A aplicação da legislação de segurança ao incêndio na reabilitação de edifícios: Análise do quadro regulamentar (comunicação)

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A aplicação da legislação de segurança ao incêndio na reabilitação de edifícios: Análise do quadro regulamentar João Branco Pedro LNEC, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Av. do Brasil 101, 1700-066 Lisboa, Portugal email: [email protected]

António Leça Coelho. Santos LNEC, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Av. do Brasil 101, 1700-066 Lisboa, Portugal email: [email protected]

Resumo As normas legais de segurança contra incêndios em vigor em Portugal foram concebidas tendo por objeto primordial de aplicação a construção nova. Quando são realizadas obras em edifícios existentes, existe alguma flexibilidade na aplicação destas normas. Porém, face à complexidade do quadro normativo da construção em Portugal, nem sempre é consensual o grau de flexibilidade legalmente admissível. Neste contexto, apresenta-se nesta comunicação uma análise do âmbito de aplicação das normas legais de segurança contra incêndios por tipo de obra. A análise cinge-se aos edifícios habitacionais. A interpretação das normas legais de segurança contra incêndios é enquadrada no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação. Conclui-se que: i) todas as obras em imóveis classificados estão isentas de cumprir as normas legais de segurança contra incêndios se o cumprimento se revelar lesivo dos edifícios ou for de concretização manifestamente desproporcionada, devendo ser adotadas as medidas de autoproteção adequadas; ii) todas as restantes obras devem cumprir as normas legais de segurança contra incêndio; iii) pode ser dispensada a aplicação de algumas disposições do RTSCIE quando elas obrigarem à realização de trabalhos que em virtude das «características construtivas, arquitetónicas, ou de funcionamento e exploração dos edifícios e recintos» são manifestamente desproporcionados. A dispensa de satisfazer algumas disposições obriga a que sejam satisfeitas as seguintes condições: i) as disposições que não são satisfeitas devem ser compensadas por meios de segurança adequados e integrados no projeto de SCIE; ii) o projeto de SCIE deve ser adequadamente fundamentado, podendo recorrer-se a métodos de análise de risco reconhecidos pela ANPC; iii) o técnico autor do projeto de SCIE deve elencar no termo de responsabilidade as disposições não satisfeitas; e, iv) o projeto de SCIE deve ser aprovado pela ANPCC. Os resultados desta comunicação servem para informar projetistas e promover uma aplicação uniforme por parte das entidades licenciadoras.

Palavras-chave: Segurança contra incêndio, Edifícios habitacionais, Regulamentação

Pedro, J.B.; Coelho, A.L. – A aplicação da legislação de segurança ao incêndio na reabilitação de edifícios: Análise do quadro regulamentar

1. Introdução As normas legais e regulamentares aplicáveis à construção definem exigências mínimas para assegurar que os edifícios proporcionam condições de segurança, saúde, higiene, conforto, adequação ao uso, durabilidade e uso eficiente da energia para todas as pessoas que neles vivem ou trabalham. Em Portugal essas normas foram concebidas tendo por objeto primordial de aplicação a construção nova. Quando aplicadas nas obras em edifícios existentes, estas normas podem revelar-se desajustadas. Se não forem consideradas as caraterísticas do edifício existente, a aplicação das exigências regulamentares pode obrigar a intervenções demasiadamente complexas, com fortes impactes no património construído ou que requerem a mobilização de recursos económico-financeiros considerados excessivos. Atendendo a esta situação, os regimes que estabelecem o controlo público das operações urbanísticas admitem, ao abrigo do princípio da proteção do existente, que alguns tipos de obras podem não cumprir a legislação que entrou em vigor após a sua construção. Esta flexibilidade só é possível quando a legislação específica não incluir explicitamente as obras nos edifícios existentes no seu âmbito de aplicação. Face à complexidade do quadro normativo da construção em Portugal, o âmbito de aplicação das normas legais e regulamentares aplicáveis às obras em edifícios habitacionais existentes nem sempre é consensual. Neste contexto, apresenta-se nesta comunicação uma análise do âmbito de aplicação das normas legais de segurança contra incêndios por tipo de obra do «Regime jurídico da urbanização e da edificação» (RJUE) [1]. Por razões de maior representatividade no universo dos edifícios existentes, a análise limitou-se aos edifícios habitacionais. Os resultados desta comunicação servem para informar projetistas e promover uma aplicação uniforme por parte das entidades licenciadoras.

