam as roças à necessidade de sustento dos proprietários e seus escravos. Nos registros de sesmarias, por exemplo, são abundantes os pedidos de terras destinadas ao sustento próprio. Na região “detrás da Serra Dourada” encontramos requerimentos como o de João Rodrigues Bento, que pediu à Coroa, em

AHU, IPEHBC, CD-ROM, Doc. 2159, Auto de avaliação, 4.4.1780. AHU, IPEHBC, CD-ROM, Doc. 2159, autos de perguntas feitas a João Roiz Bento, 30.4.1784. 23 AHU, IPEHBC, CD-ROM, Doc. 2159, Auto de avaliação, 4.4.1780. 21 22

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1769, meia légua de terra em quadra “para sua sustentação e de seos escravos” 24. Caso semelhante foi o de José Vaz de Almeida, que em 1774 argumentou no requerimento que “para a sua sustentação e de seos escravos precisa terras para cultivar” 25. Era dessas roças que vinha o grosso da base alimentar dos habitantes das minas, incluindo o milho (que podia ser também empregado na alimentação de animais), o arroz e a mandioca. Um grupo de recursos igualmente importante para a subsistência nos engenhos setecentistas eram os quintais e hortas domésticas. Dois inventários realizados no Engenho de Santo Izidro permitem uma compreensão mínima do que era cultivado nesses espaços. No inventário realizado em 1771 26, aparece apenas uma breve menção à existência de “bananal, laranjal e horta”. Em um inventário feito posteriormente, em 1828, há um nível um pouco maior de detalhamento, aparecendo descritos “um quintal de banana e cafezal”, um “quintal da horta” e um “quintal do laranjal”, que ficavam situados, conforme indica o documento, nos fundos da sede e cercados por um amurado de taipa. Esses cultivos sobreviveram mesmo depois do abandono do engenho, acontecido há quase 200 anos. Conforme informou o responsável por trabalhos de limpeza da vegetação existente na área do sítio em 2001 e feitos pelo proprietário com o objetivo de criar novas pastagens, havia no local muitos pés remanescentes de jabuticaba e laranja 27. Hoje eles inexistem. Complementando essas informações, convém considerar o que disseram os viajantes que passaram por Goiás e que não deixavam de se surpreender com a variedade de gêneros algumas vezes presentes nos seus quintais e hortas. Um exemplo disso vem da descrição feita por Pohl (1978:142) do quintal de um engenho situado nas imediações de Santa Luzia (atual Luziânia), onde se hospedou no ano de 1818. Segundo ele, encontravam-se na sua horta: couve, alface, pepino, cebola, aipo, salsa, diferentes variedades de pimenta, ananás, banana, laranja, limão, mamão, uva e cará, entre outros gêneros. Os quintais e hortas das sedes constituíam-se em um importante celeiro de frutas e hortaliças, recursos alimentares que geralmente não eram adquiridos por outros meios. Serviam, assim, como uma importante fonte de complemento alimentar. Para os cativos, a criação dessas estruturas em pontos próximos às senzalas oferecia ainda duas vantagens adicionais. Por um lado, permitiam um melhor enfrentamento dos rigores alimentares aos quais podiam ser submetidos e, por outro, o investimento em escolhas próprias de consumo, na medida em que muito do que era produzido nas roças ou adquirido no mercado era selecionado pelos proprietários. A Figura 6 serve como um exemplo interessante dos gêneros que podiam ser cultivados nos quintais das senzalas brasileiras. Essa figura retrata uma senzala da região sudeste na primeira metade do século 19. No entorno dessa edificação podem-se distinguir diversos gêneros cultivados, incluindo uma pequena plantação de ananás, bananeiras e um mamoeiro. Nota-se ainda, à direita da habitação, um pequeno pé de mamona, cujo óleo era usado nas candeias e como purgante (Silva, 1789:255). Percebe-se ainda a presença de algumas aves de criação nas suas imediações.

AHEG, Sesmarias, Caixa 4, pcte n.8, 5-9-1769. AHEG, Sesmarias, Caixa 4, pcte 33, n.8, 6-12-1774. 26 AHU, IPEHBC, CD-ROM, Doc. 2159, Auto de avaliação, 4.4.1780. 27 Depoimento de Edson Gomes Nogueira, Mossâmedes, Goiás, 13-7-2013. 24 25

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Figura 6: “Habitação de negros”, Johann Moritz Rugendas. Note-se a existência de plantas frutíferas nas imediações da edificação. Conforme sugeriram diferentes historiadores (Castro, 1988; Barickman, 1994; Schwartz, 2001:152-170), os cativos no Brasil podiam expandir suas plantações para além dos limites dos seus quintais, cultivando as próprias roças, atividade, muitas vezes, incentivada pelos proprietários como forma de promover o autossustento da sua força de trabalho. Para os escravos, representava uma chance extra de assegurar recursos alimentares em momentos de carência, além de oportunidade para a produção de excedentes visando à comercialização de gêneros. Embora não tenham sido identificados na documentação referente ao Engenho de Santo Izidro registros de roças associados aos escravos, um conjunto de evidências arqueológicas sugere a presença do uso intensivo de quintais por esses indivíduos. Defronte do local onde se situava a sede do engenho, foi encontrada uma maior densidade de artefatos, tanto em nível superficial como subsuperficial, bem como evidências de pelo menos um piso de habitação onde existiu uma cabana, tipo de habitação ordinariamente ocupada pelos cativos em Goiás (Pohl, 1978). Nessa mesma área foi identificado um sedimento escurecido e totalmente distinto do que é encontrado no terreno circundante (Figura 7). Esse sedimento sugere de forma muito clara a presença de um solo antropogênico formado por diferentes tipos de matéria orgânica. Para a formação desse solo, podem ter contribuído o constante corte e a renovação de plantações, e o acúmulo de outros componentes orgânicos de forma intencional, de modo a enriquecer o solo. Sabe-se, por exemplo, que plantas como bananeiras exigem solos férteis (Schmidt e Heckenberger, 2009:105), o que pode ter contribuído para o estabelecimento desse tipo de prática. Ainda que para um melhor entendimento dos usos desse solo seja necessária a realização de análises pedoarqueológicas do sedimento existente no local – o que deve ser feito na

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sequência da pesquisa – nos parece razoável considerar esse dado como uma evidência importante de uso intensivo do local para cultivo doméstico.

