A (ANACRÔNICA) IMPORTAÇÃO DA DOUTRINA DA CEGUEIRA DELIBERADA PELA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA: INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE A TEORIA NORTE-AMERICANA CAUSALISTA E O TRATAMENTO DO ERRO DE TIPO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO

Share Embed


Descrição do Produto

ICPC – INSTITUTO DE CRIMINOLOGIA E POLÍTICA CRIMINAL

A (ANACRÔNICA) IMPORTAÇÃO DA DOUTRINA DA CEGUEIRA DELIBERADA PELA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA: INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE A TEORIA NORTE-AMERICANA CAUSALISTA E O TRATAMENTO DO ERRO DE TIPO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO

CURITIBA 2015

HERMÍNIA GERALDINA FERREIRA DE CARVALHO

A (ANACRÔNICA) IMPORTAÇÃO DA DOUTRINA DA CEGUEIRA DELIBERADA PELA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA: INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE A TEORIA NORTE-AMERICANA CAUSALISTA E O TRATAMENTO DO ERRO DE TIPO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de especialista no Curso de PósGraduação em Direito Penal e Criminologia do Instituto de Criminologia e Política Criminal - ICPC.

Prof. Orientador: Dr. Juarez Cirino dos Santos

CURITIBA 2015

II

TERMO DE APROVAÇÃO

HERMÍNIA GERALDINA FERREIRA DE CARVALHO

A (ANACRÔNICA) IMPORTAÇÃO DA DOUTRINA DA CEGUEIRA DELIBERADA PELA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA: INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE A TEORIA NORTE-AMERICANA CAUSALISTA E O TRATAMENTO DO ERRO DE TIPO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do título de especialista no Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Criminologia do Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC) pela seguinte comissão examinadora:

___________________________________ Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos ICPC.

___________________________________ Prof......................................................... ICPC.

Curitiba, 31 de julho de 2015.

III

AGRADECIMENTOS

À minha mãe, exemplo de vida e fonte de inspiração pessoal e profissional. Ao meu pai que, com muito amor, ensinou-me a importância da disciplina e da dedicação. À minha irmã Amélia, eterna companheira nos bons e maus momentos. À minha irmã Louise, ser iluminado que me ensina diariamente a ser melhor, mesmo sem dizer uma palavra. À minha tia Maria Hermínia, com quem, desde muito cedo, aprendi a gostar de ler, e por quem nutro enorme amor e admiração, além de ser uma efetiva mãe e amiga nas aventuras e desventuras destes últimos tempos. Não tenho palavras para agradecer o que tem feito por mim. À minha avó Hermínia, companheira e amiga, não me lembro de nenhum verão sem suas peripécias e histórias. À minha avó Geraldina, in memoriam, que sempre batalhou muito para construir nossa família e até o fim, não deixou de ajudar os outros antes de pensar em si. À Marcia e à Margarete, minhas mães por opção que dedicam muitas orações em meu nome, sempre mostrando-me o caminho certo e torcendo pelo meu sucesso. Devo muito aos seus conselhos. Ao meu fiel amigo Luis Eduardo Schaitza, in memorian, por ter sido o melhor companheiro que tive durante a graduação, confidente e professor que me ensinou muito e em tão curto tempo. É impossível descrever o quanto me iluminou com a sua presença, da qual fui prematuramente privada em nome de um objetivo superior que ainda me é desconhecido. Serei eternamente grata pelos livros que me deixou, os quais inclusive serviram de lastro para a presente pesquisa. Ao meus amigos: Jamil de Assis, Allan Hilani, Guilherme Yamada e Pedro Felipe, eternos companheiros, em qualquer lugar do mundo, com quem aprendi muito e sonhei por um mundo melhor; Paloma e Thuan, amigos incondicionais que me ajudaram tanto em momentos difíceis; Victor Romfeld e Stefani Tackes, aos quais me apeguei tanto neste último ano, companheiros da graduação e da pós que tiveram um papel muito importante no meu crescimento pessoal. Aos meus colegas acadêmicos: Thaís Cecato, Ellen Faleiro, Fabio De Masi, Ryana Nones, Stefani Rackes, Milkevikz e Édelis Dellagnol, Luiza Beghetto, Maraisa Ferreira, Eline Martins e Débora Bueno, companheiros de altos e baixos acadêmicos, assim como de boas risadas. Ao Professor Juarez Cirino dos Santos, com quem aprendi não só o Direito Penal ou o ofício que quero desempenhar para o resto da vida, mas, principalmente, a construir uma visão mais humana e crítica sobre o crime. Neste último ano, pude conhecê-lo melhor durante os encontros semanais no ICPC e, assim, nutrir ainda maior admiração, concluindo que sempre será um mestre de notável conhecimento, de exemplar distinção acadêmica, de excepcional contribuição para o desenvolvimento do conhecimento crítico da criminologia e da dogmática penal, além de ser um inconfundível personagem da Academia, com singular simpatia e simplicidade.

IV

Ao Professor Jacinto Coutinho, exemplo de dedicação incansável, com quem aprendi a importância da ética e da tomada de posição para o exercício do Direito. Ao meu mestre Roberto Brzezinski Neto, que não só me instrui e ilustra diariamente com ensinamentos práticos e teóricos, mas que muito me ensina através de seu exemplo, ao colocar em prática uma advocacia ética e de qualidade ímpar, a quem devo muito e por quem nutro estima paternal. Ainda luto para aprender a me insurgir da forma respeitosa e polida que frequentemente observo em seus apelos. Aos meus colegas de profissão Ricardo Mathias Lamers, que de forma costumeira me aconselha e acompanha durante o acelerado percurso da prática do Direito, Caio Bogus, que costumeiramente me auxilia na exaustiva revisão de meus trabalhos, e Gabriel Carneiro. Aos meus eternos professores do Escritório Professor René Dotti, com quem aprendi muito e nutro perene gratidão, sem sua atenta orientação e dedicação, não escolheria este rumo. Ainda agradeço, especialmente, ao Escritório do Professor René Dotti e ao meu amigo Bruno Malinoski Correa, os quais defendem voluntariamente meus interesses em um caso de especial importância pessoal.

V

RESUMO Pretende-se realizar a problematização a importação da doutrina estadunidense da cegueira deliberada (willful blindness) e a sua equivocada equiparação ao dolo eventual pelos aplicadores do direito, ignorando-se a exigência legal do elemento cognitivo atual do dolo (seja este direto ou eventual), bem como a consequência legal de sua inexistência: a exclusão do dolo da conduta devido ao reconhecimento do erro de tipo, ainda que evitável. Neste sentido, entende-se que a construção jurisprudencial do direito anglo-saxão, tributária do causalismo, equipara o potencial conhecimento dos elementos objetivos do crime ao conhecimento atual, presumindo-se o elemento intelectivo do dolo (knowledge) pelo simples fato de não ser razoável o erro de fato (mistake of fact). Todavia, o conceito é incompatível não só com a sistemática do modelo finalista de ação, adotado pelo Código Penal brasileiro após a Reforma da Parte Geral de 1984, mas com a própria definição legal de dolo, que exige o conhecimento atual dos elementos do tipo objetivo para que reste configurado o dolo, sob pena de erro de tipo. Em verdade, busca-se questionar a possibilidade de equivaler o erro de tipo evitável (nos casos em que o conhecimento e o resultado seriam previsíveis, mas não foram previstos ou foram erroneamente representados pelo autor) ao dolo eventual, através da importação da teoria da cegueira voluntária, e os riscos que a sua aplicação anacrônica pelos tribunais brasileiros impõem aos princípios da legalidade e da culpabilidade através da moralização da teoria do erro (somente seria excluído o dolo se o erro de tipo fosse evitável, mediante uma inversão da ordem de importância).

VI

ABSTRACT

With this assignment, the author intents to criticize the use of the willful blindness construction of the United States Courts and the it’s inaccurate comparison to the civil law category of “dolo eventual”, made by the Brazilian Courts, disregarding the legal requirement of actual knowledge of dolus (direct or eventual), as well as the legal consequences of its absence: the elimination of the actor’s intention after the recognition of the “erro de tipo”, reasonable or not. Therefore, the jurisprudential construction of common law, influenced by the causalism, equals the actor’s potential knowledge to the actor’s actual knowledge of the legal circumstances that involves the crime definition, in other words, it allows the presumption of the knowledge state of mind. However, the willful blindness instruction is incompatible with the finalistic structure of crime, which requires the actual knowledge of the criminal circumstances, otherwise the intention will be excluded with the recognition of the Brazilian mistake (erro de tipo).

VII

“Mas esta cegueira é tão anormal, tão fora do que a ciência conhece, que não poderá durar sempre”. (O Ensaio Sobre a Cegueira, José Saramago).

VIII

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1. ESTRUTURA DOGMÁTICA DO DELITO NO MODELO CAUSALISTA DE AÇÃO .................................................................................................................................. 12 1.1 A bases históricas do sistema clássico de fato punível .................................................. 12 1.2. O sistema clássico de fato punível e o modelo causal de ação ..................................... 18 1.2.1 A teoria psicológica da culpabilidade no sistema clássico ........................................... 23 1.2.2 Vinculação da antijuridicidade objetiva e as consequências do erro de fato e do erro de direito ................................................................................................................................... 24 1.3 O sistema neoclássico de delito e a reestruturação da culpabilidade com a teoria normativo-psicológica .......................................................................................................... 29 1.3.1 Teoria extremada do dolo: consequências do erro de fato e erro de direito ................ 32 1.3.2 Teoria limitada do dolo: ............................................................................................... 34 CAPÍTULO 2. ESTRUTURA DOGMÁTICA DO DELITO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO: ................................................................................................................................. 40 2.1. O sistema finalista e a teoria normativa pura da culpabilidade ...................................... 40 2.2 As consequências da despsicoligização da culpabilidade para o tratamento do equívoco penal – erro de fato e erro de direito X erro de tipo e erro de proibição ............................... 47 CAPÍTULO 3. OS MODELOS DOGMÁTICOS ADOTADOS PELOS SISTEMAS LEGAIS E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O TRATAMENTO DO ERRO – PROBLEMATIZAÇÃO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA ......................................................................... 53 3.1. Sistema legal brasileiro e a reforma do Código Penal de 1984: adoção do sistema finalista de ação, da teoria normativa da culpabilidade e as suas consequências para o tratamento do erro ............................................................................................................... 53 3.2. Sistema legal norte-americano: adoção do sistema causalista de ação, da teoria psicológico-normativa da culpabilidade e da corrente limitada do dolo: mistake of fact e mistake of law ...................................................................................................................... 63 3.2.1 A invenção da doutrina da cegueira deliberada (willful blindness) ............................... 70 3.3 A adoção da doutrina da cegueira deliberada pelo Supremo Tribunal Espanhol e a criticável importação da teoria da ignorância proposital pela jurisprudência brasileira: incompatibilidade lógica ....................................................................................................... 72 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 84 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 91

9

INTRODUÇÃO

A utilização de construções jurisprudenciais norte-americanas para legitimar condenações por fatos supostamente delituosos tornou-se prática ordinária dos tribunais brasileiros, claro e temerário exemplo de analogia in malam partem sob o pretexto da validade transcendental de tais soluções. Assim, o presente trabalho busca problematizar importação da doutrina estadunidense da cegueira deliberada (willful blindness) e a sua equivocada equiparação ao dolo eventual pelos aplicadores do direito, ignorando-se a exigência legal do elemento cognitivo atual do dolo (seja este direto ou eventual), bem como a consequência legal de sua inexistência: a exclusão do dolo da conduta devido ao reconhecimento do erro de tipo, ainda que evitável. Neste contexto, para melhor compreender o atual tratamento do erro no Direito Penal e suas consequências jurídicas, uma breve retrospectiva histórica dos modelos de fato punível constitui importante ferramenta de crítica, na contramão da concepção histórica positivista ainda vigente na dogmática do Direito. O volver instrumental da pesquisa em questão é o rompimento com a clássica abordagem positivista da dogmática jurídica, que confere à história um papel meramente auxiliar para legitimar e glorificar a estrutura vigente (conceito linear e evolucionista da narrativa histórica)1. Desta forma, pretende-se utilizar o passado sem que neste seja projetada a leitura tendenciosa do presente, analisando cada sistema em seu contexto doutrinário próprio, sem cometermos anacronismos. Esta é a importância de ser realizado um estudo diacrônico, com a inscrição temporal de cada sistema enquanto lastro de uma consciência crítica.

1

FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução Teórica à História do Direito. Curitiba: Juruá, 2010, p. 38.

10

Por isso, a categorização do equívoco penal deve ser revista dentro de cada um dos modelos doutrinários operacionalizadores do conceito de crime. A teoria do fato punível, enquanto principal segmento da dogmática penal, busca sistematizar o conceito de delito a partir de uma definição analítica, objetivando “indicar os pressupostos de punibilidade das ações descritas na lei penal como crimes, de funcionar como critério de racionalidade da jurisprudência criminal e, acima de tudo, contribuir para a segurança jurídica do cidadão”2. Assim, conforme leciona Juarez Cirino dos Santos, a dogmática penal trabalha com “o tipo de injusto e a culpabilidade”, enquanto “categorias elementares do fato punível”3. Cada um dos modelos doutrinários da teoria do fato punível sistematizou o erro de forma particular, de acordo com as definições e as disposições lógicas destas categorias elementares. A análise diacrônica de cada uma destas construções dogmáticas, bem como das consequências das diferentes disposições lógicas (ou até mesmo geográficas) do dolo é fundamental para que seja diferenciado o modelo teórico caulista, adotado pela construção jurisprudencial anglo-saxônica para a criação da doutrina da cegueira deliberada (willful blindness), em relação à conceituação finalista de crime, que serviu de base para a reforma do Código Penal de 1984. Somente então será possível fornecer elementos para sopesar a possibilidade de transpor conceitos dogmáticos da teoria estadunidense, e a incompatibilidade lógica de importar as consequências do equívoco penal voluntário, criadas a partir de um conceito de fato punível que prescinde dos limites legais do conteúdo do dolo

2

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 4 ed. Curitiba: ICPC: Conceito Editorial, 2010,p. 72. 3 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 72.

11

(elemento cognitivo e volitivo contemporâneos à ação, cf. dispõem os arts. 18, I e 20, caput, do Código Penal) visto a partir do conceito finalista de ação. O primeiro capítulo tem como objeto principal a análise da formulação do modelo clássico de definição do fato punível, bem como as suas consequências para o tratamento do erro. Assim, serão analisadas a teoria psicológica da culpabilidade, a definição de erro de fato e sua distinção do erro de direito, bem como suas releituras através do sistema neoclássico e a despsicologização da culpabilidade. Enfim, serão estudadas as teorias do dolo e as suas repercussões no tratamento do equívoco penal. No segundo capítulo, o presente trabalho deteve-se exclusivamente à estrutura dogmática do fato punível no modelo finalista de ação, conferindo maior enfoque às consequências de sua adoção para o tratamento do erro, bem como a distinção entre o antigo erro de fato e a adoção da categoria do erro de tipo. O terceiro capítulo busca fornecer elementos básicos para a análise da estruturação das legislações brasileira e norte-americana, de acordo com o modelo dogmático adotado por cada uma delas. Assim, enquanto no Brasil se sustenta a definição de erro de tipo, tributário do finalismo, nos Estados Unidos ainda é aceita a antiga distinção entre erro de fato (mistake of fact) e erro de direito (mistake of law). Em uma subseção própria, será analisada a invenção da teoria da cegueira deliberada (willful blindness) pelo direito anglo-saxão, bem como a sua imprecisa importação pelo Supremo Tribunal Espanhol e pela jurisprudência brasileira.

12

CAPÍTULO

1.

ESTRUTURA

DOGMÁTICA

DO

DELITO

NO

MODELO

CAUSALISTA DE AÇÃO

1.1 A bases históricas do sistema clássico de fato punível

A partir da reforma penal do século XVIII, enquanto junção da teoria penal com a estratégia da estatização do poder punitivo e produto “da pressão sobre as ilegalidades populares [tornando-se] na época da Revolução, depois no Império, finalmente durante o todo século XIX, um imperativo essencial”4, observou-se a construção de uma nova tecnologia punitiva que permitiu a universalização da pena, objetivando o aumento de sua eficácia. Assim nasceu a Escola Clássica, tributária do Iluminismo e da necessidade de controlar e codificar os atos ilícitos, previamente definidos e puníveis com segurança5. A unidade ideológica do movimento político liberal e humanitário que buscou responder à demanda de estipular limites e conferir justificativas ao poder punitivo, tutelando-se a liberdade individual: o sujeito de direitos como “fronteira legítima do poder de punir”6. Conforme leciona Vera Andrade, o movimento clássico do Direito Penal buscou uma “vigorosa racionalização do poder punitivo em nome, precisamente, da necessidade de garantir o indivíduo contra toda intervenção estatal arbitrária. Daí porque a denominação ‘garantismo‘ seja talvez a que melhor espelhe seu projeto

4

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 38ed. Petrópolis: Vozes, 2010, p. 85. 5 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 84. 6 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 72.

13

racionalizador”7. A crise da antiga economia do castigo foi solucionada pela reforma iluminista do século XVIII: “o castigo deve ter a ‘humanidade‘ como ‘medida‘, sem poder dar um sentido definitivo considerado entretanto incontornável”8. A inspiração racionalista e individualista deste novo jusnaturalismo deu ensejo às teorias contratualistas e ao Iluminismo, baseadas na vontade disciplinadora da política e da sociedade civil, legitimada pelo direito natural. Assim, a Escola Clássica buscou os fundamentos metafísicos do Direito Penal, fruto do direito natural evidente, universal e eterno (o jusnaturalista), que pudesse fazer frente ao direito positivo e justificar uma reforma penal legítima, baseada nos direitos naturais e, posteriormente, racionais9. A partir desta premissa, os doutrinadores do Direito Penal Clássico, essencialmente Beccaria e Carrara, buscaram a superação do Direito Penal do Antigo Regime, criando o Direito Penal Moderno, no qual a lei penal é oriunda de um sistema fechado, legitimado pela exatidão matemática e dedução lógica: propõe-se a invenção do sistema dogmático racional. Cesare de Beccaria foi o maior divulgador das ideias dos “reformadores lombardos”, que compunham a Accademia dei Pugni e divulgavam as ideias iluministas, adepto ao racionalismo liberal, ressaltando a necessidade de se limitar o poder soberano, que somente seria legítimo se representasse a soma das vontades individuais dos indivíduos livres o constituíram10: “o conjunto de todas essas

7

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal: em busca da segurança jurídica prometida. 501 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1994, p. 129 – 130. 8 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 72. 9 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit.,p. 130. 10 BECCARIA, Cesare. Dei delliti e delle pene. Milano: Mursia, 1973, p. 07: “Le leggi sono le condizioni, colle quali uimini indipendenti ed isolati si unirono in società, stanchi di vivere inun continuo stato di guerra e di godere una libertà resa inutile dall‘incerteza di conservarla. Essi ne sacrificarono una parte per goderne il restante con sicurezza e trnquilità. La somma di tutte queste porzioni di libertà sacrificate al bene di ciascheduno forma la sovranità di una nazione, ed il sovrano è il legittimo depositario ed amministratore di quelle”.

14

pequenas porções [de liberdade] é o fundamento do direito de punir; todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato, e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo”11. Sua base ideológica é incontestável: “para ele, a origem das penas encontra-se no contrato social e na necessidade de defendê-los dos ataques particulares”12. Se o objetivo da sociedade civil é proteger os indivíduos, a pena só se justifica na medida em que seja útil para conservar a segurança pública13, devendo ser limitada pela lei – não ficando mais ao arbítrio do juiz. Somente o legislador, legitimado pelo poder soberano do povo (ou seja, a soma de suas vontades livres e individuais), que pode fixar as penas de cada delito, cabendo ao magistrado somente aplicar a lei: “nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão”14. Percebe-se a influência de Locke e, principalmente, de Montesquieu no tocante à importância dada ao poder legislativo, o legislador é o homem que não comete crimes15: “o poder legislativo deve indicar os fatos que constituem delito, não somente para limitar o poder soberano para castigar, como igualmente porque isso serve para evitar sua comissão enquanto utilidade”16. Baseando-se na divisão dos poderes e no poder punitivo proveniente do contrato social, Beccaria ressalta a “exigência de legalidade, princípio que veio consubstanciar na fórmula nullun crimen nulla poena sine lege que lhe imprimiu Feuerbach”17.