2. Método de investigação Para dar resposta à questão acima colocada foram realizadas as seguintes tarefas: 1) 2) 3)

estudo do RJUE, dando particular enfase aos tipos de obras e ao «princípio da proteção do existente»; levantamento e análise do âmbito das normas legais e regulamentares de segurança contra incêndios aplicáveis às obras em edifícios existentes; cruzamento dos tipos de obras com o âmbito de aplicação das normas de SCIE.

3. Regime jurídico da urbanização e da edificação O «Regime jurídico da urbanização e da edificação» (RJUE) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro [1], e objeto de diversas alterações posteriores sendo a última efetuada pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de setembro [2]. Este regime estabelece as regras do controlo público sobre as operações urbanísticas com vista a garantir o respeito dos interesses públicos urbanísticos e ambientais.

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1.º Congresso de Reabilitação Urbana e SCIE | 30 de novembro de 2015

Pedro, J.B.; Coelho, A.L. – A aplicação da legislação de segurança ao incêndio na reabilitação de edifícios: Análise do quadro regulamentar

De acordo com o artigo 2.º do RJUE os tipos de obras de edificação obedecem à seguinte classificação: b) c)

d)

e) f)

«Obras de construção», as obras de criação de novas edificações; «Obras de reconstrução», as obras de construção subsequentes à demolição, total ou parcial, de uma edificação existente, das quais resulte a reconstituição da estrutura das fachadas; «Obras de alteração», as obras de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente, ou sua fração, designadamente a respetiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior, sem aumento da área total de construção, da área de implantação ou da altura da fachada; «Obras de ampliação», as obras de que resulte o aumento da área de implantação, da área total de construção, da altura da fachada ou do volume de uma edificação existente; «Obras de conservação», as obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação ou limpeza; […]

Para garantir a possibilidade de se proceder à conservação e reabilitação do património construído e consolidado, o RJUE consagra, no artigo 60.º, o princípio da proteção do existente. Segundo este artigo, uma pretensão para realizar obras de reconstrução ou obras de alteração, mesmo que seja desconforme com normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária, não pode ser recusada se for verificada uma das seguintes condições: 1) 2)

as obras não originam nem agravam desconformidades com essas normas; apesar de originarem ou agravarem desconformidades com essas normas, as obras têm como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação.

Porém, o princípio não é absoluto. No número 4 do artigo 60.º do RJUE é estabelecido que a lei pode condicionar a execução de obras de alteração e de obras de reconstrução à realização de trabalhos essenciais para garantir condições de segurança e salubridade. Para que isso se verifique, as normas regulamentares, aprovadas por legislação específica que se sobrepõem ao princípio da proteção do existente, devem referir de forma explícita e inequívoca que se aplicam a edifícios existentes.

4. Regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios O «Regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios» (RJSCIE) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 220/2008, 12 de novembro [4], e alterado pelo Decreto-Lei n.º 224/2015, de 9 de outubro [5]. O RJSCIE engloba as disposições regulamentares de segurança contra incêndio aplicáveis a todos os edifícios e recintos, distribuídos por 12 utilizações-tipo, sendo cada uma delas, por seu turno, classificada numa das quatro categorias de risco de incêndio previstas no Decreto-Lei. São considerados não apenas os edifícios de utilização exclusiva, mas também os edifícios de ocupação mista. O artigo 2.º do RJSCIE define que para efeitos da aplicação deste regime se entende por «Edifício toda e qualquer edificação destinada à utilização humana que disponha, na totalidade ou em parte, de um espaço interior» para as seguintes utilizações-tipo: habitacionais; estacionamentos; administrativos; escolares; hospitalares; espetáculos e reuniões públicas; hoteleiros e restauração; comerciais e gares de transportes; desportivos e de lazer; museus e galerias de arte; bibliotecas e arquivos; industriais, oficinas e armazéns. Nesta definição não é feita qualquer distinção entre edifícios novos e existentes.