Figura 7: Engenho de Santo Izidro. A seção hachurada indica a área onde se situavam as senzalas e onde se verifica a presença de solo escurecido. Note-se na fotografia, acima e à direita, uma amostra da cor do solo aí existente e, abaixo e à direita, uma amostra do tipo de solo da área circundante, de cor mais clara. A localização da casa de engenho e sede é aproximada (imagem aérea: Google Earth, obtida em 10/12/2013). Um último tipo de recurso aqui considerado e que também não está coberto pela documentação consultada associa-se às atividades de caça e coleta de recursos nativos pelos trabalhadores do engenho, e que podia incluir o apresamento de animais silvestres, a coleta de frutos do cerrado e mel, recurso especialmente apreciado pelos escravos (Antonil, 1982:83). Estudos zooarqueológicos realizados em outras partes das Américas têm apontado essa como uma atividade regular dos cativos. Conforme as evidências têm indicado, uma série de estratégias podia ser utilizada, incluindo a caça, o uso de armadilhas e a coleta oportunista (Reitz e Scarry, 1985; McKee, 1987; Wallman, 2014). Esses recursos constituíam-se em uma importante fonte alimentar, permitindo, assim como aqueles provenientes de roças e quintais domésticos, o enfrentamento das restrições alimentares que lhes podiam ser impostas. Se examinados em sua totalidade, esses dados permitem tecermos algumas considerações importantes acerca das práticas de consumo nas unidades rurais de grande porte durante o século 18. Em primeiro, deve-se considerar, obviamente, que a diversidade de recursos alimentares não era garantia de boa e suficiente alimentação. São amplamente conhecidos os rigores alimentares aos quais os escravos rurais podiam estar sujeitos, o que é especialmente válido para o século 18, quando os proprietários tinham pouco ou nenhum interesse na manutenção de condições de vida adequadas para seus trabalhadores (Marquese, 2004). Deve-se ressaltar, assim, que embora invisíveis na documentação 76

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examinada, as estratégias alternativas de aquisição de gêneros para consumo dos escravos, e que incluíam a caça, a coleta e as criações particulares, podiam se apresentar como soluções importantes para quadros de limitação alimentar. Do conjunto de dados examinados pode-se depreender também que em propriedades do porte de Santo Izidro havia um acesso diferencial aos recursos. Se retornarmos ao diagrama apresentado na Figura 2, é possível notar que o grosso do suprimento de grãos e cereais era obtido nas roças da propriedade. As carnes e seus derivados, por sua vez, podiam ser obtidos tanto na propriedade quanto no mercado. Já o suprimento de hortaliças e leguminosas podia ser obtido nas roças e quintais domésticos. Essa parece ter sido uma decisão importante, na medida em que, por esse meio, esses gêneros podiam ser consumidos frescos. Nesse cenário, a caça e coleta funcionavam como caminhos alternativos para o complemento da dieta alimentar. Pode-se perceber também que as fontes de aquisição de recursos nesse engenho podiam estar ligadas a diferentes níveis de articulação espacial (Figura 8). Nas terras do engenho, havia diferentes locais de produção e aquisição de alimentos, incluindo a roça do barreiro, cuja localização é conhecida. As fazendas, engenhos e roças vizinhas podiam oferecer outro nível de articulação, conectando-se ao Engenho de Santo Izidro por meio do comércio de gêneros que não estavam disponíveis em quantidades suficientes ou não eram aí produzidos, como, por exemplo, a carne de vaca e seus derivados. Outro nível de articulação envolvia os núcleos urbanos próximos, incluindo Mossâmedes, onde a produção de indígenas podia ser adquirida, e os núcleos mineradores de Vila Boa, Ferreiro e Ouro Fino, onde havia oportunidades para a aquisição de gêneros provenientes de partes distantes da capitania e do reino, incluindo sal, vinho, azeite, vinagre, entre outros. Somamse a esse conjunto os locais de caça e coleta de recursos silvestres, que podiam estar situados, por exemplo, nas matas e regiões não ocupadas das vizinhanças.

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Figura 8: Escalas de articulação espacial consideradas para o abastecimento alimentar do Engenho de Santo Izidro, 1771-1780. A localização dos pontos de caça e coleta não é conhecida e está representada de forma hipotética onde existiam as matas da Serra da Lage, local potencial de aquisição de recursos nativos. Uma última consideração que pode ser feita sobre esse quadro se relaciona ao jogo de poder expresso por meios das redes de produção, distribuição e consumo de alimentos. A documentação examinada sugere um alto nível de ingerência dos proprietários sobre as práticas alimentares no engenho. Essa ingerência era manifestada na escolha dos itens cultivados, dos animais escolhidos para criação e dos itens adquiridos no mercado, incluindo aqueles empregados no tratamento de doenças que, conforme mencionamos acima, obedeciam a princípios terapêuticos praticados pela população livre de origem europeia. Nesse cenário, a caça e coleta de recursos silvestres, assim como as roças e os quintais domésticos, podiam representar para os escravos oportunidades de exercer escolhas próprias. Conforme já notado, os quintais domésticos dos cativos limitavam a interferência da população livre no seu cotidiano (Heath e Bennet, 2000:51). De forma semelhante, os locais de caça e coleta se situavam longe dos olhos e controle dos proprietários. A seguir será examinado o caso do Engenho de São Joaquim, ocupado durante o século 19. Embora esse sítio conte com dados de outra natureza, oferece possibilidades adicionais para aproximações envolvendo os hábitos alimentares das grandes unidades rurais goianas.