11

BECCARIA, Cesare. Dei delliti e delle pene...cit., p. 09. Tradução livre: “L‘aggregato di queste minime porzioni possibili forma il diritto di punire; tutto il di piú è abuso e non giustizia, è fatto, ma non già diritto”. 12 ANITUA, Gabriel Ignacio. História dos pensamentos criminológicos. Tradução Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008, p. 161. 13 BECCARIA, Cesare. Dei delliti e delle pene...cit., p. 09. 14 BECCARIA, Cesare. Dei delliti e delle pene...cit., p. 10. 15 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 88. 16 ANITUA, Gabriel Ignacio. História dos pensamentos...cit., , p. 162. 17 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 134.

15

O fundamental na tese de Beccaria é a segurança de todo indivíduo em face do poder punitivo arbitrário do soberano “e sua preocupação central é a instauração de um regime estrito de legalidade (Penal e Processo Penal) que evite toda a incerteza do poder punitivo, ao mesmo tempo em que promova sua humanização e instrumentalização utilitária”18. É necessário calcular a pena não em função do crime, mas principalmente em razão de sua possível repetição “fazer de tal modo que o mal feitor não possa ter vontade de recomeçar, nem possibilidade de ter imitadores. Punir será então uma arte dos efeitos”19. Beccaria formulou o princípio da legalidade para crimes e penas, além de defender a certeza e a igualdade jurídica; a proporcionalidade, utilidade preventiva e humanização da pena foram importantes críticas ao regime punitivo Absolutista20. Com esse saber iluminista e reformista, nasce um projeto de uma nova Justiça Penal, com a promessa moderna de segurança individual. Esses postulados são positivados pelo movimento codificador europeu do século XVIII, originando o Direito Penal liberal. O primeiro Código Penal foi obra de Catarina II, da Rússia, em 1767, seguido de José II, da Áustria, vinte anos mais tarde, com a promulgação de uma Lei geral sobre os castigos dos delitos. Os códigos revolucionários franceses (1791 e 1795) também positivam os postulados Clássicos até que, em 1810 é promulgado o Código Penal Napoleônico. O objetivo da Escola Clássica não era mais combater a Justiça Penal, mas efetivar os princípios básicos já positivados, dando lugar ao posicionamento construtivo e não mais crítico-negativo: “no lugar da crítica à legislação, ao processo e à execução penal do Antigo Regime, o classicismo passa a edificar a construção conceitual

18

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 133. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir...cit., p. 89. 20 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 133. 19

16

sistemática do Direito Penal, do crime, da responsabilidade penal e da pena, que deverão sustentar o novo Direito Penal liberal”21. Em seguida, Carrara passa a construir a definição de crime como “ente jurídico”, decompondo-o analiticamente em dois elementos construtivos (forças físicas e psíquicas), estabelecendo as bases da análise lógico-formal. A ação humana foi estudada a partir da liberdade individual, garantia em face do poder punitivo arbitrário que só se efetivou quando as características voluntárias da ação foram definidas: “além de ser uma violação, o crime é, para o classicismo, uma violação ‘consciente e voluntária‘ da norma penal e, pois, dos seus elementos constitutivos conferem especial relevância à vontade culpável”22, fruto do livrearbítrio de violar a norma. A

concepção

de

crime

manifesta

um

“normativismo

abstrato”:

a

responsabilização penal decorre da violação consciente, livre e voluntária da lei penal, baseando-se na responsabilidade moral e no livre-arbítrio23. No contexto do racionalismo da Escola Clássica, surge o conceito científico de delito, duplamente segmentado entre imputação objetiva (imputatio facti) e subjetiva (imputatio iuris), ou seja, uma definição bipartida do fato punível: “Sendo assim, por intermédio de autores como Feuerbach, Mittermayer, Romagnosi, dentre outros, buscou-se um conceito científico de delito, procedendo-se a diferenciação entre imputação objetiva e imputação subjetiva (imputatio facti e imputatio iuris). Nesse sentido, merece destaque a obra de Francesco Carrara. Na verdade, o pensamento na fase que precedeu ao desenvolvimento moderno da teoria do crime atingiu em Carrara o seu apogeu, tanto assim que ele teria aconselhado seus discípulos a não mais se dedicarem ao Direito Penal, mas, sim, ao Processo Penal. Com efeito, para aquele autor, delito era entendido como a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso. Destacavam-se, na sua teoria, duas orientações: força moral e força física. A primeira (interna) consistente na

21

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 137. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 141. 23 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal...cit., p. 142. 22

17

vontade inteligente do homem, e, a segunda (externa), o movimento do 24 corpo com o qual o agente executa o propósito criminoso” .

Hans Welzel relata que, neste momento inicial, “a dogmática do Direito Penal tentou compreender, primeiro (desde 1884), o conceito do injusto, partindo da distinção: objetivo-subjetivo”25. Por conseguinte, à definição legal de crime, ou seja “ao injusto deviam pertencer, exclusivamente, os caracteres externos objetivos da ação, enquanto que os elementos anímicos subjetivos deviam constituir a culpabilidade”26, analisada pelo juiz. Aliás, desde a primeira metade do século XIX, o Direito Penal buscava diferenciar o injusto e a imputação do fato, quando “antijuridicidade e culpabilidade confundiam-se em um conceito superior de imputação, teoria sustentada por Puffendorf, com a finalidade de distinguir o fato, como obra humana, do puro acaso”27. Todavia, a estrutura bipartida de crime – teoria da imputação, que ainda continua sendo observada em determinados países, como é o caso da França e dos Estados Unidos – sofreu inúmeras modificações doutrinárias na Itália e na Alemanha. Desta forma, surge o conceito de antijuridicidade objetiva, desenvolvido por Rudolf von Ihering em 1867, para o Direito Civil, “demonstrando que cuidava-se de um estado objetivo para o qual, em certos casos, a culpabilidade nada significava, como, por exemplo para o possuidor de boa fé de coisa alheia”28.

24

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 137 – 138. 25 WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Tradução Juan Bustos Ramirez e Sérgio Yánez Pérez. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1970, p. 89. 26 WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán...cit., p. 89. 27 CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 16. 28 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 138.

18

1.2. O sistema clássico de fato punível e o modelo causal de ação

Von Liszt transpôs o conceito de antijuridicidade objetiva para o Direito Penal e, assim, “abandonou-se a velha teoria da imputação, assumindo-se o conceito de delito como ação antijurídica e culpável, conforme a tripartição pioneiramente desenvolvida por Heinrich Luden”29. Karl Binding, por intermédio de sua Teoria das Normas, sedimentou o conceito de antijuridicidade no Direito Penal, conferindo-lhe autonomia própria em relação à definição civilista de Ihering: “na verdade, a ação punível não infringiria a lei penal (que se limita prever a sanção), mas, sim, o mandato e a proibição do ordenamento jurídico (as normas) que, conceitualmente, precedem a lei”, ou seja “toda a teoria do crime deveria ser compreendida autonomamente a partir do conteúdo das normas penais”30. Adolf Merkel, por sua vez, sistematizou uma nova teoria da imputação em 1889, e assim, unificou dolo e culpa em um “conceito superior da determinação volitiva contrária ao dever”31. Então foi inventado o modelo clássico do delito, que “mantinha em partes absolutamente distintas o aspecto objetivo, representado pela tipicidade e pela antijuridicidade, e o aspecto subjetivo, representado pela culpabilidade”32. Welzel relata que Liszt desenvolveu pela primeira vez, claramente, a separação entre culpabilidade e antijuridicidade, de acordo com critérios subjetivos e objetivos33.

29

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 138. 30 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit.,, p. 138. 31 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 138. Ver também: CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito..cit., p. 16. 32 CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito..cit., p. 17. 33 WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán...cit., p. 89.

19

Enfim, Beling acrescentou a tipicidade à definição de fato punível, “o último predicado que se somou na construção da forma quadripatida do conceito de delito”34. O autor sintetizou a sua criação da seguinte forma: “delito é a ação típica, antijurídica, culpável, submetida a uma cominação penal adequada e ajustada às condições de dita penalidade”35. O conceito clássico de fato punível é tributário da filosofia naturalista do século

XIX36,

pensamento

científico

que

rechaçava

qualquer

definição

transcendental. No Direito Penal, o pensamento mecanicista reproduziu a necessidade de “verificação do fato criminoso” no plano prático e sensível, que “demandava a existência de fatos perceptíveis pelos sentidos, tal como um conceito físico ou biológico, consoante o nexo de causalidade física ou natural” 37. Assim, para o modelo clássico de definição do crime, enquanto produto do pensamento jurídico do positivismo científico, afastou-se quaisquer contribuições de valorações filosóficas, psicológicas e sociológicas transcendentais, pretendendo-se “resolver todos os problemas jurídicos nos limites exclusivos do Direito Positivo e de sua interpretação, deu um tratamento exageradamente formal ao comportamento humano que seria definido como delituoso”38. De forma concomitante, surge o modelo causal de ação, construção teórica baseada nestas categorias científicas que “define a ação como produção causal de um resultado no mundo exterior por um comportamento humano voluntário”39. A ação é concebida de forma simplesmente naturalística, estruturando-se “com um

34

CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito...cit., p. 16. JESCHECK, Tratado de Derecho Penal. Trad. Mir Puir e Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1981, p. 272. 36 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 76. 37 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 140. 38 CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito..cit., p. 17. 39 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 82. 35

20

tipo objetivo-descritivo, a antijuridicidade [que] era puramente objetivo-normativa e a culpabilidade, por sua vez, apresentava-se subjetivo descritiva”40. Em outras palavras, o delito seria uma ação típica, antijurídica e culpável. Para o sistema clássico de Liszt e Beling, “considerava-se ação movimento que causava o resultado externo previsto pelo legislador nos tipos delitivos, sendo estes concebidos

descritivamente,

subjetivações”41.

ou

seja,

prescindindo-se

de

valorações

ou

O aspecto objetivo do fato punível, limitado ao tipo, era

completado pelo aspecto subjetivo, representado pela culpabilidade “que consistia na relação psíquica do autor com fato praticado, figurado duas formas de culpabilidade: dolo ou culpa”42. É fundamental a compreensão do sistema clássico e de seu modelo causal de ação, pois o dolo, enquanto nexo psicológico entre o autor e a ação típica, era analisado na culpabilidade. A definição legal de crime limitava-se a tipificar um resultado, e não uma conduta finalística. Assim, o legislador definia qual resultado seria criminalizado, enquanto o aplicador do direito iria definir qual seria a culpabilidade no caso concreto, enquanto nexo subjetivo do autor com o fato. O modelo causal de ação seria estruturado de forma meramente objetiva: “a ação humana, mutilada da vontade consciente do autor, determinaria o resultado como uma forma sem conteúdo, ou um fantasma sem sangue, conforme a expressão de BELING”43. Segundo Juarez Cirino dos Santos, “a voluntariedade da ação indica apenas ausência de coação física absoluta, o resultado de modificação

40

CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito..cit., p. 17. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 140. 42 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 140. 43 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 82. 41

21

no mundo exterior é elemento do conceito de ação – assim, não existe ação sem resultado”44. Juarez Tavares ressalta que o sistema Liszt-Beling, radicado no conceito naturalista, fundamentou a ação enquanto elemento geral e comum a qualquer espécie de crime, papel básico e central na definição do delito. Assim, a ação deveria ser conceituada de acordo com “o que for mais geral e necessário à formulação, tendo em vista seus objetivos” e, consequentemente, “na ação não se investiga o conteúdo da conduta, nem seus possíveis aspectos normativos. A ação é valorativamente neutra, sendo identificada como um movimento corpóreo voluntário, que produz uma modificação no mundo exterior”45. A

vontade

da

ação

é

verificada

apenas

para

descaracterizar

o

constrangimento mecânico ou psicofísico, servindo como impulso que dá partida ao movimento46. A expressão da vontade no mundo exterior, enquanto conceito natural de causa (e efeito), foi compreendida enquanto movimento corpóreo, perceptível na realidade externa do ato, e o resultado seria o produto da vontade e da conduta exterior do autor47.Juarez Cirino dos Santos sintetiza a definição do sistema clássico da seguinte forma: “O modelo clássico de fato punível, conhecido como LISZT/BELING/RADBRUCH, originário da filosofia naturalista do século 19, parece claro e simples: a) a ação é um movimento corporal causador de um resultado no mundo exterior; b) a tipicidade é a descrição objetiva do acontecimento; c) a antijuridicidade é a valoração de um acontecimento contrário às proibições e permissões do ordenamento jurídico; d) a culpabilidade é um conceito psicológico, sob as formas de dolo e imprudência, que concentra todos os elementos subjetivos do fato 48 punível” .

44

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 82. TAVARES, Juarez. Teorias do Delito (variações e tendências). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p. 17. 46 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 18. 47 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 19. 48 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 76. 45

22

Percebe-se que a estrutura da teoria do fato punível ainda observa o dualismo do sistema de imputação anterior. Conforme ilustra Juarez Tavares, “o delito, em seu conjunto, não se consome, todavia, na causalidade objetiva da conduta”, exigindo-se “para sua completa integração, que o agente tenha também se ligado ao resultado, em seu conteúdo, subjetivamente”49. Desta forma, ao fazer da causalidade objetiva e do lime subjetivo partes constitutivas do delito, o modelo clássico dividiu a análise do fato punível em dois estágios legais, “de maneira que a primeira (causalidade) se encontra caracterizada na tipicidade e na antijuridicidade, e a última parte (vínculo psicológico) constitui a base da culpabilidade”50. Este era o esquema tradicional do final do século XVIII já presente na obra de Feurbach (sistema da imputação), mas o sistema causal, ao tomar por base a ação humana, a antiga divisão de seus dois elementos (imputatio facti e imputatio iuris) deu lugar à análise do conteúdo objetivo no tipo de injusto e de seu substrato subjetivo na culpabilidade51. O tipo seria “a descrição objetiva e neutra do desenrolar de uma conduta, prevista na lei penal, e onde representam papel preponderante o movimento do agente (realidade causal) e o resultado”52. A antijuridicidade, seria objetiva, uma simples contradição às normas jurídicas: compara-se o fato típico às normas e, conquanto inexistisse qualquer causa de justificação (critério negativo de determinação), a antijuridicidade estaria afirmada53. Já a culpabilidade não faria parte da definição legal do delito, representando apenas os “componentes

49

TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 20. TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 20. 51 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 20. 52 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 21. 53 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 23. 50

23

psicomentais, referidos ao autor no momento do fato”54, de acordo com a teoria psicológica da culpabilidade. 1.2.1 A teoria psicológica da culpabilidade no sistema clássico Conforme se relatou anteriormente, o sistema clássico e o modelo causal de ação de Liszt e Beling indica duas bases do conceito de fato punível: “o injusto, como dimensão objetiva, e a culpabilidade, como dimensão subjetiva do fato punível”55. Assim, os elementos objetivos do fato seriam inerentes à antijuridicidade típica (tipificação legal de um resultado causal de lesão ao bem jurídico e ausência de causas de justificação), enquanto os elementos subjetivos do fato punível estariam limitados à culpabilidade, “como relação psíquica do autor com o fato, próprio do modelo causal”56. A culpabilidade, por sua vez, seria formada por componentes próprios. Em seu núcleo, estariam o dolo e a culpa e, ao seu lado, “figuram, como pressuposto, a imputabilidade, que deve estar presente no momento da ação ou da omissão” e “a consciência da antijuridicidade”57, parcialmente aceita pela doutrina como elemento autônomo da culpabilidade. Neste sentido, as lições de Juarez Cirino dos Santos: “O conceito psicológico de culpabilidade é formado por dois elementos: a) a capacidade de culpabilidade (ou imputabilidade), como capacidade geral ou abstrata de compreender o valor do fato e de querer conforme a compreensão do valor do fato, excluída ou reduzida em situações de imperfeição (imaturidade) ou de defecção (doença mental) do aparelho psíquico; b) a relação psicológica do autor com o fato, existente como consciência e vontade de realizar o fato ou como causação de um resultado 58 típico por imprudência, imperícia ou negligência” .

Portanto, a culpabilidade seria o nexo psicológico entre o autor e o fato (dolo ou culpa), bem como a sua capacidade de culpabilidade (imputabilidade). Conclui-se 54

TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 25. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 275. 56 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 275. 57 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 25. 58 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 275. 55

24

que “a compreensão da culpabilidade não é retirada, pois, de um conceito unitário, que informe sistematicamente seus elementos”59, análoga ao sistema tradicional da imputação (no qual os elementos subjetivos do crime seriam a imputatio iurisi), ressaltando-se que o cerne de seu conteúdo “é o liame subjetivo que une o autor ao fato típico e antijurídico, através do dolo ou da culpa”60.

1.2.2 Vinculação da antijuridicidade objetiva e as consequências do erro de fato e do erro de direito Em um momento inicial, o sistema causal-naturalista reproduziu o conceito de antijuridicidade objetiva (Ihering), e assim, Liszt entendeu que o dolo compreenderia apenas a consciência e a vontade de praticar uma ação antijurídica, contrária ao ordenamento jurídico como um todo. Assim, o doutrinador adotou a conclusão de que o erro sobre a ilicitude do fato (erro de direito) seria irrelevante, enquanto que o erro de fato excluiria o dolo, já que não haveria a consciência determinante de sua vontade. Seria “o acolhimento do princípio de que o erro de direito não escusa, mas, pelo contrário, error iuris semprer nocet, ou ignotantia iuris non escusat”61. Não havia uma dimensão subjetiva da antijuridicidade62, “negava-se, nessa época, a autonomia e importância à consciência da ilicitude”63. A imposição do conhecimento da lei e a inescusabilidade do erro de direito deve-se à imposição da obrigatoriedade da lei, aliadas às exigências sociais e de política criminal: “Não se pode, entretanto, deixar de reconhecer que foi com as primeiras codificações do Direito Penal que ‘desapareceu a plasticidade das soluções adotadas pelos romanos, canonistas e práticos, em matéria de ignorância da antijuridicidade. A preocupação da lei preponderou sobre o critério da 59

TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 25. TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 25. 61 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. 5ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais: 2001, p. 47. 62 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 141. 63 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 47. 60

25

culpabilidade e, por isso, em antítese aos elásticos princípios anteriores, passou-se a adotar a regra absoluta da inescusabilidade da ignorância do 64 ilícito por erro de direito” .