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O número 1 do artigo 3.º do RJSCIE estabelece o âmbito de aplicação do regime de segurança contra incêndios, como se transcreve em seguida: 1 – Estão sujeitos ao regime de segurança contra incêndios: a) Os edifícios, ou suas frações autónomas, qualquer que seja a utilização e respetiva envolvente; b) Os edifícios de apoio a instalações de armazenamento de produtos de petróleo e a instalações de postos de abastecimento de combustíveis, tais como estabelecimentos de restauração, comerciais e oficinas, reguladas pelo Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º 302/2001, de 23 de novembro; c) Os recintos permanentes; d) Os recintos provisórios ou itinerantes, de acordo com as condições de SCIE previstas no anexo II ao regulamento técnico referido no artigo 15.º; e) Os edifícios de apoio a instalações de armazenagem e tratamento industrial de petróleos brutos, seus derivados e resíduos, reguladas pelo Decreto n.º 36270, de 9 de maio, de 1947; f) Os edifícios de apoio a instalações de receção, armazenamento e regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) reguladas pelos Decretos-Leis n.os 30/2006, de 15 de fevereiro, e 140/2006, de 26 de julho; g) Os edifícios de apoio a instalações afetas à indústria de pirotecnia e à indústria extrativa; h) Os edifícios de apoio a instalações dos estabelecimentos que transformem ou armazenem substâncias e produtos explosivos ou radioativos.

De acordo com o estabelecido neste número são abrangidos, entre outros, os edifícios ou suas frações autónomas, não sendo feita distinção entre edifícios existentes e edifícios novos. O Decreto-Lei n.º 224/2015, de 9 de outubro, alterou este número explicitando a aplicação do RJSCIE aos edifícios de apoio de vários tipos de instalações industriais. Os números 2 e 3 do artigo 3.º do RJSCIE estabelecem diversas exceções ao disposto no número 1, como se transcreve: 2 – Excetuam-se do disposto no número anterior: a) Os estabelecimentos prisionais e os espaços classificados de acesso restrito das instalações de forças armadas ou de segurança; b) Os paióis de munições ou de explosivos e as carreiras de tiro. 3 – Estão apenas sujeitas ao regime de segurança em matéria de acessibilidade dos meios de socorro e de disponibilidade de água para combate a incêndio, aplicando-se nos demais aspetos os respetivos regimes específicos, as instalações que não disponham de legislação específica ou que dispondo de legislação específica a mesma não contemple as referidas matérias.

Neste número, os edifícios existentes não são incluídos nas situações excecionadas. O número 4 do artigo 3.º do RJSCIE estabelece que: Nos edifícios de habitação, excetuam-se do disposto no n.º 1, os espaços interiores de cada habitação, onde se aplicam as condições de segurança das instalações técnicas e demais exceções previstas no regulamento técnico.

Segundo este número, ficam excecionados do âmbito de aplicação do RJSCIE os espaços interiores das habitações, aplicando-se nesses espaços apenas as condições de segurança das instalações técnicas e algumas disposições, poucas, previstas no «Regulamento técnico de segurança contra incêndio em edifícios» (RTSCIE) [6].

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O número 5 do artigo 3.º do RJSCIE estabelece que: Quando o cumprimento das normas de segurança contra incêndio nos imóveis classificados ou em vias de classificação se revele lesivo dos mesmos ou sejam de concretização manifestamente desproporcionada, são adotadas as medidas de autoproteção adequadas, após parecer da ANPC [Autoridade Nacional de Proteção Civil].

