A Amazônia e o Pacto Possível: comunicacao participativa entre a mineradora Vale e os Stakeholders

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A Am azônia e o Pacto Possível : comu nicação p articipativa entre a Minerador a Val e e os Stakeholders. Este artigo apresenta uma parte da pesquisa de pós-doutorado realizada durante o ano de 2009 no âmbito do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará com bolsa do governo brasileiro. A Vale na Amazônia Itabira Iron Ore Company foi o primeiro nome da mineradora Vale, que nasceu na cidade de Itabira, estado de Minas Gerais (Brasil), no início do século XX, comandada por ingleses e americanos. Depois passou a se chamar Companhia Vale do Rio Doce - CVRD, nome que homenageava a região das primeiras minas exploradas. Em 1942 ela se torna estatal por um decreto do presidente Getúlio Vargas e cinqüenta e cinco anos depois, em abril de 1997, é privatizada pelo governo brasileiro, em operação até hoje contestada na Justiça, passou então a se chamar apenas Vale. A Vale privatizada se transformou desde então em uma empresa global que opera em mais de trinta países nos cinco continentes, segunda maior mineradora do mundo e na maior empresa privada do Brasil. Foi ainda na condição de estatal que a companhia desembarcou na Amazônia em 1979, mais precisamente na cidade de Parauapebas, sudeste do Estado do Pará, para explorar a maior província mineral com alto teor de ferro do planeta, localizada na serra dos Carajás. Tudo com o aval político e financeiro do governo ditatorial militar. Antes do início da exploração, habitavam ali índios da etnia Xicrin, castanheiros, e pequenos agricultores. À mesma época da chegada da Vale, chegavam também garimpeiros e madeireiros que queriam explorar o ouro de Serra Pelada e as madeiras nobres da floresta. O perfil econômico da região sudeste do Pará mudou então de economia extrativista vegetal (no caso de Parauapebas, de extração de castanha) para economia extrativista mineral de base industrial (Miranda, 1997, p. 46). O imenso impacto da chegada da Companhia na década de 80 pode ser considerado incalculável pois mudou completamente as dinâmicas social, ambiental e econômica da região, onde àquela altura havia “quase total ausência do Estado” (e em muitos aspectos ainda há) vácuo institucional que tornava a região uma espécie de “terra de ninguém”. E foi assim, sem parâmetros legais ou éticos advindos de um inexistente processo civilizatório, que a economia da região cresceu rapidamente e atraiu milhares de pessoas de todo Brasil, em especial a população mais pobre e vulnerável do estado vizinho Maranhão, que se tornaria a principal fonte de mão-de-obra barata não apenas das minas da Vale, mas das empreiteiras que prestam serviços à companhia. A guinada da Vale para a Amazônia não foi uma mera estratégia interna da companhia, mas uma decisão articulada ao interesse do capital global. A intensa acumulação do capital e a explosão do nível de consumo na década de 1960 tornaram as economias do primeiro mundo, EUA, Japão e Europa, crescentemente dependentes de recursos não-renováveis. O braço financeiro do capital global, representado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e Banco Mundial, emprestaram ao governo brasileiro (que se endividou em níveis estratosféricos) o montante que permitiu à Vale investir em Carajás e promover uma das maiores intervenções em área ambiental preservada da História, que foi marcada por três

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símbolos: a implantação do núcleo urbano no meio da floresta (cidade projetada para abrigar quatro mil funcionários da companhia), a construção da ferrovia de 892 km que liga Parauapebas ao porto de Itaqui no Maranhão e a montagem do complexo minerador do chamado sistema Norte. Ao todo, o investimento inicial da própria Vale ficou em torno de US$ 825 milhões. O governo brasileiro não só investiu outros US$ 1 bilhão e 20 milhões no projeto por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDS), e do Fundo de Financiamento da Indústria (FINAME), como apoiou a luta da Vale para obter apoio do Banco Mundial (US$ 304,5 milhões), da European Coal and Steel Community (US$ 600 milhões), do Private Bank (Europe) (US$ 129 milhões), do Banco de Desenvolvimento Alemão KfW (US$ 122,5), do Nippon Carajás & Consortium of Japonese (US$ 500) e de outras fontes estrangeiras. De um total de investimento de US$ 3,642 milhões, US$ 1,770 (48,6%) eram de origem estrangeira e US$ 1,872 milhões (51,4%), brasileira (Banker et al, s.d., p. 22). E foi com esse aporte financeiro que a Vale participou da criação e do crescimento desordenado de Parauapebas.

A cidade que mais cresce no Brasil O município de Parauapebas está localizado na mesorregião Sudeste Paraense (Figura 1), a 645 km da capital Belém por via terrestre. Historicamente, a região onde hoje se situa a cidade era até o final da década de 1970 um imenso castanhal, e teve seu território profundamente alterado pelas iniciativas de exploração da mineração. Essas atividades iniciadas na década de 1980 produziram o crescimento sem planejamento da região de Carajás onde as políticas desenvolvimentistas dos anos 1970-80 trouxeram consigo acelerada imigração, graves conflitos de terra e exclusão de boa parte da população autóctone dos processos produtivos, sentida sobretudo na urbanização desordenada das áreas periféricas dos municípios de Marabá e Parauapebas. Figuras 1 e 2. Localização geográfica do município de Parauapebas (PA) /Fonte IBGE