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Esse engenho foi construído em 1800 por Joaquim Alves de Oliveira, um dos mais ricos escravocratas de Goiás na primeira metade do século 19. Assim como no Engenho de Santo Izidro, essa propriedade contava com uma população escravizada muito significativa para os níveis do Brasil, somando, em meados do século 19, cerca de 105 cativos, conforme indica o inventário de Alves, falecido em 1851 28. Embora a principal vocação econômica dessa propriedade fossem os derivados da cana-deaçúcar, ela produziu, assim como o Engenho de Santo Izidro, outros gêneros, incluindo o algodão. Beneficiando-se das demandas geradas pela Revolução Industrial e dos excelentes preços que o algodão de Goiás alcançou na Inglaterra na primeira metade do século 19 (Del Priore e Venancio, 2006:108), Alves exportou, com muito sucesso, esse item para Salvador e Rio de Janeiro, de onde eles eram levados para a Europa. Ao contrário de outros proprietários da região, Alves perseguia a autossuficiência em sua propriedade. Com esse fim, implantou uma moderna e engenhosa máquina de ralar mandioca, descrita em detalhes por Saint-Hilaire (1975:99), que visitou sua propriedade em 1819. Nas unidades rurais do período, a moagem desse vegetal para a produção de farinha era feita à mão (Guimarães et al., 2007:110-114). Ao introduzir um novo método para o processamento da mandioca, Alves visava incrementar a produção de farinha e, com isso, oferecer uma base alimentar mais sólida aos seus escravos. Conforme notou Saint-Hilaire (1975:98), interessava a Alves oferecer melhores condições de vida aos trabalhadores da sua propriedade, o que incluía mantê-los bem alimentados. Esse interesse foi partilhado por alguns outros proprietários do período que, influenciados pelo Iluminismo, viam as melhorias na agricultura como capaz de promover bem-estar social. Nesse contexto, a mandioca tinha um lugar de destaque, sendo considerada o principal “alívio dos pobres” (Galloway, 1979:773). Ainda que a noção de amenidade no cativeiro tenha sido há muito descartada, bem como a do “bom senhor” (Harris, 1969; McGary, 1993), é licito considerarmos que a importância dada pelo proprietário à farinha de mandioca influenciou, ao menos em parte, o regime alimentar dos escravos dessa propriedade. Curiosamente, não constam na documentação post-mortem de Alves e de seus herdeiros menções à presença de animais de criação destinados ao consumo. Tampouco são mencionadas terras de cultura 29. Dadas as dimensões e importância econômica dessa propriedade, é possível que eles não chegaram a ser levantados durante o inventário. Há, todavia, dados de outra natureza que permitem algumas aproximações sobre a dieta dos trabalhadores da propriedade. Uma informação relevante vem do relato de Saint-Hilaire (1975:99), que informou que os escravos do engenho possuíam as próprias roças. Segundo ele, Alves incentivava essa prática por meio da doação de uma porção de terras que podia ser cultivada em seu próprio proveito aos domingos. Dados importantes para a presente análise vêm das escavações arqueológicas realizadas em duas seções das senzalas desse engenho, que revelaram uma quantidade expressiva de artefatos datados entre cerca de 1800 e 1864 (Souza, 2011, 2012). Nessa amostra figuram itens empregados no transporte, incluindo oito fivelas de arreio e 24 ACFP, Livro de Registros de Inventários, pcte. 14, n.366, Inventário de Joaquim Alves de Oliveira, 6-3-1855. 29 ACFP, Livro de Registros de Inventários, pcte. 14, n.366, Inventário de Joaquim Alves de Oliveira, 6-3-1855; ACFP, Livro de Registros de Inventários, maço 4, n.70, Inventário de Anna Joaquina de Oliveira, 16-9-1852; ACFP, Livro de Registros de Inventários, maço 14, n.367, Inventário de Joaquim da Costa Teixeira, 16-3-1864. 28

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cravos de ferradura. Para explicar a aparição desses itens no interior de senzalas, é útil considerar o relato do diplomata francês Barão de Forth-Rouen durante seu pernoite, em 1847, em um engenho baiano. Segundo ele, os escravos desse engenho, além de possuírem roças próprias, tinham os próprios cavalos. Alguns chegavam a alugar esses animais para o proprietário (Barickman, 1994:661). Isso sugere que os itens ligados ao transporte encontrados nas senzalas do Engenho de São Joaquim podiam se relacionar à posse de animais de cela, o que, em última instância, representava maior capacidade de circulação e maior grau de autonomia dos escravos. Representava também um incremento potencial na sua capacidade produtiva, permitindo deslocamentos mais eficientes na exploração das suas roças (Souza, 2011:98). O uso de animais permitia maximizar a produção e o transporte de gêneros, possibilitando, inclusive, a comercialização de excedentes, prática conhecida no Caribe e no Brasil como “brecha camponesa” (Lepkowski, 1968; Gorender, 1978; Cardoso, 1987). Das senzalas desse engenho vêm ainda evidências do uso de armas de fogo, igualmente importantes para a compreensão do tipo de dieta estabelecida pelos cativos da propriedade. Nas escavações feitas nas senzalas foram encontradas algumas partes metálicas de armas, pederneiras e diferentes tipos de balas de mosquete (Souza, 2011:98). O uso de armas, uma questão polêmica no período colonial, chegou a ser proibido entre os escravos em algumas regiões brasileiras devido ao temor de sedição (Karasch, 1996:79-96). No Engenho de São Joaquim, onde seu proprietário permitia aos escravos a criação de uma economia informal em beneficio próprio, é possível que as regras quanto ao uso de armas tenham sido afrouxadas. Em vez de se constituírem em instrumentos de defesa pessoal, o que, naturalmente, desencadearia a repressão ao seu uso, é bem possível que elas tenham sido empregadas para a caça de animais silvestres visando à complementação da sua dieta (Souza, 2011:97-98). Muitas das práticas verificadas no Engenho de São Joaquim romperam com aquelas correntes em Goiás. Alves opunha-se a proprietários como Francisco Xavier de Távora, dono do Engenho de Santo Izidro em meados do século 18 e conhecido pela brutalidade com que tratava sua escravaria (Souza, no prelo). Ao contrário do que praticavam outros proprietários, Alves buscou estabelecer novas regras de administração no seu engenho, incluindo um tratamento distinto aos trabalhadores (Souza, 2007). Tais práticas certamente impactaram a dieta dos escravos e outros residentes da propriedade. Se os dados examinados acima são considerados em sua totalidade, é possível perceber que havia nesse engenho um sistema montado pelos cativos – e com o aval do proprietário – de exploração de recursos próprios. Eles possuíam roças, meios de transporte e armas de fogo, que podiam ser empregadas na caça de animais silvestres. Ainda que o autossustento dos cativos trouxesse claros benefícios para os proprietários, fazendo com que os escravos empregassem a própria força na produção de alimentos, tais atividades permitiam exercer escolhas de consumo próprias. Podiam, também, gerar pequenos excedentes para venda e formação de algum pecúlio. O PREPARO DE ALIMENTOS PARA CONSUMO O exame de artefatos empregados no preparo de alimentos permite estabelecermos algumas conexões importantes entre a produção e o consumo de gêneros. Permite também percepções importantes sobre o lugar e a agência dos consumidores nesse processo (e.g. Janowitz, 1993). Tendo isso em mente, selecionamos para análise quatro recipientes cerâmicos, bem como os resíduos alimentares neles depositados. Na nossa pesquisa, tivemos a preocupação de escolher recipientes cuja datação coincide com a dos 80