Este número flexibiliza a aplicação do RJSCIE em imóveis classificados e tem implícito que o RJSCIE se aplica a edifícios existentes. O artigo 14.º do RJSCIE estabelece as condições de aplicação deste regime aos edifícios e recintos novos nos quais se verifiquem situações de «perigosidade atípica»: No caso de edifícios e recintos novos, quando, comprovadamente, as disposições do regulamento técnico referido no artigo 15.º sejam desadequadas face às grandes dimensões em altimetria ou planimetria ou às suas características de funcionamento, ou de exploração ou construtivas, tais edifícios e recintos ou as suas frações são classificados de perigosidade atípica e ficam sujeitos a soluções de SCIE que, cumulativamente: a) Sejam objeto de fundamentação adequada baseada em métodos de análise de risco que venham a ser reconhecidos pela ANPC ou em métodos de ensaio ou modelos de cálculo ou seja baseada em novas tecnologias ou em tecnologias não previstas no presente decreto-lei, cujo desempenho ao nível da SCIE seja devidamente justificado, no âmbito das disposições construtivas ou dos sistemas e equipamentos de segurança; b) [Revogada]; c) Sejam explicitamente referidas como não conformes no termo de responsabilidade do autor do projeto; d) Sejam aprovadas pela ANPC.

Este artigo admite que nos edifícios e recintos novos a satisfação de algumas disposições do RTSCIE pode ser dispensada quando essas disposições forem manifestamente desadequadas face às caraterísticas dos edifícios e recintos a construir. Nestas circunstâncias devem ser satisfeitas as seguintes condições: i) o projeto de SCIE deve ser adequadamente fundamentado (podendo recorrer-se a métodos de análise de risco reconhecidos pela ANPC); ii) o técnico autor do projeto de SCIE deve elencar no termo de responsabilidade as disposições não satisfeitas; e, iii) o projeto de SCIE deve ser aprovado pela ANPC. Na redação deste artigo está implícito que as disposições que não são satisfeitas devem ser compensadas por meios de segurança adequados e integrados no projeto de SCIE. O artigo 14.º-A do RJSCIE, aditado pelo Decreto-Lei n.º 224/2015, de 9 de outubro, estabelece especificamente as condições de aplicação deste regime aos edifícios e recintos existentes: 1 – Estão sujeitos ao disposto no presente decreto-lei, nos termos do regime jurídico da urbanização e edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, as operações urbanísticas referentes a edifícios, ou suas frações autónomas, e recintos existentes, construídos ao abrigo do direito anterior. 2 – Pode ser dispensada a aplicação de algumas disposições do regulamento técnico referido no artigo 15.º quando a sua aplicação seja manifestamente desproporcionada pelas suas características construtivas, arquitetónicas, ou de funcionamento e exploração dos edifícios e recintos. 3 – No caso referido no número anterior, devem ser previstos pelo projetista meios de segurança compensatórios, adequados para cada situação, desde que sejam integrados em soluções de segurança contra incêndio que, cumulativamente: a) Sejam compatíveis com a natureza da intervenção e com o grau de proteção que podem ter os edifícios e recintos; b) Seja mencionado no termo de responsabilidade, pelo autor do projeto, a proposta de dispensa de acordo com o número anterior;

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c)

d)

Sejam objeto de fundamentação adequada na memória descritiva do projeto, a qual pode ser baseada em métodos de análise de risco que venham a ser reconhecidos pela ANPC ou em métodos de ensaio ou modelos de cálculo ou seja baseada em novas tecnologias ou em tecnologias não previstas no presente decreto-lei, cujo desempenho ao nível da SCIE seja devidamente justificado, no âmbito das disposições construtivas ou dos sistemas e equipamentos de segurança; Sejam aprovadas pela ANPC.

