A América Latina em posição de semiperiferia

June 29, 2017 | Autor: A. Magalhães Barata | Categoria: Economia Política, América Latina, Giovanni Arrighi, Economia Politica Internacional
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade Federal de Uberlândia
Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais
Globalização e Desequilíbrios Econômicos Mundiais
Professor Niemeyer Almeida Filho
Aluna: Ana Laura Magalhães Barata

A América Latina em posição de semiperiferia

Em "A ilusão do desenvolvimento" escrito por Giovanni Arrighi em 1990, o autor trouxe a tona a noção de semiperiferia dentro da trajetória do Sistema Interestatal Capitalista, citando trabalhos de Braudel, Wallerstein, Kondratieff, entre outros. Ao tomar o primeiro destes, Arrighi concorda com os três andares de estruturação da economia sendo estas a produção material, a circulação de mercado, e as altas finanças através da perspectiva da hegemonia financeira. Esta é entendida na concordância de que o dono do dinheiro é o dono do poder político, começando as justificativas da hegemonia norte americana. As análises entre centro e periferia e capital e trabalho é feita de maneira mais próxima aos ideais marxistas, levando em consideração a disputa entre os estados e a concorrência entre capitais.
Na análise do processo de desenvolvimento do sistema capitalista, Arrighi toma como base os ciclos de Kondratieff, iniciando sua base de dados em 1787 com a Hegemonia Britânica. A transposição desta hegemonia para a norte americana, que segundo Kondratieff aconteceu em 1870 foi ocasionada por fatores específicos, inclusive elementos que cooperaram para a colônia ultrapassar sua antiga metrópole, principalmente em decorrência de guerras que favoreceram a acumulação de capital da primeira sobre a segunda. Era a primazia do poder militar que transformava os Estados Unidos na maior potencia mundial do século XX. Neste contexto de prosperidade, aumentava o ideal de liberdade de investimentos além das fronteiras e em consequência, a cooperação entre as empresas. Uma dicotomia causada por este processo, entretanto, foi a tentativa das empresas dos outros países em competirem com a indústria norte americana, principalmente as japonesas, o que ocasionou num processo de decrescimento da prosperidade norte americana e dava início a um processo depressivo. Os anos de 1970 e 1980 foram considerados os anos de ascensão asiática, e os principais teóricos da época acreditavam na substituição da hegemonia americana pela japonesa. Algumas características do processo de acumulação considerados característicos desta época eram: a descentralização das atividades produtivas que eram estratificadas em camadas múltiplas, a notória discrepância entre os salários, a menor regularização das redes, e a relação simbiótica que surgia com o Leste Asiático. Para Arrighi, a ascensão japonesa aconteceu em um primeiro estágio com os Estados Unidos sendo um catalisador deste processo, e somente a posteriori com os agentes japoneses tomando as rédeas deste percurso. Segundo o autor, houve uma imigração do centro geopolítico dos processos de acumulação de capital para o Leste Asiático. Resumindo, a primeira imigração deste centro foi da Inglaterra para os Estados Unidos, e o segundo seria dos Estados Unidos para o Japão.
Segundo Arrighi e tomando Wallerstein para justificar sua posição, o mundo passava por um processo tendencial de periferização, principalmente com o número cada vez maior de países semiperifericos, considerados assim os países que se industrializavam mas não se desenvolviam. Esta abordagem justifica a sua análise da ilusão do desenvolvimento, priorizando a importância de entender que desenvolvimento nunca foi sinônimo de industrialização. Além disso, de acordo com Arrighi houve uma diferença entre o processo de desenvolvimento da América Latina e do Sul Europeu com os países pertencentes à URSS e o Leste Europeu, embora ambos os processos se embasassem na coerção sobre o crescente proletariado que emergia do processo de industrialização. Para o primeiro, preservar as desigualdades na distribuição de riquezas internamente fazia parte do processo de acumulação de capital, enquanto que para o segundo, havia uma melhor resolução na questão de distribuição, sendo esta mais democrática.
Embora a distribuição de riqueza da URSS e do Leste Europeu seja considerada mais democrática, o processo de desenvolvimento desta região também é considerado falho. Em "World Income Inequalities and the Future of Socialism" Arrighi percebe a importância das modificações sociais e estruturais nesta região, e inclusive, o aprofundamento das desigualdades. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e no contexto de Guerra Fria, a partir dos ideais comunistas, ficou difícil para estes países se aproximarem dos índices de desenvolvimento dos Estados capitalistas, mesmo porque estes estavam inseridos em um constante processo de inovações e acumulação de riquezas. Houve uma falha no sistema socialista em atingir suas expectativas e cumprir promessas, afinal, eles ficaram obsoletos nos setores militar, diplomático, cultural e cientifico. Na emblemática "disputa" entre leste e oeste (capitalistas e socialistas), coexistia o embate entre Norte e Sul, sendo estes os países do antigo considerado Primeiro e Terceiro Mundo. Em 2003 Arrighi publicou em conjunto com Beverly Silver e Benjamin Brewer um trabalho que engloba esta discussão, relacionando-o com a convergência industrial e a globalização. Neste trabalho ainda há um enfoque na distinção entre desenvolvimento e industrialização com o adicional de que industrialização também não é sinônimo de riqueza. A dicotomia entre os países do Norte com os países do Sul é tida como um elemento fundamental para a dinâmica global contemporânea. A ilusão pautada no desenvolvimento através da industrialização é a abordagem de que este é o caminho que um Estado deve traçar para que no final da sua trajetória se torne como um país de primeiro mundo.