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Sua história recente - a cidade foi elevada à categoria de município em 12/05/1988 - se manifesta politicamente pois a cidade está apenas na sétima gestão municipal de sua história, atualmente exercida por Darci José Lermen, do Partido dos Trabalhadores, que está em seu segundo mandato (2009-2012). Registra-se também nesse município a existência de uma unidade de conservação federal, denominada Floresta Nacional de Carajás e de uma reserva indígena demarcada para a tribo Xikrin do Cateté. O município possui área territorial de 7.008 km2 , com população estimada em 133 mil habitantes, segundo dados de 2008 do IBGE (na prefeitura estima-se cerca de 160 mil em setembro de 2009), sendo que a maior parte dessa população concentra-se no meio urbano (82,2%), próxima as áreas de mineração, e é composta em sua maioria por jovens entre 10 a 29 anos (42,93%). Chegar a Parauapabeas quando se vem de Belém pelas rodovias PA-150 e PA-275, cujo trecho entre Marabá e Eldorado dos Carajás foi recentemente federalizado pelo governo do Pará, não é uma tarefa fácil. A estrada apresenta muitos trechos em péssimas condições com buracos, lombadas e desníveis sem sinalização, além de ser conhecida pela violência, muitos a chamam de a “rodovia dos ladrões”. À parte a insegurança, ao sair de Belém, a primeira parte da viagem é prazerosa pois passa-se pelas entradas das cidades ribeirinhas do Moju, Barcarena e Abaetetuba. Até aqui, a paisagem da mata alta, dos grandes rios, das numerosas comunidades nos mostra uma paisagem tipicamente amazônica, bem diferente das extensas fazendas que começamos a ver conforme nos aproximamos da cidade de Tailândia. As árvores começam a rarear e dão lugar ao capim baixo que serve de pasto para o rebanho bovino. São fazendas imensas, verdadeiros latifúndios que dominam o território, com grande incidência de queimadas, além da presença de algumas madeireiras e olarias nas cidades de Tailândia, Goianésia e Jacundá. Ao nos aproximarmos de Marabá e depois de Parauapebas, notamos que se trata de uma região extremamente dinâmica, produtora de riqueza e um pólo atrator de populações em busca de oportunidades (muitos com quem conversei disseram ter vindo do Maranhão, onde não tinham oportunidades). Nota-se também a extrema pobreza convivendo com expoentes de riquezas recentemente conquistadas: mansões, veículos importados e empreendimentos novos sendo comercializados em velocidade vertiginosa. Parauapebas teve seu território ocupado de forma inusitada. Primeiro a companhia Vale do Rio Doce construiu uma company town, núcleo urbano no alto da serra norte de Carajás com capacidade para 4 mil habitantes, mas estima-se que no início haviam 14 mil funcionários atuando na implementação do projeto. Enquanto os funcionários de alto escalão se fixavam na serra, os de baixo ficavam literalmente abaixo, no vale. Ao mesmo tempo, uma ocupação espontânea começava a tomar as margens da estrada PA-275, na região conhecida como Rio Verde. Em pouco tempo, a população de Rio Verde superava a do núcleo projetado pela CVRD, e este se tornou apenas um bairro da nascente cidade de Parauapenas que em tupi guarani significa Rio das Águas Rasas. Enquanto o Núcleo de Carajás era dotado de água tratada, rede elétrica, hospital, escola e áreas de lazer (como teatro, clubes, praças e zoológicos), na parte

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de baixo a vila crescia sem as condições básicas de saneamento, luz elétrica ou água tratada1. A decisão inicial da Vale de apartar o Núcleo Urbano traria conseqüências pois era proibido à população de Parauapebas subir sem prévio consentimento da companhia, espaço tornado exclusivo aos seus funcionários, fator que gerou uma separação não apenas geográfica (atualmente, mesmo com acesso liberado, ainda há uma portaria de controle), mas cultural e social que está impregnado no imaginário local. À cidade, carinhosamente chamada por seus moradores de “Peba” ou “Pebinha”, chegam em dias alternados entre 80 e 100 famílias de todos os Estados do Brasil em busca de emprego no “Eldorado” da Vale (na cidade especula-se que sejam quase três mil pessoas por mês). Nota-se que o fluxo migratório permanece no mesmo nível da década de 1980 e que a maioria dos imigrantes vem do Estado do Maranhão, em função da facilidade de acesso por meio da ferrovia da Vale – Estrada de Ferro Carajás2. Esse contingente é formado por pessoas de baixa ou nenhuma escolaridade e sem recursos financeiros que, ao chegar, percebem que o processo de inserção no sistema produtivo exige mão de obra minimamente qualificada e esse é o grande “X” da questão, segundo várias pessoas consultadas: funcionários da Prefeitura, imigrantes, pessoas ligadas a Vale e terceirizadas. Como não conseguem ser absorvidos pela cadeia produtiva da mineração, eles acabam formando o contingente de reserva, principalmente para as empreiteiras da construção civil que vieram se instalar na região. Figuras 3 e 4: fotos da chegada do trem na estação de Parauapebas, em 18/9/09, por volta da meia noite. Acervo pessoal.

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Note-se que esses problemas persistem pois a infra-estrutura urbana de Parauapebas é precária. Durante os períodos intercalados em que lá permanecemos (um mês no total), houve constantes interrupções de energia, de fornecimento de água e de acesso a internet. 2 O trem chega a Parauapebas, vindo de São Luis –MA, às segundas, quintas e sábados, e parte as terças, sextas e domingos. Às quartas não há trem porque é dia de manutenção.