Este novo artigo esclarece que o RJSCIE se aplica a todas as operações urbanísticas em edifícios e recintos existentes, desde que construídos ao abrigo do direito anterior. Porem, a satisfação de algumas disposições do RTSCIE pode ser dispensada nos edifícios e recintos existentes quando essas disposições obrigarem à realização de trabalhos manifestamente desproporcionados. Nestas circunstâncias, devem ser satisfeitas as seguintes condições: i) as disposições que não são satisfeitas devem ser compensadas por meios de segurança adequados e integrados no projeto de SCIE; ii) o projeto de SCIE deve ser adequadamente fundamentado (podendo recorrer-se a métodos de análise de risco reconhecidos pela ANPC); iii) o técnico autor do projeto de SCIE deve elencar no termo de responsabilidade as disposições não satisfeitas; e, iv) o projeto de SCIE deve ser aprovado pela ANPC. No artigo 15.º do RJSCIE é prevista a publicação de um regulamento técnico com as condições técnicas gerais e específicas da SCIE por portaria do membro do Governo responsável pela área da proteção civil. Esse regulamento técnico foi publicado na Portaria n.º 1532/2008, 29 de dezembro [6] (vd. 4.2). Os números 1 e 2 do artigo 17.º do RJSCIE estabelecem que: 1 – Os procedimentos administrativos respeitantes a operações urbanísticas são instruídos com um projeto de especialidade de Segurança Contra Incêndios em Edifícios, com o conteúdo descrito no anexo IV ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante. 2 – As operações urbanísticas das utilizações-tipo I, II, III, VI, VII, VIII, IX, X, XI e XII da 1.ª categoria de risco, são dispensadas da apresentação de projeto de especialidade de SCIE, o qual é substituído por uma ficha de segurança por cada utilização-tipo, conforme modelos aprovados pela ANPC, com o conteúdo descrito no anexo v ao presente decreto-lei, que dele faz parte integrante.

Destes números resulta que as operações urbanísticas em edifícios da 1.ª categoria de risco nas diversas utilizações-tipo, com exceção das utilizações escolares e hospitalares, estão dispensadas da apresentação de projeto de SCIE, sendo este substituído por uma ficha de segurança. Ao analisar o artigo 17.º do RJSCIE importa ter presente que o artigo 6.º do RJUE isenta de controlo prévio, entre outras, as seguintes operações urbanísticas: a) b)

c)

as obras de conservação; as obras de alteração no interior de edifícios ou suas frações que não impliquem modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas e da forma dos telhados ou coberturas; as obras de escassa relevância urbanística […].

Porém, o número 8 do mesmo artigo do RJUE esclarece que a isenção de controlo prévio de determinadas obras não isenta a realização das operações urbanísticas da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente as normas técnicas de construção.

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5. Regulamento técnico de segurança contra incêndio em edifícios O «Regulamento técnico de segurança contra incêndio em edifícios» (RTSCIE) foi aprovado pela Portaria n.º 1532/2008, 29 de dezembro [6]. O RTSCIE estabelece as disposições técnicas gerais e específicas de SCIE referentes às condições exteriores comuns, às condições de comportamento ao fogo, isolamento e proteção, às condições de evacuação, às condições das instalações técnicas, às condições dos equipamentos e sistemas de segurança e às condições de autoproteção. O artigo 2.º estabelece o âmbito de aplicação do RTSCIE, como se transcreve em seguida: O presente Regulamento Técnico de Segurança Contra Incêndio em Edifícios aplica-se a todos os edifícios e recintos, em conformidade com o regime jurídico de Segurança Contra Incêndios em Edifícios, constante do Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro.

Verifica-se que o âmbito de aplicação do RTSCIE é idêntico ao do RJSCIE. O artigo 1.º do RTSCIE estabelece o objeto, como se transcreve em seguida: A presente Portaria tem por objecto a regulamentação técnica das condições de segurança contra incêndio em edifícios e recintos, a que devem obedecer os projectos de arquitectura, os projectos de Segurança Contra Incêndio em Edifícios e os projectos das restantes especialidades a concretizar em obra, designadamente no que se refere às condições gerais e específicas de Segurança Contra Incêndio em Edifícios referentes às condições exteriores comuns, às condições de comportamento ao fogo, isolamento e protecção, às condições de evacuação, às condições das instalações técnicas, às condições dos equipamentos e sistemas de segurança e às condições de autoprotecção, sendo estas últimas igualmente aplicáveis aos edifícios e recintos já existentes à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro.

