A Ameaça à Autonomia das Entidades Desportivas no Brasil: do CND ao PROFUT

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PEDRO HENRIQUE REBELLO DE MENDONÇA

A AMEAÇA À AUTONOMIA DAS ENTIDADES DESPORTIVAS NO BRASIL: DO CND AO PROFUT

Rio de Janeiro 2015

RESUMO

O presente trabalho consiste em artigo que visa traçar uma perspectiva histórica da autonomia das entidades desportivas no Brasil, para fins da análise da recémpromulgada Lei nº 13.155/2015, que institui o PROFUT. Para tanto, inicialmente, são apresentadas as primeiras normas de organização do desporto no país, as quais conferiam ao Conselho Nacional do Desporto (CND) plena soberania para decidir sobre questões afetas às entidades desportivas. A título de exemplo, são apresentadas diversas deliberações e resoluções do CND. Em seguida, revela-se o processo de constitucionalização do desporto, com a promulgação da Lei Zico e a criação do artigo 217 da Constituição Federal, assegurando autonomia de organização e funcionamento às entidades desportivas. Posteriormente, são analisadas as leis atualmente vigentes, com destaque para a Lei Pelé e o papel assumido pelo Estado como financiador do desporto, inclusive através da Lei de Incentivo

ao

Esporte.

Neste

contexto,

examinam-se

alguns

dispositivos

fundamentais da lei do PROFUT, os quais contrariam a autonomia das entidades desportivas. Por fim, expõem-se algumas normas desportivas internacionais, emanadas do COI e da FIFA, de modo a apresentar problemas gerados pela intervenção do Estado na organização das entidades desportivas e, especificamente quanto ao futebol, demonstrar que a criação de uma liga pelas entidades de prática desportiva não prescinde do adequado reconhecimento por parte da CBF.

Palavras-chave: autonomia, desporto, entidades desportivas, Conselho Nacional do Desporto, Lei Pelé, PROFUT, intervenção, inconstitucionalidade, CBF, FIFA, futebol.

SUMMARY

This article intends to present an historic perspective of the autonomy of sports entities in Brazil, in order to enable the analysis of the Law n. 13.155/2015, which has been recently enacted to create the PROFUT. Initially, we will present the first rules of sports organization in the country, which granted to Nacional Sports Council the power to decide over any questions related to sports entities. We will also bring examples of National Sports Council’s decisions and rules. After that, we will approach Zico Law and the article 217 of the Federal Constitution, which ensure that sports entities are autonomous to deliberate about their own organization and operation. Furthermore, the law currently in force will be examined, especially regarding the Pelé Law and the role executed by the government on providing financial resources to sport development, including through Sports Incentive Law. In this context, we will analyze some of the PROFUT Law rules that go against the sports entities autonomy. Finally, some international sport rules, enacted by IOC and FIFA, will be presented, in order to show the problems generated by the government intervention over sports entities organization and to demonstrate, specifically regarding football, that the creation of a league by the Brazilian clubs would still require the adequate recognition by Brazilian Football Confederation.

Key-words: autonomy, sport, sports entities, National Sports Council, Pelé Law, PROFUT, intervention, unconstitutionality, Brazilian Football Confederation, FIFA, football.

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 5

2

A ORGANIZAÇÃO DO DESPORTO SOB INTERVENÇÃO DO ESTADO ....... 6 2.1

3

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DESPORTO ................................................ 12 3.1

4

Deliberações e Resoluções do CND ........................................................... 10

Lei Zico ..................................................................................................... 14

LEI PELÉ E O PAPEL DO ESTADO ............................................................... 16 4.1

O Estado como financiador do desporto .................................................. 21

5

PROFUT............................................................................................................24

6

NORMAS DESPORTIVAS INTERNACIONAIS................................................27 6.1

Necessidade de reconhecimento das ligas...............................................30

7

CONCLUSÃO....................................................................................................33

8

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 35

5

1

INTRODUÇÃO

Autonomia. Palavra de origem grega, de fundamental importância para diversos campos do conhecimento humano, à qual, segundo o dicionário1, podem ser atribuídos três significados distintos. Destes, salta aos olhos o primeiro: “faculdade de se governar por si mesmo”.

Recentemente, o termo “autonomia” voltou à tona. Em 4 de agosto de 2015, foi promulgada a Lei nº 13.155, que institui o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (“PROFUT”), dispõe sobre gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais e altera dispositivos da Lei nº 9.615/98 (“Lei Pelé”), dentre outras providências.

O novo diploma legal faz retornar aos olhos da sociedade o debate sobre a autonomia das entidades desportivas. Ainda que a Constituição Federal, em seu artigo 217, assegure-a quanto à organização e funcionamento de tais entidades, o tema é bastante fértil para discussões, inclusive à luz de outros dispositivos constitucionais e de normas desportivas internacionais.

As controvérsias relativas ao tema, embora mais destacadas no atual momento, não são recentes; pelo contrário, são permanentes e remontam aos mais longínquos sinais de legislação desportiva no Brasil. Ao longo do último século, o papel do Estado brasileiro na organização do desporto no país sofreu significativas mudanças, até que se chegasse ao sistema determinado pela atual legislação, que tem como corolários o artigo 217 da Constituição Federal e a Lei Pelé.

Neste sentido, o presente estudo buscará avaliar de que forma a legislação brasileira veio a interferir na autonomia das entidades desportivas – tendo o futebol

1

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 7ª ed. Curitiba: Ed. Positivo, 2008. p. 155.

6

como maior exemplo em função da PROFUT –, desde as primeiras regulamentações da atividade desportiva até a Lei nº 13.155/2015, apontando as possíveis repercussões da lei vigente perante normas de direito desportivo internacional.

2

A ORGANIZAÇÃO DO DESPORTO SOB INTERVENÇÃO DO ESTADO

No início do século passado, o ordenamento jurídico brasileiro era praticamente silente com relação à organização do desporto no país. As entidades então existentes possuíam plena liberdade de se organizar de acordo com sua conveniência.

No Estado Novo, porém, este cenário teve uma brusca mudança, com a edição do Decreto-Lei nº 3.199/41. Tal diploma legal instituiu, em seu artigo 1º 2, o Conselho Nacional de Desportos (CND), ao qual competia, dentre outras atribuições, “estudar e promover medidas que tenham por objetivo assegurar uma conveniente e constante disciplina à organização e à administração das associações e demais entidades desportivas”3. Além de atribuições que, por si só, já indicavam o caráter intervencionista do CND sobre as atividades desportivas, ao Conselho era designada a superintendência da administração de cada ramo desportivo (expressão utilizada pela norma para se referir a modalidade desportiva) ou grupo de ramos desportivos pelas respectivas confederações, federações, ligas e associações desportivas4.

A esse propósito, nota-se a predeterminação que o Decreto-Lei impunha em relação à denominações “confederações” e “federações”, configurando-se as primeiras como “entidades máximas de direção dos desportos nacionais” 5 e as últimas como “órgãos de direção dos desportos em cada uma das unidades

2

Art. 1º Fica instituído, no Ministério da Educação e Saúde, o Conselho Nacional de Desportos, destinado a orientar, fiscalizar e incentivar a prática, dos desportos em todo o país. 3 Artigo 3º, alínea “a”, do Decreto-Lei nº 3.199/41. 4 Artigo 9º do Decreto-Lei nº 3.199/41. 5 Artigo 12 do Decreto-Lei nº 3.199/41.

