A angústia e sua função na clínica psicanalítica

July 14, 2017 | Autor: Marcelo De Oliveira | Categoria: Psicanálise, Angústia, Clinica Psicanalitica
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A ANGÚSTIA E SUA FUNÇÃO NA CLÍNICA E NA PESQUISA EM PSICANÁLISE.*
Marcelo de Oliveira

Ao se deparar com o título deste trabalho pode-se entender que será
apresentada a utilidade da angústia em Psicanálise. Pois bem, não é isso
que será feito. Não se faz alguma coisa com a angústia, no sentido de ser
possível transformá-la em outra. Mas, antes a intensão é a de demonstrar
uma possibilidade de construção clínico-teórica embasada na Psicanálise,
não sem que se considere a angústia nesta edificação. Não sem que se
considere, ou seja, não está excluída a possibilidade de sem que se
considere como também, ao mesmo tempo, a impossibilidade de desconsiderá-
la.
Seria um mero jogo de palavras? Apenas um desnecessário floreio
retórico?
Não, definitivamente não é algo secundário mas, ao contrário, a
expressão ao estilo gongórico toca no seio desta apresentação, em seu
argumento principal, que é justamente que: a angústia revela a verdade
fundamental do sujeito, ou seja, sua falta-à-ser.
O gongorismo em questão exige, impõe, suscita nas idas e vindas do
significante o efeito de sujeito, sujeito à linguagem, o parlêtre (segundo
o neologismo lacaniano) isto é o falasser. Que não é uma falácia e, por
isso mesmo colocamos em questão o tratamento que dele se ocupa e o problema
de sua eficácia. Não é o sujeito da ação, mas sim originário de uma cisão.
A linguagem é o campo natural do sujeito, sendo sua estrutura de base
a cadeia de significantes. Mas a linguagem é também o Outro um estranho que
se tornará tão familiar a ponto de ser o lugar de identificação. Contudo,
na construção deste tecido simbólico, em seus fios, consideramos também uma
linha bastante específica que perpassa toda a trama e dá a esta, o seu tom
de drama, me refiro ao fio da angústia.
Na clínica a angústia é o fio de Ariadne, é o afeto que não engana
pois é o substrato sobre o qual o sujeito é efeito. Os significantes fiam
sua tessitura na carne e assim constituem corpo encarnando a vida psíquica,
o mundo simbólico. A questão é que esta carne é também feita de nada
d'Isso, do nada inerente ao isso, do es freudiano. Nada do que se diga,
nada do que se faça, nada pode fazer desaparecer o que nada neste oceano
que estou a me referir, isto é, o inconsciente. Navegar é preciso, viver
não é preciso. Neste mar, oceano de significantes, é preciso nadar, fazer
algo apesar do nada para não afundar, para não ser tragado pela angústia.
Pois bem, nunca se chegará em terra firme, ainda que não se pare de nadar,
ainda que se nade em alguma direção é sempre neste mar, é sempre aí e
apenas aí que se darão as condições de possibilidade para neste mar sê-lo.
A atenção é flutuante, a associação é livre e do que nos servimos
para não ficarmos à deriva é a angústia como sinal. Aquilo que sinaliza a
verdade do sujeito. Da falta do sentido segue que não é necessário que se
fique sem direção, da angústia a direção do tratamento deve conduzir ao
sentido da falta.
Que falta é essa? A hiância através da qual na cadeia de
significantes se produz o efeito de sujeito, mas também é a falta no Outro,
a falta no campo da linguagem, uma das consequências disso é que não se
pode tudo dizer. Como também não é possível ser todo, a castração marca
indelevelmente o destino do sujeito que, uma vez "expulso do paraíso", faz