Isso porque a teoria psicológica do dolo negava que a este pertenceria a consciência da antijuridicidade. Manzini já sustentava que “para a existência do dolo, seria exigida a intenção de ocasionar o evento, mas não a intensão de violar a lei” 65. Seria uma forma de legitimar as legislações penais que reproduziam a preocupação de permitir absolvições por ignorância da lei e, assim, os códigos “expressamente aludem à irrelevância do erro de direito, a regra de que a ignorância da lei não escusa, basta para evidenciar a impossibilidade de incluir no dolo o conhecimento da antijuridicidade”66. Segundo Juarez Tavares, a conclusão da teoria psicológica do dolo de que o erro de direito não escusa “decorre de uma certa confusão que nasce precisamente da separação que se pretende fazer entre, de um lado, o antijurídico objetivo, e de outro, o culpável sujeito”67. Assim, ao admitir que a antijuridicidade seria uma simples comparação entre a conduta e a ausência de justificações, sendo objetivamente determinada, a doutrina chegou à conclusão de que seriam “inadmissíveis erros incidentes sobre a mesma antijuridicidade”68. Este seria um problema para o próprio conteúdo da culpabilidade, pois não inclui a consciência da antijuridicidade (elemento subjetivo desta), apenas a consciência do fato. A autoridade do princípio romano do error iuris nocet e a preocupação de que o infrator poderia ter uma absolvição cômoda foram fatores que impediram que a

64

GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 47. GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 48. 66 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 48. 67 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 24. 68 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 24. 65

26

doutrina

reconhecesse

a

consciência

da

ilicitude

como

componente

da

culpabilidade69. O erro de fato, para a doutrina psicológica da culpabilidade, recairia sobre as características do crime ou sobre a existência de uma situação justificante. Por outro lado, o erro de direito seria aquele que recairia sobre “a obrigação de respeitar a norma por ignorância da antijuridicidade de sua conduta”70. Percebe-se que havia uma confusão entre o conceito de ignorância da lei (lei formal) e o erro de proibição (consciência da ilicitude). Na Alemanha, o Tribunal do Reichgericht (Tribunal do Império Alemão) utilizou a distinção entre erro de fato e erro de direito por 50 anos, “ainda sobre os pressupostos cientificistas que dividiam o mundo em elementos subjetivos e elementos objetivos”71. Assim, por haver disposição expressa do §59.1 do Código Penal Alemão então vigente, “os Tribunais concluíram que – por não haver menção ao conhecimento efetivo das normas jurídicas – o erro de direito penal seria impertinente”72. Segundo Flavio Antônio da Cruz, a fórmula permitia que as Cortes incorressem em soluções inaceitáveis, “porquanto se obrigava a reconhecer como erro irrelevante o desconhecimento do caráter alheio da coisa, no furto, por mais que se cuidasse de um indiscutível fator de redução a reprovabilidade da conduta” 73. Para relativizar a rigorosa impossibilidade de escusar o erro de direito, o Tribunal do Império Alemão passou a diferenciar o erro de fato (como erro sobre os fatos) e erro de direito (como desconhecimento de conceitos jurídicos). Assim, “a) se trata do desconhecimento de preceitos penais, o erro é irrelevante: error iuris nocet;

69

GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 49. GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 49. 71 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro em um Direito Penal de bases democráticas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 124. 72 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 124. 73 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 124 – 125. 70

27

b) se concerne o desconhecimento a normas jurídicas extrapenais (...), então o erro é relevante”74. Flavio Antônio da Cruz ressalta que esta construção jurisprudencial é tributária à “constatação das nefastas consequências jurídico-penais da distinção absoluta entre o empírico e o valorativo”75. Este erro sobre normas jurídicas extrapenais, que seria o erro relevante, foi tratado agora como erro de fato76. É incontroverso que os erros de fato e os erros de direito não são análogos aos atuais erros de tipo e erros de proibição. Isso porque o erro de direito certamente englobaria o erro sobre os elementos normativos do tipo. Como para o sistema clássico do modelo causalista, o “tipo objetivo-descritivo não correspondia a uma série de delitos que exigiam a compreensão de sentidos sociais para a sua caracterização (elementos normativos), quando não de especiais tendências” 77, o erro sobre a existência material de um elemento normativo (se a coisa seria alheia ou não, por exemplo) seria considerado como um erro de direito, enquanto, atualmente, seria tipo como um erro de tipo (erro sobre as circunstâncias fáticas elementares do tipo). O Tribunal do Império Alemão passou a reconhecer a relevância dos erros incidentes sobre normas extrapenais (como seria o caso da natureza alheia da coisa, no furto, fixada a partir de normas de direito civil) e, como consequência, haveria a “exclusão do dolo, com a cominação imprudente caso o tipo respetivo fosse previsto em lei”78.

74

GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 50. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. 76 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. 77 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 141. 78 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. 75

28

Todavia, a solução do Tribunal do Reichgericht não foi fruto de uma mudança da sistemática causalista do delito, tampouco de uma alteração da disposição lógica de suas categorias elementares. Conforme ilustra Jorge Figueiredo Dias, “a questão é muito mais da aferição da censurabilidade do equívoco do autor do que, propriamente, da adoção de uma fórmula a priori”79. Apesar de ser falha em suas premissas, possuía como mérito a relativização da solução de alguns casos a partir dos critérios substanciais que motivavam o Tribunal80. David Felip I Saborit explica que a solução foi muito criticada, já que na prática seria muito difícil diferenciar os erros que incidiam sobre elementos de direito penal e de direito extrapenal, “posto que ambas valorações estão presentes em qualquer elemento do tipo – de forma parecia a impossibilidade de manter elementos normativos e elementos estritamente fáticos”81. Outrossim, a fórmula estava dissociada dos pressupostos básicos da legalidade, inerentes ao Estado de Direito, permitindo que o julgador utilizasse critérios arbitrários para definir o que seria norma de direito penal e norma de direito extrapenal82. De qualquer forma, o Código Penal italiano de 1930 (que serviu de base para o Código Penal brasileiro de 1940) ainda reproduz a orientação de que o erro de direito não escusa o autor do crime.

Como veremos mais adiante, a fórmula

relativizadora do Tribunal do Império Alemão foi adotada pelos tribunais brasileiros para atenuar as consequências do brocado romano.

79

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. Apud DIAS, Jorge Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em derecho penal. 5ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 51. 80 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. 81 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 126. Apud FELIP I SABORIT, David. Error Juris: El conocimiento de la antijuridicidade y el artículo 14 del código penal. Barcelona: Atelier, 2000 , p. 32. 82 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 126.

29

1.3 O sistema neoclássico de delito e a reestruturação da culpabilidade com a teoria normativo-psicológica

Sob a influência da filosofia do neokantismo, nas primeiras décadas do século XX surge a Escola sudocidental ou de Baden83 que, “em lugar da lógica formal de um pensamento jurídico restrito ao ontologismo (categorias do ‘ser’), deveu-se a ideologia de redefinir o conceito de delito segundo os fins superiores que perseguem o Direito Penal (...) bem assim os juízos de valor ou axiológicos que lhes serviriam de base”84. O primeiro passo importante do sistema neoclássico, ainda vinculado à teoria causalista, não foi relacionado à definição da ação (que, assim como na corrente anterior, “continuou a ser percebida como movimento voluntário que dá causa ao resultado no mundo exterior”85), mas sim no âmbito da tipicidade, com a descoberta dos elementos normativos e subjetivos do tipo, ao lado dos elementos descritivos: “Diversamente, uma mudança foi propiciada no âmbito da tipicidade: a concepção descritiva e avalorada do tipo ficou estremecida com a descoberta de elementos normativos que somente poderiam ser compreendidos através do conteúdo cultural que lhes fosse atribuído pelo juiz (ex. documento, coisa alheia, ato obsceno etc.). Da mesma forma, por meio do descobrimento de elementos subjetivos do tipo, tornou-se inviável a ideia de um tipo puramente objetivo determinado apenas por dados do 86 mundo exterior” .

No âmbito da antijuridicidade, deixou-se de utilizar um conceito meramente objetivo de Binging (ausência de causas de justificação), para ser deduzida “das finalidades da disposição penal a compreensão do injusto como danosidade social (antijuridicidade material), além da já mencionada necessidade de sua dimensão 83

JAPIASSÚ, p. 141. 84 JAPIASSÚ, p. 141 – 142. 85 JAPIASSÚ, p. 142. 86 JAPIASSÚ, p. 142.

Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit.,

30

subjetiva”87. Assim, Max Ernest Mayer sustentou que a dimensão subjetiva da culpabilidade não seria o dolo em si, mas a consciência da ilicitude da conduta. Em 1907, Frank redefiniu a culpabilidade como reprovabilidade, abandonando a antiga definição de relação psíquica entre o autor e o fato. O doutrinador “introduziu um componente normativo no conceito de culpabilidade, sob o argumento de que ‘um comportamento proibido só pode ser atribuído à culpabilidade de alguém se é possível reprovar-lhe sua realização”88. Conforme leciona Salo de Carvalho, a antiga teoria psicológica definia a culpabilidade como “categoria meramente descritiva (empírica) do elemento subjetivo do crime, não sendo admissível qualquer espécie de graduação”, sendo um simples “vínculo psicológico (subjetivo) entre a conduta e o resultado, pois o vínculo causal (objetivo) será definido no âmbito do injusto (conduta típica e ilícita)”89. A dogmática penal respeitava a preponderância do positivismo criminológico na determinação da pena, a qual era definida pela periculosidade do autor como medida da sanção corporal, em consonância ao paradigma determinista. Este positivismo etiológico foi incorporado pelo direito penal através da dogmática penal, mais precisamente, pela concepção causal de ação e pela teoria psicológica da culpabilidade. A culpa seria a estrutura psíquica do ilícito, enquanto imputabilidade (capacidade de culpabilidade), dolo e negligência, elementos subjetivos do crime90. Com a teorização de Reinhart Frank, “a culpabilidade deixará de ser um juízo estritamente descritivo para, além disso, transformar-se em um juízo de valor (juízo

87

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 142. 88 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 276. 89 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 162. 90 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 163.

31

de reprovação”91. Por conseguinte, ao publicar a obra Sobre a Estrutura do Conceito de Culpabilidade), Frank deixou de atribuiu à culpabilidade um papel limitado aos elementos subjetivos do crime, conferindo-lhe um caráter normativo, enquanto índice de reprovabilidade da conduta. Uma solução de compromisso que importou em transição gradual para o conceito normativo puro de culpa, surge a teoria psicológico-normativa da culpabilidade, modelo intermediário no qual “o dolo, a culpa e a exigibilidade coabitam”92. Neste processo de despsicologização da culpabilidade, a dogmática passou a compreender os elementos do delito interligados à pena, projetando nesta a culpabilidade e formando um elo entre a teoria do delito e a teoria da pena, passo relevante para a superação do determinismo positivista da periculosidade93. A culpabilidade sofreu relevantes alterações com a concepção normativapsicológica de Frank, “no sentido de agregar ao dolo ou a culpa (vínculo psicológico) a noção de reprovabilidade pela formação da vontade contrária ao dever: um comportamento proibido é imputável à culpabilidade de alguém quando pode ser-lhe reprovado por haver optado por ele”94: “O modelo neoclássico de fato punível é o produto da desintegração do modelo clássico de fato punível e de sua reorganização sistemática conforme novas concepções: a) a ação deixa de ser naturalista para assumir significado valorativo, refefinida como comportamento humano voluntário; b) a tipicidade perde a natureza descritiva e livre de valor para admitir elementos normativos (documento, motivo torpe, etc.) e subjetivos (a intenção de apropriação, no furto, por exemplo); c) a antijuridicidade troca o significado formal de infração da norma jurídica pelo significado material de danosidade social, admitindo graduação do injusto conforme a gravidade do interesse lesionado; d) a culpabilidade psicológica incorpora o significado normativo, com reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever: se o comportamento proibido pode ser reprovado, então pode ser 95 atribuído à culpabilidade do autor” .

91

CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 164. CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 164. 93 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 165. 94 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 142. 95 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 77. 92

32

1.3.1 Teoria extremada do dolo: consequências do erro de fato e erro de direito

Com o reconhecimento da existência da consciência da ilicitude, enquanto componente da culpabilidade, surge a teoria extremada do dolo, a qual “concebia o dolo na culpabilidade e a consciência da antijuridicidade no próprio dolo”96. Daí porque a doutrina nomeou este conceito de dolo como “dolo normativo ou dolus malus - isto é, representação e vontade da conduta e ciência de que a mesma é proibida”97. Como o dolo seria sempre atual ao fato, e como foi equiparado a este o conhecimento da antijuridicidade, passou-se a exigir que esta também fosse atual. Assim, o antigo brocado romano que impedia a escusa por erro de direito foi relativizado: “dessa forma, caso o agente soubesse o que estava realizando, mas ignorasse, no momento da ação, a injuridicidade do seu atuar, a consequência era que todo o dolo era excluído. Excluído o dolo, excluída também restava a culpabilidade (teoria causalista da ação)”98. Segundo Francisco de Assis Toledo, o erro jurídico-penal, seja de fato, seja de direito, “tem a virtude de excluir o dolo, permitindo, todavia, a punição por fato culposo”99. Isso porque o dolo e a culpa não seriam mais espécies da culpabilidade, ao contrário do que levava a crer a teoria psicológica: “dentro da teoria normativa, ganham novo tratamento. Eles são mantidos na culpabilidade, mas já agora como

96

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 254. 97 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 254. 98 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 255. 99 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 282.

33

formas, graus, requisitos ou elementos, não como ‘as’ espécies de culpabilidade, ao lado da exigibilidade de conduta conforme ao Direito”100. A diferença de tratamento, enquanto graus de culpabilidade, é tributária à nova concepção de culpabilidade a partir de Frank, enquanto juízo de reprovabilidade101. Justamente por abrigar requisitos psicológicos e normativos que a doutrina é intitulada como teoria psicológico-normativa da culpabilidade, que acolheu o dolus malus. Luiz Flávio Gomes define o dolus malus como “dolo mais a consciência da antijuridicidade (ilicitude)” pois, conforme relata Mezger, aquele que “não sabe que procede injustamente, não comete nunca um delito doloso”102. Assim, durante a realização da conduta, exige-se que o autor “além de representar a realidade fática (requisito intelectual do dolo) e de desejar realizar a conduta (requisito volitivo do dolo), tenha consciência real e inequívoca (ainda que num juízo leigo) de que sua conduta contraria o ordenamento jurídico (é a consciência real da ilicitude”)103. Neste contexto, restou-se insustentável o rigoroso princípio romano do error iuris semper nocet, passando-se a admitir a escusabilidade do erro de direito104. Estas teorias do dolo normativo conferiram “tratamento unitário ao erro, seja porque são enormes as dificuldades para explicar a distinção entre o erro de fato e o erro de direito, seja porque, agora, passa-se a empresar relevância ao erro de direito”105. Juarez Cirino dos Santos sustenta idêntica sistematização da corrente: “a teoria do dolo considera o conhecimento do injusto elemento dolo, constituído pela consciência e vontade do fato e do desvalor do fato, configura o chamado dolus

100

GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 63 – 64. CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 164. 102 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 64. Apud MEZGER, Edmund. Derecho Penal – parte general – Libro de estudio. Tradução Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Bibliográfica, 1955, p. 247. 103 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 65. 104 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 65. 105 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit.. p. 69. 101

34

malus, que fundamenta a definição do crime doloso como ‘rebeldia contra o direito’”106. Assim, “o erro sobre o fato ou o desvalor do fato exclui o dolo – não existe a relação dicotômica (a) erro de fato/ erro de direito e (b) erro de tipo/erro de proibição”107. Todavia, a teoria extremada do dolo deu ensejo a severas críticas dogmáticas, principalmente no caso de erro de fato (e de direito) evitável: “onde não há previsão legal do crime culposo, surgem ‘sérias lacunas de punibilidade’. Consoante Wessels, essa teoria ‘beneficia a posição indiferente ao direito, pois atribuir, também, ao erro grosseiro e simplesmente indesculpável de valoração, efeito excludente do dolo”108. As lacunas da teoria do extremada do dolo, segundo Welzel, “induziram seus defensores a ampliá-la de dois modos: a) mediante a criação de um tipo axiliar da culpa jurídica (Schrñder) e b) negando a relevância da cegueira jurídica (ou inimizade ao Direito), tese desta defendida e fundamentada acaloradamente por Mezger”109, propostas que constavam no Projeto do Ministro da Justiça da Alemanha Gürtner, de 1936.

1.3.2 Teoria limitada do dolo:

Com o objetivo de superar as dificuldades da doutrina anterior, desenvolveuse a teoria limitada do dolo. Segundo Jupiassú, esta corrente ainda segue a disposição do dolo na culpabilidade, composto pela representação e vontade do fato, aliado à consciência da ilicitude. Todavia, através do conceito psicológiconormativo de culpabilidade e com o sistema neokantiano de definição do delito, 106

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 297. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 297. 108 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 70. 109 Apud GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., 70. 107

35

“substitui-se o conhecimento atual da antijuridicidade, anteriormente mencionado, pelo conhecimento potencial: o agente sabe ou poderia saber que aquilo que realiza é contrário ao Direito”110. Assim, “caso o agente não soubesse, mas demonstrasse desprezo ou indiferença para com as leis, continuaria a responder pela culpabilidade dolosa”111. Ao substituir o conhecimento atual da ilicitude pelo conhecimento potencial, a teoria limitada também passou a exigir a consciência da ilicitude material e não puramente formal112. Estas limitações, principalmente de Mezger, permitiram “a equiparação ao dolo, quanto aos seus efeitos jurídicos, quando o autor atuava sem consciência da ilicitude em virtude da ‘cegueira do Direito’ ou ‘inimizade ou hostilidade ao direito’”113. O Projeto Gürtner expressamente previa que “o erro do autor é irrelevante se obedece a uma atitude incompatível com a concepção popular sana do Direito ou do injusto”114. O Projeto Gürtner (Ministro da Justiça da Alemanha) de 1936 previa uma cláusula de superação do caráter excepcional do tipo culposo, segundo a qual “as hipóteses de imprudência do Direito, em caso de não estar tipificada a correspondente modalidade imprudente do delito em questão, seriam castigadas com penas de até dois anos de prisão, desde que as mesmas nunca fossem mais graves que as previstas para a comissão dolosa”115. Ou seja, caso houvesse um erro e este fosse evitável, poderia ser excluído o dolo e ser aplicada a pena de um delito imprudente sem previsão legal. 110

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 255. 111 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 255. 112 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 283. 113 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 71. 114 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 71. 115 FELIP I SABORIT, David. Error Juris...cit., p. 36. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit.,. 136.

36

Flavio Antônio da Cruz ressalta que esta proposta, caso tivesse sido aceita, “atingiria a segurança jurídica da vida em comum, na exata medida em que as relações sociais impõem, constantemente, a assunção de riscos que poderão – ainda que lastimados pelo autor –redundar em resultados lesivos”116. Contudo, a solução da teoria trouxe graves consequências à dogmática penal, principalmente devido ao ambiente social no qual foi desenvolvida (a Alemanha da década de 30), e assim, “os seguidores da teoria limitada do dolo conceberam uma culpabilidade do autor ou culpabilidade pela condução de vida, perseguindo-se uma legião de marginalizados que não se alinhavam às normas do chamado sentimento do Estado totalitário”, ou seja, “ao tentar corrigir o dolus malus, criara-se a criticável figura do dolus suppositu”117. A teoria estrita do dolo legitimou a tendência dos Tribunais Alemães “a aplicação da parêmia ‘versari in re ilicita’, segundo a qual o agente se tornava responsável pelas consequências de seus atos ilícitos, mesmo aqueles resultados fortuitos e incontroláveis”118. Isso porque, se o sujeito agia em desconformidade com o Direito, ele deixou de informa-se a respeito de suas proibições, ou seja, “o indivíduo deveria assumir todos os resultados lesivos produzidos, mesmo quando fossem por ele indesejados”119. Ora, é incontroverso que tal solução tendia-se para “uma evidente responsabilidade penal objetiva”, pois “se ele não sabia que fazia algo indevido, a rigor, o problema estava em um imemorável comportamento censurável: o

116

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit.,p. 136. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 255. 118 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 134. 119 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 134. 117

37

descumprimento do dever de conhecer as regras jurídicas que lhe eram aplicáveis”120. A proposta do Projeto Gürtner foi arquivada, mas permitiu à doutrina flexibilizar o conceito de dolo. Esta é a posição de Edmund Mezger (“cuja filiação ao socialismo foi objeto de recente livro de Muñoz Conde”121), a exigência da consciência das circunstâncias do fato e de suas ilicitude ser atual à prática do crime foi “substituída pela categoria da hostilidade ao direito”122. Segundo Flavio Antônio da Cruz, Mezger “estava preocupado, a rigor, com a falta de consciência do ilícito, no momento do fato, causada justamente pela habitualidade do crime” 123. Mezger sustentava que exigir a atualidade da consciência da ilicitude durante a prática delitiva, como requisito para que fosse reconhecido o dolo, “seria o mesmo que garantir a total impunidade daqueles que colocaram a si mesmos em situação de ignorância da Lei”124. Assim, se o sujeito optou por não conhecer as circunstâncias valorativas do fato (elementos normativos que, à época, se desconhecidos, seria considerado o erro de direito e não erro de tipo) seria uma causa de impunidade, “sobretudo quando se cuidasse – no dizer de Edmund Mezger – de pessoas embrutecidas, torpes, totalmente avessas ao cumprimento das regras de convívio social”125. Daí porque, na teoria limitada do dolo, a exigência de um conhecimento atual, no momento da prática do delito, sobre a ilicitude ou a danosidade social da conduta

120

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 134. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 136 – 137. 122 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 137. 123 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 137. 124 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 137. 125 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 137. 121

38

“foi substituída pela exigência de um conhecimento meramente potencial, dado que – em muitos casos – presumia-se a indiferença ao Direito”126. A cegueira jurídica seria um instrumento de reprovar a “falta de sentimentos no autor”127, teoria de forte inspiração Nazista, vez que, à época de Mezger, “é provável que os oficiais da Gestapo ingressassem este grupo – e todos os outros que, por estarem marginalizados, poderiam se ver rotulados como inimigos” 128. Conforme

ilustra

Japiassú,

reproduzindo o

pensamento

de Bernard

Schünemann, a partir de 1930, o neokantismo causalista seria tão frágil que legitimou a perspectiva totalizadora da Escola de Kiel, que sustentaram a definição de crime baseada em “uma perspectiva intuitiva, baseada na noção de infração do dever, restringindo as possibilidades de causas de justificação e de exculpação [incluindo o erro de fato e de direito], introduzindo na teoria do tipo de autor (Direito Penal do autor)”129, manipulado pelo arbítrio protagonizado pela Gestapo. Nos casos de cegueira jurídica e de inimizade ao direito, os doutrinadores alegavam que dificilmente o sujeito teria agido com a consciência atual da antijuridicidade, não cometido, em tese, um crime doloso. Todavia, para contornar este empecilho, a teoria da cegueira jurídica entendia que ele deveria ser “julgado como autor de um delito doloso porque estamos na presença da um conceito que supõe a comparação com o sano sentimento popular”130. Percebe-se que os conceitos de cegueira jurídica e hostilidade ao direito são avessos aos princípios da legalidade e da culpabilidade, uma forma de driblar a ausência de previsão legal de crimes imprudentes (que permitiram a punição do erro 126

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 138. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 138. 128 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 138. 129 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 143. 130 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit.,p.138. Apud BARREALES, María A. Trapero. El error em las causas de justificación. Valencia: Tirant lo blach, 2004, p. 133. 127

39

de fato vencível). Como bem pontou Flavio Antônio da Cruz, “não obstante isso, muitas das categorias manejadas por Edmund Mezger ainda sobrevivem na dogmática contemporânea”131. Aliás, através deste esquema, buscou-se facilitar a responsabilização dos sujeitos que estariam errando sobre a valoração de um conceito jurídico (à época, tido como erro de direito, ainda que extrapenal) “naquelas hipóteses em que o tipo legal veicula elementos normativos”132. Em verdade, as teorias do dolo não permitiam soluções coerentes: se, por um lado, o sistema neoclássico sustentava o conceito voluntarista de culpabilidade (vontade de agir contra a lei), por outro, concebia o dolo como um elemento do juízo de culpabilidade, tornando o modelo certamente confuso. Isto é, o sistema não conseguia explicar os delitos imprudentes, pois se não havia intensão de praticar um resultado lesivo, como explicar que haveria vontade de agir contra o ordenamento jurídico133? Daí porque os doutrinadores alegam que a teoria limitada do dolo “buscou aproximar a imprudência consciente ao dolo”134, pois a alta probabilidade de causar um resultado lesivo (previsão do resultado), na culpa consciente, é concomitante com a leviana confiança de que aquele poderá ser evitado. Já no dolo eventual, o autor aceita o risco de produzir o resultado. Mesmo assim, a doutrina da cegueira jurídica convertia a culpa consciente em dolo eventual quando houvesse essa percepção da alta probabilidade consumação do resultado lesivo, ignorando completamente o elemento volitivo135.