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períodos que estamos considerando e pudessem ser reconstituídos em sua totalidade, permitindo, assim, a obtenção de dados mais sólidos sobre seus vários atributos. A Figura 9 mostra os quatro recipientes selecionados para análise. Dois deles provêm de uma área de deposição situada na mancha escura do Engenho de Santo Izidro. Esse depósito foi datado por meio da Fórmula South (South, 1977:201-276) como tendo sido formado entre 1775 e 1810 (Souza, 2014:35-37). Consideramos que ele se mostra apropriado para a presente análise, na medida em que apresenta um conteúdo claramente ligado a contextos domésticos e inclui diversos vestígios associados ao preparo e consumo de alimentos (Souza, 2014:28-30). Embora esse depósito esteja situado no local onde se implantavam as senzalas, não descartamos a possibilidade de conter vestígios ligados aos trabalhadores livres do engenho. Os dois outros recipientes provêm de uma pequena lixeira situada nos fundos da sede do Engenho de São Joaquim e datada pela Fórmula South entre 1800 e 1860 (Souza, 2010b). Assim como a área de deposição encontrada no outro sítio, apresenta características claras de refugo doméstico.

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Figura 9: Recipientes cerâmicos selecionados para análise. Peça 1: Panela, Engenho de Santo Izidro; Peça 2: Frigideira, Engenho de Santo Izidro; Peça 3: Panela, Engenho de São Joaquim; Peça 4: Alguidar, Engenho de São Joaquim. A Figura 10 sintetiza os resultados da análise arqueobotânica. Conforme pode ser notado nessa figura, foi encontrada a presença conspícua de grânulos de milho (Zea mays), verificados nos quatro recipientes analisados. Afora esse gênero, foram identificados apenas grânulos de uma raiz, possivelmente batata-doce (Ipomoea batatas). Essa predominância do milho vai ao encontro do que se poderia esperar para Goiás do século 18 e primeira metade do século 19. Nesse período, dois itens figuravam como constituindo a base alimentar dos seus habitantes: a mandioca e o milho, ambos de origem nativa e cujo consumo foi aprendido com as comunidades indígenas. Conforme dão conta os primeiros cronistas, a mandioca foi assimilada desde o início da colonização do Brasil. De especial 81

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importância foi a sua farinha, considerada um dos principais mantimentos da época, ordinariamente empregada em substituição ao pão e à farinha de trigo (Souza, 2010a:109113). O milho foi comparável em importância à mandioca, sobretudo no planalto paulista (Holanda, 1994:181). Dada a facilidade do seu transporte sob a forma de grãos, produção em curtos intervalos de tempo e exigência de menos tecnologia para seu processamento, terminou suplantando a farinha de mandioca nas longas jornadas bandeiristas e na colonização das áreas mineradoras (Holanda, 1976:111-112). A importância capital desse item no momento de implantação dos primeiros núcleos mineradores pode ser vislumbrada na obra de Antonil (1982:139). Em sua viagem por Minas Gerais nas primeiras décadas do século 18, ele assinalou que, em situações de falta absoluta de mantimentos, “não poucos eram os mortos com huma espiga de milho na mão, sem terem outro sustento”. Se consultadas as fontes sobre Goiás relativas ao século 18, pode ser verificada a importância dos derivados da mandioca e, sobretudo, do milho, que sempre aparecem com lugar de destaque nas descrições (Palacin et al., 1995:209-210; e.g. Bertran, 1997). Com o correr do século 19 e a implantação de condições mais favoráveis de produção, alguns gêneros passaram a ter mais destaque nos relatos, como o arroz (Mattos, 1979:65,75) e o trigo (D’Alincourt, 2006:70). Todavia, jamais suplantaram a mandioca e o milho em importância. Nesse sentido, a presença recorrente de milho nas amostras arqueobotânicas examinadas parece ir ao encontro do que dizem as fontes documentais. Apesar da variedade de gêneros vegetais disponíveis nos engenhos, recuperamos principalmente grânulos de amido de milho e, secundariamente batata doce, não sendo encontrados os demais vegetais. Isto não necessariamente guarda relação com a disponibilidade -maior ou menor- deles nas cozinhas. Talvez estivessem ausentes apenas nos artefatos específicos amostrados, ou, sua ausência fosse decorrente da sobrevivência diferencial dos diferentes grânulos de amido, o que ocorre em função da origem, e ainda segundo os distintos solos e flora microbiana com que tenham tido contato (Haslam, 2004). Segundo Barton (2009), ainda que no mesmo solo, diferentes artefatos guardam características distintas de preservação de grânulos de amido. Especificamente com relação à mandioca, notou-se em experimento de moagem uma menor estabilidade dos seus grânulos frente a do milho, o que favorece a sua posterior degradação (Chandler-Ezell et al., 2006; Samuel citado em Cascon, 2010).