suas tentativas para se ofertar como objeto de completude nesta falta. É
isso uma das possíveis conclusões de uma análise: uma vez expulso do
paraíso, não se trata de voltar, mas sim de emancipar-se.
Emancipar-se é um modo de dizer sobre o encontro que se faz em
análise com a falta no Outro. Isso só é possível quando se encontra já
alienado à linguagem. O inconsciente é o campo por excelência do trabalho
analítico e seu objetivo não é curar-se do inconsciente, ou dos efeitos da
linguagem, nem tampouco iludir-se com um estado idílico de apropriação e
dominação do simbólico. A emancipação é o ato de desalienar-se do estado
inerte de ser objeto do Outro, mantido a um alto custo na execução
repetitiva da cena fantasmática. Na desarticulação desta montagem o efeito
de sujeito é um relance onde este se saca deste lugar e de uma só vez
vislumbra a falta como limite de sua identificação. A isto chamamos de
encontro com o Real ou – assim como nos apresenta Daniel Perez em seu texto
A Psicanálise como experiência ética e o problema da cientificidade, uma
experiência ética que possibilita o reencontro com o desejo, que não é um
achado sobre o quê fazer ou desejo do quê (que até então não se sabia).
Mas, se esta experiência não prescreve nenhuma normatividade, nenhum "agora
sei o que fazer", justamente por isso se impõe o encontro com o desejo
desidentificado à demanda – e esta é a chave da cura como nos diz Jorge
Sesarino em sua comunicação Considerações sobre desejo e ato. Não se trata
de desejo de ter ou desejo de ser, mas desejo que deseja desejar e que se
realiza em ato.
Enfim, este encontro não se dá como um gran finale, não é uma
sucessão de etapas que culmina com um happy end, antes é um encontro que se
repete, diversas vezes, mas com diferença. Analisar-se não é um processo
que ao final lhe deixará imune, com o sistema imunológico preparado para
evitar que se adoeça novamente, não é esta a cura de uma análise. Mas
entendemos que é possível se dizer que é um processo que encarando o
estranho, reencontrando-se com o Real, favorece as condições para encontrar-
se com o desejo enquanto causa, enquanto falta, como resto que não cessa de
não se inscrever – Lacan o formalizou como objeto a
Diante do exposto pode-se concluir que se o analisante não terá como
saldo de sua análise a felicidade plena, tampouco será um estado permanente
de angústia. Pode-se dizer que seu resultado não será nem um nem outro, mas
dizendo com outras palavras, no reconhecimento de sua experiência ética,
nos encontros e desencontros de sua vida poderá vivê-la, digamos assim, de
modo mais a-d(i)vertido.
Do ponto de vista da terapêutica psicanalítica a angústia não é um
sintoma a ser curado, isto é, uma análise não tem a pretensão de eliminar a
angústia. Mas é uma prática que se estabelece a partir dela e o resultado
desta prática não se dá sem ela. E, do ponto de vista da prática em
pesquisa a angústia é convocada como um primeiro movimento da pesquisa,
momento de estranhamento ou instante de ver, precisamente o momento de
discriminação de um fenômeno a ser estudado. Outrossim, este primeiro
momento está intimamente relacionado ao último, ou ao momento de concluir,
posto que aí se configura explicitamente a repetição com diferença ou o
real que não cessa de não se inscrever, tal como abordam as autoras Alba
Guerra e Glória Carvalho, no livro Interpretação e Método, que será
retomado no final desta comunicação.