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Do ponto de vista tributário, o município de Parauapebas é considerado um município rico por conta da arrecadação da Compensação Financeira sobre Exploração Mineral – CFEM, cujas alíquotas aplicadas sobre o faturamento líquido da mineração são de 3% para alumínio, manganês, sal-gema e potássio, 2% para ferro, fertilizante, carvão e demais substâncias, 0,2% para pedras preciosas, pedras coradas lapidáveis, carbonatos e metais nobres e alíquota de 1% para ouro. Os recursos da CFEM são distribuídos da seguinte forma: 12% para a União (DNPM e IBAMA), 23% para o Estado onde for extraída a substância mineral e 65% para o município produtor. Em 2007, a CFEM da indústria extrativa mineral paraense alcançou US$ 83 milhões, dos quais Parauapebas recebeu a maior fatia, US$ 30,7 milhões. Considerando que, por lei, os recursos originados da CFEM não podem ser aplicados em pagamento de dívida ou no quadro permanente de pessoal da União, dos Estados e dos Municípios, e seja obrigatório que suas respectivas receitas sejam aplicadas em projetos, que direta ou indiretamente revertam em prol da comunidade local, na forma de melhoria da infra-estrutura, o que explicaria o fato de que uma cidade “rica” como Parauapebas apresente a atual situação de desigualdade social, violência e empobrecimento da maioria de sua crescente população? Chega a ser quase um consenso entre os entrevistados desta pesquisa que a omissão do Poderes Públicos Municipal, Estadual e Federal, aliado a um certo distanciamento da Vale em relação a esses problemas são as causas principais. Ao longo dos 20 anos de emancipação, Parauapebas sempre teve uma relação direta com a mineração e com a Vale, cuja influência é exercida em todos os setores das dinâmicas da região. A Amazônia e a Vale Como alertava Celso Furtado “na medida em que avança a acumulação do capital, maior é a interdependência entre o futuro e o passado”(1974: 20), o que incompatibiliza o modo intensivo de produção capitalista, baseado na competição e na exploração exponencial dos recursos naturais, com o ideário do desenvolvimento sustentável tão em voga nos discurso das grandes organizações globais e dos governos. Por outro prisma, para uma região que sempre foi vítima de surtos extrativistas, de planos de ocupação nefastos3, incentivadores do empreendedorismo do saque, insensíveis às realidades locais, da ausência e corrupção dos Governos e de formas violentas e irracionais de apropriação do território, a chegada e a intervenção de um tipo de capital mais alinhado às preocupações internacionais com a sustentabilidade planetária pode se configurar em pedra de toque para outras formas de ocupação e apropriação do território amazônico? Será possível ao setor mineral e à Vale, considerados responsáveis por “grande concentração de capitais e pouca difusão de tecnologias, inobservância do princípio da prudência ambiental e limitada capacidade de interagir com a diversidade local” (Monteiro, 2005: 196-8), realmente empreender ações articuladoras de um desenvolvimento regional? À princípio, responder sim a esta questão, ainda que parcialmente, implica assumir os riscos dessa opção ser confundida com a ingenuidade de um pensamento acrítico. Ainda assim justificamos nossa posição evitando tratar o mercado, ou mesmo a Vale, como uma esfera uníssona, idealizados como espaços de trocas atomizadas e meramente interessados em negociatas lucrativas. Ambos, o mercado e a Vale, são organizações econômicas mas também sociais e culturais, onde há divergências, disputas por poder e, do ponto de vista da 3

Lembremos dos lamentáveis PIC (Plano Integrado de Colonização) e PIN (Plano de Integração Nacional).

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comunicação, múltiplas vozes e silêncios, constituindo-se em objetos multifacetados que demandam um olhar à história e à conjuntura que os engendram. Por trás da imagem de coesão da Vale há um setor produtivo, cuja atuação cotidiana obedece a critérios definidos historicamente, com seus determinantes econômicos, técnicos e culturais, seus discursos e suas estratégias, uma vez que as dinâmicas sócio-urbanas das cidades afetadas pelas atividades da Mineradora, como Parauapebas, resultam das disputas de sentido travadas pelos e nos discursos dos principais atores envolvidos – leia-se primeiros exploradores, Poder Público, movimentos sociais, uma população crescente de imigrantes e a própria Vale, que ocupa, sem dúvida, o protagonismo dessas dinâmicas por sua força econômica e política. A opção por estudar a Vale é por entender que não há como pensar e discutir a questão amazônica sem passar pelas grandes corporações que ali atuam. Se a chegada da Vale à Amazônia obedeceu aos parâmetros do modelo hegemônico de desenvolvimento que enfatizava a idéia de “progresso”, característico daquele momento histórico (década de 1980), agora a companhia parece querer adotar um novo modelo ainda em vias de legitimação, o da sustentabilidade. Na visão do primeiro modelo estava claro que cabia à Vale explorar minérios, e sua contrapartida social seria a geração de empregos e o pagamento de impostos, com ênfase especial na compensação financeira sobre exploração mineral, a CFEM, também chamada de royalties. A partir desse modelo vigente, a atuação da companhia, portanto, cumpriria sua função. O complicador da questão foi quando a Vale se deu conta de que o tamanho da riqueza explorada era proporcional ao tamanho do problema ambiental e social gerado em função da sua atividade. O discurso da sustentabilidade: o desafio da mudança A tendência ao esverdeamento dos negócios está baseada, no Brasil, em duas fontes de pressão. A primeira é que o processo de consolidação democrática do país passa pela positivação de leis ambientais mais rígidas que aliadas a constatação de que os limites de recursos naturais do planeta vão redesenhar empresas e mercados, estabelece novos parâmetros de atuação, que revisam o trinômio “extrair–produzir-descartar”, característico da Era Industrial. E a terceira é a evolução tecnológica que permitiu o desenvolvimento das mídias interativas e, com elas, a multiplicação e multidirecionalidade dos conteúdos, gerando, em conseqüência, posições mais ativas e ativistas dos públicos no sentido da criação e disseminação de uma opinião pública mais crítica quanto às posturas éticas, ambientais e sociais das empresas, o que impacta também a reputação da organização. A adoção de políticas de responsabilidade social e ambiental por empresas, quando efetivas, isto é, quando objetiva criar organizações economicamente viáveis, socialmente justas e ambientalmente responsáveis, amplia o eixo da comunicação da relação comercial que desde sempre se estabelece entre vendedor e comprador, e se restringe ao interesse negocial, ampliando-o para uma comunicação de moto contínuo, circular e horizontal, entre a organização e seus stakeholders ou “partes interessadas”, que também pode ser definida conforme a norma NBR 16001 como “qualquer pessoa ou grupo que tenha interesse numa organização ou possa ser afetado por suas ações” 4. Ao abrir as empresas para ouvir e dialogar 4