No texto "Industrial Convergence, Globalization and The Persistence of the North-South divide" os autores pautam sua pesquisa em dados empíricos da diminuição do gap existente entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, principalmente focados na análise do índice de industrialização destes países. Um marco divisor de águas para este estudo é os anos 80. De acordo com os autores, houve uma diferença entre os dois períodos que abrangeu aspectos políticos e econômicos. No período pré anos 80, o relacionamento entre os países do Terceiro Mundo e seus aparatos industriais era predominantemente não competitivo e, portanto, os desdobramentos deste acontecimento eram relativamente semelhantes. No período pós anos 80 surgiu um modelo de relacionamento entre os estados do Norte e Sul que perpassava por dois tipos de globalização, a ideológica e estrutural, conceitos de Chase-Dunn. Neste recorte, os países eram predominantemente competitivos, diferente do processo anterior, e esta característica ocasionou na diferenciação entre os países do terceiro mundo entre si. Não obstante houve uma mudança no ideal dos países de primeiro mundo, que antes tentavam acomodar os países subdesenvolvidos sob suas intenções, mas depois tentavam preservar suas riquezas oligárquicas. Os anos 80 foram os anos da troca das regras do jogo. O terceiro mundo percebeu, finalmente, que industrialização não era sinônimo de desenvolvimento, e além disso, acontecimentos como a Revolução Iraniana, e crise na confiança do dólar, por exemplo, ocasionaram na Comissão Brandt e no Consenso de Washington com a expansão do neoliberalismo. Nascia a competição no mercado financeiro, outro aspecto que contribuiu para a falha do comunismo na URSS e Leste Europeu. A diferença entre estes países com o lado capitalista era aprofundada, principalmente em termos de riqueza, onde os ricos conseguiam ampliar suas contas enquanto a pobreza crescia do outro lado. A China, que era a região mais pobre da Ásia, por exemplo, modificou sua estrutura interna, investindo em modernização, industrialização, e se tornando urbana, o que ampliou drasticamente seus índices de crescimento em função da expansão doméstica de mercado consumidor, se tornando assim, um jogador de importância na arena internacional. Arrighi, Silver e Brewer também enfocam na noção de Schumpeter da destruição criativa, afirmando que o impulso fundamental que gera e mantém as pressões competitivas em uma economia capitalista são as inovações orientadas para o núcleo orgânico. Estas inovações acontecem em diversos setores, e constantemente surgem novos métodos de produção, novas commodities, novas fontes energéticas, novas rotas de comércio, novas formas de organização, etc que substituem o antigo método de forma instantânea. Segundo Schumpeter, este processo de destruição criativa pode acontecer de duas maneiras, ou é resultante de uma revolução própria, ou conseqüência da absorção de resultados desta revolução. Um período de prosperidade posterior a esta inovação é precedido por uma curva de depressão, e novos mecanismos são criados para ultrapassá-la, deixando a economia, portanto, em um constante ciclo de altos e baixos.
O conceito de núcleo orgânico, por sua vez é adotado por Arrighi em seu texto de 1997 "A Ilusão do Desenvolvimento" para explicar a existência das semiperiferias, sendo este um patamar de classificação dos países que estão entre os que são centro e periferia. Segundo Wallerstein, a existência da semiperiferia é de extrema importância para a estabilidade econômica mundial por ser um setor médio entre os pólos extremos. As relações entre núcleo orgânico e periferia são determinadas pelas disputas de benefícios advindos da Divisão Mundial do Trabalho (DMT), que favorecem a reprodução continua da pobreza. A semiperiferia adquire os benefícios excedentes dos núcleos orgânicos em proporções bem menores, e a periferia em si, se apropria apenas do mínimo necessário para cobrir os custos de estarem inseridos da DMT.