7

territoriais do país”6, em contraposição à nomenclatura adotada pela legislação atual – conforme se verá a seguir. Mais do que isso, salta aos olhos a exigência de um número mínimo de entidades associadas para a composição de federações e confederações, sendo que as últimas somente poderiam ser compostas por federações.

As disposições acima já seriam suficientes para demonstrar o elevado grau de intromissão estatal na organização das entidades desportivas, entretanto não são as únicas, nem sequer as que mais evidenciam o papel que desejava desempenhar o Estado. A manifestação da intervenção estatal nas entidades revela-se ainda mais clara através dos seguintes dispositivos: a) os artigos 15 e 16, nos quais se elencam as confederações existentes e se atribui ao CND o poder de propor, de três em três anos, a criação ou supressão de confederações; b) o artigo 47, que determinava os locais em que deveriam ter sede as confederações e as federações; e c) sobretudo, os artigos 17, parágrafo único, e 23, segundo os quais cabia ao CND aprovar os estatutos das confederações e federações.

Não restam dúvidas, portanto, quanto à natureza intervencionista do Decreto-Lei nº 3.199/41, principalmente através da atuação do CND, conforme lição do saudoso Valed Perry:

(...) são as mais amplas as atribuições do C.N.D., competindo-lhe a superintendência de toda a organização geral dos desportos, desde a aprovação dos estatutos das confederações cuja criação êle julgar de conveniência propor, (...) passando pela adoção de todas as medidas necessárias ao desenvolvimento desportivo, quer no setor amadorista, quer no setor profissional, até a decisão sobre a participação de delegações nacionais em competições internacionais.7

6 7

Artigo 18 do Decreto-Lei nº 3.199/41. PERRY, Valed. Comentários à legislação desportiva brasileira. Rio de Janeiro, 1965, p. 15.

8

Neste mesmo sentido, assevera Carlos Miguel Castex Aidar:

O poder do Estado é que regulamentava toda a atividade administrativa e toda a atividade desportiva, inclusive sistematização jurídico-desportiva, ou seja, o Estado dizia como tinha que ser, e cada um de nós que quisesse praticar o esporte tinha que seguir a orientação do Estado. Portanto, a intervenção estatal era o marco desse Decreto-Lei.8

Na esteira do Decreto-Lei nº 3.199/41, foram editados, nos anos seguintes, novos diplomas legais correlatos.

Em 1942, foi publicado o Decreto nº 9.627/42, que aprovava o regimento do CND, regulamentando seu funcionamento. Destacam-se, no regimento, o artigo 10, que elenca vinte e oito competências do CND, e o artigo 25, segundo o qual as confederações eram “órgãos de execução das decisões do C.N.D.”.

No ano seguinte, foi editado o Decreto-Lei nº 5.342/43, que dispunha sobre a competência do CND, em normas de teor intervencionista que podem ser facilmente resumidas através da fiel transcrição de seu artigo 1º: “a organização desportiva do país obedecerá às disposições da lei federal e às resoluções que o Conselho Nacional de Desportos adotar, no uso de suas atribuições”. Além disso, este Decreto-Lei estabeleceu a necessidade de concessão anual de alvará de funcionamento pelo CND às entidades desportivas para regularização das mesmas (artigo 4º).

Dois anos depois, o Decreto nº 19.425/45 veio a aprovar o regimento do CND, em substituição àquele que fora instaurado em 1942, mantendo o mesmo

8

AIDAR, Carlos Miguel Castex. Aspectos normativos e retrospectiva histórica da legislação desportiva infraconstitucional. In: MACHADO, Rubens Approbato et alii (coordenação). Curso de Direito Desportivo Sistêmico. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 69-87.

9

espírito do anterior, conforme revelado por seu artigo 25: “o C.N.D., não tomará conhecimento do papel algum (sic) relativo a entidade desportiva que não tenha obtido alvará de funcionamento e cujo estatuto não se tenha submetido ao disposto na lei”.

Assim, o Decreto-Lei nº 3.199/41 teve longa vigência no ordenamento jurídico brasileiro, complementado por normas correlatas que reforçavam a postura intervencionista do Estado sobre as entidades esportivas. O ilustre Manoel José Gomes Tubino, que inclusive chegou a presidir o CND, traça um retrato fiel do período:

Foi marcado por um grande número de deliberações do CND que sempre reforçaram a posição forte do Estado sobre as sociedades esportivas. Os alvarás para funcionamento de entidades esportivas, os registros, as aprovações de estatutos das entidades, a normatização dos passes no futebol profissional, as normas para transferências de atletas, as aprovações dos códigos disciplinares e muitas outras imposições constituem uma vasta folha de ações do CND no sentido do cumprimento do Decreto-Lei nº 3.199/41, então vigente.9

Somente três décadas depois, o Decreto-lei nº 3.199/41 foi revogado, com a publicação da Lei nº 6.251/75, regulamentada pelo Decreto nº 68.880/1977. Todavia, o panorama da relação entre Estado e entidades esportivas permaneceu praticamente inalterado, mantido o poder do CND. Ainda que o artigo 4º da lei dispusesse que “a organização para a prática dos desportos será livre à iniciativa privada, que merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos” – no que poderia ser indicativo de um afastamento estatal –, havia diversos outros dispositivos ratificando a supremacia do Conselho.

9

TUBINO, Manoel José Gomes. 500 anos de Legislação Esportiva Brasileira: do Brasil Colônia ao início do Século XXI. Rio de Janeiro: Shape, 2002, p. 39.

10

Destarte, a atuação intervencionista do Estado sobre as entidades desportivas estendeu-se também pelo período de vigência da Lei nº 6.251/75, de modo que tal modelo vigorou por mais de quarenta anos.

2.1 Deliberações e Resoluções do CND

Em tão longo lapso temporal, o CND editou centenas de deliberações 10 e resoluções11, de modo a reger o funcionamento e a organização de todo o sistema desportivo nacional. É irrefutável, portanto, a importância de tais instrumentos para a organização do desporto brasileiro à época, pelo que se faz necessário trazer à baila alguns exemplos que demonstram a forte atuação do Conselho.

Uma das competências do CND era reconhecer modalidades esportivas e indicar suas entidades de direção. Assim, identificam-se diversas deliberações e resoluções com tal escopo, como as seguintes: a) Deliberação nº 22/43: reconheceu a existência da União Brasileira de Excursionismo

como

órgão

nacional

de

direção

desportiva

do

Excursionismo e Montanhismo; b) Deliberação nº 01/73: determinou que a administração do Rugby em todo o território nacional ficasse transitoriamente subordinada à Associação Brasileira de Rugby, a qual ficava obrigada a criar a respectiva Confederação em até 360 dias em caso de existência de associações (clubes) suficientes para a criação de três federações do desporto; c) Deliberação nº 06/75: determinou que a administração de Voo a Vela em todo o território nacional ficasse subordinada à Associação Brasileira de

10

BRASIL, Conselho Nacional de Desportos. Normas Básicas sobre Desportos: Deliberações X/1942 a 07/1975. Rio de Janeiro, 1983. 11 BRASIL, Conselho Nacional de Desportos. Normas Básicas sobre Desportos: Resoluções 1987 CND (01 a 19) – 1988 (01 a 21), Portarias 236 – Portaria CND 01/87, Recomendações CND 1987 (01 e 02) – 1988 (01 e 02). Rio de Janeiro, 1989.

