A ALIMENTAÇÃO EM MOVIMENTOS ALTERNATIVOS DE MATRIZ AFRO DESCENDENTE: UMA DISCUSSÃO ANTROPOLÓGICA

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A ALIMENTAÇÃO EM MOVIMENTOS ALTERNATIVOS DE MATRIZ AFRO DESCENDENTE: UMA DISCUSSÃO ANTROPOLÓGICA Lucas Collito Martins, Marcela K. Brecailo (Orientadora), e-mail: [email protected]. Universidade Estadual do Centro-Oeste/Departamento de Nutrição/Guarapuava, PR.

Palavras-chave: alimentação, cultura, religião. Resumo: Os hábitos alimentares se constituem de muito simbolismo e nossos hábitos se constituem de elementos significativos para se pensar na identidade social de seus consumidores. É a partir destes significados e simbolismos, que o presente trabalho percorre e explora toda a identidade social e suas razões à cerca das oferendas alimentares em ritos e práticas em religiões de matrizes afro descendentes, observando-se suas importâncias sociais e culturais. Diante disto, este trabalho teve como objetivo conhecer e compreender a importância da alimentação nestas culturas.

Introdução A alimentação é um dos primeiros atos de vida e necessidade humana, e que assim, se manterá constante durante toda a vida de modo fisiologicamente necessária, ligando o homem à sua forma biológica. É a partir da alimentação que ocorrem também, as primeiras formas de sociabilidade, desde seu nascimento, pelo leite da mãe, desenvolvimento e preferências gustativas, refeições com amigos ou trabalho. É ainda visível neste parâmetro, a direta ligação que o homem faz com divindades, a ligação com a espiritualidade. Assim, o ato de comer, vai além de simplesmente ser referido às necessidades fisiológicas do homem, nas religiões afro descendentes. A energia e forças fundamentais da vida do homem, o Axé, é transferido ao homem pelo seu Orixá, mas para que isso ocorra é preciso que o alimento oferecido a ele seja bem preparado dentro dos conceitos da culinária afro descendentes. (BELTRAME, 2008). Quanto aos membros do Candomblé, eles seguem uma linha cultural da alimentação própria, conforme o dia e momento espiritual em que estão passando e é seu Orixá quem determina o que ele deve comer. Outra questão da cultura alimentar refere-se àquilo que dá sentido às escolhas e aos hábitos alimentares: as identidades sociais. Sejam as escolhas modernas ou tradicionais, o comportamento relativo à comida liga-se diretamente ao sentido que conferimos a nós mesmos e à nossa identidade social. Desse modo, práticas

Anais da III SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 24 a 26 de setembro de 2013, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – 2236-7098

alimentares revelam a cultura em que cada um está inserido, visto que comidas são associadas a povos em particular. (MINTZ, 2001). Deste modo, o presente trabalho teve como objetivo apresentar breve discussão à cerca da importância da alimentação nas religiões afro descendentes e iniciar a discussão do tema nos campos da Antropologia e Nutrição. Materiais e métodos O presente trabalho caracteriza-se por revisão da literatura em base em dados bibliográficos e eletrônicos, como artigos, livros e teses, discorrendo tais características alimentares e suas práticas, bem como suas identidades culturais em meio social. É apresentado seu simbolismo, parâmetro espiritual, tradicionalismo, crenças e culinária. A proposta visa abordar como as práticas religiosas influenciam os hábitos alimentares de seus seguidores e como estes alimentos estão correlacionados em práticas de sacrifícios e mitos dentro de movimentos alternativos de afro descendência praticadas no Brasil. Resultados e Discussão A nossa cultura – nossas crenças, tabus, religião, entre outros fatores – influencia diretamente toda uma cascata de escolhas dos nossos alimentos diários. Desta maneira, vemos que a alimentação humana representa estar muito mais vinculada e objetivada a fatores espirituais e exigências tradicionais de meio cultural, do que às próprias necessidades fisiológicas. Pertencer a uma determinada sociedade ou dela sentir-se membro supõe a capacidade de operar uma cultura. Isto significa ser capaz manipular uma elaborada teia de significações socialmente constituída e institucionalizada que dá sentido às interações entre os indivíduos e torna única cada formação social. A ideia de cultura, nesse caso, permite compreender a possibilidade de comunicação entre as inteligências (Durkheim, 1995 [1922]). O Candomblé é considerado uma das religiões que mais possuem rituais com alimentos presentes, onde estes se difundem às mais diversas maneiras de simbologias e significados econômicos e sociais em modos rituais de relevante importância na comunicação e linguagem cultural. A oferenda alimentar em práticas encontradas no Candomblé, principalmente, é a forma de seus seguidores terem contato com seus Orixás e por assim, tê-los em sua vida. A cozinha segue uma ampla diversificação alimentícia aos deuses, que têm como base as Carnes, Temperos, Óleos, peixes e farinhas, além de outros ingredientes que deverão ser harmoniosos aos agrados e aceitação dos Orixás. As especialistas das cozinhas dos deuses são mulheres, das quais têm conhecimentos de segredos de pratos de Orixás. A partir daí, destaca-se a alimentação como refeições em dias de festas em casa de Candomblé e Umbanda como um fator importante e especial às atividades socioreligiosas de seus seguidores. O compartilhar desta refeição estabelece a comunicação entre a comunidade e os Orixás. Segundo Santos (2002), as comidas inseridas em rituais são a própria intimidade e aproximação entre estes deuses e o devoto, dividindo não somente a ‘comida’, mas, os saberes, as alegrias e tristezas. Anais da III SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 24 a 26 de setembro de 2013, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – 2236-7098