131

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 139. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 139. 133 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 141. 134 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 141. 135 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 141. 132

40

CAPÍTULO 2. ESTRUTURA DOGMÁTICA DO DELITO NO MODELO FINALISTA DE AÇÃO 2.1. O sistema finalista e a teoria normativa pura da culpabilidade

As inúmeras objeções à teoria psicológico-normativa da culpabilidade, aliadas à discricionariedade que vulnerabilizava o tratamento do erro, deram ensejo à reformulação do modelo neoclássico e ainda causalista do delito. Desta forma, Hans Welzel propõe uma revolução na teoria do delito por intermédio do finalismo136. Conforme ilustra Juarez Cirino dos Santos, “o modelo final da ação, desenvolvido por WELZEL, com contribuições de MAURACH, ARMIN KAUFMANN, STRATENWERTH, HIRSCH e outros, surge como crítica ao modelo causal e define ação como realização de atividade final”137, ou seja, “o saber causal, adquirido pela experiência e preservado como ciência, permite prever as consequências possíveis da ação, propor diferentes fins e dirigir a atividade para realização do fim”138. Juarez Tavares, por sua vez, ressalta que a mudança na conceituação da ação repercutiu em toda a estrutura da teoria do delito, já que esta constitui um elemento básico de fundamentação e ligação do sistema. Assim, “ao contrário do conceito causal, que a vê como mero impulso, ou lhe concede importância somente pela sua condição de causa do resultado, aqui ela adquire feições mais definidas, dando-se ênfase à sua natureza ontológica integral”139. Toda atividade humana comporta os elementos objetivos (desdobramento material e externo da conduta) e subjetivos (aspecto intelectivo-material interno) já há muito conceituados. A crítica do finalismo, porém, concentra-se na diferenciação 136

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 142. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 85. 138 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 85. 139 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 57. 137

41

entre a atividade humana e animal: assim como os seres humanos, os animais também possuem instintos internos e externos. Todavia, “para que essa atividade possa vir a ser uma atividade humana, é imperioso relacionar-se com os próprios objetivos que a vida social propõe a seus membros”140, daí porque se diz, “desde Aristóteles, que tudo se dirige a um determinado fim, ou como Welzel, que a ação é compreendida como o ‘exercício da atividade finalista’”141. O que difere o agir humano/racional do agir animal/instintivo é que aquele é necessariamente dirigido por um fim previamente determinado no plano do autor. Neste sentido, confira-se a tradução do conceito de Welzel feito por Juarez Cirino dos Santos: “Ação humana é exercício de atividade final. Ação é, por isso, acontecimento final, não meramente causal. A finalidade ou o sentido final da ação se baseia no poder humano de prever, em determinados limites, por fora de seu saber causal, os possíveis efeitos de sua atividade, proporse diferentes fins e dirigir, planificadamente, sua atividade para a realização destes fins. (...)Porque a finalidade se baseia na capacidade da vontade de prever, em determinados limites, as consequências da intervenção causal, e, através desta, dirigi-la de modo planificado para a realização do fim, a vontade consciente do fim, que dirige o acontecer causal, é a espinha dorsal 142 da ação final” .

Parte-se da premissa de que o fato humano, ao contrário do fato natural, é uma ação dirigida pela vontade consciente do fim. Ou seja, “a vontade é energia produtora da ação, enquanto a consciência do fim é a sua direção inteligente: a finalidade dirige a causalidade para configurar o futuro conforme o plano do autor”143. Daí porque a célebre comparação de Welzel pode sintetizar a divergência doutrinária entre o finalismo e o causalismo: “a finalidade é, por isso – figurativamente falando – vidente, a causalidade, cega”144.

140

TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., 58. TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 58. 142 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 85. 143 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 86. 144 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 86. 141

42

A ação típica compreende, portanto, a proposição do fim, produto da vontade consciente (no tipo subjetivo, poder configurar o dolo direto de primeiro grau), e a “seleção dos meios de ação para realizar o fim”, de acordo com a natureza da finalidade pré-proposta (no tipo subjetivo, integraria o dolo direto de segundo grau)145. Todavia, ao colocar em prática o plano de ação e utilizar os meios escolhidos, a conduta pode provocar outros efeitos diversos da finalidade proposta pela vontade, quando então “surge o problema da relação desses efeitos colaterais ou secundários com a ação: objetivamente, em relação à natureza dos meios, os efeitos colaterais podem ser necessários ou possíveis; subjetivamente, em relação à vontade consciente do autor, os efeitos colaterais”146 podem ser incluídos na vontade consciente (dando ensejo ao dolo eventual), incluídos na consciência mas não na vontade do autor (culpa consciente) ou, ainda, excluídos tanto da consciência quanto da vontade do autor (culpa insconsciente). Juarez Cirino dos Santos ressalta que a representação dos efeitos colaterais de adotar os meios selecionados pelo autor, somados à atitude individual (vontade), permite a distinção de diversas formas de condutas típicas: “3) a representação dos efeitos colaterais necessários ou possíveis ligados causalmente aos meios selecionados: o autor pode dirigir a ação para incluir ou excluir esses efeitos colaterais, conforme as seguintes alternativas: a) os efeitos colaterais representados como necessários integram a vontade consciente do autor, ainda que lastimados ou indesejados: se o autor representa como necessários e realiza a ação, integram sua vontade consciente e, portanto, a ação (no tipo subjetivo constituem o dolo direto de segundo grau); b) os efeitos colaterais representados como possíveis integram a consciência do autor, mas dependem da atitude pessoal deste para integrarem a vontade: b1) se o autor consente na produção os efeitos colaterais representados como possíveis (conforma-se ou concorda com eles), então esses eventuais efeitos colaterais integram também a vontade do autor e, por extensão, a ação como acontecimento final (no tipo subjetivo, constituem dolo eventual); b2) se o autor não consente na produção desses efeitos colaterais representados como possíveis (não se 145 146

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 86. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 86 – 87.

43

conforma ou não concorda com eles) – ao contrário, confia em sua não ocorrência, ou espera, honestamente, poder evitá-los pelo modo concreto de execução da ação –, então esses efeitos não integram a vontade do autor, nem a ação como fenômeno estruturado pela finalidade (podem ser atribuídos ao autor como imprudência consciente, se existir o tipo respectivo). Efeitos colaterais necessários ou possíveis não representados pelo sujeito não integram nenhuma vontade consciente do autor e, assim, estão excluídos da ação como realização do propósito (podem ser atribuídos ao autor como imprudência 147 inconsciente, se existir o tipo respectivo)” .

Em suma, “a teoria final da ação permite compreender as ações dolosas como execução de ações proibidas, as ações imprudentes como execução defeituosa de ação permitida e a omissão de ação como inexecução de ação mandada, dolosa ou imprudente”148. O conceito finalista de ação de Welzel permitiu a reformulação da teoria do delito. Assim, no novo sistema, “a finalidade da ação típica foi equiparada ao dolo, deduzindo-se, assim, que o dolo, juntamente com outros elementos subjetivos do injusto, bem como a culpa devem pertencer ao tipo”149. Segundo Francisco Muñoz Conde, ao deslocar sistematicamente o dolo da culpabilidade para o tipo de injusto, o modelo de Welzel permitiu que a culpabilidade fosse puramente normativa, apenas um juízo de reprovação: “a contribuição mais marcante do finalismo, aliás, que já havia sido iniciada pelo neokantismo, foi a retirada de todos os elementos subjetivos que integravam a culpabilidade, nascendo, assim, uma concepção puramente normativa”150. A nova disposição geográfica do dolo, parte integrante do tipo de injusto, ao contrário de sua tradicional localização, trouxe a finalidade para a tipicidade. A culpabilidade seria formada apenas por “aquelas circunstâncias que condicionam a

147

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 87. Destacamos. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 89. 149 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 114. 150 CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito...cit., p. 21. 148

44

reprovabilidade da conduta contrária ao Direito”, enquanto que “o objeto da reprovação situa-se no injusto”151. Como bem ressalta Munõz Conde, “essa nova estrutura sustentada pelo finalismo trouxe inúmeras consequências, dentre as quais pode-se destacar: a distinção entre tipos dolosos e culposos, dolo e culpa não mais como elementos ou forma da culpabilidade, mas como integrantes da ação e do injusto pessoal, além da criação de uma culpabilidade puramente normativa”152. Na teoria do tipo, com o modelo finalista de ação, completou-se a subjetivação do conceito de tipicidade, assim, “a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do fato é retirada da culpabilidade para integrar a dimensão subjetiva do tipo legal, como dolo de tipo”153, caracterizando a sua consequente segmentação em tipo objetivo e tipo subjetivo. Em relação à antijuridicidade, Welzel desenvolveu a teoria pessoal de injusto, ou seja, o injusto seria a soma do tipo e da antijuridicidade, desde que verificada concretamente em relação a um autor determinado, de acordo com os seus motivos e deveres que lhe eram impostos. Assim, “transporta-se, dessa forma, o conteúdo do ilícito penal da lesão objetiva a bens jurídicos para o desvalor pessoal da ação, corolário de um substrato de dever jurídico, imposto aos membros da sociedade pelas normas jurídicas”154. Isso é essencial, pois a tipificação do desvalor de ação e não do desvalor de resultado impõe ao legislador o dever de criminalizar condutas, diferenciadas nas formas culposas e dolosas desde a própria tipificação, e não seus resultados. No causalismo, os crimes eram tipificados porque havia uma lesão ao bem jurídico 151

CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito...cit., p. 21. CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito...cit., p. 21. 153 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 102. 154 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 71. 152

45

(desvalor de resultado), deixando para o aplicador do direito a análise da culpabilidade, ou seja, do nexo subjetivo entre o autor e o fato. Com a adoção do finalismo, o legislador passou a tipificar a conduta (desvalor de ação), necessariamente diferenciando sua natureza de acordo com a finalidade do autor ao causar o resultado, ou seja: criminaliza a ação dolosa e a ação culposa. Na culpabilidade, o finalismo permitiu a adoção do conceito normativo puro da culpabilidade. Juarez Cirino dos Santos ressalta que “a teoria finalista e o conceito pessoal de injusto de WELZEL revolucionariam, simultaneamente, a teoria do tipo e a teoria da culpabilidade, mediante a deslocação do dolo (consciência e vontade do fato) e da imprudência (lesão do dever de cuidado objetivo exigido), da categoria da culpabilidade para a categoria do tipo de injusto (subjetivo)”155. Como consequência, a exclusão de elementos psicológicos da culpabilidade, reduzida a elementos normativos, juízos de reprovação e exculpação, inaugura o conceito normativo puro, segundo o qual a culpabilidade é estruturada da seguinte forma: “a) capacidade de culpabilidade; b) conhecimento real ou possível do injusto; c) exigibilidade de comportamento conforme a norma”156. A culpabilidade passou a ser o índice da reprovação, explicando porque o sujeito é culpável e porque a sua conduta seria reprovável157. Salo de Carvalho sustenta que a “viragem normativista” da culpabilidade, iniciada desde Frank (com a definição subjetiva da antijuridicidade, e não mais puramente objetiva, cf. Liszt havia proposto ao transpor a categoria de Ihering do direito civil) “representa exatamente esse processo gradual de exclusão dos elementos psicológicos, com a transferência do dolo e da culpa para o injusto

155

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 277. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 277.. 157 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 278. 156

46

(tipicidade), e a sua transfiguração em índice de reprovabilidade a partir da fórmula de exigibilidade de conduta”158. Na teoria da pena, a despsicologização da culpabilidade permitiu que a sanção corporal fosse quantificada de acordo com o índice da culpabilidade. O debate entre o psicologismo (da teoria causal da ação) e do normativismo (da teoria finalista) “foi centrado na disposição geográfica do dolo e da negligência”159. Com a homogeneização do normativismo, a partir do modelo final da ação, possibilitou à culpabilidade, de forma definitiva, a exclusão de qualquer base psicológica ou empírica, tornando-se um “puro juízo de valor, decorrente de enfoques categoriais e realizado sobre o poder de agir de outro modo”160, ou seja um juízo de valor sobre a reprovação. O processo de superação da culpabilidade, enquanto a antiga relação psíquica entre o sujeito e o fato, foi possível a partir do momento em que adotou-se o finalismo e a viragem normativista da categoria161. No plano prático, a mudança da disposição sistemática do dolo para a tipicidade permitiu a distinção de crimes dolosos e culposos. Assim, o legislador deixou de prever tipos vazios, que criminalizavam o resultado causal de lesão ao bem jurídico (desvalor de resultado) e passou a criminalizar condutas finalísticas (desvalor de ação), como bem ressalta Francisco de Assis Toledo162. A literatura penal costuma enumerar as principais consequências da despsicologização da culpabilidade através do finalismo, quais sejam: a) a consciência da antijuridicidade foi separada do dolo, passando a ser o componente

158

CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit.,p. 164. CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 165. 160 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 166. 161 CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 167. 162 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 154 – 155. 159

47

central da culpabilidade (ao lado da imputabilidade e da exigibilidade de conduta diversa)163; b) a descoberta dos elementos normativos do tipo legal, que integrariam o tipo de injusto, permitiu a distinção do tratamento do erro em relação ao esquema tradicional (que previa a exclusão da culpabilidade); c) trouxe, ainda, consequências para o concurso de pessoas, visto que o partícipe (seja na forma de instigação ou de auxílio material) somente seria aceito se o fato principal fosse doloso, eis que “a ausência de dolo determina, desde logo, a exclusão do tipo do fato principal”164. 2.2 As consequências da despsicoligização da culpabilidade para o tratamento do equívoco penal – erro de fato e erro de direito X erro de tipo e erro de proibição

Através da reestruturação da tipicidade realizada pelo finalismo, a consciência do injusto não mais foi tratada como integrante do dolo (que, por sua vez, deixou de compor a culpabilidade), mas sim como “requisito autônomo da culpabilidade”165. Da mesma forma, a despsicologização da culpabilidade permitiu a exclusão de todos os elementos psicológicos da categoria, tornando-se um juízo normativo, valorativo da reprovabilidade do fato punível. Com a transposição do dolo para o tipo de injusto, o tratamento do equívoco penal sofreu relevantes modificações.

Assim, o erro sobre os elementos

constitutivos, que excluiria o dolo, passou a ser designado como erro de tipo, enquanto o erro sobre a consciência da antijuridicidade foi intitulado como erro de proibição, afetando apenas a culpabilidade166. Esta alteração da disposição

163

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 144. 164 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 144. 165 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 98. 166 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 98.

48

sistemática do dolo na estrutura analítica do fato punível importou em consequências jurídicas diversas para as duas formas de erro. Conforme leciona Francisco de Assis Toledo, o erro de tipo “vicia o elemento intelectual do dolo – a previsão – impedindo que o dolo abranja corretamente os elementos essenciais do tipo”167. Segundo Juarez Cirino dos Santos, o erro de tipo representa “defeito na formação intelectual do dolo, que tem por objeto os elementos objetivos, presentes e futuros, do tipo legal: a ação, o objeto da ação, o resultado, a relação de causalidade, etc”168. Desta forma, “conhecer as circunstâncias de fato formadoras do tipo objetivo significa representar a possibilidade de realização concreta do tipo legal; logo, o erro sobre as circunstâncias de fato do tipo objetivo exclui a representação concreta dessa possibilidade”, daí porque configuraria “erro de tipo, como defeito de conhecimento das circunstâncias do fato do tipo objetivo”169. Caso o erro de tipo seja evitável, ou seja, se a possibilidade de realização concreta do tipo legal fosse previsível, permite-se “a punição por fato culposo, se prevista em lei, já que o erro de tipo (exemplo: alguém mata um ser humano supondo ser um animal de caça) quase sempre deriva de uma falta de cuidado, de uma falta de atenção, por parte do agente”170. A configuração da imprudência é possível, pois “estando o dolo no tipo, não mais na culpabilidade, a exclusão do dolo deixa intacta a culpabilidade, não afetando, portando, um possível aperfeiçoamento da culpabilidade por crime culposo”171. Se o resultado for imprevisível, não pode ser atribuído ao autor, já que a previsibilidade é uma característica indefectível dos delitos imprudentes172.