Conceito tirado do paper “Desenvolvimento sustentável e RSE: rumo a terceira geração de normas ISO, de autoria de Tarsila Ursini e Celso Sekiguchi, das publicações do Instituto Ethos, acessível em: http://www.ethos.org.br/_Uniethos/Documents/Texto_DSeRS_ISO26000_TarcilaeCelso.pdf

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com grupos que querem não apenas comprar um produto, mas se informar, questionar, criticar, elogiar, enfim, estabelecer uma comunicação com as empresas, elas passam a ter que criar e efetivar políticas de relacionamento que vão muito além das tradicionais campanhas de publicidade e assessoria de imprensa. Do ponto de vista dos organogramas das macro organizações, os departamentos de comunicação tornam-se o lugar onde as especificidades das disciplinas tradicionais: jornalismo, relações públicas, jornalismo, produção audiovisual e editorial, além do design, vêem suas fronteiras diluídas e são convocadas a emprestar suas habilidades e competências em prol de estratégias mais amplas de comunicação que visam a construção de uma cultura da sustentabilidade dentro das organizações5. O risco aqui é o da instrumentalização da relação com os stakeholders, que, a depender da política de comunicação implementada, podem ser encarados menos como interlocutores privilegiados da organização e mais como meros disseminadores de mensagens do interesse dela. As organizações buscam o discurso institucional idealizado cada vez mais legitimado por amplas estratégias de disseminação de “verdades corporativas” por via dos stakeholders, que passam a ter a missão de emissores e amplificadores desses valores. A construção de uma “reputação” para a marca/empresa depende de mensagens não mais emitidas apenas pela própria empresa e sim por outras pessoas que com ela se relacionam direta ou indiretamente. Se antes o argumento principal de uma empresa dirigida ao seu público era do tipo “compre de mim porque sou a sua melhor opção”, agora argumenta-se ao “perceba como sou bom porque sou sustentável e ajudo ‘n’ projetos sociais e ambientais, portanto, saia falando bem de mim por aí”, ou seja, desloca-se o apelo imaginário ao sujeito narcísico via consumo para o comprometimento do sujeito com a ideologia da empresa. Não se trata, contudo, de um retrato preto e branco e dicotômico. Há empresas e empresas, projetos e projetos, que envolvem disputas e tendências, internas e externas, e as negociações entre a organização e os stakeholders, que são os funcionários, acionistas, comunidades, fornecedores, clientes e países, vão depender da capacidade deles de perceber, articular e comunicar seus interesses a todos de forma a dar o máximo de transparência ao processo. Esta perspectiva condicionou nossa opção metodológica que consistiu em ir à campo (viagens, visitas e entrevistas) sem arcabouços teóricos ortodoxos e, dessa perspectiva aberta, partiu-se para o encontro com os informantes, que abrangeu um espectro maior do que apenas os stakeholders eleitos pela companhia, o que nos permitiu criar uma rede de opiniões sobre a atuação da Vale a partir da escuta dos relatos de empregados e terceirizados da Vale, do Poder Público Municipal, da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) – Autarquia Federal, do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), da Justiça do Trabalho (8ª região), do Ministério Público, além de pessoas das comunidades urbanas do entorno da Vale, sobretudo Palmares I e II, além de comunidades rurais como a da APA (área de preservação ambiental) do Igarapé Gelado. Ouvimos também publicitários e jornalistas que se relacionam com a Vale, além de encontros informais com membros do Movimento dos Sem Terra (MST), da comunidade indígena xicrin, e da população mais carente de Parauapebas.

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São emblemáticos os exemplos da Natura e do Banco Real como empresas referência desse movimento, mas há também muitas críticas, como o artigo de Maria Celia Paoli citado nas referências.