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Figura 10: Síntese dos dados arqueobotânicos referentes à análise dos resíduos. Legenda: Vaso cerâmico- referência do recipiente e pontos de coleta (as formas cerâmicas estão fora de escala); Amostragens- tipo de amostragem realizado; Microvestígios arqueológicos- resíduos alimentares identificados; Microvestígios atuais- evidências provenientes da coleção de referência utilizada.

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O lugar do milho nas práticas alimentares dos ocupantes dos dois sítios investigados pode ser examinado em mais detalhes se as características dos recipientes estudados são levadas em conta. Na amostra do Engenho de Santo Izidro, foram selecionadas uma panela e uma frigideira. Na panela (Figura 9, peça 1) foram identificados grumos de amido parcialmente carbonizados, alguns deles apenas parcialmente (Figura 10, peça 1). Esse recipiente tinha a capacidade de cinco litros 30, possuindo baixa altura, bojo protuberante e ligeiro estreitamento no pescoço. Conforme indicam estudos etnoarqueológicos, esse tipo de forma é usualmente empregado para o preparo de alimentos por fervura (Rice, 1987:239-240). Essa inferência é corroborada pelas marcas tafonômicas encontradas nos grânulos, que indicam cozimento com água (Figura 10, imagens 1 e 2). Experimentos feitos com réplicas desse recipiente (Gonçalves Junior, 2015:86) indicaram que sua abertura, relativamente ampla, intensificava a evaporação, o que poderia criar dificuldades para o preparo de alimentos à base de milho que exigissem cozimento prolongado, como a canjica, considerada “um guisado especial” dos paulistas (Holanda, 1994:181; Basso, 2012:138-139). Permitia, todavia, a execução de receitas que exigissem tempo de preparo mais curto, como o curau e a pamonha. Permitia também o preparo do angu, muito consumido pelos grupos escravos. Embora a população livre pudesse despreza-lo, tal como acontecia em São Paulo, onde o fubá e seus derivados eram considerados “comida para cachorro” (Holanda, 1994:181-182), era bem aceito pela população cativa. Associando, muito possivelmente, o gosto dos cativos pelo angu com as facilidades que havia para sua produção, os proprietários costumavam fornece-lo como gênero de consumo básico (Saint-Hilaire, 1974:16). Em sua passagem por Diamantina, Minas Gerais, Gardner (1942:389) fez uma observação que reforça a importância desse item na dieta dos cativos. Segundo ele, “sua alimentação, que não é das mais nutritivas, consiste principalmente em feijão cozido e fubá de milho, o qual, ajuntando-se água quente, se transforma numa pasta grossa chamada angu”. A outra peça proveniente do Engenho de Santo Izidro apresentou um grânulo de amido bem preservado, recuperado em uma mancha carbonizada em sua parte basal (Figura 10, peça 2). Com a feição de uma frigideira, possuía a capacidade de um litro e meio, tendo abertura extrovertida e uma forma bastante baixa, característica desse tipo de recipiente (Figura 9, peça 2). Conforme indicam estudos etnoarqueológicos, esse tipo de forma é tradicionalmente empregado para frigir alimentos ou para fervura em fogo brando (Rice, 1987:240). A mancha carbonizada encontrada na parte interna, comumente associada à cocção sob calor intenso (Dantas e Lima, 2006:30), indica que, pelo menos em alguns momentos, a fritura era a técnica utilizada. Nesse recipiente podiam ser feitos, por exemplo, diversos preparados envolvendo a combinação do fubá e da farinha de milho com outros itens. Na mesma área de deposição onde foram recuperados os recipientes cerâmicos que mencionamos acima, foram encontrados também dois fragmentos de espiga de milho que, dado seu alto grau de carbonização, ficaram preservados no registro arqueológico. Essas evidências indicam uma nova modalidade de uso do milho entre os residentes do engenho (Figura 11). Conforme as fontes documentais indicam, seu consumo em espiga foi comum em diferentes segmentos sociais no período colonial, incluindo os escravos, que tinham por hábito consumi-los tanto assados quanto cozidos (Basso, 2012:153). Dadas Este e os demais cálculos de volume realizados foram feitos por meio da técnica conhecida como “summed cylinders” RICE, P. M. 1987. Pottery analysis: a sourcebook. University of Chicago Press, Chicago.. 30

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suas características, pode-se considerar que as espigas encontradas foram consumidas assadas.

Figura 11: Fragmentos de espiga de milho encontrados no Engenho de Santo Izidro (Fotografia: Ciro Gonçalves Junior). É significativo que nessa área de deposição do Engenho de Santo Izidro – e a despeito de estarmos utilizando uma amostra pequena – tenhamos encontrado uma combinação de evidências que sugere, por um lado, o uso cotidiano do milho na dieta alimentar e, por outro, seu consumo por meio de diferentes técnicas. Embora datados de um período posterior, os dados provenientes do Engenho de São Joaquim indicam uma situação de certa forma semelhante. Desse sítio foram analisados dois recipientes: uma panela e um alguidar. A análise arqueobotânica da panela revelou quatro grânulos de amido (Figura 10, peça 3). Esse recipiente tinha a capacidade de 4,3 litros, possuindo o corpo mais alongado e a abertura mais restrita (Figura 9, peça 3). Dadas suas características físicas, pode ter sido usado com mais eficiência para cozimentos prolongados, incluindo a canjica. Pode ter sido usado também para o preparo de outras iguarias levadas para a região das minas pelos paulistas, como a pipoca (Holanda, 1994:181) que demandava para seu preparo recipientes mais altos e capazes de acomodar com facilidade uma tampa. No interior dessa panela foram encontrados ainda, conforme já assinalamos, vestígios de uma raiz, provavelmente batata-doce, expresso pela presença de um grânulo composto 31. Esse gênero, cujo consumo teve origem nos hábitos indígenas, integrava o 31 O tamanho e morfologia desse grânulo, que é um componente de um grânulo composto, é compatível com o encontrado na Coleção de Referência para esse vegetal e utilizada na análise. Apesar disso, as facetas de pressão vistas na Figura 10 são pouco demarcadas, em desacordo com o encontrado na Coleção de Referência própria e nas utilizadas por outros autores PIPERNO, D. R. 2006. Identifying manioc (Manihot esculenta Crantz) and other crops in precolumbian tropical America through starch grain analysis: a case study from central Panama. Documenting Domestication: New genetic and archaeological paradigms. ZEDER, M. A., BRADLEY, D. G., EMSHWILLER, E. e SMITH, B. (orgs.). University of California Press, Berkeley. pp. 46-