De acordo com este artigo: 1) 2)

3)

o RTSCIE estabelece as condições de segurança contra incêndio a satisfazer no âmbito de aplicação do RJSCIE; os projetos de arquitetura, de segurança contra incêndio em edifícios e das restantes especialidades a concretizar nas operações urbanísticas devem obedecer ao disposto no RTSCIE; as condições de autoproteção aplicam-se também aos edifícios existentes, mesmo que esses edifícios não sejam sujeitos a qualquer operação urbanística.

Observa-se que as medidas gerais de autoproteção exigidas no regulamento são de natureza procedimental (e.g., registos de segurança, procedimentos de prevenção, plano de prevenção, procedimentos em caso de emergência, plano de emergência interno, ações de sensibilização e formação em segurança contra incêndio em edifícios, simulacros), não obrigando à realização de obras.

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6. Síntese de resultados Conclui-se que o RJSCIE e o RTSCIE se aplicam aos edifícios habitacionais existentes como se indica em seguida: 1)

Todos as obras em imóveis classificados estão isentas de cumprir o RJSCIE e o RTSCIE se o cumprimento se revelar lesivo dos edifícios ou for de concretização manifestamente desproporcionada, devendo ser adotadas as medidas de autoproteção adequadas, após parecer da Autoridade Nacional de Proteção Civil;

2)

Todas as restantes obras devem cumprir o RJSCIE e o RTSCIE;

3)

Pode ser dispensada a aplicação de algumas disposições do RTSCIE quando elas obrigarem à realização de trabalhos que em virtude das «características construtivas, arquitetónicas, ou de funcionamento e exploração dos edifícios e recintos» são manifestamente desproporcionados; esta dispensa obriga a que sejam satisfeitas as seguintes condições: – – – –

as disposições que não são satisfeitas devem ser compensadas por meios de segurança adequados e integrados no projeto de SCIE; o projeto de SCIE deve ser adequadamente fundamentado, podendo recorrer-se a métodos de análise de risco reconhecidos pela ANPC; o técnico autor do projeto de SCIE deve elencar no termo de responsabilidade as disposições não satisfeitas; o projeto de SCIE deve ser aprovado pela ANPC.

No Quadro 1 sistematiza-se como o RJSCIE e o RTSCIE se aplicam aos diferentes tipos de obras em edifícios habitacionais. Na elaboração deste Quadro foram consideradas as condições de aplicação do RTSCIE aos edifícios e recintos novos nos quais se verifiquem situações de «perigosidade atípica» (artigo 14.º). As partes alteradas ou construídas de novo devem verificar uma das seguintes condições: i) não criam ou agravam desconformidades das partes existentes com o disposto no RJSCIE e no RTSCIE; ou ii) apesar de se criarem ou agravarem desconformidades, as obras conduzem a uma melhoria das condições globais de segurança contra incêndio do edifício. Por exemplo, numa obra de ampliação de um edifício, a construção de um novo piso não pode aumentar o efetivo de utilizadores de modo a que os caminhos de evacuação através do parte existente deixem de cumprir as exigências regulamentares. Entende-se que o artigo 14.º-A do RJSCIE define de forma explícita e inequívoca condições de segurança ao incêndio para as operações urbanísticas em edifícios existentes. Estas condições enquadram-se no previsto no número 4 do artigo 60.º do RJUE, pois destinam-se a contribuir para a melhoria das condições de segurança e salubridade das edificações existentes. Por este motivo, considera-se que o princípio da proteção do existente consagrado no número 2 do mesmo artigo do RJUE deixe de se aplicar às normas constantes do RTSCIE.

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Quadro 1 – Aplicação do RJSCIE e do RTSCIE por tipo de obra em edifícios habitacionais

Tipos de obra

Aplicação

Todos os tipos de obras em imóveis classificados

Estão isentas de cumprir o disposto no RJSCIE e no RTSCIE se o cumprimento se revelar lesivo dos edifícios ou for de concretização manifestamente desproporcionada, Devem ser adotadas as medidas de autoproteção adequadas. Devem cumprir o disposto no RJSCIE e no RTSCIE.