11

Voo a Vela, com condições semelhantes à estabelecidas na Deliberação nº 01/73 relativas ao Rugby; d) Resolução nº 04/88: reconheceu o Surf como modalidade desportiva, considerando a Federação Catarinense de Surf como vinculada diretamente ao CND; e) Resolução nº 16/88: reconheceu o Badminton como modalidade desportiva, indicando a Federação Paulista de Badminton como entidade desportiva dirigente da modalidade. Ainda no que tange à relação entre modalidades e entidades dirigentes, destaca-se também a Deliberação nº 06/66, através da qual, a partir de pedido de filiação da Federação Paulista de Polo Aquático à Confederação Brasileira de Desportos, se determinou que não poderiam “ser criadas entidades especializadas (federações ou confederações) para dirigir os desportos que no âmbito internacional são dirigidos por uma mesma entidade”.

Ainda mais representativas do que as decisões inerentes a especificamente uma modalidade eram aquelas aplicáveis a todas as entidades desportivas, concernentes a seu funcionamento. Neste sentido, têm-se como exemplos12: a) Deliberação nº 41/45: estabelecia prazo para apresentação de projeto de estatuto por parte das Confederações e Federações, para fins de aprovação pelo CND; b) Deliberação nº 72/53: estabelecia normas gerais e expedia instruções para organização dos estatutos das entidades existentes no país; c) Deliberação nº 87/55: expedia normas para a concessão de alvará de funcionamento às entidades desportivas; d) Deliberação nº 07/62: fixava prazo para exame de emenda ou reforma estatutária pelo CND.

12

BRASIL, Conselho Nacional de Desportos. Deliberações. 2ª ad. atual. Rio de Janeiro, 1975. p. 55.

12

Por fim, vale destacar o teor da Resolução nº 17/87 13, editada menos de um ano antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, em que se fixavam normas de procedimento de votação e condições de participação das filiadas nas Assembleias Gerais das entidades dirigentes dos diversos ramos desportivos. Não se tratava de mera disposição de princípios gerais que deveriam nortear os sistemas eleitorais das entidades; ao contrário, na referida norma se descreviam as minúcias de todo o processo de eleição dos poderes, definindo-se inclusive as condições a serem observadas para formação do colégio eleitoral – determinações reveladoras de um sistema desportivo intervencionista que não resistiria à nova Carta Magna que estava por vir.

3

CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DESPORTO

Enfim, em 1988 o desporto deixou de ser tema exclusivo de legislação infraconstitucional e passou a figurar na Constituição Federal, sendo inserido no rol dos elementos de ordem social, ao lado da educação e da cultura. Foi assim consagrado através do artigo 217, in verbis:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e nãoprofissional; IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. § 1º O poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

13

BRASIL, Conselho Nacional de Desportos. Normas Básicas sobre Desportos: Resoluções 1987 CND (01 a 19) – 1988 (01 a 21), Portarias 236 – Portaria CND 01/87, Recomendações CND 1987 (01 e 02) – 1988 (01 e 02). Rio de Janeiro, 1989. p. 40-43.

13

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. § 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

O dispositivo acima é a mola mestra de todo o sistema desportivo instituído no Brasil. Nele se concentram as diretrizes fundamentais a serem consolidadas pela legislação

infraconstitucional

e

norteadoras

das

atividades

das

entidades

desportivas, com destaque para a consagração da autonomia das mesmas quanto à sua organização e ao seu funcionamento, por meio do inciso I. Neste sentido, assevera Álvaro Melo Filho:

In casu, o que se pretende com este inciso I é a autonomia para que as entidades desportivas dirigentes e associação tenham sua própria forma de organização e funcionamento, sem nada de padronização ou de feitio estereotipado nos assuntos interna corporis. Vale dizer, afasta-se a autoritária e despropositada intromissão estatal nas questões internas da administração do desporto, prática essa incompatível com o regime democrático.14

Na mesma linha é a lição de Martinho Neves Miranda, que ressalta ainda a importância do direito fundamental de livre associação – insculpido no artigo 5º, inciso XVII, da Carta Magna – para o novo regime de organização das entidades desportivas:

(...) a estatização da organização desportiva sofreu um duro golpe com a promulgação da Constituição de 1988. A Carta Republicana, que dispensou a autorização estatal para a criação das associações em geral, vedando a sua interferência em seu funcionamento, destinou dispositivo semelhante exclusivamente para proteger as entidades desportivas, assegurando-lhes autonomia para o desempenho de suas funções.15

14 15

MELO FILHO, Álvaro. Desporto na Nova Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1990. p. 25. MIRANDA, Martinho Neves. O Direito no Desporto. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 120.

14

A Constituição Federal de 1988 representou, portanto, importante ruptura com o sistema desportivo vigente nas décadas que a precederam, especialmente no que tange à relação entre Estado e organização das entidades desportivas. Se até então o CND retratava fielmente a postura estatal de máxima intervenção na organização do desporto, a partir dos novos preceitos constitucionais restava inevitável a necessidade de reformulação desse cenário, o que requeria a edição de uma nova lei concernente ao desporto.

No entanto, a necessária edição de um diploma legal consonante com a autonomia conferida pela Carta Magna não foi imediata, gerando inevitáveis contradições

entre

o

preceito

constitucional

e

a

legislação

de

natureza

intervencionista anteriormente vigente. Exemplo curioso é o da Resolução nº 16/88 16 do CND, publicada em 6 de outubro de 1988 – dia seguinte à promulgação da Constituição Federal –, que determinava a vinculação de entidades praticantes de Kung-Fu e Boxe Tailandês à Confederação Brasileira de Pugilismo, em flagrante contrariedade à autonomia de organização que passava a ser conferida às entidades desportivas.

Somente em 1993, ou seja, cinco anos após a promulgação da Constituição, foi editado um novo diploma legal a reger o desporto no Brasil. Em julho daquele ano, era promulgada a Lei nº 8.672/93, popularmente conhecida como Lei Zico, em referência ao então Secretário Especial de Desportos.

3.1 Lei Zico

A Lei Zico representou a ruptura definitiva com a antiga postura autoritária do Estado em relação ao desporto, em consonância com o artigo 217 da Constituição Federal, revogando expressamente a Lei nº 6.251/75. A autonomia das

16

BRASIL, Conselho Nacional de Desportos. Normas Básicas sobre Desportos: Resoluções 1987 CND (01 a 19) – 1988 (01 a 21), Portarias 236 – Portaria CND 01/87, Recomendações CND 1987 (01 e 02) – 1988 (01 e 02). Rio de Janeiro, 1989. p. 40-43.

15

entidades constitucionalmente estabelecida foi devidamente ratificada, através de sua inclusão no rol dos princípios regentes do desporto (artigo 2º, II).

A Lei nº 8.672/93 estabeleceu, em seu artigo 7º, um novo Sistema Federal do Desporto, que congregava “as pessoas físicas e jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas da coordenação, da administração, da normatização, do apoio e da prática do desporto”, com destaque para o Comitê Olímpico Brasileiro (inciso I), as entidades federais de administração do desporto (inciso II) e as entidades de prática do desporto (inciso III).