167

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 284. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 143. 169 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 143. 170 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 284. 171 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 284. 172 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 178. 168

49

Por outro lado, o erro de proibição possui como objeto a consciência do injusto do fato e não a consciência do fato em si (que configuraria o erro de tipo). Assim, o conhecimento sobre o injusto do fato “tem por objeto a natureza proibida ou permitida da ação típica: o autor sabe o que faz, mas pensa, erroneamente, que é permitido, ou por crença positiva na permissão do fato”173. Esta distinção entre conhecimento do fato e conhecimento do injusto do fato que determinou “a distinção entre erro de tipo, que exclui o dolo, e erro de proibição, que exclui ou reduz a reprovação”, corresponde a “uma necessidade lógica da estrutura dos conceitos de dolo e culpabilidade”174. Percebe-se que a antiga dicotomia de erro de fato e erro de direito, ainda presente no modelo causalista de ação, foi superada pelo finalismo, não só devido às consequências jurídicas do erro, mas principalmente por causa do próprio conteúdo do dolo e do conhecimento do injusto. Daí a importância de ressaltar que “o erro de tipo não possui o mesmo significado que erro de fato. Erro de fato é o erro do agente que recai puramente sobre a situação fática; já o erro de tipo recai não só sobre os requisitos ou elementos fático-descritivos do tipo (que para serem conhecidos não necessitam de nenhum valor – por exemplo filho [...]), como também sobre requisitos jurídico normativos do tipo”175, os quais necessitam de um juízo de valoração para serem identificados (ex.: a coisa alheia no furto, o documento público da falsidade material). Isso porque o finalismo alterou também o conteúdo do tipo objetivo e, por conseguinte, o conteúdo do elemento cognitivo do dolo sobre o qual poderia incidir o erro de tipo. Com a descoberta de elementos normativos do tipo legal, ou seja,

173

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 297. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 297. 175 GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 118. 174

50

elementos a antijuridicidade que integram a tipicidade, concluiu-se que o tipo objetivo não era apenas formado por elementos descritivos neutros, mas também por categorias que estavam condicionadas a um determinado nível da valoração subjetiva: “A descoberta de elementos normativos no tipo legal por MAYER (por exemplo, o caráter alheio da coisa, no furto) descaracteriza a neutralidade do tipo livre de valor de BELING. Os elementos normativos do tipo legal são elementos da antijuridicidade, que integram tipicidade porque devem construir objeto do dolo e podem ser objeto do erro de tipo (em conjunto com os elementos descritivos). Os elementos normativos do tipo legal são numerosos, conforme WOLF: mesmo supostamente puros conceitos descritivos, como homem ou coisa, são também conceitos normativos porque exigem uma valoração jurídica orientada para a antijuridicidade (por exemplo, a extensão do conceito de coisa em relação aos animais e à energia), assim como o juízo sobre a existência (já ou ainda) de um ser humano, como objetos de proteção do Direito Penal, não podem ser reduzidos a elementos meramente descritivos. O tipo legal é uma complexa estrutura de elementos pertencentes a categorias neokantianas do ser e do valor, conforme demonstrou MEZGER: ‘O ato de criação legislativa do tipo (....) contém imediatamente a declaração da antijuridicidade, a fundamentação do tipo do injusto como injusto especialmente tipificado. O legislador cria, através da formação do tipo, a antijuridicidade específica: a tipicidade da ação não é, de modo algum, a mera ratio cognoscendi, mas a própria ratio essendi da (especial) antijuridicidade. A tipicidade transforma a ação em ação antijurídica, sem dúvida não por si só, mas em vinculação com a ausência de fundamentos 176 especiais excludentes do injusto’” .

Enquanto no modelo clássico e neoclássico de fato punível (sistema causalista) o elemento cognitivo do dolo (conhecimento do fato) abrangeria apenas os elementos descritivos do tipo legal, no modelo finalista, o elemento intelectivo do dolo “deve abranger todos os elementos constitutivos do tipo (descritivos e normativos, portanto)”177. Assim, o erro de tipo pode ocorrer nos casos de falsa representação ou ausência de representação das circunstâncias de fato do tipo objetivo, possuindo como objeto “elemento descritivo ou elemento normativo do tipo objetivo”178.

176

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 103. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 144. 178 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 144. 177

51

A compreensão da diferença entre erro de tipo e erro de fato é fundamental, pois nem todas as hipóteses de erro de tipo (envolvendo elementos descritivos e normativos do tipo) configurariam erro de fato, já que este recairia apenas sobre os elementos fáticos descritivos do tipo. Justamente por isso que Luiz Flávio Gomes adverte: “o erro de tipo, destarte, recai às vezes sobre um dado jurídico-normativo do tipo (o agente que, por erro, subtrai coisa alheia supondo que fosse sua, que é idêntica, está em erro de tipo), que para a antiga doutrina (que estava presa à velha dicotomia romana erro de fato – erro de direito), não é um erro de fato, sim, de direito”179. Neste mesmo sentido, ilustra Juarez Tavares: “Desde a estrutura do tipo, já se diferencia, no finalismo, nitidamente, entre erro de tipo e erro de proibição. Erro de tipo é aquele que afeta o dolo do tipo, por não haver, ou haver falsamente representado o agente qualquer elemento configurador do tipo legal; erro de proibição é o que se refere à antijuridicidade da conduta: o agente não tem possibilidade de representar, ou de representar corretamente, a proibição ou determinação jurídica. O erro de tipo é tratado no próprio tipo; o erro de proibição é assunto pertinente à culpabilidade. A dicotomia erro de tipo-erro de proibição vem substituir a dicotomia tradicional (clássica) erro de fato"erro de direito. Na verdade, não há erro de fato no sentido próprio do termo; e, no erro de direito, a deficiência não se relaciona ao direito, mas sim ao conteúdo da norma jurídica proibitiva ou permissiva. Além disso, no erro de fato, mencionado no Código Penal (art. 17), compreende-se também um erro sobre a proibição (caso de descriminantes putativas), o que será, evidentemente, erro sobre o direito e não quanto ao fato. Finalmente, cabe recordar que todo erro jurídicopenalmente relevante é, na realidade, erro de direito e não erro de fato, pois seu objeto não é propriamente o fato concreto, mas um conceito jurídico ou 180 a representação valorada do fato” .

Em relação ao erro de proibição, a matéria é extremamente controvertida, sendo discutida pelas teorias da culpabilidade181, subdivididas em teoria extremada (ou estrita) da culpabilidade e a teoria limitada da culpabilidade182. Contudo, todas

179

GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 118. TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit, p. 81 – 82. 181 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit, p. 82. 182 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 255 – 256; GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 97 – 110; CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p.145 – 159; SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 298 – 300. 180

52

tratam o erro de tipo da mesma forma, sendo secundária a relevância de suas singularidades para o objeto da presente pesquisa. Em síntese, para as teorias do dolo, inerentes ao sistema causalista (ainda que no modelo neoclássico), o erro projeta suas consequências na culpabilidade sempre, enquanto que para as teorias da culpabilidade, o erro poderá produzir seus efeitos na tipicidade (erro de tipo) ou na culpabilidade (erro de proibição)183. As teorias do dolo definiam situações de erro sobre a consciência dos elementos normativos do tipo como erro de direito, enquanto as teorias da culpabilidade as tratam como erro de tipo, sendo de fundamental importância a compreensão da distinção entre erro de fato e erro de direito (sistema causalista) X erro de tipo e erro de proibição (sistema finalista). A diferença da dupla segmentação do erro torna-se ainda mais relevante se compararmos o tratamento que a teoria limitada do dolo conferia ao erro vencível (já que o conhecimento atual da ilicitude e do fato foi substituído pelo conhecimento meramente potencial), concluindo-se que determinadas hipóteses de erro de tipo vencível (como o erro de representação sobre os elementos normativos do tipo) não excluíam a culpabilidade, sendo equivalentes à conduta dolosa. Com a adoção do finalismo, a incompatibilidade lógica do tratamento do equívoco penal pela teoria limitada do dolo é incontroverso, não só pelas consequências jurídicas do erro de tipo (exclusão do dolo ou da própria tipicidade), mas também pela modificação dos critérios de sua identificação, alagando as possibilidades de seu reconhecimento.

183

GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 111 – 113.

53

CAPÍTULO 3. OS MODELOS DOGMÁTICOS ADOTADOS PELOS SISTEMAS LEGAIS E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O TRATAMENTO DO ERRO – PROBLEMATIZAÇÃO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA

3.1. Sistema legal brasileiro e a reforma do Código Penal de 1984: adoção do sistema finalista de ação, da teoria normativa da culpabilidade e as suas consequências para o tratamento do erro

A redação original do Código Penal de 1940 diferenciava as hipóteses de erro de fato, excludente do dolo, e erro de direito, sem relevância penal. Assim, “em conformidade com o modelo causal de crime”184, generalizava o erro de direito segundo o critério tradicional do brocado erro juris nocet. Logo percebeu-se a necessidade de atenuar a rigidez do critério, adotando-se a mesma solução do Tribunal do Reichgericht para realizar “outra distinção no âmbito do erro de direito, entre erro de direito penal, igualmente irrelevante, e o erro de direito extrapenal (por exemplo, coisa alheia, no furto), com efeito excludente do dolo”185. Da mesma forma, o erro de direito penal certamente englobaria situações que atualmente seriam consideradas como erro de tipo, como seria o caso do erro sobre a existência material de um elemento normativo do tipo, por exemplo. A escusabilidade do erro de direito extrapenal não foi fruto da adoção do modelo neoclássico de crime (já que a antijuridicidade era considerada apenas em sua esfera objetiva, cf. o modelo clássico tradicional), tampouco de uma alteração da disposição lógica de suas categorias elementares. Novamente, “a questão é muito mais da aferição da censurabilidade do equívoco do autor do que, propriamente, da 184 185

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 296. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 296.

54

adoção de uma fórmula a priori”186. Apesar de ser falha em suas premissas, possuía como mérito a relativização da solução tradicional. Juarez Cirino dos Santos enumera os problemas do sistema: “a) dificuldades de diferenciação entre erro de direito penal e erro de direito extrapenal porque o conceito de coisa alheia, por exemplo, é igualmente de direito penal e extrapenal; b) a relevância do erro de direito (penal ou extrapenal) dependeria de um fator acidental: a posição do conhecimento respectivo dentro ou fora do Direito Penal” e, finalmente, “c) a tensão entre o caráter irrelevante do direito penal inevitável e o princípio da culpabilidade”187. Conforme se relatou nas seções anteriores, após Frank, a doutrina deixou de negar a importância do conhecimento da antijuridicidade, conferindo-lhe também uma esfera subjetiva. Destaca-se a distinção entre as teorias do dolo (causalistas) e as teorias da culpabilidade (finalistas), que debatiam “a posição sistemática do conhecimento do injusto (ou da consciência da antijuridicidade) como integrante do conceito de dolo ou como elemento do conhecimento de culpabilidade”188. Assim, as teorias do dolo, tributárias da concepção psicológica da culpabilidade, consideravam a consciência da antijuridicidade como integrante do dolo, o qual, por sua vez, fazia parte da culpabilidade. Como consequência, a teoria extremada do dolo definia-o como consciência e vontade de praticar o fato e o injusto (dolus malus). Daí porque o erro de fato e o erro de direito passaram a ser tratados de forma unitária: ambos excluiriam o dolo. Já a teoria limitada do dolo previa a separação entre o dolo e a consciência da antijuridicidade, mas ambos seriam elementos da culpabilidade. 186

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 125. Apud DIAS, Jorge Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude...cit., p. 51. 187 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 296. 188 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 296.

55

A Comissão Revisora do Projeto Hungria adotava a teoria extremada do dolo, enquanto solução para o excessivo rigor da teoria tradicional que negava a relevância do erro de direito. Como bem ressalta Juarez Tavares, “a solução do problema do erro a partir do dolo traz, por seu lado, como consequência, a confusão entre erro de proibição e erro de tipo, que, por questão de coerência, deveriam, então, ser tratados conjuntamente”189. Todavia, essa unificação dos erros “não vingou na redação do Código Penal de 1969, que preferiu estender ao erro de direito (erro sobre a norma), em suma, apenas a faculdade de uma diminuição da pena (agora no âmbito da culpabilidade”190, adotando-se a teoria limitada do dolo. Conforme se debateu anteriormente, a dogmática penal superou as dificuldades do tratamento do erro no sistema causalista através das teorias da culpabilidade do finalismo, posteriores à viragem normativista e à consequente despsicologização da culpabilidade durante a década de 30191. Estas consideravam a consciência da antijuridicidade como elemento independente da culpabilidade e separada do dolo natural localizado na tipicidade192. Todavia, a primeira obra doutrinária finalista no Brasil somente foi publicada em 1970, “exatamente para mais de vinte e cinco anos após o seu surgimento na Alemanha. Aqui, trata-se do primeiro volume do excelente Curso de Direito Criminal (Parte Especial) de João Mestieri”193, no qual o notável docente “introduz a divisão finalista entre tipo objetivo e tipo subjetivo, em substituição às antigas posturas causais, ou melhor, casuísticas, referentes à materialidade e ao elemento subjetivo do delito”194. João Mestieri ressaltou em sua obra que “considerava ser um passo

189

TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 34. TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 34. 191 CONDE, p. 20. 192 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 296 – 298. 193 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 106 – 107. 194 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 107. 190

56

decisivo ‘incluir o dolo no tipo’ (...), ‘sendo esta inclusão, segundo seus princípios, uma consequência necessária’”195. Heleno Fragoso também adotou o sistema finalista de Welzel, aplicando-o em suas lições sobre a parte geral do Código Penal de 1940. Segundo Juarez Tavares, a obra foi precursora das novas ideias, “principalmente em sua visão de parte geral, que constitui, sem dúvida, o primeiro estudo completo da teoria do delito, subordinado ao finalismo, a aparecer no Braisl”196. Ressalta-se, também, a importância do autor para o tratamento do erro no Direito Penal ao adotar a teoria normativa pura da culpabilidade197. Após a “conversão de Fragoso ao posicionamento de Welxel, abre-se nova perspectiva para o finalismo no Brasil, que aqui vem fixar-se de modo definitivo, não dominante, mas com razoável desenvolvimento e influência”198. Diversos autores passaram a adotar o modelo finalista, quais sejam: Damásio E. de Jesus, Francisco de Assis Toledo, Heitor Costa Jr., Juarez Cirino dos Santos, Luiz Luizi, Miguel Reale Jr., Nilo Batista, René Ariel Dotti e Heitor Piedade Júnior199. Em 1980, o Ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel instituiu comissões de doutrinadores para formular três anteprojetos de reforma do sistema penal Brasileiro: “a) uma nova Parte Geral do Código Penal; b) uma lei específica de execução penal; c) um novo Código de Processo Penal”200. Para compor a comissão de juristas responsáveis pela redação do anteprojeto de reforma da Parte Geral, “foram nomeados Francisco de Assis Toledo (presidente e coordenador), Francisco de

195

TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 107 – Apud MESTIERI, João. Curso de Direito Criminal: Parte Especial. Rio de Janeiro, Vol. I, p. 18. 196 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 108. 197 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 108. 198 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 108 – 109. 199 TAVARES, Juarez. Teorias do Delito...cit., p. 109 – 111. 200 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. 3ed. São Paulo: Editora RT, 2010, p. 292.

57

Assis Serrano Neves, Ricardo Antunes Andreucci, Miguel Reale Júnior, Hélio Fonseca, Rogério Lauria Tucci e René Ariel Dotti”201. Percebe-se que grande parte dos doutrinadores responsáveis pela reforma da Parte Geral já havia adotado o modelo finalista de ação da dogmática alemã. Assim, com a Reforma de 1984, “a localização do dolo é efetivamente no interior do fato típico e não como elemento da culpabilidade, segundo antigo e superado entendimento. Nesse sentido valem como exemplos as disposições do erro sobre elementos do tipo e do erro sobre a ilicitude do fato (CP, arts. 20 e 21)”202, devido à “teoria finalista acolhida pela Reforma de 1984”203. Idêntica conclusão é ilustrada por Japiassú, sustentando que o Francisco de Assis Toledo ter estado à frente da Reforma de 1984, foi adotado o modelo finalista e as teorias da culpabilidade para o tratamento do equívoco penal204. Em sua obra, Francisco de Assis Toledo explica, de forma clara, que a redação original do Código Penal de 1940 atribuía ao julgador analisar o dolo e a culpa ao aplicar a pena. Todavia, ao optar pelo finalismo e pela transposição do dolo da culpabilidade para a tipicidade, o legislador permitiu a criação de crimes dolosos e culposos, tipificando a conduta e não somente o resultado causal:

“Em um sistema como o nosso, marcado por tipos dolosos e por tipos culposos, o que distingue os primeiros dos segundos é a presença do dolo nos tipos dolosos e da negligência, imprudência ou imperícia nos tipos culposos, já que são esses os únicos elementos internos ao tipo que lhe dão essa fisionomia. Os que ainda teimam em situar o dolo e a culpa stricto sensu na culpabilidade não podem, por dever de coerência, falar em tipos dolosos e em tipos culposos, mas apenas em ‘tipos’, que não seriam tipos legais de crime, mas tipos vazios, a um só tempo abrangentes de condutas dolosas e culposas, as quais só poderiam distinguir-se em momento posterior ao do juízo de tipicidade, isto é, quando do exame da 201

DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal...cit., p. 292. DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal...cit., p. 393. 203 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal...cit., p. 394. 204 JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 258. 202

58

culpabilidade. Isso significa, de um ponto de vista processual, que o reconhecimento da inexistência de um crime culposo, por ausência de previsão legal, só poderia ser proclamado pelo juiz na sentença de mérito que absolvesse o réu. A realidade, entretanto, é bem outra, visto que, como se sabe, nenhum juiz brasileiro ultrapassaria, corretamente, a fase de recebimento da denúncia que, por exemplo, descrevesse um inequívoco furto culposo não previsto em lei (alguém que por comprovado equívoco, mas por negligência, apanhasse um objeto alheio e o levasse pra casa). E, a nosso ver, assim deve ser, porque, diante dos expressos termos do art. 17 do Código Penal, salvo os casos expresso em lei (=salvo previsão legal de um tipo culposo), todos os tipos legais de um crime são dolosos (=contêm o dolo). Inexistindo previsão legal para o furto culposo, faltaria, no exemplo dado, uma condição da ação – a possibilidade jurídica do pedido – hipótese em que, no dizer de Tornaghi, ‘o Direito brasileiro expressamente manda que o juiz rejeite a queixa ou a denúncia (CPP, art. 43, I e II). Não fora assim, ter-se-ia que admitir o monstro de uma ação penal por fato culposo, não previsto em lei como crime, para, após cumprido extenso e penoso ritual, só então absolver-se o réu por ausência de culpabilidade... 205 Sem mais comentários” .

Esta mudança, tributária ao finalismo e à teoria normativa pura da culpabilidade, permitiu que a legislação penal tipificasse condutas finalísticas, dolosas ou imprudentes, separando o tipo subjetivo da culpabilidade (reitera-se, antes analisado na sentença como intensidade do dolo ou culpa), definida pelo conceito normativo (imputabilidade, potencial conhecimento sobre a ilicitude e exigibilidade de conduta diversa)206. Sobre o tema, Salo de Carvalho ilustra o seguinte: “Na redação original da parte geral do Código Penal (Decreto-Lei n. 2.848/40), inspirada pela teoria causal da ação, o art. 42, caput, que tratava da determinação da pena-base, referia, juntamente com as demais circunstâncias judiciais, a intensidade do dolo e o grau de culpa. Conforme trabalho anteriormente na delimitação dos elementos subjetivos da teoria psicológica, o dolo e a culpa consistiam em formas da culpabilidade, que eram compostas ainda, pela imputabilidade. Com a teoria psicológiconormativa é integrado o elemento exigibilidade da conduta. No entanto, com o advento da teoria finalista da ação, ocorre a normativização plena da culpabilidade (teoria normativa pura), sendo extirpados os elementos dolo e culpa, transferidos para a tipicidade (elementos subjetivos do tipo). Nota-se, portanto, que a redação originária do art. 42, caput, do Código Penal, obedece à estrutura meotodológica vigente à época: teoria causal da ação, teoria psicológico-normativa da culpabilidade. Todavia, a Reforma de 1984 estabelece um giro paradigmático na teoria do delito nacional, incorporando na nova parte geral os pressupostos do finalismo. Não por outra razão, o novo art. 59, caput, substitui os termos 205 206

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 154 - 155 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p.277.

59

intensidade do dolo e grau de culpa pela categoria da culpabilidade. Aliás, esta opção fica bastante clara na exposição de motivos da Lei n. 7.209/84 (nova parte geral): “as diretrizes para a fixação da pena estão relacionadas no art. 59, segundo o critério da legislação em vigor, tecnicamente aprimorado e necessariamente adaptado ao novo elenco de penas. Preferiu o projeto a expressão ‘culpabilidade’ em lugar da ‘intensidade do dolo ou grau de culpa’, visto que graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena”. A exclusão dos elementos dolo e culpa, com a substituição pelo termo culpabilidade, decorre exatamente da nova orientação teórica que passa a viger na legislação penal brasileira. E, desde a perspectiva finalista, os elementos do conceito normativo são exatamente a imputabilidade, a (potencial) consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta 207 diversa” .