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repertório alimentar dos cativos e proprietários. Um dado interessante a esse respeito vem da verificação do seu consumo em uma comunidade quilombola de Goiás (Silva, 1988:332), o que evidencia sua integração aos hábitos alimentares dos africanos que serviram de mão de obra na região e seus descendentes. O último recipiente proveniente do Engenho de São Joaquim analisado foi um alguidar, onde foram identificados dois grumos com muitos grânulos de milho parcialmente gelatinizados e três grânulos isolados (Figura 9, peça 4; Figura 10, peça 4). Essa peça apresenta características formais semelhantes à dos alguidares portugueses pósmedievais (c.f. Fernandes e Carvalho, 1998:213; Diogo e Trindade, 2000:205), cuja penetração no Brasil foi muito bem sucedida. Esse recipiente tinha a capacidade de cerca de três litros e nenhuma marca de ter sido levado ao fogo, indicando seu emprego em etapas anteriores ao cozimento. Dados seus múltiplos usos, esse item é classificado nas pesquisas realizadas por Souza (e.g. Souza e Symanski, 2009:531) como multifuncional. Em Portugal, de onde essa forma provém, o alguidar de cozinha podia ser utilizado para amassar alimentos, lavar carnes e pescados ou como simples contenedor de água fria (Fernandes, 2012:293). Esses usos eram facilitados pela sua forma, uma vez que recipientes largos e com abertura ampla permitem fácil acesso aos conteúdos e sua manipulação (Rice, 1987:241). No processamento do milho, poderia ser empregado para ralar, peneirar, coar, misturar ou descansar esse gênero e seus subprodutos. Podia ainda ser utilizado para conter alimentos anteriormente preparados. Se a totalidade dessas evidências é considerada, torna-se possível compor um quadro bastante amplo do uso do milho nos contextos domésticos dos dois sítios examinados, incluindo diferentes modalidades de preparo e consumo desse gênero. É útil também considerar a inserção dessas práticas nos sistemas de produção e aquisição de gêneros nas duas propriedades estudadas. Conforme já discutimos na seção anterior deste capítulo, o Engenho de Santo Izidro vendia milho e fubá para o mercado. Se a tabela apresentada na Figura 2 é consultada, podem-se notar os baixíssimos rendimentos obtidos com a venda de fubá, sugerindo que esse item pode ter sido preferencialmente destinado ao consumo interno da propriedade, que assimilaria a maior parte da produção. O caso da batata-doce também é interessante de ser levado em conta na presente discussão, na medida em que esse gênero não consta nos arrolamentos de despesas e receitas da propriedade, podendo, assim, estar entre os itens cultivados em roças particulares. No 67, HORROCKS, M., et al. 2008. "Sediment, soil and plant microfossil analysis of Maori gardens at Anaura Bay, eastern North Island, New Zealand: comparison with descriptions made in 1769 by Captain Cook's expedition." Journal of Archaeological Science, vol. 35: 2446-2464., em que essas facetas são retilíneas e bem definidas (como visto em Microvestígios atuais apresentados na Figura 10). Apesar dessa incerteza, descartamos a possibilidade de ele ser proveniente da mandioca, cujas facetas de pressão geralmente são em menor número e sempre demarcando facetas arredondadas sobre uma das extremidades do grânulo em sino ou hemisférico, conforme apontado por Piperno PIPERNO, D. R. 2006. Identifying manioc (Manihot esculenta Crantz) and other crops in pre-columbian tropical America through starch grain analysis: a case study from central Panama. Documenting Domestication: New genetic and archaeological paradigms. ZEDER, M. A., BRADLEY, D. G., EMSHWILLER, E. e SMITH, B. (orgs.). University of California Press, Berkeley. pp. 46-67.. Segundo essa mesma autora, grânulos em forma de sino ou hemisféricos são incomuns em espécies tropicais, exceto para órgãos subterrâneos. Dessa forma, não se descarta a possibilidade de que esse único grânulo seja proveniente de outro tipo de raiz, tubérculo ou rizoma comestível. 86