Alterou-se por completo, portanto, o sistema desportivo pátrio, abolindo-se as antigas denominações, tais como “confederações” e “federações”, assim como as ultrapassadas regras para constituição de tais entidades. A lei então revogada impunha, por exemplo, que uma confederação somente poderia se organizar mediante a reunião de pelo menos três federações relacionadas ao mesmo desporto; já sob a égide da Lei Zico e diante da nova ordem constitucional, a liberdade de associação era plena, sem exigir número mínimo de associados para a constituição de qualquer entidade.

Da mesma forma, foi abolida a necessidade de aprovação dos estatutos das entidades desportivas por qualquer órgão estatal, assegurando-lhes também a autonomia quanto a seu funcionamento – observados, evidentemente, os limites delineados pela legislação civil e desportiva em vigor, consoante bem exposto por Álvaro Melo Filho:

Na dicção do preceito constitucional (inc. I do art. 217), esta autonomia das entidades dirigentes e associações desportivas expressa-se no resguardo de administração própria, ou seja, do que lhe é inerente e exclusivo quando “a sua organização e funcionamento”, sem discrepar das diretrizes legais federais, pela própria e fundamental necessidade de não permitir, no país, sistemas desportivos estanques, fechados, separados, gerando dificuldades e

16

incompatibilidades que colocariam em risco a essencial e vital unidade desportiva nacional.17

Outro símbolo importante da mudança de paradigma na atuação do Estado foi a extinção do até então poderoso CND (artigo 65 da lei Zico), substituído pelo Conselho Superior de Desportos (CSD), órgão de competências muito mais limitadas, conforme rezava o artigo 5º da referida lei. A propósito, Manoel José Gomes Tubino considera esse como um dos pontos de avanço da Lei Zico:

O antigo Conselho Nacional de Desportos, criado no Estado Novo, foi um instrumento de autoritarismo na história desportiva da nação. Embora a partir de 1985 ele tenha se descaracterizado como instrumento de ditaduras, permaneceu o estigma de órgão central disciplinador. Com outras características, o esporte brasileiro passou a contar com um colegiado de fato representativo da própria sociedade para supervisionar a prática dos princípios do novo período promissor em que se acha o esporte brasileiro.18

Mesmo assegurando significativos avanços no novo modelo desportivo nacional, afastando a interferência do Estado na organização e no funcionamento das entidades desportivas, a Lei nº 8.672/93 não foi duradoura. Em função de questões inerentes especificamente ao futebol (especialmente a extinção do passe), veio a ser promulgada uma nova lei geral sobre desporto, até hoje vigente: a Lei nº 9.615/98 – também conhecida como Lei Pelé.

4

LEI PELÉ E O PAPEL DO ESTADO

A promulgação da Lei nº 9.615/98 deu sequência ao processo de desestatização da organização desportiva, iniciado pela Constituição Federal de 1988 e acompanhado pela Lei Zico. Diga-se, a propósito, que a Lei Pelé guarda

17 18

MELHO FILHO, Álvaro. op. cit. p. 24. TUBINO, Manoel José Gomes. op. cit. p. 144.

17

muitas semelhanças com esta última no que tange à autonomia das entidades desportivas.

Por exemplo, a mais recente lei mantém o princípio da autonomia como basilar no desporto, confirmando a “faculdade e liberdade de pessoas físicas e jurídicas organizarem-se para a prática desportiva” (artigo 2º, II). Neste sentido, observa-se que o Sistema Nacional do Desporto, definido no artigo 13, é formado apenas por pessoas jurídicas de direito privado, excluindo-se, a princípio, qualquer ingerência estatal sobre as mesmas. Ainda assim, tal sistema é alvo de críticas por Martinho Neves Miranda, que julga indevida sua própria estruturação por via legal:

(...) a estrutura de administração do desporto competitivo é, por mandamento constitucional, exclusivamente privada, estando vedada a intervenção dos poderes públicos na estrutura do desporto competitivo em nosso país. Esta perspectiva é reforçada pelo art. 82 da Lei nº 9.615/98, que expressamente dispõe que as entidades de administração do desporto não exercem função delegada do poder público. Assim, dentro dessa linha de tratamento dispensada pelo constituinte, ideal seria que não houvesse uma regulamentação pública sobre o regime de estruturação do movimento desportivo organizado. Contudo, guardando talvez os resquícios da modelagem normativa existente no passado, a Lei nº 9.615/98 buscou dar os contornos dessa estruturação, tendo, todavia, a clara preocupação em abstrair de qualquer entidade governamental o papel de supervisor hierárquico tanto das associações de prática quanto das entidades dirigentes.19

Seria um exagero, no entanto, afirmar que o artigo 13 atenta contra o princípio da autonomia. Não há, em tal norma, qualquer resquício de ingerência do Estado no funcionamento e na organização das entidades citadas, sendo que o rol indicado em seu parágrafo único não nos parece exaustivo, conforme denota a utilização do termo “especialmente” no caput. Significa, portanto, que não há vedação à inserção de entidades de naturezas distintas daquelas ali expressamente referidas no Sistema Nacional do Desporto, devendo tal dispositivo legal ser

19

MIRANDA, Martinho Neves. op. cit. p. 124.

18

interpretado tão somente como norte para o reconhecimento das entidades responsáveis pelo desenvolvimento do desporto de rendimento no país.

Corroborando essa tese, os artigos seguintes da Lei Pelé demonstram a plena liberdade existente entre as diferentes entidades para se associarem umas às outras,

diferentemente

do

que

ocorria

anteriormente.

O

antigo

modelo

intervencionista estruturava-se basicamente no seguinte formato: no mínimo três clubes podiam formar uma federação, que necessariamente tinha abrangência estadual; pelo menos três federações estaduais eram exigidas para a formação de uma confederação nacional, que deveria necessariamente administrar o mesmo desporto ou ramo de desportos da federação internacional correspondente; e todas essas entidades, por sua vez, encontravam-se sujeitas à ostensiva atuação do CND.

Já o sistema delineado pela Lei Pelé assegura funcionamento e organização autônomos às entidades (artigo 16); elimina as denominações “confederação” e “federação”, referindo-se tão somente a entidades nacionais ou regionais de administração do desporto, sem determinar que estas últimas se limitem a uma unidade federativa, nem exigir número mínimo de associados de qualquer natureza; permite que entidades de prática desportiva e ligas filiem-se diretamente a entidades nacionais de administração do desporto (artigo 16, §§ 1º e 2º); permitem, afinal, que os atletas – anteriormente excluídos de qualquer organização do desporto – filiem-se diretamente às entidades de administração do desporto.

A adequação de tais preceitos legais à Constituição Federal é, inclusive, reconhecida por Álvaro Melo Filho:

Esta concepção do §1º do art. 16 harmoniza-se com os princípios constitucionais da autonomia desportiva e da liberdade de associação, outorgando, de modo indisfarçável, às entidades

19

nacionais de administração do desporto, a competência estatutária para definir quem são os seus filiados.20

Reforçando o abrandamento da atuação estatal e as semelhanças com a Lei Zico, a Lei Pelé previa, na redação original de seu artigo 11, o funcionamento do Conselho de Desenvolvimento do Desporto Brasileiro – CDBB como “órgão colegiado de deliberação e assessoramento”, nos mesmos moldes do extinto CSD. Em 2002, com a edição da Medida Provisória nº 2.141, que deu nova redação à Lei Pelé, o CDBB foi substituído pelo Conselho Nacional do Esporte (CNE), a quem são designadas rigorosamente as mesmas atribuições.