Por conseguinte, após a reforma, o Código Penal adotou a reestruturação dos conceitos de dolo e culpabilidade empreendida pelo finalismo. Como ressalta Francisco de Assis Toledo, o dolo seria “a vontade intencionalmente dirigada mais previsão do resultado, isto é, o dolo-do-fato, é transferido da culpabilidade para o injusto, passando, pois, consequentemente, a fazer parte do tipo legal”208. Através da alteração da disposição lógica do dolo na estrutura do fato punível, importantes consequências advieram da reforma para o tratamento do erro: a) com o abandono sistema causalista, não faz mais sentido utilizar a terminologia erro de fato e erro de direito; b) o erro de tipo passou a corresponder ao “erro [que] vicia o elemento intelectual do dolo – a previsão – impedindo que o dolo abranja corretamente os elementos essenciais do tipo”209, sempre excluindo o dolo e permitindo a subdivisão em: b.1) erro de tipo inevitável, que seria aquele imprevisível, excluindo a própria tipicidade (já que a ausência de previsibilidade impediria a configuração da imprudência)210 e b.2) erro de tipo evitável, o qual “permite a punição por fato culposo, se prevista em lei, já que o erro de tipo [...] quase sempre deriva de uma falta de cuidado, de uma falta de atenção, por parte do

207

CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança...cit., p. 353 – 554. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 284. 209 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 284. 210 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 178. 208

60

agente”211; c) o erro de proibição, que anula a consciência da ilicitude disposta na culpabilidade e, se evitável, exclui a culpabilidade, enquanto que, se inevitável, permite a redução da sanção corporal. A possibilidade de exclusão do dolo e de punição do fato por imprudência nos casos de erro de tipo evitável deve-se à nova localização do dolo na tipicidade com o finalismo, como ressalta Francisco de Assis Toledo212. Portanto, é possível sustentar que o sistema legal brasileiro, após a reforma de 1984, adotou o modelo finalista de ação, o conceito normativo de culpabilidade e definiu, por previsão expressa, o conteúdo do dolo: a) elemento intelectual (art. 20, caput, do CP), consistente no “conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo, como representação ou percepção real da ação típica; não basta um conhecimento potencial ou capaz de ser atualizado”213; b) elemento volitivo (art. 18, I, do CP), que corresponde à “vontade informada pelo conhecimento atual de realizar o tipo objetivo de um crime”214. Como bem define Juarez Cirino dos Santos, “esse elemento intelectual do dolo pode ser deduzido da regra sobre o erro de tipo: se o erro sobre os elementos objetivos do tipo legal exclui o dolo, então o conhecimento das circunstâncias objetivas do tipo legal integra o dolo”215, incluindo no conhecimento atual destas circunstâncias “os elementos presentes (a vítima, a coisa, o documento etc.) e futuros (o curso causal e o resultado) do tipo objetivo”216, assim como os elementos descritivos e normativos do tipo.

211

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 284. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos...cit., p. 284. 213 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 126 214 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 127. 215 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 126. 216 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 126. 212

61

A legislação brasileira define duas espécies de dolo: o dolo direto e o dolo eventual (art. 18, I, do CP). O dolo direto de 1º grau possui como conteúdo “o fim proposto pelo autor, também definido como pretensão dirigida ao fim ou ao resultado típico ou pretensão de realizar a ação ou o resultado típico”217. O dolo direto de 2º grau “compreende os meios de ação escolhidos para realizar o fim e, de modo especial, os efeitos secundários representados como certos ou necessários (...) independentemente de serem esses efeitos ou resultados desejados ou indesejados pelo autor”218. Enfim, o dolo eventual “caracteriza-se, no nível intelectual, por levar a sério a possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional, por conformar-se com a produção desse resultado”219. Ainda seria possível definir, no plano da tipicidade subjetiva, as hipóteses de imprudência consciente e inconsciente. A primeira “caracteriza-se, no nível intelectual, pela representação da possível produção do resultado típico e, no nível da atitude emocional, por confiar na ausência ou evitação desse resultado, pela habilidade, atenção ou cuidado na realização concreta da ação”220. Já a imprudência inconsciente seria definida pela “ausência de representação da lesão do dever de cuidado ou do risco permitido – o autor não representa a possibilidade de realização do tipo”221. Giza-se que a indiferença sobre a produção do resultado lesivo ao bem jurídico nem sempre pode ser considerada como dolo eventual, já que “a ausência de representação do resultado, própria da imprudência inconsciente, pode indicar o mais elevado grau de indiferença em relação ao bem jurídico”222.

217

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 130. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 131. 219 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 133. 220 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 133. 221 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 179. 222 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 136. 218

62

Enfim, com a adoção do sistema finalista, o código expôs o dolo “à relação de exclusão lógica entre conhecimento e erro: se o dolo exige conhecimento das circunstâncias de fato do tipo legal, então o erro sobre as circunstâncias de fato do tipo legal exclui o dolo”223. O erro de tipo significa “defeito de conhecimento do tipo legal e, assim, exclui o dolo, porque uma representação ausente ou incompleta não pode informar o dolo”224. Este conhecimento deve ser sempre atual ao fato, nunca potencial, por força da previsão legal expressa de definição do dolo (arts. 20, caput e 18, I, do CP), não havendo o que se falar em dolo anterior ou posterior à realização da ação típica, apenas em imprudência225. Se o erro de tipo for inevitável, exclui-se a própria tipicidade, não podendo restar configurado nem o dolo ou a imprudência226. Todavia, se o erro sobre as circunstâncias típicas (descritivas ou normativas) for evitável, permite a punição por crime culposo, desde que haja previsão deste (art. 20, caput, segunda parte, do CP). Como leciona René Ariel Dotti, “a atipicidade como consequência do erro de tipo decorre logicamente do modelo finalístico adotado por nosso CP: se o dolo abarca a intenção de praticar os elemento objetivos do tipo penal, quem os deconhece não tem dolo. Portanto, sua conduta sofre de atipia por ausência do elemento subjetivo”227. Afinal, “Welzel lembra que, se o erro de tipo exclui o dolo, ‘el autor puede ser castigado por hecho culposo, cuando éste esta sancionado com pena’ (Decrecho penal alemán, p. 196)”228.

223

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 142. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 142. 225 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 142. 226 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p. 142. 227 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal...cit., p. 392. 228 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal...cit., p. 393. 224

63

3.2. Sistema legal norte-americano: adoção do sistema causalista de ação, da teoria psicológico-normativa da culpabilidade e da corrente limitada do dolo: mistake of fact e mistake of law

Como bem ressaltou Julian Hermida em um texto de singular claridade sobre a comparação entre os sistemas criminais do civil law (como são os modelos brasileiro e alemão) e common law, tal qual o americano, “ao contrário do civil law, no common law não existe uma teoria geral do delito”, pois os aplicadores do direito e os doutrinadores “não estão preocupados com a elaboração de uma teoria que seja capaz de explicar a existência, ou a inexistência, de crimes e seus componentes de uma forma geral e detalhada”, inobstante os crimes possuírem uma base comum de elementos e de estruturas doutrinárias, assim, os “elementos básicos do crime nas jurisdições do common law são actus reus

e mens rea,

juntamente com a ausência de justificações e defesas” 229. Daí a importância de serem analisadas as categorias do direito penal estadunidense dentro de sua disposição e função sistemática no modelo de imputação. Julian Hermida explica que existem dois modelos de pensamento predominantes nos países que adotaram o common law: o utilitarismo e o retributivismo. Apesar de serem escolas direcionadas para a teoria da pena, “suas

229

HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law And Common Law In The Criminal Theory Realm. In 13 University of Miame International and Compartive Law Review, 2006, p. 192 - 193. Tradução livre, no original: “Unlike civil law, in common law there is no general theory of the offense; In common law jurisdictions, courts and scholars are not concerned with the elaboration of a theory that is capable of explaining the existence, or nonexistence, of crimes and their components in a general and comprehensive way basic common elements and common doctrinal structures, which permit their description and analysis from a general perspective The basic common elements of a crime in common law jurisdictions are actus reus and mens rea, together with the absence of justifications and defenses”.

64

principais ideias afetam a maior parte das áreas do direito penal e da política criminal e já moldaram muitos aspectos substantivos da teoria do delito”230. O utilitarismo no direito penal é tributário da Escola Clássica italiana, essencialmente representada por Cesare Beccaria, sendo notório que suas ideias influenciaram diretamente o cenário do Direito Penal na Europa Iluminista. Na Inglaterra, Jeremy Bentham adotou as ideias da Escola Clássica, bem como o conceito de crime como ação voluntária e contrária à lei (voluntária no sentido de ausência de coação). Assim, “a prevenção torna-se o propósito central da pena, a qual é concebida como ferramenta e não como um fim em si. Para ajudar a prevenir o crime, a pena e sua cominação devem ser eficazes, severas e certas” 231. Já a Escola Retributivista coloca em prática a ideia de que a pena é justificada na medida em que é merecida. Tributária do pensamento de Kant e Hegel, a retribuição é legitimada pelo dever moral da sociedade em restaurar o equilíbrio da justiça quando este é afetado pelo crime através da pena. Daí porque a pena só possui a razão de ser retributiva se a ação típica for voluntária. Ambas as Escolas influenciaram muito a construção jurisprudencial do common law, especialmente a norte-americana. Consequentemente, “o direito penal não aderiu uniformemente a uma destas teorias, mas ao contrário, ‘algumas de suas regras são fundamentalmente retributiva por natureza, enquanto outras são utilitaristas”232.

230

HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 193 – 194. Tradução livre, no original: “However, two opposing schools of thought dominate criminal law policy in common law countries: utilitarianism and retributivism. While these schools are primarily concerned with theories of punishment, their main ideas affect most areas of criminal law and criminal justice policy and have shaped many substantive aspects of the theory of offense”. 231 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 194. Tradução livre, no original: “For utilitarians, criminals have control over their behavior, they choose to commit crimes and they can be deterred by the threat of punishment. Thus, deterrence becomes the central purpose for punishment, which is conceived as a tool and not na end in itself. To help prevent crime, punishment, and adjudication, should be swift, severe and certain”. 232 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 196.

65

A categoria elementar actus reus surge juntamente com a teoria da ação dos países do civil law, demonstrando a sua natureza causalista. Aliás, a definição não poderia ser outra: “actus reus é definido como ‘o ato físico especificado no crime” e “é composto por ‘um ato voluntário que causa um mal social’, causalidade é o nexo entre o ato e o mal social. O ato constitui o elemento físico da ação típica. Deve ser voluntário, o que exclui reflexos e convulsões, assim como atos realizados durante o estando de inconsciência. Normalmente, o requisito do actus reus é identificado quando um agente atua voluntariamente”233. O conceito de ação não foi influenciado pelos debates entre as Escolas. O requisito do nexo de causalidade sustenta que para que haja responsabilidade penal, o fato deve causar um mal social, identificado pela exclusão hipotética da causalidade (“the ‘but for’ test”234), ou ainda quando for um fator substancial para a causação do resultado. Assim, a primeira hipótese estaria configurada quando “um resultado particular não teria ocorrido se não pelo ato”235, enquanto o teste do fator substancial estaria satisfeito “quando existem duas ou mais causas, cada uma das quais seria suficiente para causar o resultado lesivo, operando juntas para causá-lo”236. Outrossim, não estaria configurado o actus reus em condutas omissivas, exceto nos casos em que a lei exige um dever de agir, assim como no direito continental (posição de garantidor)237. Já a categoria elementar mens rea (“mente culpada”) exige que o estado mental do autor coincida com o estado mental exigido pela lei em um crime específico. Assim, a doutrina sustenta que “a notação de mens rea expressa o 233

HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 197. HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 199. 235 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 199. 236 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 200. 237 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 200. 234

66

princípio de que não é a conduta em si mas a conduta acompanhada por um específico estado mental que seria relevante para o direito”238. Seria algo análogo ao dolus malus do modelo das teorias do dolo no causalismo: “uma pessoa age com ‘mens rea’ no sentido comum do termo se ela cometeu o actus reus [tipo objetivo] de um crime com uma mente perversa, mente maléfica, ou ‘moralmente condenável’ ou com um ‘culpável’ estado mental”239. Segundo Julian Hermida, tanto os utilitaristas como os retributivista aceitam o elemento mens rea, embora por razões diferentes: a) o utilitarismo compreende o requisito mens rea para fins de prevenção, já que um possível autor de um crime pode ser dissuadido de cometer um fato típico sem que tenha a ciência de que sua conduta será dirigida à punição. Quanto

“‘mais

alto

o

estado

mental

[como

intencionalmente

e

conscientemente] refletem a maior probabilidade de que o acusado vá causar uma lesividade social”240. A quantidade e a certeza de aplicação da pena deve aumentar “na medida de se deter o criminoso, ‘e outros com similar estado de mente culpável”, sendo possível inferir o “motivo pelo qual matadores conscientes e intencionais são punidos como assassinos, enquanto aqueles que são inconsequentes [reckless] são punidos por homicídio imprudente”241. Os retributivistas também exigem o requisito mens rea, por entender que as pessoas que são condenáveis merecem ser punidos, enquanto aqueles que prescindem de um estado mental culpável não merecem punição alguma. Daí porque “os principais argumentos para negar os crimes sem mens rea vieram dos 238

HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 201. DRESSLER, Joshua. Criminal Law. 2nd edition. Saint Paul: Thomson Reuters, 2005, p. 11. Tradução livre, no original: “A person has acted with “mens rea” in the broad sense of the term if she committed the actus reus of an offense with a “vicious will,” “evil mind,” or “morally blameworthy” or “culpable” state of mind”. 240 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 201. 241 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 202. 239

67

retributivistas, particularmente dos retributivistas baseados na culpabilidade, que não aceitam punir os inculpáveis”242. As formas de mens rea são subdivididas em duas categorias tradicionais: os crimes de intenção genérica (general intent crimes) e os crimes de intenção específica (specific intent crimes), nos quais “além de desejar a realização do actus reus, [o autor do fato] quer fazer algo a mais”243. Especificamente, mens rea compreende quatro estados mentais diferentes: “(i) intencional [purposeful], quando o autor direciona sua conduta para causar um resultado particular; (ii) consciente [knowing], quando o autor está ciente de que sua conduta irá causar um resultado com praticamente certeza; (iii) inconsequente [reckless], quando o acusado está ciente de um risco – para o Model Penal Code [Código Penal norte-americano], deve ser ‘substancial e injustificado’ – que sua conduta possa causar um resultado particular; e (iv) negligente [negligente], quando o autor deveria ter previsto o risco de que sua conduta pudesse causar um resultado particular”244. A doutrina reconhece que os estados mentais são confusos e primitivos, assim como não são excludentes e referem-se a aspectos cognitivos, em alguns casos, e volitivos em outros. Assim, “intenção e conhecimento fazem referência a categorias diferentes, apesar de serem definidas algumas diferenças artificiais, ainda se referem a aspectos mentais diferentes”245. O estado mental intencional ou proposital (intentional ou proposeful) exige um propósito um uma vontade direta de realizar uma ação ou omissão, ou seja, “quando é um objetivo consciente ou desejo do autor de realizar uma conduta ou causar um resultado. Por conseguinte, dolosamente surge que a pessoa sabe o que 242

HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 202. HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 202. 244 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 203. 245 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 204. 243

68

está fazendo, deseja fazer o que está fazendo, e é um sujeito livre” 246. Subdivide-se o estado mental em dois momentos: prever os resultados da ação e desejar o resultado típico como fim proposto. Por outro lado, o conceito de conhecimento (knowledge) exige a intenção de praticar uma ação atípica cujos efeitos secundários (circunstâncias ou a produção de resultados típicos) são considerados como certos e são previstos como crimes, “não se exige nenhum conhecimento da ilicitude de tal ato ou omissão”247. O estado mental inconsequente (reckless) ocorre quando o sujeito prevê que a ação causará um risco substancial e injustificável, e conscientemente o desconsidera248. A simples previsão do resultado é suficiente para configurar o crime inconsequente, independentemente da vontade do autor. Esta seria a proposta de parte da dogmática alemã, enunciada por Paulo César Busato, “no sentido de abandonar a distinção entre dolo eventual e culpa consciente em prol da criação de uma categoria intermediária entre dolo e imprudência que fosse capaz de abranger tanto o dolo eventual quanto culpa consciente”, como ocorre na “adoção da categoria denominada recklessness do direito anglo-saxão, que tanto inclui as hipóteses que no direito romano germânico são tratadas como dolo eventual, ocomo também inclui casos de imprudência muito grave, categorizadas como ‘um risco substancial e injustificado”249. A seu turno, o estado mental imprudente (negligent) estaria configurado quando o sujeito deveria ter previsto o risco de produção do resultado, o qual seria injustificável. Para o Código Penal do estado da Pensilvânia, para a imprudência, “o risco deve ser de tal natureza e grau que o autor falhou em percebê-lo envolvendo 246

HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 205. HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 206. 248 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 207. 249 BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 449. 247

69

um grosseiro desvio do padrão de cuidado de uma pessoa razoável observaria na situação do sujeito”250. A forma de identificar a imprudência seria a razoabilidade, já que uma pessoa razoavelmente prudente, nas mesmas circunstâncias, não ignoraria o mesmo risco ao observar o dever de cuidado251. Ressalta-se que o direito anglo-saxão ainda adota a distinção tradicional de erro de fato (mistake of fact) e erro de direito (mistake of law). Enquanto um sistema causalista, a consequência do erro ou a falsa percepção de uma circunstância do fato não torna a conduta atípica, mas sim não culpável, servindo para negar o estado mental exigido para determinado crime. Nos crimes de intenção específica, o erro de fato exclui o estado mental. Todavia, nos casos dos crimes de intenção genérica (general intent crimes), a evitabilidade do erro é verificada antes de se afirmar a sua própria existência ou não, além de ser exigido o requisito moral: “nos crimes de intenção genérica, o erro é escusável apenas se o erro for razoável, e se os atos que o sujeito pretendeu praticar não fossem moralmente ou legalmente errados”252. Já o erro de direito não é considerado relevante, eis que a ilicitude do fato não exclui o estado mental do autor. O Código Penal estadunidense (MPC) faz duas exceções à regra: a doutrina da confiança razoável (o sujeito confia que a conduta é lícita, baseando-se em um precedente um uma interpretação doutrinária que determinou a errônea compreensão da ilicitude) e o desconhecimento invencível da proibição (devendo ser razoável)253. Percebe-se que o sistema do common law adota algo análogo ao modelo neoclássico de crime, considerando o dolo como dolus malus, bem como a teoria 250

HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 207. HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 208. 252 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 218. 253 HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law...op.cit., p. 219. 251

70

psicológico-normativa da culpabilidade, o estado mental do autor e o índice de reprovabilidade. Outrossim, a solução estadunidense para o tratamento do erro de fato e de direito é equivalente à teoria limitada do dolo, que permite a punição do sujeito pelo o que ele deveria saber e não pelo seu conhecimento atual, com um requisito adicional: a razoabilidade do erro é verificada antes de sua própria existência, uma verdadeira moralização do erro. Enfim, devido à disposição lógica do elemento subjetivo (ou mental), a consequência é a mera exclusão da culpabilidade e não da própria tipicidade da conduta: a ação ainda é considerada como crime, mas o sujeito não seria culpável.

3.2.1 A invenção da doutrina da cegueira deliberada (willful blindness)

A literatura penal254 e a jurisprudência255 brasileiras têm admitido, por interpretação analógica, a aplicação da teoria norte-americana da cegueira deliberada (willful blindness,deliberate ignnorance ou ainda conscious avoidance doctrine) e igualado este grau de culpabilidade ao pátrio dolo eventual, especialmente nos crimes de lavagem de dinheiro. Em uma breve síntese, a doutrina cegueira deliberada é uma construção jurisprudencial que iguala à conduta dolosa aquela do autor que propositalmente se coloca em situação de erro de tipo, ou seja, “o agente que preenche o tipo objetivo ignorando algumas peculiaridades do caso concreto por ter se colocado

254

MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 69 STF – Tribunal Pleno – AP 470 – Rel. Min. Joaquim Barbosa – Voto da Min. Rosa WEBER – Informativo 684/STF. 255

71

voluntariamente numa posição de alienação diante de situações suspeitas, procurando não se aprofundar no conhecimento das circunstâncias objetivas”256. A ignorância deliberada trata, portanto, de um estado mental peculiar: o autor possui uma deliberada indiferença diante de uma atuação criminosa prévia257. Tal construção jurisprudencial nasceu, segundo Professor Ira P. Robbins, em 1861, na Inglaterra, no caso Regina vs. Sleep em que, pela primeira vez se igualou conhecimento e ignorância deliberada. No direito norte-americano, foi apresentada pela Suprema Corte da Califórnia em People v. Brown, em 1887, firmando-se o entendimento de que a situação de erro de fato não seria reconhecida se o réu, ao cometer o crime, suspeitou da situação de fato não conhecida e não questionou, pois ele deveria saber, e assim seria presumido o conhecimento258. Após a doutrina ser aplicada aos casos de tráfico de drogas (frisa-se que são strict liability crimes – crimes de “imputação objetiva”), como foi no paradigma United States vs. Jewell 532 F2d 697 (9th Cir. 1976), as Cortes Federais estadunidenses passaram a aplicar a teoria da ignorância deliberada para lavagem de dinheiro a partir do caso United States vs. Campbel, 977 F2d 854 (4th Cir. 1992), em que se presumiu o conhecimento, pois o acusado deliberadamente evitou descobrir todos os fatos, afastando a defesa de erro de fato259. O conhecimento exige que o autor atue com uma consciência atual sobre a existência do crime antecedente. Por outro lado, “a doutrina da cegueira deliberada exige uma análise do aspecto subjetivo de acordo com o que é razoável no caso

256

SILVA, Robson A. Galvão, LAUFER, Christian. A teoria da cegueira deliberada e o direito penal brasileiro. In Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais nº 204, novembro/2009. 257 CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo de capitales. 3ed. Navarra: Editorial Aranzadi S.A., 2012, p. 692. 258 ROBBINS, Ira P. The Ostrich Instruchtion: Delibarate Ignorance as a Criminal Mens Rea. In Journal of Criminal Law and Criminology. Article 1. Volume 81, 1990, p. 197. 259 MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem ...cit., p.64 – 65.