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Enfatizou-se aqui a comunicação como uma rede de relacionamentos interpessoais diretos e indiretos que se estabelece entre esses públicos (enquanto audiência do discurso de sustentabilidade da Vale), em um território comum, a cidade de Paruaupebas, cuja configuração urbana é reflexo das decisões, atitudes e negociações que ocorrem entre eles. No aprofundamento da observação, percebemos que no lugar de elegermos algum projeto específico de sustentabildiade da Vale – Vale Alfabetizar, Escola que Vale, Estação do Conhecimento, Ação Saúde, Novas Alianças, Ação Educação, entre outros – seria melhor observar o espaço de debate entre a Vale e os públicos, mapeando as opiniões e as intencionalidades dos atores na cidade de Parauapebas, percebendo esse espaço entre eles como um espaço da política6, onde ocorrem debates, negociações e decisões relacionadas aos múltiplos interesses envolvidos. Nossa hipótese é que ao convocar outros atores para discutir seus projetos de sustentabilidade, a Vale está fomentado (embor anão seja este seu objetivo) um espaço político inédito na história da região. Perceber como a compania aciona as estratégias de comunicação como ferramentas centrais nesse processo e criar uma cartografia das diferentes opiniões e interesses, localizando onde residem as maiores resistências à construção de um debate realmente público em torno dos problemas da região são os objetivos maiores desta pesquisa. Começamos apresentando diretamente alguns trechos de depoimentos dos entrevistados, em que eles expõem suas opiniões sobre a companhia. Notase que há uma pluralidade de opiniões em jogo, divergências em relação ao papel que a Vale deveria desempenhar na região, e uma preocupação em comum: o futuro. Todos os atores se mostraram conscientes da relação de co-dependência entre o Estado do Pará e a Vale. O nível de maturidade política dos atores surpreendeu pela postura crítica e articulação do discurso, como apresentamos a seguir: “Na Amazônia hoje é a primeira vez na história do homem em que ele sabe que não deve ser assim, há uma consciência de que não deve ser assim. A escala na Amazônia é macro. Há dessincronia entre o tempo da percepção social e o tempo real em que as coisas acontecem. A gente não faz história, é sempre uma ação retardada. (...) A estrutura de poder da Vale anula as boas intenções das pessoas que nela trabalham. As decisões já estão estabelecidas. Nada dessas ações ditas responsáveis alterou as diretrizes da empresa. O que a Vale faz é usar as boas intenções e o talento individual dos funcionários. A Vale hoje tem 90% da mão-de-obra terceirizada porque é mais barato pagar na justiça do que pagar os direitos trabalhistas”.

LPF, jornalista “Hoje há uma consciência empresarial, a percepção dos analistas das bolsas mudou. Em primeiro lugar hoje se faz ações sustentáveis e com os pequenos produtores por conta da pressão do mercado. Porque se a Vale não fizer, outra empresa o fará. (...) A Floresta Nacional de Carajás só existe ainda porque os primeiros exploradores da Vale pensaram a preservação da floresta. E ela só existe e ainda está preservada por causa da Vale. (...) A diferença básica entre a Prefeitura e a Vale é que a Companhia tem uma política única, uma governança, se muda o diretor, a diretriz não muda. (...) A Vale conseguiu o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal) para o sudeste do Pará”.

JE, analista de relações comunitárias da Vale 6

Política aqui entendida como o conceito de Arendt (2007, p. 23), ou seja, “um espaço que surge no entre-oshomens; portanto totalmente fora dos homens porque a política surge no intra-espaço e se estabelece como relação”, perspectiva que amplia o tradicional conceito da política como relação entre dominantes e dominados.

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“É inegável o passivo ambiental da mineração, mas ela é diferente de garimpo. Isso já está claro nos municípios produtores, mas a confusão persiste na capital, Belém sobretudo. É um equívoco da opinião pública. Atualmente o foco do setor mineral é a sustentabilidade ambiental e a RS (Responsabilidade Social) com ênfase na segurança e saúde ocupacional do trabalhador”.

AR, pelo IBRAM “A Vale nasceu do esforço de guerra, bélica, autoritária... Sempre foi autoritária, com ou sem o Eliezer (Batista, por duas vezes presidente da Companhia). Eles nunca tiveram uma boa relação com o governo do Estado. Arrogância advinda do conhecimento inegável porque eles estão acostumados a trabalhar com grandes horizontes temporais, eles nunca pensam a curto prazo, anos, dias, o pensamento deles é sempre estratégico. Enquanto o horizonte do governo do estado é sempre anual, urgente, eles já trabalhavam com planos plurianuais. É humilhante para o governo, ver o cara com aquela fardinha marrom saber mais da Amazônia do que você. O que antes seria explorado em 400 anos hoje se reduziu para 150 anos no ritmo atual de exploração. (...) A Vale sempre prefere o que lhe convém. É uma caixa preta pra nós, ela esconde tudo que pode. O Estado é público, tudo atende ao princípio da publicidade, a Vale conhece o Estado mas o Estado não conhece a Vale. (...) Nesse momento o judiciário é a única instituição republicana que tem resistido à pressão da companhia neste país”.

AJ, desembargador da Justiça do Trabalho

“Moro em Palmares I, que é um lugar ruim, distante e pobre. Mudei pra cá pra não onerar a empresa com transporte pois venho a pé. Já cheguei a tirar R$ 1400 por mês com hora extra, agora só tiro R$ 700 limpo por mês, e a tendência é piorar. A escala de trabalho é 12/12, ou seja, trabalho 12h e folgo 12h com parada a cada 15 dias. Antes passavam cerca de 330 vagões, o que equivalia, dizem, a uns R$ 11 milhões por trem. Agora tá fraco por conta dessa crise. Dizem que a Vale quer diminuir 30% os custos dos terceirizados”.