As competências do CNE são descritas de forma bastante genérica, e sua atuação passa ao largo de qualquer semelhança com o antigo CND, apesar da nomenclatura similar. Enquanto este último editou centenas de normas (por exemplo, oitenta e sete deliberações de 1943 a 1955), o CNE, desde sua instituição, teve publicadas apenas quarenta e uma resoluções. Mais significativo do que a quantidade, no entanto, é o conteúdo das normas exaradas pelos dois órgãos. Consoante já exaustivamente exposto, as determinações emanadas do CND caracterizavam-se pelo acentuado teor intervencionista; por outro lado, as resoluções do CNE apresentam conteúdo bastante distinto, tratando, por exemplo, de normas antidopagem, Bolsa-Atleta e Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) – este último, talvez o único tema de maior relevância para o funcionamento das entidades desportivas.

Mesmo com tantos avanços no sentido de ratificar a autonomia constitucionalmente estabelecida, a Lei nº 9.615 também é questionada por dispositivos que interferem no funcionamento das entidades desportivas. Além da própria previsão de que o CBJD seja editado pelo CNE (artigo 11, VI), que suscita discussões nesse sentido, são questionados os artigos 22 (dispõe sobre os processos eleitorais), 23 (trata de normas obrigatórias nos estatutos) e 24

20

MELO FILHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto: comentários à Lei 9.615 e suas alterações. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 70.

20

(estabelece procedimentos de prestação de contas anuais), que impõem regras e procedimentos a serem observados por tais entidades. Nesta linha, aduz Álvaro Melo Filho:

Sob a perspectiva jurídica, as regras do art. 22 sobre processos eleitorais constituem uma intromissão estatal, além de flagrante inconstitucionalidade, por fazer tabula rasa dos arts. 5º, XVIII e 217, I, da Constituição Federal, e por descartar o princípio da menor ingerência possível que exige do legislador e do administrador público a reduzir ao máximo sua interferência na esfera dos direitos constitucionalmente assegurados.21

Fato é que tais disposições, a exemplo daquela contida no artigo 13 e questionada por parte de doutrina, revelam a tênue linha existente na interpretação da autonomia das entidades, criando imensa dificuldade em mensurar o efetivo limite da autonomia das entidades desportivas.

Em atividades de diversas outras naturezas, a iniciativa privada, ainda que tenha consagrada sua plena liberdade de atuação – inclusive mediante o já citado artigo 5º, XVII, da Carta Magna –, encontra no ordenamento jurídico limites à sua atuação, inclusive no que tange à sua organização e ao seu funcionamento. Vejamse, como exemplos simplórios, as determinações previstas nos artigos 54 e seguintes do Código Civil, que impõem regras a serem seguidas pelas associações para sua regular constituição, e os artigos 997 e seguintes, também do Código Civil, que fazem o mesmo em relação às sociedades limitadas.

Ora, se admitido que tais disposições não afrontam o direito constitucional de livre associação, não parece razoável supor que as normas contidas nos artigos 22 a 24 da Lei Pelé violam o princípio da autonomia das entidades desportivas, também consagrado na Constituição:

21

MELO FILHO, Álvaro. op. cit. p. 88

21

A autonomia das entidades e associações desportivas está sujeita à observância de limites definidos pelas normas gerais sobre desporto oriundas do Congresso Nacional, mesmo porque inexiste no mundo jurídico direito irrestrito, não sendo crível, ademais, admitir-se que interesses de um grupo de pessoas possam sobrepor-se aos interesses da coletividade. Exsurge daí a necessidade de fixar-se, legalmente, as normas gerais ou parâmetros para balizar o exercício da autonomia no plano desportivo, até porque autonomia desportiva é um conceito autolimitado pelas leis do país, pelos interesses superiores do desporto e pelos pressupostos constitucionais. Em suma, evidencia-se de modo incontroverso e cristalino a possibilidade de plena convivência entre o instituto da autonomia desportiva, de um lado, e os poderes de ordenação e de controle do Estado, de outro. Não se negam, não se repelem e nem constituem ‘deux choses qui hurlent de se trover ensemble’. Configuram, pelo contrário, situações só aparentemente antagônicas, posto que, na realidade, complementam-se, no interior do nosso sistema de direito positivo, em harmoniosa interação e inarredável integração.22

Por conseguinte, o fato de a legislação infraconstitucional estipular regras a serem seguidas pelas entidades, por si só, não implica necessariamente em prejuízo ao princípio da autonomia. Tal análise deve ser feita a partir da razoabilidade da norma, combinada com o “princípio da menor ingerência possível”, citado por Álvaro Melo Filho.

4.1 O Estado como financiador do desporto

O artigo 217 da Constituição Federal dispõe não apenas sobre a autonomia das entidades desportivas, mas também sobre outros aspectos relacionados ao desporto. Dentre eles, a destinação de recursos públicos para a promoção do desporto educacional e de alto rendimento.

Com base nesse preceito, firma-se o Estado como importante financiador das atividades desportivas no país, através de diversas iniciativas federais, estaduais e municipais que objetivam desenvolver o desporto através da concessão

22

MELO FILHO, Álvaro. op. cit. p. 56.

22

de incentivos fiscais ou de repasse de recursos públicos. Dentre tantas normas que apontam nessa direção, destacam-se duas: a Lei nº 11.438/2006 e a própria Lei Pelé.

A Lei nº 11.438/2006, popularmente denominada Lei de Incentivo ao Esporte, outorga a pessoas físicas ou jurídicas a possibilidade de deduzir do imposto de renda valores despendidos a título de patrocínio ou doação em prol de projetos desportivos aprovados pelo Ministério do Esporte. Trata-se de renúncia fiscal que evidentemente incentiva a iniciativa privada a investir no desporto por meio de patrocínio. Embora o contrato de patrocínio, em si, seja privado, estabelecido entre patrocinador e entidade (ou atleta) patrocinada, a utilização dos recursos pelo beneficiário segue regras rígidas de controle por parte do Ministério do Esporte, em conformidade com o plano de execução do projeto desportivo pré-aprovado pelo próprio Ministério, estando a entidade patrocinada sujeita a posterior prestação de contas.

O sistema é bastante semelhante àquele utilizado pelo Ministério do Esporte para a execução de convênios, nos moldes do Decreto nº 6.170/2007. Este é, a propósito, mais um importante meio através do qual o Estado financia atividades de cunho desportivo, valendo-se do repasse de verbas do orçamento do Ministério do Esporte para uso por pessoas jurídicas de direito privado de acordo com projeto préaprovado.