72

concreto”260, ou seja: “suspeita, probabilidade de realização e verificação da evitabilidade”261. Assim, se uma pessoa realiza um plano de ação sem nenhuma investigação e opta por ignorar a realidade, “o Direito lhe imputa o conhecimento do que poderia haver conhecido”262. Essa construção jurisprudencial de presunção de conhecimento devido à ignorância deliberada teria alguns requisitos para ser aplicada: a) o acusado deve ter conhecimento da elevada potencialidade de que os bens, diretos ou valores envolvidos, eram provenientes de crime; b) o acusado agiu de modo indiferente a esse conhecimento263.

3.3 A adoção da doutrina da cegueira deliberada pelo Supremo Tribunal Espanhol e a criticável importação da teoria da ignorância proposital pela jurisprudência brasileira: incompatibilidade lógica

O Superior Tribunal Espanhol passou a aplicar a doutrina da cegueira deliberada. A partir disso, a doutrina brasileira igualou o conhecimento potencial da willful blindness ao dolo eventual, pois “tais construções em torno da cegueira deliberada assemelham-se, de certa forma, ao dolo eventual da legislação e doutrina brasileira. Por isso e considerando a previsão genérica do art. 18, I, do CP, e a falta de disposição legal específica na lei de lavagem contra a admissão do dolo eventual, podem elas ser traduzidas para a nossa prática jurídica”264.

260

CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo ...cit., p. 692. CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo ...cit., p. 692. 262 CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo ...cit., p. 693 263 SARCH, Alex F. Willful Ignorance, Culpability and the Criminal Law (June 20, 2014). USC Law Legal Studies Paper No.14-11. 264 MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem...cit., p. 69. 261

73

Tal concepção é, contudo, de desaconselhável aplicação. Primeiramente, porque o estado de potencial conhecimento dos elementos do tipo objetivo, nos termos do Direito Penal brasileiro, não configura dolo eventual. Exige-se um mínimo de representação das circunstâncias de fato para que se possa afirmar a existência do elemento cognitivo do dolo e, cf. a doutrina citada na subseção anterior, o estado de ignorância acerca do mínimo de conhecimento exigido afasta o dolo e, logo, a tipicidade. O desconhecimento exclui, de forma lógica e indefectível, qualquer espécie de dolo. O conhecimento doloso deve ser atual e não potencial. Há uma inversão de importância na doutrina da cegueira deliberada: “priorizase aquilo que o sujeito não sabe (os conhecimentos adicionais potencialmente alcançáveis), ao invés de estudar-se aquilo que está devidamente representado pelo autor ao decidir prosseguir agindo”265. Assim, este é o primeiro motivo da incompatibilidade lógica teoria da cegueira deliberada com o dolo eventual, pois “tudo que integra essa cegueira, ou seja, todos os elementos de fato que não são representados pelo agente, por intencionalidade ou não, não integram o elemento intelectual do dolo e, portanto, não podem acarretar nenhuma condenação por crime doloso”266. Em verdade, o conteúdo do elemento cognitivo do dolo é diferente, pois para o Direito Penal estadunidense basta a probabilidade de conhecimento, enquanto que para o Código Penal brasileiro exige-se efetivo e atual conhecimento dos elementos integrantes do tipo.

265 266

SILVA, Robson A. Galvão, LAUFER, Christian. A teoria da cegueira deliberada ...cit, p. 01. SILVA, Robson A. Galvão, LAUFER, Christian. A teoria da cegueira deliberada ...cit, p. 01.

74

A conclusão de previsão legal para a definição de dolo no Código Penal brasileiro pode ser comprovada pela leitura conjunta dos arts. 18, I, e 20, caput, do CP. Aliás, a Seção 18 do USC 1956 prevê expressamente o suposto elemento cognitivo do dolo da lavagem de dinheiro como proveniente de qualquer forma de atividade ilícita (felony), ao contrário do caso brasileiro267. O caso brasileiro é diferente do espanhol e do americano principalmente porque há definição legal dos elementos cognitivos (art. 20, caput, do CP) e volitivos do dolo (art. 18, I, do CP). No caso espanhol, o dolo é fruto de uma tradição doutrinária e jurisprudencial, sendo possível utilizar o conceito estadunidense de conhecimento em potencial da cegueira deliberada268. Igualar conhecimento à probabilidade de conhecimento dos elementos normativos e descritivos do tipo objetivo importa em necessária ampliação à definição legal do dolo (arts. 18, I, e 20, caput, do CP) e criação de categorias praeter legem, hipótese absolutamente vedada por força do princípio da legalidade (art. 1º, do CP, e art. 5º, XXXIX, da CF). Destaca-se que o Supremo Tribunal Espanhol não igualou a cegueira deliberada ao dolo eventual. Em verdade, a ignorância deliberada é considerada como uma modalidade de dolo eventual, podendo ser considerada, também, como culpa “grave”. Esta é a postura diferenciadora “que não identifica ignorância deliberada e dolo eventual, senão em função dos casos em que reconhece essa modalidade ao dolo ou a imprudência”269.

267

CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo...cit., p. 655. RAGUÉS Y VALLÈS, Ramon. La ignorancia deliberada en Derecho penal. Barcelona: Atelier, 2007, p.116. 269 CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo...cit., p. 685. 268

75

Assim, a doutrina seria aplicável ao crime de lavagem de dinheiro porque existe previsão legal de lavagem de dinheiro culposa, na modalidade grave, cf. art. 301, nº 3, do Código Penal Espanhol. Segundo o Tribunal Superior Espanhol, o dolo eventual ocorre “quando há prova de que o sujeito decide pela realização da ação, apesar de ter havido consistentes e claras suspeitas da existência no fato dos elementos do tipo objetivo, manifestando indiferença a respeito da ocorrência ou não destes”270 (STS 68/2011, de 15 de fevereiro). Já na hipótese de lavagem de dinheiro imprudente (por imprudência grave), “cabem comportamentos tanto por culpa consciente como inconsciente (...). Este critério permite determinar a responsabilidade penal em que deste ponto de vista dos tipos de branqueamento, o sujeito atua com a chamada ignorância deliberada”271. Conforme ilustra Isidoro Cordero Blanco, para diferenciar os casos em que o sujeito age, através da conduta denominada de cegueira deliberada, com culpa ou dolo eventual, adota-se o seguinte critério:

“(...) o sujeito atua com a chamada ignorância deliberada, pois nesta hipótese se planta o problema da demarcação entre o dolo eventual e a culpa consciente ou com representação. De acordo como critério que adotamos anteriormente, é possível distinguir dois grupos de caso: se o sujeito não quer conhecer a procedência criminosa dos bens, mas em função das circunstâncias objetivas, representa esta como provável, atua com dolo eventual; se o sujeito, ALÉM DE NÃO QUERER SABER, NÃO REPRESENTA EM ABSOLUTO A ORIGEM DOS BENS, A CONDUTA NÃO 272 SERÁ DOLOSA” .

270

CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo...cit., p. 686. CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo...cit., p. 732. 272 CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo...cit., p. 732. 271

76

Destaca-se que esta culpa grave da lavagem de dinheiro espanhola somente poderá ser atribuída em casos em que o sujeito teria o especial dever de diligência ou cuidado. A segunda razão para a incompatibilidade lógica da teoria com o Direito brasileiro diz respeito às exigências do grau de conhecimento das circunstâncias do tipo para a configuração do erro de tipo e os motivos pelos quais a jurisprudência norte-americana afasta o erro de fato em casos de dúvida e cegueira deliberada e iguala o conhecimento potencial ao conhecimento efetivo. Tal aspecto é fundamental para transpor a barreira do dolo eventual ao erro de tipo evitável. Conforme leciona Alaor Leite, para a configuração do erro, devem-se analisar dois tempos: primeiro, o problema conceitual, ou seja, definir o que é erro (tudo ou nada); segundo, decidir pela evitabilidade e as suas consequências (mais ou menos)273. O Código Penal atual, após a reforma de 1984, adotou e o modelo alemão de conceito analítico de crime, em que o dolo (elementos cognitivos e volitivos) está alocado na tipicidade e não mais a culpabilidade. Assim, o erro de representação sobre as circunstâncias do tipo exclui o dolo, mas permite a punição do crime na modalidade culposa, se evitável, nos termos do art. 20, caput, do CP. A mudança é tributária ao finalismo e à teoria normativa pura da culpabilidade, que passou a tipificar condutas finalísticas, dolosas ou culposas, e separou o tipo subjetivo da culpabilidade (reitera-se, antes analisado na sentença como

273

35

intensidade

do

dolo

ou

culpa),

definida

pelo

conceito

normativo

LEITE, Alaor. Dúvida e erro sobre a proibição no Direito Penal. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p.

77

(imputabilidade, potencial conhecimento sobre a ilicitude e exigibilidade de conduta diversa)274. Contudo, nos Estados Unidos, assim como na Inglaterra e na França, foi adotado modelo teórico de conceituação de crime distinto, como aponta Carlos Japiassú, dividindo-o em elemento material (actus reus) e elemento moral (mens rea), além das causas de exclusão da responsabilidade penal e “institutos semelhantes àqueles preconizados pelo sistema romano-germânico, sem, todavia, repetir a mesma estrutura”275. O penalista Jerome Hall destaca sete elementos básicos: (1º) elemento subjetivo (mens rea); (2º) conduta (act); (3º) congruência entre mens rea e a conduta; (4º) resultado; (5º) relação de causalidade; (6º) punição; e (7º) legalidade, pois “o resultado proibido deve ser imputado a qualquer adulto normal que, voluntariamente, exteriorize a intenção criminosa, devendo, dessa forma, ser submetido à sanção cominada na respectiva lei penal”276. O crime seria o elemento moral (mens rea) e a conduta propriamente dita, ou seja, intenção mais ação. O mens rea não é analisado no tipo, mas sim na culpabilidade, pois existem graus de culpabilidade conforme o estado mental do réu277. Por exemplo, o Model Penal Code (MPC – que estabelece padrões para os operadores do direito) estabelece hierarquia da culpabilidade conforme os estados da mente, quais sejam: atuar de forma negligente (negligently), de forma descuidada (recklessly), sabendo (knowingly) e de forma proposital (purposely).

274

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal...cit., p.277. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal...cit., p. 136. 276 nd HALL, Jerome. General Principles of Criminal Law. 2 ed. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 2009, p. 18. 277 SARCH, Alex F., Willful Ignorance, Culpability and the Criminal Law (June 20, 2014). USC Law Legal Studies Paper No.14-11– p. 9 – 11. 275

78

O que diferencia os estados mentais (mens rea) de knowinly e recklessly é o grau de consciência, ou seja, o grau de probabilidade de que o resultado irá acontecer: knowinly seria quando o autor está ciente ou praticamente certo do elemento material, pois, nos termos da § 2.02 (2) (b), do Model Penal Code, “uma pessoa age sabendo [knowingly] a respeito de um elemento material de um crime quando: (i) se o elemento envolve a natureza de sua conduta ou as atuais circunstâncias [do fato], ele está ciente de que sua conduta é daquela natureza ou que tais circunstâncias existem; (ii) se o elemento envolve o resultado de sua conduta, ele está ciente de que é praticamente certo de que sua conduta irá causar tal resultado”278. Esta é uma tentativa de codificar a willful blindness. Já o estado mental recklessly não seria compatível ao dolo eventual, pois difere justamente no elemento cognitivo (além de ser menos reprovável que o crime proposital), seria definido na §2.02 (2) (c), do Model Penal Code: “uma pessoa age de forma descuidada [recklessly] a respeito de um elemento material de um crime quando ele conscientemente não presta atenção a um substancial e injustificável risco de existir determinado elemento material ou o resultado de sua conduta”279, ou nos termos da doutrina, é o não-querer agir em face de uma probabilidade de existência ou criação de um fato, circunstância ou resultado280.

278

Tradução livre. No original: “Section 2.02. General Requirements of Culpability (…). (2) Kinds of Culpability Defined (…). (b) Knowingly. [cf. Restatement Torts 2d § 8a] A person acts knowingly with respect to a material element of an offense when: (i) if the element involves the nature of his conduct or the attendant circumstances, he is aware that his conduct is of that nature or that such circumstances exist; and (ii) if the element involves a result of his conduct, he is aware that it is practically certain that his conduct will cause such a result”. 279 Tradução livre. No original: “(c) Recklessly. [cf. Restatement Torts 2d § 500] A person acts recklessly with respect to a material element of an offense when he consciously disregards a substantial and unjustifiable risk that the material element exists or will result from his conduct. The risk must be of such a nature and degree that, considering the nature and purpose of the actor's conduct and the circumstances known to him, its disregard involves a gross deviation from the standard of conduct that a law-abiding person would observe in the actor's situation”. 280 ROBBINS, Ira P. The ostrich Instruction. Deliberate Ignorance As a Criminal Mens Rea, 81 J. CRIM. LAW & CRIMINOLOGY 191, 220-22 (1990).

79

Partindo-se do pressuposto de que o Direito Penal norte-americano define mens rea como grau de culpabilidade, não existem crimes dolosos e crimes culposos, pois o que se criminaliza é o resultado, existindo normas penais mais genéricas. O mens rea é analisado ao responsabilizar o autor, na sentença! Trata-se de um modelo análogo à teoria da causalista da ação e à nossa antiga redação do Código Penal de 1940, de inspiração causalista, que previa a avaliação do grau de dolo ou culpa na culpabilidade (e não na tipicidade). Mesmo assim, o Model Penal Code é dividido em tipos de crimes que permitem a punição por todos os graus de culpabilidade, ao contrário do Direito Penal pátrio, em que o dolo é elemento integrante do próprio tipo. Assim, existem: i) crimes de vontade genérica (general intent crimes), ou seja, a vontade de agir, e os graus de culpabilidade seriam propousefully (proposital), knowingly (ciente), rackslessly (de forma descuidada) e negligently (de forma negligente); ii) crimes de vontade específica (specific intent crimes), que além da vontade de agir, exigem um propósito específico em mente, além do ato proibido, cujos graus de culpabilidade são propousefully (proposital) ou knowingly (ciente); iii) finalmente os crimes de imputação objetiva (strict liability). Tal classificação é muito importante para que se compreenda o contexto em que a teoria da cegueira deliberada foi desenvolvida. Não existe erro de tipo no direito anglo-saxão, mas sim o erro de fato (mistake of fact). Para que ele possa excluir a mens rea, ou seja, excluir o grau de culpabilidade, ele depende do tipo do crime. Por exemplo, nos crimes de vontade genérica, o erro de fato razoável exclui a culpabilidade, mas o não razoável não; já nos crimes de vontade específica, o erro de fato razoável ou não razoável exclui a culpabilidade. Finalmente, nos crimes

80

de strict liability, o erro de fato nunca é uma defesa idônea, pois não se considera o mens rea. Para o U.S. Code, o crime de lavagem de dinheiro é de vontade genérica, ou seja, tanto faz se o autor agiu de forma proposital, ciente, descuidada ou negligente (parágrafo (1) da alínea ‘c’ do § 1956 do título 18 do U.S.C), é crime. O mens rea é avaliado somente na responsabilização do autor. Assim, o erro de fato só seria escusável se fosse razoável. Se não fosse razoável, presume-se o conhecimento. Daí a aplicação da doutrina da cegueira deliberada. Existe uma verdadeira mistura entre a existência do erro e a evitabilidade do erro, nos casos dos crimes de vontade genérica (como é o crime de lavagem de dinheiro). Primeiro se fala em razoabilidade, para depois se falar em erro. Ou seja: não existe erro de fato evitável para o crime de lavagem de dinheiro. Com o finalismo, a diferença entre erro de fato e erro de direito, este subdividido em erro de direito penal e erro de direito extrapenal (fórmula adotada pelo Tribunal do Império Alemão, cf. vimos anteriormente) caiu por terra. Isso porque o rigoroso enquadramento dos erros em categorias fáticas e valorativas não pode mais se sustentar “desde o momento em que se reconhece a distinção entre erro de tipo e erro de proibição [surgida com o finalismo] e se comprova que estes conceitos não se podem equiparar à antiga distinção entre o erro de fato e erro de direito” 281. Segundo as lições de Flavio Antônio da Cruz, a divisão entre erro de fato e erro de direito é enfraquecida com o finalismo, “sobremodo frente aos elementos normativos, veiculados na descrição típica, em que pese sejam necessariamente valorativos (não empíricos)”282.

281

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 127. Apud BARREALES, María A. Trapero. El error em las causas...cit., p. 65-78. 282 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 127.

81

O Magistrado e docente explica que “o pressuposto teórico da total irrelevância do erro incidente sobre as normas de Direito Penal não pode ser aceito, frente ao princípio da culpabilidade”283. Apesar de direcionar tais críticas à solução adotada pelo Tribunal do Reichgericht, é possível aplicar ao caso da importação da teoria da cegueira deliberada para o Brasil: ao não reconhecer a imperiosa necessidade de diminuir a sanção penal diante do erro sobre preceitos valorativos, a solução jurisprudencial “também viola o princípio da isonomia, por dosar uma mesma pena para sujeitos cujos freios inibitórios eram distintos”284. A polêmica alemã é idêntica à polêmica norte-americana: era muito discutida a possibilidade de reconhecer o erro nos casos de “ignorância/má compreensão dos substratos equivalentes aos demais elementos [do tipo, que não fossem puramente empíricos] (por exemplo, erro sobre os elementos valorativos do tipo e a falta da consciência da ilicitude), dado que quase não havia tipos imprudentes”285. Se, naquela época, foi criada a teoria limitada do dolo, que permitia a punição de autores que ignoravam o substrato material dos elementos valorativos do tipo durante a prática do delito (hoje considerado como erro de tipo no Brasil, mas então considerado como erro de direito no sistema causalista) como se estivessem praticando crimes dolosos, justamente por não haver a tipificação de delitos imprudentes, a jurisprudência norte-americana criou a teoria da cegueira deliberada para impedir absolvições injustificadas. A teoria da cegueira deliberada é uma “teoria vinculada ao modelo causalnaturalista, [veiculando] um juízo insuficiente da imputação jurídica”, havendo uma

283

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 127. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 128. 285 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 128. 284

82

necessária mescla entre os elementos: “da imputação necessariamente se seguia a responsabilização, confundindo os dois conceitos”286. É dizer: antes de ser verificada a existência ou não do conhecimento, buscava-se identificar a evitabilidade do erro sobre os elementos valorativos do tipo, havendo inequívoca presunção do elemento cognitivo do dolo (quando não seria razoável o erro) e uma desvalorização do elemento volitivo, responsabilizando o sujeito por todos os resultados que ele produzir, ainda que indesejados287. Ora, é incontroverso que tal solução tendia-se para “uma evidente responsabilidade penal objetiva”, pois “se ele não sabia que fazia algo indevido, a rigor, o problema estava em um imemorável comportamento censurável: o descumprimento do dever de conhecer as regras jurídicas que lhe eram aplicáveis”288. Daí porque Alaor Leite afirma que verificar a evitabilidade do erro antes de identificar a sua existência seria um ranço da errônea analogia à teoria do dolo289. No sistema finalista, com a transposição do dolo para a tipicidade, somente são puníveis os crimes culposos expressamente previstos em lei (caráter extravagante do tipo culposo disposto no art. 18, parágrafo único, do CP). Nos Estados Unidos, ainda em um contexto do sistema neokantiano causalista, a pena de crimes dolosos pode ser reduzida se forem praticados na forma culposa, pois o dolo e a imprudência estão geograficamente alocados na culpabilidade e não na tipicidade. A culpabilidade (Frank) seria um juízo de reprovação, mas ao mesmo tempo, um juízo psicológico: a teoria psicológico normativa da culpabilidade.