RG, terceirizado, segurança da estação ferroviária de Parauapebas “A Vale fornece transporte aos empregados como forma de dar maior conforto e segurança no deslocamento destes até o local de trabalho para garantir a chegada e saída nos horários estabelecidos, mesmo entendendo que existe transporte público. Além de fornecer transporte que garante conforto e segurança, a Vale não realiza o desconto previsto em lei. A anuência dos empregados é feita através de cláusula no acordo coletivo da categoria na pauta específica de Carajás. Esse é o entendimento da empresa, inclusive na sua defesa numa ação civil pública em tramitação em Parauapebas”.

VA, gerente da Vale para relações com a Comunidade “O frenesi da produção intensiva é o que gera uma acidentes de trabalho. Por mais q você previna, há um fator determinante que é a jornada. Nesse mundo da volta do liberalismo. A forma mais fácil de exploração do trabalho é através da extrapolação da jornada de trabalho;. Na França a jornada de 35h, fruto de históricas conquistas do estado de bem-estar social. O neoliberalismo quer o inverso. Os sindicatos em Parauapebas acompanham o interesse da companhia. Onde houve resistência, ela providenciou o racha desse sindicato. Desde 1990 ela não obedece a jornada de 6 horas. A relação entre empregados e terceirizados é de 4 pra 1, 4 terceirizados para 1 efetivado da empresa. Ela transferiu o problema dos Recursos Humanos às terceirizadas. Até as máquinas mais caras, são manobradas por terceirizadas. O transporte foi descaracterizado como tempo de trabalho e sempre há negociações com os sindicatos sempre para forçar o não pagamento das horas in-tíneres. A Vale esnoba a Justiça , o âmbito de interlocução deles é sempre as instâncias superiores (poder maior e são poderes mais conservadores) A Vale só temia 3 organizações: os índios Xicrin, o MST e a Justiça do trabalho”.

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AJ, juiz do trabalho “As empresas terceirizadas da Vale vêm de outros Estados para prestar serviço não se preocupam em conhecer os acordos coletivos que já existem. Os sindicatos já solicitaram que a Vale exigisse uma certidão negativa do sindicato para as empreiteiras poderem participar das concorrências mas a Vale ainda não fez isso. A Vale pressiona as empreiteiras pela redução de custos e a Vale lucra mais. Essa lógica é comandada pela Vale e não pela empreiteira, mas esta é que é mal vista pelos trabalhadores. A principais queixas dos trabalhadores são: 1) Baixo Salário (endividados) e 2) Trabalho quase forçado (Carga Horária altíssima) Tem muito empregado que às vezes trabalha 180 h/mês (hora extra, além da carga horária normal), que ele muitas vezes nem recebe porque vai para o Banco de horas. É a Vale que determina os prazos exíguos que exploram os trabalhadores e causam doenças ocupacionais principalmente hérnias de disco. Os médicos do trabalho são pagos pela empresa e só dão laudo positivo para a Vale”.

RAZ, presidente do Sindicato SIMETAL “A democratização dos processos se deve muito a presidência do Roger (Agnelli). A área da comunicação fomentou mas foi o Roger que mesmo sendo um cara muito focado, ele buscou entender os territórios onde atua, as culturas e perceber que é preciso democratizar os processos. O exemplo dele tem mudado a cultura dos “engenheiros”. (..) As ONGs e os movimentos sociais se movem mais pelas ideologias do que pelas técnicas. E a Vale se interessa pelos processos técnicos. (...) O grande problema na relação com as comunidades é que eles entendem sustentabilidade como assistencialismo ou paternalismo. É muito difícil uma comunidade assumir o seu protagonismo”.

MK, gerente de comunicação Pará “A gente não tinha nada e agora melhorou muito. Mas ainda há o que fazer, a maior demanda da comunidade é pela saúde, está péssima. Na reunião da APA há muita divergência, mas a coisa acontece. Agora o IBAMA está fiscalizando, tem três anos que não se queima. Essa Estação do Conhecimento é um sonho que a gente tá vendo se realizar”.

A.MC, líder comunitária “Nosso objetivo é realizar um investimento social que seja estruturante, um conhecimento aplicado para que este legado seja internalizado e permaneça no local. Queremos que a Estação Conhecimento seja uma referência local e regional, em conjunto com os atores estratégicos em prol do desenvolvimento local, e um exemplo de parceria social público-privada”

SV, pela Fundação Vale “ A questão com a Vale é tratada a nível de gabinete (do prefeito), é mais questão de governo, mas estamos promovendo um processo de democratização da gestão, de forma que essa relação se torne mais acessível a população.(...) A Vale e a Prefeitura atualmente têm uma relação harmônica pois esta cidade tem duas molas, a primeira é a Vale e a segunda é a Prefeitura. Mas a arrecadação não é tão boa quando dizem por aí, se você pensar que de uma eleição para outra a população dobra, porque é uma cidade final, o final da linha do trem, todo mundo vem pra cá. Os programas Vale Alfabetizar, Vale Juventude etc. a Vale capitaliza todas as ações para ela tem que dar o braço a torcer porque eles sabem fazer o marketing social, mas os programas já existiam antes deste governo assumir a prefeitura, então não dá para penalizar as pessoas que são atendidas. Somos nós que bancamos mas a Vale é mestre nessas estratégias. Aliás, no Pará, a Vale não fez nada se você comparar com o que ela fez em Minas Gerais, por exemplo. Lá ela investiu pesado nos municípios, aqui não há nada de efetivo: hospital, saneamento básico, escola, nada. Talvez agora eles acertem com esse projeto

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da APA, aliás acho que Parauapebas está ganhando dois bons projetos: esse da Estação do Conhecimento da Vale e outro em Palmares II da Universidade Rural, que será bancado pelo governo da Venezuela. É bom porque a comunidade ganha com isso”.