Já a Lei Pelé, por sua vez, apresenta-se como fundamental ferramenta de financiamento do desporto em função de seu artigo 56. Destaca-se, dentre as distintas origens de recursos previstas no dispositivo, aquela constante do inciso VI. Incluído pela Lei nº 10.264/2001 (conhecida por “Lei Agnelo-Piva”), tal inciso, combinado com o § 1º, prevê a destinação de percentual da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e loterias federais ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), ao Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e à Confederação Brasileira de Clubes (CBC). Estes, por sua vez, podem aplicar o recurso diretamente ou de forma

23

descentralizada, a seu critério, em conjunto com as entidades nacionais de administração ou com as entidades de prática de desporto, nos termos do § 9º do artigo 56.

A própria Lei nº 9.615/98, no entanto, apresenta uma série de contrapartidas a serem observadas pelas entidades que pretendam utilizar tais recursos – ou mesmo recursos públicos em geral, além dos previstos especificamente na Lei Pelé –, além de sujeitar o COB, o CPB e a CBC à fiscalização do Tribunal de Contas da União (artigo 56, § 6º). São exemplos de exigências impostas para o recebimento dessas verbas: a) regularidade fiscal e trabalhista (art. 18, IV); b) mandato de até quatro anos para o dirigente máximo da entidade, permitida uma única recondução (art. 18-A, I); c) gestão transparente (art. 18-A, IV, VII, “c”, e VIII); d) participação de atletas em colegiados técnicos e de direção da entidade (art. 18-A, V e VII, “g” – aplicáveis somente às entidades de administração do desporto); e) existência e autonomia de Conselho Fiscal (art. 18-A, VI e art. 56-B, III).

Não nos parece que essas normas, acima referidas em rol meramente exemplificativo, afrontem o princípio da autonomia. Representam, acima de tudo, deveres impostos em consequência da opção adotada pela entidade em utilizar tais recursos – os quais, como se sabe, estão sujeitos ao rigor dos princípios consagrados pelo Direito Administrativo.

Ainda assim, todas as entidades possuem, justamente em decorrência da autonomia que lhes é assegurada, a plena liberdade de decidir pelo uso, ou não, de verbas de tal natureza. A elas é facultada a possibilidade de se limitar a usar recursos oriundos da iniciativa privada (não vinculados a projetos executados sob a

24

égide da Lei de Incentivo ao Esporte) para não se sujeitar a todas as exigências que condicionam o recebimento dos recursos da Administração Pública.

5

PROFUT

Em março de 2015, foi editada a Medida Provisória nº 671/2015, instituindo o PROFUT. À primeira vista, parecia guardar semelhança com as leis vigentes supramencionadas, ao impor uma série de condições às entidades que pretendiam se valer do parcelamento especial de débitos perante a União. Todavia, análise mais detida de seu texto revela dispositivos que extrapolam a mera criação de contrapartidas aos interessados em aderir ao PROFUT, e representam flagrante intervenção sobre a autonomia de entidades desportivas.

Neste sentido, vale observar a precisa manifestação de Miguel Reale Junior, sob a ótica específica do futebol – modalidade mais afetada pelo diploma legal:

Nada mais antiestatal do que o futebol profissional. Mas o governo, sob a escusa de resolver as dívidas fiscais dos clubes, aproveita para tentar estatizá-lo. A Medida provisória nº 671, editada por Dilma Rousseff, é um verdadeiro ato institucional a violar os princípios regentes da atividade esportiva presentes na Constituição, bem como interferindo na organização interna não só dos clubes socorridos pelo parcelamento de dívidas fiscais, mas também nas federações e na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), passando por cima de seus estatutos. Se o Estado deve incentivar as práticas esportivas, em especial o desporto educacional, cumpre, todavia, respeitar o princípio inscrito no artigo 217, I, da Constituição observando “a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto à sua organização e funcionamento”.23

23

REALE JUNIOR, Miguel, Ato Institucional no Futebol, O Estado de S. Paulo, São Paulo, 02 Mai. 2015, Opinião. Disponível em: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,ato-institucional-no-futebol-imp-,1679932. Acesso em: 19 Ago. 2015.

25

Wladimy

Camargos

também

critica

o

teor

da

Medida

Provisória,

considerando-a uma ameaça à autonomia constitucionalmente garantida às entidades desportivas:

Como a Constituição Federal e uma resolução recente da Assembleia Geral da ONU não permitem a intervenção direta do Estado na gestão das entidades esportivas, o parcelamento de dívidas tributárias é usado como um instrumento para induzir que a medida só se aplica a quem com ela aquiescer, o que não é fato. É claro que o chamado fair play financeiro e trabalhista no esporte é medida que deve ser bem acolhida. O fato de o Governo Federal mostrar disposição em auxiliar os clubes na diminuição de seus graves problemas financeiros também é louvável. Porém, nenhum destes dois argumentos devem prevalecer sobre o direito de as entidades desportivas de manterem seu direito de autorregularem seus assuntos internos.24

Após alguns meses de tramitação no Congresso Nacional, afinal a medida provisória foi convertida na Lei nº 13.155/2015; apesar de algumas emendas aprovadas na câmara dos deputados, foi absolutamente mantida sua essência. É certo, pois, que as críticas acima transcritas são igualmente válidas para o diploma legal recentemente publicado, tendo em vista a manifesta afronta à autonomia constitucionalmente garantida às entidades desportivas, cujo exemplo máximo se encontra no artigo 5º:

Art, 5º A entidade de administração do desporto ou liga que organizar competição profissional de futebol deverá: I – publicar, em sítio eletrônico próprio, sua prestação de contas e demonstrações contábeis padronizadas, após terem sido submetidas a auditoria independente; II – garantir a representação da categoria de atletas no âmbito dos órgãos e conselhos técnicos incumbidos da aprovação de regulamentos das competições; III – assegurar a existência e a autonomia do seu conselho fiscal; IV – estabelecer em seu estatuto ou contrato social: a) mandato de até quatro anos para seu presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos, permitida uma única recondução; e

24

CAMARGOS, Wladimyr, MP do Futebol: Autonomia sob Tutela, Correio Braziliense, Brasília, 18 Mai. 2015, Direito & Justiça.

26

b) a representação da categoria de atletas, no âmbito dos órgãos e conselhos técnicos incumbidos da aprovação de regulamentos das competições; V – prever, em seu regulamento geral de competições, no mínimo, as seguintes sanções para o descumprimento das condições previstas nos incisos I a X do caput do art. 4º desta Lei; a) advertência; e b) proibição de registro de contrato especial de trabalho desportivo, para os fins do disposto no § 5º do art. 28 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Parágrafo único. A aplicação das penalidades de que tratam as alíneas a e b do inciso V do caput deste artigo não tem natureza desportiva ou disciplinar e prescinde de decisão prévia da Justiça Desportiva.

Nota-se que o referido dispositivo não guarda qualquer relação com o parcelamento de débitos fiscais que supostamente ensejou a criação da PROFUT e, por conseguinte, não configura qualquer contrapartida (justa ou injusta) pelo benefício do refinanciamento tributário. É, tão somente, mera imposição legal que interfere diretamente na organização e no funcionamento de entidades que organizem competições profissionais de futebol, independentemente de sua adesão ao PROFUT, em desacordo com o já citado “princípio da menor ingerência possível”.