Obras de alteração* (na parte alterada)

Obras de ampliação* (que não constituem corpos novos)

Pode ser dispensada a aplicação de algumas disposições do RTSCIE quando elas obrigarem à realização de trabalhos que em virtude das «características construtivas, arquitetónicas, ou de funcionamento e exploração dos edifícios e recintos» são manifestamente desproporcionados. De acordo com o artigo 14.º-A esta dispensa obriga a que sejam satisfeitas as seguintes condições: i) as disposições que não são satisfeitas devem ser compensadas por meios de segurança adequados e integrados no projeto de SCIE;

Obras de reconstrução* (reconstrução parcial)

ii) o projeto de SCIE deve ser adequadamente fundamentado, podendo recorrer-se a métodos de análise de risco reconhecidos pela ANPC; iii) o técnico autor do projeto de SCIE deve elencar no termo de responsabilidade as disposições não satisfeitas; iv) o projeto de SCIE deve ser aprovado pela ANPC. Devem cumprir o disposto no RJSCIE e no RTSCIE.

Obras de ampliação* (que constituem corpos novos)

Obras de reconstrução* (reconstrução total)

Pode ser dispensada a aplicação de algumas disposições do RTSCIE quando elas forem manifestamente desadequadas «face às grandes dimensões em altimetria ou planimetria ou às suas características de funcionamento, ou de exploração ou construtivas» dos edifícios e recintos. De acordo com o conteúdo do artigo 14.º esta dispensa obriga a que sejam satisfeitas as seguintes condições: i) o projeto de SCIE deve ser adequadamente fundamentado, podendo recorrer-se a métodos de análise de risco reconhecidos pela ANPC; ii) o técnico autor do projeto de SCIE deve elencar no termo de responsabilidade as disposições não satisfeitas;

Obras de construção

iii) o projeto de SCIE deve ser aprovado pela ANPC. Está implícito no artigo 14.º que as disposições que não são satisfeitas devem ser compensadas por meios de segurança adequados e integrados no projeto de SCIE.

* As partes alteradas ou construídas de novo devem verificar uma das seguintes condições: i) não criam ou agravam desconformidades das partes existentes com o disposto no RJSCIE e no RTSCIE; ou ii) apesar de se criarem ou agravarem desconformidades, as obras conduzem a uma melhoria das condições globais de segurança contra incêndio do edifício.