AR, assessoria de comunicação da Prefeitura de Parauapebas “Há uma idéia de que a empresa é Estado, de que ela tem que fazer, mas isso já passou, pois ela não é Estado. As pessoas percebem que a Vale está mudando, até no sentido de ajudar os municípios a captar recursos para políticas públicas. A Vale usa sua influência política em Brasília para o município implementar. Mas a Vale não é Estado, a companhia não é obrigada, ela faz porque quer. Por exemplo, as Estações do Conhecimento, a da APA prevê educação, esporte e cultura”.

VCL, gerente regional de RI da Vale “Com a Vale a relação mudou muito, sobretudo de 2004 pra cá. Agora há mais diálogo e está bem melhor”.

FAZ, líder comunitário e ex-presidente do sindicato rural “Faço o curso do Vale Alfabetizar, começa terça às 18h30. O curso vai durar 8 meses e depois vai encaminhar pra escola. O que eu espero? Aprender a ler, a escrever, porque quero me desenvolver e crescer na vida”.

AFC, gari da Prefeitura, recém chegado a Parauapebas vindo de Codó no Maranhão. A partir da captação dessas e outras entrevistas foi possível criar um quadro que procura mapear o posicionamento deles em relação a Vale. Alguns públicos que estão no quadro não estão nos depoimentos porque esses não foram diretamente entrevistados mas foram obervados em situação de debate público, como nas audiência públicas realizadas nos meses de agosto e setembro de 2009 sobre o projeto Cristalino que será o novo projeto da Vale a ser implantado em municípios vizinhos de Parauapebas, Curionópolis e Canaã dos Carajás. Totalmente favoráveis

Parcialmente favoráveis

Indiferentes

Resistentes

Totalmente contrários

Empregados e terceirizados de nível gerencial

Empregados e Terceirizados de nível operacional

População mais vulnerável que não tem acesso a informação sobre o impacto da companhia, pois só cobram e criticam a prefeitura pela ausência de serviços e bens públicos na cidade

Poder Judiciário

Justiça nos Trilhos

Mídia Local

Funcionários Públicos Municipais que já fizeram algum projeto com a Vale Mídia Regional

Populações Indígenas

Movimento do s Sem Terra - MST

Funcionários e gestores públicos municipais e estaduais Movimento

Movimentos sociais ligados a luta do campo

Associações comerciais

Mídia Nacional

Setores

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Estudantil

Setores Universitários das áreas de c. exatas

Sindicatos

Acadêmicos/Universi tários em geral a área das ciências humanas Sindicato SIMETAL Jornalistas Independentes

A incipiência do debate público Nota-se que as estratégias de divulgação das atitudes sustentáveis da Vale que visam a influenciar os stakeholders no sentido de mobilizar opiniões positivas, lealdade e comportamento conformista em relação à companhia, pode, simultaneamente, e em contrapartida, contribuir para fazer deslanchar processos comunicativos críticos, que buscam diálogos mais inclusivos e conectados horizontalmente. Dar publicidade aos depoimentos dos atores implica reconhecer sua legitimidade como representantes das comunidades e instituições a que pertencem. Observá-los em situação de comunicação com a Vale nos fez perceber o momento mesmo desse encontro como um espaço aberto para o político, aqui entendido em sua concepção alargada, no sentido da convivência entre diferentes que visa a construção de um mundo transparente (Arendt, 2007, p. 23-4) - não só restrita ao mundo dos governos e da democracia representativa. O que alguns iniciados (conhecedores) na questão da Vale identificam é que mesmo aí não poderia se afirmar que há debate público porque muitos atores se encontram em posição menos privilegiada em relação à companhia, inclusive a mídia. Embora não enfoquemos neste artigo as relações da companhia com a mídia por considerá-la outro trabalho investigativo, optamos apenas por acompanhar durante o ano de 2009 todas as pautas relacionadas à companhia veiculadas nos dois principais jornais do estado do Pará, O Liberal e o Diário do Pará, nos jornais Folha de S. Paulo e o Estado de São Paulo, além do portal da Globo.com, do Rio de Janeiro. O conteúdo editorial relacionado às ações da companhia sinalizou o quanto o conteúdo jornalístico é pautado pela própria empresa, via press releases previamente distribuídos. Sendo a Vale uma das maiores anunciantes publicitárias do país, nota-se ainda uma relação de dependência financeira dos veículos em relação à companhia pouco ou nada transparente à opinião pública. A ausência ou fragilidade do debate público acerca da atuação da empresa se deve, segundo alguns jornalistas consultados, ao imenso poder da companhia, que expõe a fragilidade da mídia e de outros atores frente a influência tentacular da empresa. Quando muito, criam-se pequenas marolas noticiosas em relação a algum acidente de trabalho ou ambiental que envolve a Vale, em pautas que apenas sinalizam alguns embates acontecidos geralmente com os movimentos sociais (Movimento dos Sem Terra e o Justiça nos Trilhos), sindicatos e população indígena – considerados os grupos mais resistentes à companhia. Constatada a omissão dos meios de comunicação noticiosos em relação a essa questão7, será que ainda é possível haver debate público? Sim, desde que algumas condições sejam

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O único veículo independente que efetivamente traz informações relevantes e aprofundadas sobre a questão é o Jornal Pessoal, editado pelo jornalista independente Lúcio Flávio Pinto, acessível em http://www.lucioflaviopinto.com.br.