A DIREÇÃO DO TRATAMENTO SOB UM SINAL QUE NÃO ENGANA

Uma análise não se realiza sem a angústia. Destaca-se aqui a angústia
tomada como sinal para o analista, uma vez que sua prática não é orientada
pela aplicação sistemática de conhecimentos que lhe permitiriam prever os
efeitos de sua intervenção. A prática analítica está atenta ao saber que se
formaliza no curso de sua experiência. Em outras palavras, sua experiência
trata-se de uma prática que põe em questão a causa do sujeito. E isso
implica a angústia.
A eficácia da análise não está em um conhecimento sobre como curar-se
da angústia, ou dito de outro modo em como fazer para dar a resposta
correta ao desejo do Outro – supondo que assim se ingressaria novamente no
paraíso, ou seja, em um estado perene de harmonia. Mas, sim sua eficácia
está na reconstrução de um saber sobre a causa de si, articulado ao
imperativo que se impõe diante da falta no Outro.
Obviamente esta reconstrução exige o instrumental da transferência,
que permite ao analista posicionar-se no interior da trama fantasmática do
analisante e assim atualizar "a cena traumática" originária do che vuoi?
Mas, em que consiste a eficácia de um saber sobre a causa de um sujeito?
Como isso funciona na prática?
O fragmento que relato a seguir tenciona demonstrar, ainda que de
modo bastante breve, a partir de uma intervenção do analista, a evocação do
estranho como correlato da angústia, e assim precipitando uma série cujo
eixo central é a identificação com uma posição subjetiva em se colocar como
objeto de amor para o outro. A analisante busca assim sustentar a fantasia
de um Outro complacente e amoroso, escamoteando sua falta, e os sofrimentos
dos quais se queixa são traduzidos por um lado como devo não estar fazendo
correto? E, por outro ninguém valoriza os meus esforços?!
O estranhamento causado conduz, afetado pela angústia, através da
atualização da série significante, à falta no Outro e por conseguinte a
revisão de sua demanda culminando com a queda da vestimenta narcísica à
qual se identificava, para expor na fratura do imaginário a linha de força
que impulsiona para além das identificações, isto é, o desejo.

UM FRAGMENTO DE ANÁLISE. SÓ DEPOIS … UMA LEITURA POSSÍVEL.

A teoria psicanalítica adverte que na prática é preciso empreender os
esforços para avançar além das resistências, que amiúde se apresentam sob o
modo de um significado "bem acomodado" - confortavelmente ou não; e a
conduzir-nos pelos efeitos do significante tal como estes se associam no
discurso do analisante. No descompasso efetivado pela pergunta, o analista
interroga, tal como O diabo amoroso no conto de J. Cazzote – che vuoi?
Sem rodeios a questão aponta para a cena que encobre a verdade do
desejo. A analisante reponde à falta no Outro com o dom, se entregando como
objeto supostamente possível de completar esta falta.
Isto aparece em seu discurso manifesto quando se reconhece fazendo
sacrifícios, investindo enormemente na busca por um amor como supostamente
havia tido com seu amigo, ''um amor puro, uma união perfeita", … sentimento
oceânico. Esta busca a prende a um fantasma (no sentido de um morto que
permanece vivo) que a faz ainda após anos lamentar a perda e desejar o
reencontro com este "amigo". Um reencontro com o objeto perdido.
Por um lado esta busca a deixava sentindo-se estranha neste mundo e
desejando um encontro impossível em um outro mundo tal como supostamente
viveu com seu amigo. Dizia que todos os dias lembrava de seu amigo, seu
olhar, seu amor. Lamentando profundamente não estar com ele.
O fato de não corresponder de acordo com as normas da boa educação
isso produz um estranhamento. Contudo é o que possibilita trazer à tona uma
outra cena que permanecia sob recalque. A não correspondência à demanda de
amor faz despencar as galas narcísicas depositadas no analista, onde uma
das resistências à análise estava na tentativa de reconhecer nesta uma
relação especular sob o signo do amor.
O estranho é um dos modos de irrupção daquilo que está intimamente
relacionado ao ser porém lhe escapa á sua apreensão, ou dito de outro modo,
o que revela ao ser sua falta à ser. A não correspondência a algo tão
trivial como uma saudação amistosa, tão familiar aos comportamentos
civilizadamente domesticados, cria uma espécie de cisão que permitirá expor
um conteúdo que até então estava em latência.
A irrupção da angústia faz bascular as identificações cristalizadas e
precipita o ato enquanto sustentação do desejo. De outro modo a prática
analítica correria o grande risco de perder-se na algaravia dos sentimentos
e assim tornar-se uma prática inócua confundindo a cura com uma espécie de
harmonia afetiva do sujeito.
*
Este texto é uma versão, parcial e com alterações, do trabalho
apresentado na IX Jornada de Saúde Mental e Psicanálise realizada na PUCPr
em maio 2015.
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