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Engenho de São Joaquim, conforme assinalamos anteriormente, seu proprietário se preocupou em intensificar a produção da farinha de mandioca na propriedade. Essas diferentes possibilidades sinalizam para cenários que articulavam condições e práticas de consumo específicas com contextos mais amplos, ligados às condições de produção, aquisição e distribuição dos gêneros. Um aspecto importante sobre o que verificamos diz respeito à bagagem cultural da comunidade escravizada do Engenho de São Joaquim. Conforme já assinalamos, os recipientes cerâmicos provenientes desse sítio vêm de uma área de deposição associada aos cativos e trabalhadores livres da propriedade, que costumavam também ser de ascendência africana ou híbrida (Parés, 2005:131; Machado, 2008:48), característica que inclui o caso de Goiás (Karasch, 2002:141). Essa base cultural é uma referência importante para refletirmos sobre os hábitos alimentares desses indivíduos, na medida em que muitas das suas práticas se vinculavam, ainda que parcialmente, ao seu lugar de origem. Estudos sobre as marcas de fuligem encontradas na panela proveniente do Engenho de Santo Izidro, por exemplo, indicaram que esse recipiente foi submetido à cocção em um fogão feito por um tripé assentado em uma fogueira, cujo emprego encontra antecedentes em diferentes regiões africanas (Gonçalves Junior, 2015). Há também registradas evidências desse tipo de estrutura em diferentes contextos arqueológicos brasileiros associados a comunidades escravizadas (Souza, 2012; Symanski e Gomes, 2012:314). Podemos também considerar que muitos dos gêneros introduzidos pelos indígenas fizeram seu percurso até a África, retornando, já consolidados, na bagagem cultural dos africanos escravizados (Alencastro, 2000). Esse foi, por exemplo, o caso do fubá, popular em várias regiões africanas e cuja etimologia provém do Kikongo mfuba (Lopes, 2003:102). A panela proveniente do Engenho de Santo Izidro, por outro lado, nos oferece uma perspectiva distinta. Encontrada em uma área de deposição de refugo situada próxima à sede, ela apresentou um padrão de fuligem associado à cocção de alimentos em fogões do tipo poial, o conhecido “fogão caipira”, cuja feição e uso se originaram de influências culturais mistas (Gonçalves Junior, 2015). Consideramos, portanto, que, na ponta final do sistema alimentar dos Engenhos de Santo Izidro e de São Joaquim – aquela ligada ao preparo e consumo dos alimentos no âmbito doméstico – os gêneros estavam sujeitos a diferentes injunções culturais. Conforme assinalado por Souza (2012:47-54), as senzalas constituíam-se em domínios particulares de conhecimento e ação. Esses domínios incluíam as experiências e os saberes ligados à alimentação. O mesmo pode ser dito acerca das sedes. Nesse sentido, as práticas alimentares levadas a efeito nesses dois tipos de espaços ligavam-se, por um lado, às condições de produção, aquisição e distribuição e, por outro, a processos seletivos de consumo, embasados em condições e práticas culturais específicas. CIRCULAÇÃO, SUJEITOS E MATERIALIDADES A constelação de recursos, sistemas e processos que encontramos na nossa pesquisa se baseava na constituição de inúmeras associações envolvendo pessoas e materialidades que, de acordo com Hodder (2012:112), têm um duplo vinculo, na medida em que as pessoas dependem das coisas e, ao mesmo tempo, se veem na necessidade de reproduzir o que com elas fazem. A constituição dessas redes envolvia diferentes tipos de relação. Podia envolver dependências que, por exemplo, no caso do Engenho de Santo Izidro, incluíam a aquisição de carne de vaca nas propriedades vizinhas ou a aquisição de gêneros provenientes do reino, que podiam ser comprados nas vilas e nos arraiais próximos. Podia envolver também 87

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contingências, tais como a carestia dos gêneros ou sua ocasional indisponibilidade, o que não era incomum no contexto das minas (Palacin, 1994:132-133) e implicava a busca por recursos de ordem diversa. Podia, finalmente, envolver limitações, como a escassez de suprimentos enfrentada pelos escravos, o que os forçava a confiar em estratégias alternativas de aquisição de alimentos, como, por exemplo, a caça e a coleta. Quando as redes ligadas aos alimentos são consideradas, torna-se possível chegarmos a algumas aproximações importantes acerca da tecedura social existente em sítios e contextos particulares. As ligações do milho consumido no Engenho de Santo Izidro com essas redes podem ser um caso em questão. Esse gênero era um híbrido, na medida em que estava envolvido em encadeamentos compostos por elementos heterogêneos. Ele passava por várias transformações na sua forma: era cultivado e, quando maduro, semeado; podia ser mantido em espigas, debulhado ou moído; podia ser vendido, trocado, estocado ou transportado; e já na esfera doméstica, assado, cozido ou fervido. Além disso, relacionava-se a diversos sujeitos: podia ser adquirido pelo proprietário nas suas roças, comprado nas propriedades vizinhas ou das mãos dos indígenas; podia ser consumido pela população livre ou cativa. Relacionava-se também a um conjunto muito diverso de materialidades, incluindo um variado aparato ligado à produção, comercialização e consumo dos gêneros (neste texto focamos, em particular, nas panelas usadas no seu preparo). A ligação do milho com processos, sujeitos e materialidades destacadamente relevantes para a sobrevivência dos colonizadores levou importantes pesquisadores a explicá-lo sob a ótica das trocas e delegações culturais. Aqui nos parece oportuno relembrar a visão de autores como Sérgio Buarque de Holanda (1994), para quem o consumo do milho passou por discretas, porém vitais adaptações, do cardápio indígena ao dos colonizadores, ou a visão de Algranti (2011), que mais recentemente defendeu o argumento de que o consumo de gêneros como o milho envolveu justaposições, na medida em que ele estaria associado à coexistência de distintas estruturas alimentares. Na linha de reflexão que propomos, perseguimos um tipo de entendimento distinto que não diz respeito a adaptações, coexistências ou justaposições, mas sim a processos de translação, aqui entendidos nos termos propostos por Serres (1990). Segundo ele, esses processos são pontos de passagem capazes não só de estabelecer comunicação, mas também de criar diferença. Nos seus termos, a translação é um ato de invenção que emerge da combinação de elementos heterogêneos e que, ao fim, tem a capacidade de permitir o estabelecimento de identidades variadas (Tonelli, 2012:8-10). Nessa direção, podemos ter híbridos como o milho vinculados a operações que, no fluxo das trocas, restabelecem ou redefinem possibilidades. Neste ponto, é importante considerar o papel desempenhado pela cultura material nos processos de translação. Posicionando-se nos enclaves que sustentam e mantêm as redes e associações, ela tem a habilidade de forjar a passagem entre domínios. Se, por exemplo, itens como os recipientes cerâmicos provenientes dos sítios que estamos estudando são considerados, é possível notar que, por meio de habilidades agentivas específicas – conter, fritar, ferver etc, eles possibilitavam importantes processos de transformação: o milho podia ser transformado em canjica, o fubá em angu, e assim por diante. Solicitar aos artefatos essas transformações implicava redefinir saberes e materialidades, bem como o lugar dos sujeitos na ordem geral das coisas. Ao cozinhar seus alimentos, um cativo não só adaptava ou justapunha saberes indígenas, europeus ou mesmo africanos, mas também realizava a transformação da sua forma, aparência, substância, cheiro e sabor em algo que lhe era, de alguma forma, familiar. 88