Quanto às diversidades alimentares em que podem ser diretamente oferecidas aos Orixás, tem-se duas categorias, como classificação. O primeiro grupo corresponde aos alimentos sacrificais, que compreendem os alimentos em que animais são sacrificados, e seu ejé, sangue, oferecido juntamente com os axés – que neste sentido, recebe a conotação de partes vitais à sobrevivência do animal, como coração e fígado – para a entidade. O segundo grupo refere-se às “comidas secas”, que compreendem os alimentos que não necessitam de derramar o sangue animal, tais como o feijão e milho. Dar uma oferenda, um presente, uma comida ao Orixá, são as denominações que os iniciados no candomblé utilizam para o momento em que procuram construir uma relação mais próxima com seus Orixás individuais, por meio de ação e ligação entre o dar, receber e retribuir, tão presente no candomblé e que tem enquanto elemento de mediação fundamental, a comida. Neste sentido, a cozinha ganha um status de “santuário”, onde tudo gira em torno do sagrado, e todos com o pensamento firmado em energias positivas, que são repassadas ao alimento que está sendo preparado. Em terreiros de umbanda, candomblé e jurema, é muito comum encontrar-se com a fartura na oferta de alimentação, além da qualidade da comida oferecida, em âmbito social. Assim, a principal característica desses alimentos em meio às práticas é seu próprio direcionamento aos Orixás e também às outras pessoas que frequentam o espaço ou apenas visitam em dias de festa de santo, sempre tendo a finalidade de preparar o melhor com o melhor ingrediente, partilhando tudo e nunca desperdiçando nada. A relação entre os devotos de sociabilidade e suas divindades se estende a toda à comunidade do entorno do terreiro bem como aos visitantes, através dos rituais públicos, as festas. Este é o momento em que a relação mediada pela comida assume o significado mais amplo, promovendo a socialização entre os iniciados, a comunidade e Orixás. Conclusões Podemos observar claramente que o ato de oferecer comida e rituais a estes deuses está totalmente ligado à ideia de um fortalecimento dos laços entre esses Orixás e seus fiéis, além de éticos e sociais, quando se há ainda um fortalecimento de relações entre estes adeptos de tais religiões afro-brasileiras. Assim, a alimentação não reflete somente a satisfação de uma necessidade fisiológica, idêntica em todos os homens, mas nos leva à importância do cultivo de tais tradições e suas diversidades, afim de tudo aquilo que contribui para modelar a identidade de cada povo, mantendo assim sua identidade, seus símbolos e características de uma cultura em particular. É de fundamental importância que o profissional nutricionista reflita sobre estas teorias e a importância da vida cotidiana das religiões na alimentação, a fim de buscar uma prática profissional mais coerente com a realidade dos fiéis, integrandose a ela e efetivando seu trabalho vinculado a hábitos alimentares. Referências BASSI, Francesca. Revisitando os Tabus: as cautelas rituais do povo de santo. Relig. soc., Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, 2012. BELTRAME, L.I. MORANDO, M. O Sagrado na Cultura Gastronômica do Candomblé. Ver. Saúde Coletiva, 2008;(26):242-48. Anais da III SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 24 a 26 de setembro de 2013, UNICENTRO, Guarapuava –PR, ISSN – 2236-7098

BESSIS, S. Mille et unebouches: cuisines et identities culturelles. Autrement, 154, 1995. (Mutations/Mangeurs) DURKHEIM, Emile (1995) [1922], Education et sociologie, Paris: Presses Universitaires de France (Coll. Quadrige). FISCHLER, Claude. L’homnivore. Paris: Poche Odile Jacob, 2001. SANTOS, J. E. Sistema Dinâmico. In: Os Nagô e a Morte. 11 ed. Petrópolis. Vozes; 2002. P.40-2. SAHLINS M. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Zahar; 1979. MACIEL, Maria Eunice. Cultura e alimentação ou o que têm a ver os macaquinhos de Koshima com Brillat-Savarin?. Horiz. antropol., Porto Alegre, v. 7, n.16, Dec. 2001. MAUSS, Marcel. Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a noção de 'eu'. Sociologia e Antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974. MINTZ, S. Comida e antropologia: uma breve revisão. RevBrasCiSoc, 2001;16 (47):31-42.

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