Outros dispositivos da lei são também questionáveis. A criação do § 2º do artigo 22 da Lei Pelé, por exemplo, representa ingerência na composição do colégio eleitoral das entidades nacionais de administração do desporto, de forma claramente direcionada ao futebol, visto que a norma dificilmente terá eficácia em relação à maioria das demais modalidades, que não possuem duas divisões de campeonatos nacionais. Revela-se, aí, a faceta política do PROFUT, que redunda na regulação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) enquanto destacada entidade nacional de administração do futebol.

Ademais, a criação da APFUT (Autoridade Pública de Governança do Futebol), por exemplo, suscita dúvidas sobre o efetivo alcance de suas competências. A julgar pela letra fria do artigo 19, sua atuação restringe-se à verificação do cumprimento das exigências a serem observadas por cada entidade aderente ao PROFUT. Entretanto, considerando que a lei explicita o indisfarçável

27

movimento do Estado no sentido de voltar a interferir na organização e no funcionamento das entidades de administração do desporto, não é absurdo imaginar que a APFUT possa vir a se constituir futuramente como uma versão moderna do antigo CND, intervindo de forma velada – ou não – sobre as mesmas.

Enfim, restam cristalinos dois aspectos fundamentais da Lei nº 13.155/2015: (i) a inconstitucionalidade de alguns de seus dispositivos (sobretudo o artigo 5º), e (ii) a faceta política de intervenção específica na administração do futebol brasileiro. Esses dois aspectos, no entanto, além de representar sério risco de invalidade e ineficácia no ordenamento jurídico brasileiro, podem repercutir em importantes – e indesejáveis – prejuízos aos clubes e atletas brasileiros em nível internacional, conforme se verá a seguir.

6

NORMAS DESPORTIVAS INTERNACIONAIS

A autonomia das entidades desportivas nacionais é regra bastante comum nas normas internacionais de direito desportivo, estendendo-se por diversas federações internacionais a que se vinculam entidades nacionais de administração do desporto. Não obstante, tendo em vista o elevado número de entidades internacionais (que demandaria uma obra específica somente para tratar das regras delas emanadas), o presente estudo buscará destacar normas e exemplos concernentes aos Jogos Olímpicos e às demais competições de futebol.

O Comitê Olímpico Internacional (COI) possui disposições bastante rígidas contra a intervenção do Estado nos Comitês Olímpicos Nacionais, prevendo inclusive a possibilidade de suspensão de um Comitê em caso de existência de normas no ordenamento jurídico do respectivo país ou de ações do governo que atrapalhem suas atividades ou sua livre manifestação de vontade. Assim dispõe a Carta Olímpica:

28

27 Mission and role of the NOCs (…) 6. The NOCs must preserve their autonomy and resist all pressures of any kind, including but not limited to political, legal, religious or economic pressures which may prevent them from complying with the Olympic Charter. (…) 9. Apart from the measures and sanctions provided in the case of infringement of the Olympic Charter, the IOC Executive Board may take any appropriate decisions for the protection of the Olympic Movement in the country of an NOC, including suspension of or withdrawal of recognition from such NOC if the constitution, law or other regulations in force in the country concerned, or any act by any governmental or other body causes the activity of the NOC or the making or expression of its will to be hampered. The IOC Executive Board shall offer such NOC an opportunity to be heard before any such decision is taken.25

A possibilidade de suspensão pelo COI não se restringe ao campo teórico. Por exemplo, em dezembro de 2012, o Comitê Executivo do COI decidiu pela suspensão do Comitê Olímpico da Índia, alegando que se tratava de medida protetiva contra interferência governamental no processo eletivo da entidade26. Em função disso, os atletas indianos iniciaram a disputa dos Jogos Olímpicos de Inverno Sochi 2014 sob a bandeira do COI, e não da Índia, fato que teve destaque na cerimônia de abertura do evento. Somente dois dias depois, em 9 de fevereiro de 2014, o COI decretou o fim da suspensão, possibilitando que tais atletas competissem e participassem da cerimônia de encerramento já com a bandeira do país27.

Da mesma forma, também a FIFA dispõe, em seu estatuto 28, que seus membros (como é o caso da CBF) têm como obrigação atuar de forma independente e assegurar que não haja influência de terceiros.

25

INTERNATIONAL OLYMPIC COMMITTEE. Olympic Charter. Disponível em: . Acesso em 07 jul. 2015. 26 www.olympic.org/news/final-executive-board-meeting-of-2012-gets-under-way-in-lausanne/184870 27 www.olympic.org/news/ioc-executive-board-lifts-suspension-of-noc-of-india/224038 28 FÉDÉRATION INTERNATIONALE DE FOOTBALL ASSOCIATION. FIFA Statutes. Disponível em: . Acesso em 07 jul. 2015.

29

13 Members’ obligations 1. Members have the following obligations: (…) i) to manage their affairs independently and ensure that their own affairs are not influenced by any thir parties; (…) 2. Violation of the above-mentioned obligations by any Member may lead to sanctions provided for in these Statutes. 3. Violations of par. 1 (i) may also lead to sanctions even if the third-party influence was not the fault of the Member concerned. (…) 17 Independence of Members and their bodies 1. Each Member shall manage its affairs independently and with no influence from third parties.

Recentemente, as normas acima transcritas fundamentaram a suspensão da Federação de Futebol da Nigéria pela FIFA em 9 de julho de 2014, o que impediria a seleção e os clubes do país de participar de competições internacionais. A suspensão teve como motivo decisão judicial proferida na Nigéria que afastou o presidente e outros membros dos poderes diretivos da federação de suas funções, determinando que o Ministro do Esporte nigeriano indicasse um interventor na entidade até a conclusão do processo judicial.29 No entanto, apenas nove dias depois, foi retirado o referido processo judicial, o que possibilitou o imediato retorno dos membros dos poderes afastados e ensejou o pronto cancelamento da suspensão da federação.30

Jean-Loup Chappelet31 enumera outros casos de intervenção do COI e da FIFA por afronta à autonomia de federações e comitês olímpicos nacionais: Comitê Olímpico do Iraque em 2008; Comitê Olímpico do Panamá em 2007; Federação de Futebol da Albânia em 2008; Federação de Futebol de Madagascar em 2008; Federação de Futebol da Grécia em 2006.

29

www.fifa.com/governance/news/y=2014/m=7/news=keep-pending-fifa-emergency-committee-suspendsnigeria-football-federa-2402265.html 30 www.fifa.com/governance/news/y=2014/m=7/news=suspension-of-the-nigeria-football-federation-lifted2406572.hmtl 31 CHAPPELET, Jean-Loup. Autonomy of sport in Europe. Council of Europe, 2010. p. 21.

30

Portanto, a autonomia constitucionalmente estabelecida no Brasil encontrase em consonância com as normas internacionais de direito desportivo, em benefício dos atletas e entidades de prática nacionais, que ficam aptas a disputar as mais importantes competições internacionais. Neste sentido, a ratificação desse princípio é de fundamental importância para que o desporto brasileiro se mantenha inserido no contexto internacional.

Da mesma forma, especificamente quanto ao futebol, é importante reconhecer o papel exercido pela CBF perante as entidades internacionais que administram a modalidade, inclusive para fins de criação de ligas no Brasil.