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dadas. A primeira delas é democratizar a Amazônia, onde a correlação de forças por questões históricas é das mais assimétricas, onde o sistema democrático, com suas leis e direitos, ainda não se sedimentou, e a incipiência do Poder Público realmente comprometido com as demandas da população é um dos fatores que mais contribui para que o problema amazônico se agrave. Mas há outra condição que também identificamos, e sobre o qual podemos agir, como pesquisadores, mais diretamente: o traço hiperbólico que domina o discurso que se refere à Amazônia (seja ele jornalístico, acadêmico, econômico ou político). Quanto mais reafirmamos discursivamente que a situação da Amazônia é complexa, mais nossas hipérboles conceituais dão ao problema da Amazônia uma escala “sobre humana”. Essa abordagem macro que entorpece, inibe e amedronta a ação humana pode e deve ser modificada. A floresta é maior do que os homens, as corporações são maiores do que os homens, os Estados são maiores do que os homens, mas apenas a ação humana, solitária ou coletiva, pode viabilizar a ação transformadora. Mais do que a floresta, o que está em risco são os homens da floresta. E é por pensar os homens no plural e não o homem, que essa pesquisa se alinha ao pensamento político de Hannah Arendt (2007), que ao entender a política como algo que surge no espaço entre-os-homens e se estabelece como relação no momento mesmo em que os homens estão juntos para discutir e debater aproxima a política do conceito de comunicação. Considerando que o pressuposto para que haja uma ação política é a construção de um espaço comum (ágora) em que todos os homens tenham igualdade e possam agir com liberdade, ou seja, a política como relacionamento entre iguais na publicidade da ágora (Arendt, 2007, p. 56). O pensamento político baseia-se, em essência, na capacidade de formação de uma opinião pública, aqui entendida não como uma mera somatória das opiniões individuais, mas, ao contrário, a opinião pública antecede a opinião individual uma vez que nossa incapacidade de criar uma opinião sobre todos os assuntos possíveis relativos à nossa vida, tornou-se essencial compartilhar a opinião dos outros, já pré-estabelecida (Barros, 2010, p. 57). No ponto central da política está sempre a preocupação com o mundo e não com o homem (Arendt, 2207, p. 35). Nossa atual crise da civilização se refere não apenas ao planeta físico, nosso meio ambiente, mas sobretudo a nossa capacidade de viver junto, segundo regras que sejam compactuadas por todos ou, pelo menos, por uma maioria; é o risco que corre o mundo comum do qual nos alertava Habermas. À crise do comum contrapõe-se a comunicação, que vem do latim communcare, ou seja, tornar comum. Ao mesmo tempo em que vivemos a era da tecnologia da comunicação, da democratização do acesso a informação e de níveis inéditos de liberdade de expressão, em que telas e teclados dominam nosso cotidiano, que tipo de laços ou vínculos essas trocas incessantes de mensagem têm gerado? Será que processos mais transparentes (no sentido de mais conhecidos) colaboram com o processo de participação de todos na vida comum no território? A comunicação no sentido do “dar a conhecer” e de “pôr as pessoas em contato” tem tido um desenvolvimento formidável nos últimos anos, gerando bem mais benefícios do que se costuma pensar. Mas a comunicação no sentido de communicare, tornar comum, partilhar, parece estar cada vez mais fragilizada. Esta dimensão carece de pesquisas, incentivos e ações pois seu processo é mais profundo e complexo. Daí a crença de que a comunicação é elemento fundamental na construção da esfera pública participativa foi o norte que guiou essa pesquisa empírico-teórica desde o princípio.

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A Amazônia e a região sudeste do Pará é o locus privilegiado onde hoje coexistem diferentes atores: uma grande corporação global, a Vale, o Estado (Poder Executivo e Judiciário), a mídia e a sociedade civil organizada (Movimentos sociais, ONGs, Comunidades étnicas, rurais e urbanas). Considerando as problemáticas social e ambiental e os imensos interesses econômicos específicos de todos esses atores, o futuro parece apontar dois caminhos radicais: se os atores não conseguirem chegar a um pacto mínimo (como não se conseguiu até hoje) a degradação ambiental e social se anuncia próxima, ou, se os atores conseguirem chegar a um acordo em torno de uma agenda mínima comum, transformando-a em um pacto pelo desenvolvimento sustentável da região, talvez aí surja uma potência transformadora inédita na história da região. Muitos podem achar essa proposta ingênua e entreguista. Mas se os homens, no plural, forem capazes de construir um espaço de debate, onde se apresentem como “atuantes, conferindo aos assuntos mundanos uma durabilidade que em geral não lhes é característica, então essa esperança não se torna nem um pouco utópica” (Arendt, 2007, p. 26).

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