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7. Notas finais Antes da publicação do Decreto-Lei n.º 224/2015, de 9 de outubro, era complexo determinar o âmbito de aplicação do RJSCIE e do RTSCIE quando realizadas obras em edifícios existentes. Atendendo a esta situação e no sentido de melhor compreender as condições de aplicação do RJSCIE e do RTSCIE, foi realizado um estudo com três objetivos [7] [8]: i) analisar o âmbito de aplicação das normas legais e regulamentares de SCIE por tipo de obra; ii) caraterizar as principais dificuldades de observar o disposto nessas normas legais e regulamentares; e, iii) identificar medidas que podem ser adotadas para resolver essas dificuldades. Para dar resposta aos objetivos ii) e iii) foi realizado um inquérito cujos resultados foram divulgados através de uma comunicação apresentada neste congresso com o título «A aplicação da legislação de segurança ao incêndio na reabilitação de edifícios: Resultados de inquérito a entidades e profissionais do sector da construção». A publicação do Decreto-Lei n.º 224/2015, de 9 de outubro, em particular o novo artigo 14.º-A, veio esclarecer como o RJSCIE e o RTSCIE se aplicam às obras em edifícios e recintos existentes. A elaboração deste artigo teve em consideração os resultados do estudo acima referido. Entende-se que a introdução do artigo 14.º-A no RJSCIE constitui uma evolução positiva do quadro regulamentar por três motivos: i) define de forma inequívoca que o RJSCIE e o RTSCIE se aplica às obras em edifícios existentes; ii) admite a dispensa de disposições que sejam manifestamente desproporcionadas; e, iii) determina que essa dispensa seja justificada por metodologias rigorosas e reconhecidas. Estas metodologias podem adotar uma formulação exigencial dos requisitos de segurança, quebrando a tradição de formulação prescritiva da regulamentação técnica de construção. Entende-se que uma formulação exigencial dos requisitos de SCIE é a melhor via para conciliar a garantia de um adequado nível de segurança com a variabilidade de situação encontradas nas obras em edifícios existentes. A possibilidade de justificar a dispensa de cumprir algumas disposições recorrendo a métodos de análise de risco reconhecidos pela ANPC já estava consagrada desde 2008 para situações de perigosidade atípica, através no artigo 14.º do RJSCIE. Porém, tanto quanto se tem conhecimento, esta possibilidade não é ainda viável por não existirem métodos de análise de risco que, cumulativamente, integrem todas os fatores com impacte no risco e se fundamentem numa engenharia de segurança. Atendendo a que atualmente existe um número muito significativo de intervenções urbanísticas em edifícios existentes e tendo presente as dificuldades de aplicar o RTSCIE nessas operações, considerase urgente o desenvolvimento de métodos de análise de risco. As alterações introduzidas pelo novo artigo 14.º-A do RJSCIE estão dependente da implementação dos referidos métodos. Este tema é desenvolvido numa outra comunicação apresentada a este congresso com o título «A análise de risco como instrumento de apoio ao projeto de segurança ao incêndio na reabilitação de edifícios». No futuro, quando as metodologias de análise de risco estiverem amplamente testadas, a aprovação pela ANPC do projeto de segurança contra incêndio de edifícios existentes poderá ser simplificada. Nessa altura, o controlo prévio sobre estes projetos será idêntico ao da generalidade dos restantes projetos de especialidade.

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Referências [1]

Decreto-Lei n.º 555/99 [Estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação]. Diário da República, 1.ª Série. Número 291 (1999-12-16) pp. 8912-8942.

[2]

Decreto-Lei n.º 136/2014 [Procede à décima terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação]. Diário da República, 1.ª Série. Número 173 (2014-09-09) pp. 4809-4860.

[3]

Decreto-Lei n.º 307/2009 [No uso da autorização concedida pela Lei n.º 95-A/2009, de 2 de setembro, aprova o regime jurídico da reabilitação urbana]. Diário da República, 1.ª Série. Número 206 (2009-1023) pp. 7956-7975.

[4]

Decreto-Lei n.º 220/2008 [Estabelece o regime jurídico da segurança contra incêndios em edifícios]. Diário da República, 1.ª Série. Número 220 (2008-11-12) pp. 7903-7922.

[5]

Decreto-Lei n.º 224/2015 [Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro, que estabelece o regime jurídico da segurança contra incêndio em edifícios]. Diário da República, 1.ª Série. Número 198 (2015-10-09) pp. 8740-8774.

[6]

Portaria n.º 1532/2008 [Aprova o Regulamento Técnico de Segurança contra Incêndio em Edifícios (RTSCIE)]. Diário da República, 1.ª Série. Número 250 (2008-12-29) pp. 9050-9127.

[7]

Pedro, J. Branco; Coelho, A. Leça; Pinto, Armando; Pina dos Santos, C.; Viegas, João C.; Lopes, J. Grandão; Patrício, Jorge; Campos, Vitor – Regulamentação técnica da construção nas obras em edifícios existentes: Análise do quadro legal. Lisboa: LNEC, 2015a (em edição).

[8]

Pedro, J. Branco; Coelho, A. Leça; Pinto, Armando; Pina dos Santos, C.; Viegas, João C.; Lopes, J. Grandão; Patrício, Jorge; Campos, Vitor – Regulamentação técnica da construção nas obras em edifícios existentes: Análise da aplicação e sugestões de melhoria. Lisboa: LNEC, 2015b (em edição).

1.º Congresso de Reabilitação Urbana e SCIE | 30 de novembro de 2015

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