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O mesmo pode ser dito sobre os demais artefatos ligados às redes que conectavam as diferentes formas de produção e consumo de alimentos. Os processos nos quais os alimentos estavam enredados encetavam ações e acontecimentos bastante amplos. Gêneros como o milho cruzavam, no tempo e no espaço, grupos de pessoas muito diferentes entre si e podiam envolver, em escala global, complexas formas de controle, uso e distribuição. Eles contribuíam, assim, para articular a trama social e a forma como pessoas diferentes se relacionavam. As redes que os faziam ir da condição de semente a alimento organizavam, no seu percurso, um conjunto de interações em escala mais ampla, compreendendo o nível do sítio, da região e além. Ao mesmo tempo, organizavam relações localmente articuladas. Esses processos não só agrupavam coletivos mas também localizavam os diferentes. Permitiam acontecimentos individualizados e particulares. Conforme assinalamos anteriormente neste texto, o processo de cozimento de um item à base de milho por um grupo doméstico escravizado podia envolver saberes, práticas e gostos particulares. Dessa forma, as transformações pelas quais passava o milho se ligavam às identidades dos seus produtores, distribuidores e consumidores, deixando transparecer a capacidade dos sujeitos envolvidos de, em um dado lugar no tempo e no espaço, fazer seu aquilo que era coletivo. No caso do Engenho de Santo Izidro, o entendimento de tais processos permite algo precioso e muito caro a nós, arqueólogos: um olhar, ainda que de relance, sobre alguns dos mecanismos que permitiam a indivíduos particulares se conectar a coletivos, e vice-versa. CONCLUSÃO Nosso objetivo neste capítulo foi analisar as formas de produção, aquisição e consumo de alimentos em duas propriedades canavieiras de Goiás. Na primeira seção do texto, argumentamos que uma variedade de recursos podia ser utilizada na aquisição de alimentos, incluindo as roças e criações da propriedade, os itens disponíveis no mercado, as plantas e animais nativos, e as hortas e quintais domésticos. Na segunda seção, particularizamos nossa análise, examinando quatro panelas provenientes dos dois sítios estudados, bem como os resíduos alimentares presentes no interior desses recipientes. Percebemos a presença recorrente de milho e o emprego de diferentes modalidades de processamento e preparo desse gênero. Em seguida, nos concentramos na análise do seu envolvimento com as redes e associações formadas no contexto local. Nosso objetivo ultimo foi ampliar a compreensão que temos sobre os mecanismos que sustentavam e organizavam os encontros passados nas grandes unidades rurais dos séculos 18 e 19 nos contextos mineradores. Entendemos que a análise de processos como os aqui examinados permite percebermos não só a constituição das redes ligadas aos alimentos, mas também a forma como situações particulares de encontros culturais se organizaram e como diferentes sujeitos se impuseram em relação ao todo. O entendimento das práticas de produção, aquisição e consumo de alimentos em uma propriedade de grande porte é dificultado pela sua complexidade. Para o desafio de apreendê-las no seu conjunto, entendemos que as abordagens simétricas podem ser uteis. Seguindo o que têm proposto outros colegas brasileiros (Especialmente Neumann, 2008; Melquiades, 2012, 2014), entendemos que a inclusão em nossas análises de novos agentes e capacidades agentivas pode permitir construções alternativas às já existentes. Consideramos também a necessidade de realizar análises que levem em conta diferentes tipos de evidência, bem como abordagens que procuram combinar diversos campos de conhecimento e linhas de investigação. Acreditamos que, com o desenvolvimento da 89

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presente pesquisa, teremos oportunidade de avançar no uso de abordagens dessa ordem. Entendemos que análises zooarqueológicas das amostras provenientes desse sítio podem ajudar a refinar as discussões aqui encaminhadas, bem como a ampliação das análises arqueobotânicas. A alimentação liga-se a processos muito amplos. É nossa crença que por meio de análises que combinam a contribuição de vários especialistas temos melhores condições de entendê-los. AGRADECIMENTOS As análises arqueobotânicas foram realizadas no LEEH-Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos, com apoio do Laboratório de Anatomia Vegetal, ambos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, e contaram com a revisão crítica de Leandro Matthews Cascon, que aqui agradecemos, assim como à Doceria Senzala de Itu, SP, por facilitar o estudo comparativo de vestígios de cocção de doces. Somos gratos ainda a Ciro Gonçalves Junior pela colaboração na etapa de coleta das amostras de resíduos e durante a preparação deste capítulo. Agradecemos também aos comentários de Camilla Agostini, Glaucia Sene e Vinicius Melquiades a versões anteriores deste texto. Sua revisão foi feita por Ricardo Jensen de Oliveira. Eventuais equívocos ou imprecisões na sua forma e conteúdo são, naturalmente, de nossa responsabilidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGE, M. D. P. P. D. S. 2014. O Hospital Real Militar: saúde e enfermidade em Villa Boa de Goyaz (1746-1827). Tese de doutorado, Universidade Federal de Goiás, Goiânia. ALENCASTRO, L. F. D. 2000. O trato dos viventes : formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. Companhia das Letras, São Paulo. ALGRANTI, L. M. 2011. À mesa com os paulistas: saberes e práticas culinárias (séculos XVI-XIX). Simpósio Nacional de História - ANPUH, São Paulo, ANPUH. ANTONIL, A. J. 1982. Cultura e opulência do Brasil. Itatiaia, Belo Horizonte. ATA DES, J. Z. M. D. 1998. Sob o signo da violencia : colonizadores e Kayap no Brasil central. Editôra UCG, Goiania.

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