Segundo Arrighi, existem zonas de convergência entre estes três posicionamentos dos estados, ou seja, entre periferia e semiperiferia, existe um perímetro de periferia, e entre a semiperiferia e o núcleo orgânico existe um perímetro de núcleo orgânico, locais onde acontecem o aumento da urbanização, industrialização e poder social em detrimento da ruralização em estágios diferentes. A própria industrialização da semiperiferia foi ocasionada por uma revolução social que mudou as condições de acumulação em escala mundial, aumentando assim a importância dos trabalhadores e dos movimentos sociais. Isso se deu através da alocação das empresas dos núcleos orgânicos que se deslocaram para as semiperiferias em busca de mão de obra barata e mercado consumidor em expansão. Este movimento fez ser possível a acumulação de riquezas nas semiperiferias e o surgimento das elites, o que contribuiu, por fim, para a competição entre as semiperiferias para recceberem estas empresas dos núcleos orgânicos em seus territórios. O papel do Estado é fundamental neste processo. Na América Latina e no Sul da Europa, esta apropriação de empresas pelas semiperiferias contribuiu para a acumulação de riquezas de forma oligárquica, enquanto que na URSS e no Leste Europeu, este fenômeno se deu com a contradição da democratização forçada desta riqueza.
Sobre a América Latina, especificamente, Eduardo Costa Pinto e Marcos Antonio Macedo Cintra, publicaram em 2015 o artigo "América Latina e China: Limites econômicos e políticos ao desenvolvimento" onde examinam a dinâmica latina nos anos 2000 em relação ao crescimento, distribuição de renda, redução de pobreza e aproximação econômica dos países latinos em relação aos chineses sem a necessidade de modificarem suas estruturas produtivas. O recorte histórico pautado neste período se da pelo boom no preço das commodities, principal pauta de exportação dos países latino americanos, concomitante à queda dos preços das manufaturas importados da China, além do aumento da liquidez internacional na época, e altos índices de investimento direto externo, juntamente com a elevação do PIB, e a diminuição da desigualdade. O argumento dos autores é de que além de fatores exógenos que contribuíram para estes acontecimentos, um fator interno muito imortante foi a adesão de polpíticas governamentais menos embasadas em preceitos neoliberais e maiores enfoques em Políticas Fiscais Expansionistas com o aumento dos gastos do governo em projetos sociais, como o Bolsa Família no Brasil, por exemplo, a Pensão Social no Chile, e o Programa de Oportunidades no México.
A presença chinesa na América Latina se dá por duas frentes: primeiro por serem compradores de commodities latinas, e segundo, por serem exportadores de produtos manufaturados baratos para esta região. Além deste principio comercial, o desenvolvimento desta relação proporcionou a entrada de Bancos Chineses na região latina que contribuiu para a expansão de créditos e empréstimos, além de altos índices de Investimento Direto Externo em setores estratégicos, como o energético, por exemplo. O desenrolar desta parceria se deu de três formas: Primeiro, foi apenas benéfico para aqueles países que exportam suas commodities para a China, mas não sofrem pressões competitivas com os produtos manufaturados chineses por não possuírem uma estrutura industrial complexa, como é o caso do Chile e do Peru. Para o Brasil e Argentina, por sua vez, o benefício de exportação de suas commodities para os chineses não supera os malefícios da competitividade dos manufaturados que eles adquirem em outros setores, processo que acontece de maneira mais aprofundada com países como o México e a América Central no geral. Estes países têm baixa produção de commodities e alto índice de competitividade com os produtos manufaturados chineses, principalmente no mercado dos Estados Unidos para onde está voltada a maior parte de suas estruturas produtivas.
A América Latina como um todo está localizada na Divisão Mundial do Trabalho de forma em que sofre limitações para seu desenvolvimento econômico. Houve uma mudança no cenário mundial produtivo desde os anos 2000, principalmente porque os produtos asiáticos ganharam muito mercado mesmo com as principais patentes e controles produtivos ainda sendo pertencentes aos países desenvolvidos. As economias da América Latina foram dinamizadas de forma em que puderam apropriar valor pelos produtores rurais possibilitando a ampliação do emprego, melhoria na distribuição de renda, e sobretudo no progresso técnico, mas isso não se deu a ponto de não aprofundar a dependência destes países na variação de preços das commodities, o que é um fator ruim. Segundo os autores, a América Latina perdeu uma oportunidade histórica para redefinir sua inserção na economia mundial, principalmente porque seus governos domésticos não conseguiram direcionar suas economias para uma forma mais autônoma em cenário de crescimento do PIB, baixas taxas de juros, e altos índices de liquidez internacional.






Referências Bibliográficas:
ARRIGHI, Giovanni, SILVER, Beverly; BREWER, Benjamin. Industrial Convergence, Globalization, and the Persistence of the North-South Divide. Studies in Comparative International Development, Spring 2003. Vol 38, n. 1
ARRIGHI, Giovanni. World Income Inequalities and the Future of Socialism. Fundacion Sistema, Sveilla, December 1990
ARRIGHI, Giovanni. The developmentalist Illusion: A reconceptualization of the semiperiphery. Semiperipheral States in the World-Economy, Greenwood Press, Westport, CT, 1990.
PINTO, Eduardo Costa; CINTRA, Marcos Antonio Macedo. América Latina e China: Limites econômicos e políticos ao desenvolvimento. IE- UFRJ Discussion Paper, junho 2015



Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.