286

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 129. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 134. 288 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., 134. 289 LEITE, Alaor. Dúvida e erro sobre a proibição...cit.. 287

83

Assim como a cegueira deliberada, a proposta da teoria limitada do dolo (sistema neoclássico ainda causalista) permitiu à doutrina flexibilizar o conceito de dolo. Assim, se o sujeito optou por não conhecer as circunstâncias valorativas do fato (elementos normativos que, à época, se desconhecidos, seria considerado o erro de direito e não erro de tipo) seria uma causa de impunidade, “sobretudo quando se cuidasse – no dizer de Edmund Mezger – de pessoas embrutecidas, torpes, totalmente avessas ao cumprimento das regras de convívio social”290. Daí porque, na teoria limitada do dolo, a exigência de um conhecimento atual, no momento da prática do delito, sobre a ilicitude ou a danosidade social da conduta “foi substituída pela exigência de um conhecimento meramente potencial, dado que – em muitos casos – presumia-se a indiferença ao Direito”291. Buscou-se “aproximar a imprudência consciente ao dolo”292, pois a alta probabilidade de causar um resultado lesivo (previsão do resultado), na culpa consciente, é concomitante com a leviana confiança de que aquele poderá ser evitado. Já no dolo eventual, o autor aceita o risco de produzir o resultado. Mesmo assim, a doutrina da cegueira jurídica convertia a culpa consciente em dolo eventual quando houvesse essa percepção da alta probabilidade consumação do resultado lesivo293: “Santiago Mir Puig argumenta que se buscou aproximar a imprudência consciente ao dolo. Recorde-se que – no caso da culpa consciente – o autor representa a possibilidade de lesão ao bem jurídico. Contudo, confia indevidamente na sua capacidade de evitar o resultado. Aqui, portanto, há uma expectativa infundada na sua evitação. Por mais que haja o reconhecimento da situação fática –a percepção do risco – isso não autoriza a conclusão de que havia alguma espécie de aceitação do resultado. Havendo esta anuência, a hipótese será de dolo eventual e não de culpa consciente. Enfim, o conceito de imprudência pressupõe que o agente tenha o propósio de realizar uma conduta atípica. Apenas incorre em erro na execução, na medida em que os resultados do seu comportamento se distanciam do seu plano. Caso este erro de execução corresponda a um (objetivamente) incremento do risco permitido, o autor terá incorrido em um tipo imprudente.

290

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 137. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 138. 292 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 141. 293 CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 141. 291

84

Esta percepção da alta probabilidade de consumação do resultado lesivo não é suficiente para converter a culpa consciente em um tipo intencional. O conteúdo de vontade ali presente (justamente o de evitar o resultado, conquanto fundado em certa 294 indolência) ainda não tem os mesmos contornos que o dolo” .

A teoria da cegueira deliberada é um tipo subjetivo específico, que está no limiar da culpa consciente e do dolo eventual, fruto da teoria psicológico-normativa da culpabilidade e tributária ao causalismo e à teoria limitada do dolo, não devendo ser comparada tampouco utilizada pelo sistema brasileiro finalista devido à sua incompatibilidade lógica e sua contradição à definição legal de dolo.

CONCLUSÃO

Percebe-se que no Direito Penal brasileiro, o conteúdo do dolo, enquanto elemento integrante do tipo, não é a potencialidade de conhecimento, mas sim o conhecimento efetivo, e que o erro de tipo seria o erro de representação sobre os elementos objetivos do tipo, que excluiria o dolo. Primeiramente, questiona-se se houve erro sobre o conhecimento ou não. Somente então se questiona a evitabilidade deste erro, ou seja, se é razoável ou não. Se inevitável, o erro de tipo exclui o dolo e a culpa. Se evitável, o erro de tipo exclui o dolo e permite a punição pelo crime na modalidade culposa, se existente295, nos termos do art. 20, caput, do CP. Percebe-se a teoria da cegueira deliberada procura igualar o erro de tipo evitável ao conhecimento doloso, afastando sua tipicidade somente se o erro fosse inevitável (razoável). É uma verdadeira moralização da teoria do erro!

294 295

CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro...cit., p. 141 – 142. GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição...cit., p. 118.

85

Este é o perigo de importar teorias construídas pela jurisprudência anglo-saxã para fundamentar a responsabilização penal (e não uma analogia in bonam partem), que utiliza o conceito de crime totalmente diferente do que o modelo analítico alemão, adotado pelo Código Penal brasileiro atual. Se no vigente conceito analítico de crime do CP, o dolo fosse localizado na culpabilidade, a doutrina da cegueira deliberada poderia ser considerada como eventualmente aplicável e análoga ao dolo eventual, como fez Binding ao tratar das dúvidas em sua teoria estrita do dolo, “na medida em que, para esta teoria, tanto as dúvidas sobre os fatos como as dúvidas sobre o direito seriam legítimos casos de dolo eventual: a equiparação quanto às consequências praticamente impedia”296 a existência do erro de tipo evitável. Conclui-se, portanto, que a doutrina da cegueira deliberada não somente não é análoga ao dolo eventual (pois conhecimento potencial não suprime a necessidade de haver conhecimento efetivo para configurar o elemento cognitivo de qualquer modalidade do dolo), como também é inaplicável em casos de erro de tipo evitável (pois a potencialidade do conhecimento constitui elemento central da evitabilidade do erro, não importando a intenção, e só pode ser analisada após a verificação da ausência do elemento cognitivo do dolo), pelos motivos anteriormente expostos sobre a exclusão lógica, além de significar a criação de categorias praeter legem, hipótese absolutamente vedada por força do princípio da legalidade (art. 1º, do CP, e art. 5º, XXXIX, da CF)! Como bem destacou Pierpaolo Cruz Bottini, sobre a aplicação da doutrina da cegueira deliberada para a punição de crimes de lavagem de dinheiro da Ação Penal 470/STF, se o autor desconhece a origem criminosa do dinheiro, não há o que se

296

LEITE, Alaor. Dúvida e erro sobre a proibição...cit., p. 41.

86

falar em dolo eventual, mas sim em erro de tipo evitável, pois “pelas regras legais, se o agente desconhece a procedência infracional dos bens ocultados ou dissimulados, faltar-lhe-á o dolo da prática de lavagem e a conduta será atípica mesmo se o erro for evitável, pois não há previsão da lavagem culposa. Assim, se o agente não percebe a origem delitiva do produto que mascara por descuido ou imprudência, não pratica lavagem de dinheiro, respondendo penalmente o terceiro que determinou o erro, se existir (parágrafo 2º do artigo 20 do Código Penal)”297. Se o agente desconfia, o elemento cognitivo do dolo (eventual ou direto) não está configurado, havendo erro de tipo por representação errônea sobre a procedência criminosa do bem, elemento normativo do tipo objetivo. Pierpaolo Cruz Bottini fala da necessidade do grau do elemento cognitivo do dolo ser evidente: o agente de saber, de forma clara, a origem ilícita dos bens ou valores298. Nos casos de dolo eventual, a mera suspeita não é suficiente. Além da vontade de resultado, enquanto elemento volitivo do dolo, exige-se “a consciência concreta do contexto no qual se atua. Como ensina Roxin, não basta uma consciência potencial, marginal, ou um sentimento. É preciso mais: é necessária uma percepção clara das circunstâncias, uma compreensão consciente dos elementos objetivos que justifiquem a duvida sobre a licitude dos bens. Deve-se averiguar se o agente percebeu o perigo de agir, e se assumiu o risco de contribuir

297

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470. In Consultor Jurídico. 30 de julho de 2013. Disponível na internet: < http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direitodefesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470?imprimir=1>. 298 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470. In Consultor Jurídico. 30 de julho de 2013. Disponível na internet: < http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direitodefesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470?imprimir=1>.

87

para um ato de lavagem. A mera imprudência ou desídia não é suficiente para o dolo eventual”299. O autor alerta: além de ser pouco recomendável a admissão do dolo eventual nos casos de lavagem de dinheiro, “seu reconhecimento na forma de cegueira deliberada parece ainda menos adequada a um sistema penal pautado pelo princípio da culpabilidade”300. Mesmo que se admita a aplicação da doutrina, é essencial que o autor crie barreiras para o conhecimento de forma consciente e voluntária, e não de forma negligente. Por exemplo, “o diretor de uma instituição financeira não está em cegueira deliberada se deixa de se certificar de todas as operações do setor de contabilidade a ele subordinada, e se contenta apenas com relatórios gerais. A otimização da organização funcional da instituição não se confunde com a cegueira deliberada”301. O segundo requisito seria o agente perceber que a criação de barreiras ao conhecimento facilitará a prática de crimes, mas, se faltar a consciência de que os filtros impedirão conhecer as infrações penais, exclui-se o dolo eventual302. Bottini traz dois exemplos ilustrativos: “se um doleiro cria mecanismos para que não lhe cheguem notícias sobre a origem dos bens que manipula porque percebe que podem ser provenientes de ilícitos administrativos — sem representar em absoluto que possam ser oriundos de infrações penais — não haverá dolo eventual em relação à lavagem de dinheiro. Por outro lado, se o diretor de instituição financeira 299

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470. In Consultor Jurídico. 30 de julho de 2013. Disponível na internet: < http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direitodefesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470?imprimir=1>. 300 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470. In Consultor Jurídico. 30 de julho de 2013. Disponível na internet: < http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direitodefesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470?imprimir=1>. 301 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470. In Consultor Jurídico. 30 de julho de 2013. Disponível na internet: < http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direitodefesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470?imprimir=1>. 302 Blanco Cordero, El delito de blanqueo de capitales..cit, Cap.VII, 3.3.

88

suprimir os sistemas de compliance e desativar mecanismos de comunicação, representando a possibilidade da prática de lavagem de dinheiro, haverá dolo eventual pela cegueira deliberada”303. Importante destacar as conclusões de BOTTINI sobre a temerária admissão da doutrina estadunidense. A preocupação seria em caracterizar como dolosos comportamentos que são “ontológica e normativamente diferentes”, pois, seria “dolosa a ação típica na qual o agente conheça o contexto no qual atua e queira o resultado, bem como aquela na qual o sujeito não queira o resultado e nem mesmo conheça a criação do risco porque criou mecanismos que lhe impediram a ciência deste”304. Ainda que tal comportamento seja reprovável, igualar as condutas não só descaracterizaria os moldes originais da doutrina (que prevê graus de culpabilidade diferentes para os crimes intencionais e os knowingly praticados), mas também alarga sobremaneira o instituto do dolo e permite a aplicação de penas desproporcionais. A solução seria, portanto, repensar os conceitos normativos do dolo e da culpa, podendo-se criar categorias diferentes com consequências penais diferentes, na esteia das lições de Ragués y Vallés305 (ao analisar a aplicação da doutrina ao sistema penal espanhol), pois somente assim seria observado o princípio da legalidade e seria evitado o alargamento do dolo para equiparar situações totalmente diferentes como o dolo direto e a cegueira deliberada, pois “talvez melhor que equiparar o dolo eventual à cegueira deliberada, seja a criação legislativa de

303

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470. In Consultor Jurídico. 30 de julho de 2013. Disponível na internet: < http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direitodefesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470?imprimir=1>. 304 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470. In Consultor Jurídico. 30 de julho de 2013. Disponível na internet: < http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direitodefesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470?imprimir=1>. 305 RAGUÉS Y VALLES, Ramon. La ignorância deliberada em derecho penal. Barcelona: Atelier, 2007, p. 209.

89

novas modalidades de imputação subjetiva, para além do dolo e da culpa, com patamares distintos de punição para cada categoria, evitando-se o alargamento e a imprecisão dos institutos e garantindo-se a proporcionalidade na aplicação da pena”306. Como já alertava o jurista estadunidense Ira P. Robbins, trata-se de um problema de observância ao princípio da legalidade: “A questão legal central levantada por esta corrente é se a condenação baseada na ignorância deliberada, ou avestruz, as instruções do júri são compatíveis com o requisito constitucional de provar cada elemento do crime, incluindo conhecimento, de forma indubitável. A correspondente questão filosófica é se o conhecimento de um fato pode mesmo existir na ausência de uma certeza subjetiva ou de uma confirmação objetiva. Estas questões implicam tanto a relação entre o indivíduo e o estado, quanto a relação entre o judiciário e o legislativo. Se nenhuma questão puder ser respondida de forma positiva, então a condenação teria violado o direito constitucional do acusado porque o Estado não obteve êxito em provar o conhecimento. Ademais, se o judiciário substituir um estado mental menor do que o previsto conhecimento, então isso vai de encontro à prerrogativa 307 de definição da conduta criminal [princípio da legalidade]” .

As próprias Cortes Estadunidenses recomendam a aplicação limitada desta teoria, como foi feito no caso United States vs. Murrieta-Bejarano, 552 F.2d 1323 (9th Cir. 1977), pelo Juiz Kennedy: “Enquanto concordo com a Parte I da opinião [da maioria], eu afirmaria que é um erro dar aplicação à instrução Jewell [cegueira deliberada] para estes fatos A maioria faz uma tentativa recomendável de limitar o uso desta instrução ao reservá-la somente aos casos excepcionais. Mas neste caso não deveria ter sido assim caracterizada. A acusação não forneceu prova, nem na inicial ou nas suas impugnações, que comprovasse que a acusada, para criar uma defesa às potenciais acusações criminais, deliberadamente optou evitar de conhecer o contrabando. A teoria da cegueira deliberada foi utilizada neste caso apenas nos argumentos finais da promotoria. Os fatos citados pela maioria para justificar a utilização desta teoria correspondem à conclusão de que a acusada estava totalmente consciente da natureza da carga; mesmo assim, o caso utilizou a teoria. A Instrução Jewell [cegueira deliberada] não deve ser utilizada a não ser que haja prova que possa sustentar a conclusão, além da dúvida razoável, de que o acusado propositalmente buscou evitar conhecimento dos fatos para ter uma defesa em caso de ser preso ou acusado. Permitir a Instrução 306

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470. In Consultor Jurídico. 30 de julho de 2013. Disponível na internet: < http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direitodefesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470?imprimir=1>. 307 ROBBINS, Ira P. The Ostrich Instruchtion: Delibarate Ignorance as a Criminal Mens Rea. In Journal of Criminal Law and Criminology. Article 1. Volume 81, 1990, p. 194.

90

Jewell aqui é permiti-la em um sem-número de casos de contrabando. O perigo é que os jurados vão evitar perguntas sobre a ciência e vão condenar sob os mesmos padrões análogos à negligência. Estas condenações são totalmente inconsistentes com a exigência legal de conhecimento. Por estes 308 motivos, eu reformaria [a condenação]” .

Em verdade, o mais adequado para o caso brasileiro seria o abandono da construção jurisprudencial anglo-saxã da willful blindness, retomando as categorias que o ordenamento jurídico dispõe ao aplicador do direito, tal como o dolo eventual (art. 18, I, do CP), a imprudência consciente e o erro de tipo, ainda que evitável, de acordo com as suas consequências próprias, sob pena de incorrer em inegável anacronismo que certamente infringiria o princípio da culpabilidade e da legalidade (por significar a criação de categorias praeter legem).

308

Tradução livre. No original: “While concurring in Part I of the opinion, I would hold that it was error to give the Jewell instruction on these facts. The majority makes a commendable attempt to limit use of the instruction by confining it to the rare case. But this case should not be so characterized. The prosecution offered no proof, either in its case in chief or on rebuttal, that would show that the defendant, in order to concoct a defense to potential criminal charges, deliberately chose to avoid learning about the contraband. The willful blindness theory was injected into the case only during the prosecution's closing argument. The facts cited by the majority to justify the instruction are consistent with a finding that the defendant was fully aware of the nature of his cargo; indeed, the case was tried on that theory. The Jewell instruction should not be given unless the evidence can sustain a finding, beyond a reasonable doubt, that the defendant purposely contrived to avoid learning all of the facts in order to have a defense in the event of being arrested and charged. To permit the Jewell instruction here is to permit it in any number of smuggling cases. The danger is that juries will avoid questions of scienter and convict under the standards analogous to negligence. Such convictions are wholly inconsistent with the statutory requirement of scienter. For these reasons, I would reverse”.

REFERÊNCIAS ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática e sistema penal: em busca da segurança jurídica prometida. 501 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1994. ANITUA, Gabriel Ignacio. História dos pensamentos criminológicos. Tradução Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2008. BARREALES, María A. Trapero. El error em las causas de justificación. Valencia: Tirant lo blach, 2004. BECCARIA, Cesare. Dei delliti e delle pene. Milano: Mursia, 1973. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470. In Consultor Jurídico. 30 de julho de 2013. Disponível na internet: < http://www.conjur.com.br/2013-jul-30/direitodefesa-cegueira-deliberada-julgamento-acao-penal-470?imprimir=1>. BUSATO, Paulo Cesar. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Editora Atlas, 2013. CARVALHO, Salo de. Penas e Medidas de Segurança no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2013. CONDE, Francisco Muñoz; BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria Geral do Delito. São Paulo: Saraiva, 2000. CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo de capitales. 3ed. Navarra: Editorial Aranzadi S.A., 2012. CRUZ, Flavio Antônio da. O tratamento do erro em um Direito Penal de bases democráticas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007. DIAS, Jorge Figueiredo. O problema da consciência da ilicitude em derecho penal. 5ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. 3ed. São Paulo: Editora RT, 2010. DRESSLER, Joshua. Criminal Law. 2nd edition. Saint Paul: Thomson Reuters, 2005. FELIP I SABORIT, David. Error Juris: El conocimiento de la antijuridicidade y el artículo 14 del código penal. Barcelona: Atelier, 2000. FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução Teórica à História do Direito. Curitiba: Juruá, 2010. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 38ed. Petrópolis: Vozes, 2010. GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. 5ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais: 2001. HALL, Jerome. General Principles of Criminal Law. 2

nd

ed. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 2009.

HERMIDA, Julian. Convergence Of Civil Law And Common Law In The Criminal Theory Realm. In 13 University of Miame International and Compartive Law Review, 2006. JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano; SOUZA, Arthur de Brito Gueiros. Curso de Direito Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2011. JESCHECK, Tratado de Derecho Penal. Trad. Mir Puir e Francisco Muñoz Conde. Barcelona: Bosch, 1981.

LAUFER, Christian; SILVA, Robson A. Galvão. A teoria da cegueira deliberada e o direito penal brasileiro. In Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais nº 204, novembro/2009 LEITE, Alaor. Dúvida e Erro Sobre a Probição no Direito Penal: a atuação nos limites entre o permitido e o proibido. São Paulo: Editora Atlas, 2013. MESTIERI, João. Curso de Direito Criminal: Parte Especial. Rio de Janeiro, Vol. I. MEZGER, Edmund. Derecho Penal – parte general – Libro de estudio. Tradução Conrado A. Finzi. Buenos Aires: Bibliográfica, 1955. MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. RAGUÉS Y VALLES, Ramon. La ignorância deliberada em derecho penal. Barcelona: Atelier, 2007. ROBBINS, Ira P. The ostrich Instruction. Deliberate Ignorance As a Criminal Mens Rea, 81 J. CRIM. LAW & CRIMINOLOGY 191, 220-22 (1990). ROXIN, Claus. Teoria del Tipo Penal. Tradução de Enrique Bacigalupo. Buenos Aires: Depalma, 1979. SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 4 ed. Curitiba: ICPC: Conceito Editorial, 2010. SARCH, Alex F. Willful Ignorance, Culpability and the Criminal Law (June 20, 2014). USC Law Legal Studies Paper No.14-11. TAVARES, Juarez. Teorias do Delito (variações e tendências). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Tradução Juan Bustos Ramirez e Sérgio Yánez Pérez. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1970. ______. O novo sistema jurídico-penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. 3ed. Tradução Luiz Regis Prado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2011.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.