6.1 Necessidade de reconhecimento das ligas

O estatuto da FIFA dispõe sobre ligas em sua regra 18, cujo item 1 determina expressamente que elas devem ser subordinadas e reconhecidas por um membro da FIFA:

18 Status of Leagues and other groups of Clubs 1. Leagues or any other groups affiliated to a Member of FIFA shall be subordinate to and recognized by that Member. The Member’s statutes shall define the scope of authority and the rights and duties of these groups. The statutes and regulations of these groups shall be approved by the Member. 2. Every Member shall ensure that it affiliated Clubs can take all decisions on any matters regarding membership independently of any external body. This obligation applies regardless of an affiliated Club’s corporate structure. In any case, the Member shall ensure that neither a natural nor a legal person (including holding companies and subsidiaries) exercise control over more than one Club whenever the integrity of any match or competition could be jeopardized.

Assim, caso clubes (entidades de prática, na letra da lei pátria) brasileiros optem por criar uma liga de futebol, ela somente será reconhecida pela FIFA caso seja reconhecida, em primeiro lugar, pela CBF, visto que esta última é a entidade brasileira membro da aludida federação internacional. Este já é, claramente, o

31

primeiro empecilho à criação de uma liga independente pelos clubes, sem reconhecimento da CBF: o afastamento de tais clubes em relação ao sistema de competições internacionais estabelecido sob a batuta da FIFA.

Neste sentido, a regra 82 corrobora, em seus itens 1 e 4, a necessidade de autorização da federação nacional (CBF), da confederação continental e/ou da própria FIFA – a quem cabe a decisão final – para a realização de partidas internacionais entre clubes:

82 International matches and competitions 1. The Executive Committee shall be responsible for issuing regulations for organizing international matches and competitions between representative teams and between Leagues, Club and/or scratch teams. No such match or competition shall take place without the prior permission of FIFA, the Confederations and/or the Members in accordance with the Regulations Governing International Matches. (…) 4. Notwithstanding the authorization competences as set forth in the Regulations Governing International Matches, FIFA may take the final decision on the authorization of any international match or competition.

Em acréscimo a isso, a regra 6 do Regulamento de Partidas Internacionais32 editado pela FIFA não deixa dúvidas sobre a necessidade de autorização da CBF para que um clube brasileiro dispute competições internacionais promovidas sob a estrutura da FIFA ou mesmo amistosos contra clubes de outros países que se enquadram em tal sistema:

6 Authorisation 1. International Matches may only be authorised by FIFA, a Confederation or a Member in accordance with these regulations. (…)

32

FÉDÉRATION INTERNATIONALE DE FOOTBALL ASSOCIATION. Regulations Governing International Matches. Disponível em: . Acesso em 07 jul. 2015.

32

3. Every team participating in an International Match shall be responsible for requesting the authorisation of the Member to which they belong. (…)

Exemplo cabal da importância da participação dos clubes brasileiros em campeonatos organizados ou reconhecidos pela CBF para acesso às competições internacionais pode ser extraído do regulamento da Copa Libertadores da América 201533 – torneio organizado pela CONMEBOL34, e que dá ao campeão o direito de disputar o campeonato mundial de clubes:

1.2 Las asociaciones nacionales calificarán para el Torneo a sus clubes campeones de cada año. Igualmente determinarán el modo de clasificación de los otros equipos con derecho a participar del mismo, de acuerdo al sistema de disputa de sus campeonatos locales. (…) 1.9 Toda las gestiones y relacionamientos de los clubes con la CONMEBOL deberán ser realizadas siempre a través de sus respectivas asociaciones nacionales, salvo en los supuestos en los que expresamente se prevea que lo puedan hacer directamente, como en lo relativo a los asuntos disciplinarios. (…) 2.1 Las asociaciones nacionales inscribirán a sus clubes para participar en el Torneo hasta la finalización del plazo que les sea conferido por la CONMEBOL (…). (…) 2.4 Las asociaciones nacionales determinarán el orden de clasificación de sus clubes al Torneo y los inscribirán como primero al tercero, cuarto o quinto clasificado de acuerdo a las plazas que les corresponden (…). (…) 10.2 Las asociaciones nacionales deberán remitir a la CONMEBOL la lista de los jugadores 48 (cuarenta y ocho) horas antes de la iniciación de su primer partido de esa competición. La inscripción también deberá hacerse obligatoriamente por los clubes y ser validada definitivamente por las Asociaciones Nacionales a través del sistema Informático COMET, lo que hará efectiva la inscripción (…). (…) 10.10 No podrá ser incluido en la lista el jugador que no estuviese reglamentariamente inscripto en su asociación nacional en la fecha establecida para la presentación de la lista a favor del club participante, o al momento de producirse las sustituciones previstas en este reglamento, según corresponda. (…)

33

CONFEDERACIÓN SUDAMERICANA DE FÚTBOL. Reglamento 2015 Copa Bridgestone Libertadores. Disponível em: . Acesso em 08 jul. 2015. 34 Confederación Sudamericana de Fútbol

33

(…) 10.12 Será de exclusiva responsabilidad de la asociación nacional verificar la inscripción en sus clubes de los jugadores que participarán en el Torneo.

Todos os trechos acima grifados ratificam o papel fundamental da entidade nacional de administração do desporto para que os clubes brasileiros participem da competição, desde a própria indicação dos representantes do país até a aprovação final da inscrição de cada atleta.

Não restam dúvidas, portanto, de que as normas internacionais de direito desportivo prestigiam as entidades nacionais de administração do desporto filiadas à federação internacional como soberanas na representatividade do país. Neste sentido, é prerrogativa da CBF indicar os clubes que representam o Brasil em competições internacionais, não existindo qualquer menção à possibilidade de que tais representantes sejam indicados por ligas não reconhecidas pela CBF.

Assim, fica claro que a mera criação de uma liga – conforme ansiado por boa parte da opinião pública – pode não ser tão interessante aos clubes brasileiros, visto que a mesma necessitaria de reconhecimento da CBF para que seus participantes pudessem se habilitar à disputa de torneios internacionais.

7

CONCLUSÃO

Nota-se, enfim, que a legislação desportiva brasileira se encontra numa encruzilhada. De um lado, uma evolução histórica que aponta para a crescente autonomia das entidades desportivas, culminando com sua constitucionalização em 1988, após décadas sob a supervisão do Estado através do CND. De outro lado, a promulgação de uma lei que propõe, aos olhos do público, suposta modernização e moralização do futebol mas que, em verdade, despreza preceitos constitucionais e normas desportivas internacionais, apontando no sentido da intervenção estatal sobre o desporto.

34

A Lei do PROFUT encontra-se, assim, em absoluta dissonância em relação ao

restante

do

ordenamento

jurídico

vigente,

e

dotada

de

flagrante

inconstitucionalidade, especialmente em seu artigo 5º. Se não bastasse tal fato, ela ainda expõe entidades desportivas brasileiras ao risco iminente de suspensão pelo COI ou pelas federações internacionais, em decorrência da afronta à sua autonomia.

Portanto, sem prejuízo dos méritos e das boas intenções do legislador, é inevitável afirmar: considerando as reminiscências de um período (nem tão distante) de intervenção direta do Estado sobre as entidades desportivas, e sob o ponto de vista da autonomia que lhes é constitucionalmente assegurada, a Lei do PROFUT representa inegável retrocesso no sistema jurídico-desportivo brasileiro.

35

8

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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02

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Disponível

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