A APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO AOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

June 5, 2017 | Autor: C. Chagas Simões ... | Categoria: Domestic Violence, Feminism and Social Justice
Share Embed


Descrição do Produto

Centro Universitário do Distrito Federal – UDF Coordenação do Curso de Direito

CAMILA CHAGAS SIMÕES DELGADO

A APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO AOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Brasília 2015

CAMILA CHAGAS SIMÕES DELGADO

A APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO AOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Coordenação de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal UDF, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Jamile Campelo Gabriel Nunes.

Brasília 2015

Delgado, Camila Chagas Simões. A aplicação da suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica / Camila Chagas Simões Delgado. -- Brasília, 2015. 64 f. Orientador: Jamile Campelo Gabriel Nunes. Trabalho de conclusão de curso (pós-graduação – Direito) -- Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. Coordenação de Direito, Brasília, DF, 2015. 1. Suspensão Condicional do Processo. 2. Lei Maria da Penha. 3. Supremo Tribunal Federal. I. A aplicação da suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica. 343.55

CAMILA CHAGAS SIMÕES DELGADO

A APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO AOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Coordenação de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal UDF, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Jamile Campelo Gabriel Nunes.

Brasília, _____ de _________ de 2015.

Banca Examinadora

___________________________________________ JAMILE CAMPELO GABRIEL NUNES Pós-graduação em Docência UDF

_________________________________________ ALESSANDRA DE LA VEGA MIRANDA Doutorado em Direito UDF

__________________________________________ ANA PAULA DÓRIA DE CARVALHO Pós-graduação em Docência UDF NOTA: ______

Dedico ao meu parceiro de vida, Rodrigo Delgado, pelo amor e apoio incondicional na realização deste trabalho.

AGRADECIMENTO Primeiramente, gostaria de agradecer a minha orientadora Jamile Campelo por ter me ajudado nesse processo de crescimento e aprendizagem, a professora Alessandra de La Vega por me iniciar no mundo da pesquisa, a professora Ana Paula Dória por participar da banca, ao Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) mais especificamente a coordenação do curso de Direito na pessoa do coordenador e professor Valdir Pucci, por esses longos anos de aprendizado e aos bibliotecários da UDF, ilustres parceiros nessa estrada, na pessoa do bibliotecário Vinícius, pela imprescindível ajuda na formatação da monografia. Meu obrigada especial à Jéssica Galvão, com quem pude discutir calorosamente sobre o tema, me dando segurança sobre o assunto e ampliando meus horizontes. Agradeço à minha mãe e ao nosso amor incondicional, ao meu Pai e a nossa velha e fiel amizade. Ao meu Maninho por me contemplar como sua irmã. E ao Rodrigo, amor que me eleva e me transforma a cada dia. Amo vocês. Às queridas amigas Marina Andrade, Thiliê Sanches, Marilia Rocha, Rebeca Trindade, Juliana Carbonesi, Isabela Alves, Natália Barbosa, Cristina Amaral, Jéssika Antunes e as queridas professoras Maria Anastácia e Cleide Bezerra pelos ensinamentos e amizade. “Cada pessoa que passa em nossa vida, passa sozinha, é porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra! Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. Essa é a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que as pessoas não se encontram por acaso” (Charles Chaplin).

Se as mulheres, submetidas a um trabalho de socialização que tende a diminuí-las, negá-las, acabam por aprender as virtudes negativas da abnegação, da resignação e do silêncio, os homens também são prisioneiros, dissimuladamente vítimas, da representação dominante. (Bourdieu, Pierre. La domination masculine. Paris: Seuil, 2002, p. 74, apud ÁVILA, 2014).

RESUMO A motivação inicial quanto a escolha do tema para o trabalho de conclusão de curso ocorreu nos anos de 2013 e 2014 quando fora realizada pesquisa de campo, referente ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)1, pelo Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Distrito Federal e verificou-se que os institutos despenalizantes da Lei 9.099/95 (transação penal, suspensão condicional do processo e conciliação) estavam sendo aplicados aos casos de violência doméstica indo contra decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4424 (ADIN - 4424) proferida no ano de 2012, que tornara constitucional o artigo 41 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), afastando a aplicação da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95) aos casos de violência doméstica. Diante às considerações iniciais, o objetivo do presente trabalho é investigar porquê alguns juízes de primeira instância estão aplicando a suspensão condicional do processo e então discutir a possibilidade da aplicação dessa medida despenalizadora aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Palavras-chave: Violência Doméstica. Suspensão Condicional do Processo. Supremo Tribunal Federal.

______ 1

O referido projeto investigou o androcentrismo nas práticas judiciárias por meio da pesquisa de campo nos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher e verificou que a suspensão condicional do processo estava sendo aplicada ao rito da Lei Maria da Penha.

ABSTRACT The initial motivation as the choice of subject for the course conclusion work occurred in the years 2013 and 2014 when the field research was carried out, referring to the Institutional Scholarship Program for Scientific Initiation (PIBIC)2, by the University Center of the Federal District (UDF), in the Domestic and Family Violence against Women of the Federal District and it was found that the “despenalizantes” institutes of Law 9.099/95 (criminal transaction, conditional suspension of the process and reconciliation) were being applied to cases of domestic violence going against decision of the Supreme Federal Court (STF) in direct action of unconstitutionality number 4424 (ADIN - 4424) issued in 2012, which made constitutional the article 41 of Law 11.340/06 (Maria da Penha Act), moving away the appplication the law of Special Criminal Courts (Law 9.099/95) to the cases of domestic violence. Before the opening statement, the objective of this study is to investigate why some lower court judges are applying the conditional suspension of the process and then discuss the possibility of applying this “despenalizadora” measure to cases of domestic violence against women.

Keywords: Domestic Violence. Conditional suspension of the process. Supreme Federal Court.

______ 2

This project investigated the androcentrism in judicial practices through field research in the courts for domestic and family violence against women and found that the conditional suspension of the procedure was being applied to the rite of the Maria da Penha Law.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 13 2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A LUTA FEMINISTA....................................... 17 2.1 A INVISIBILIDADE DA MULHER NA HISTÓRIA.............................................................17 2.2. A LUTA FEMINISTA.........................................................................................................21 2.3. DAS CONQUISTAS DE DIREITOS DAS MULHERES.................................................. 25 3. LEI MARIA DA PENHA E A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) Nº4424 ....................................................................................................................... 27 3.1. LEI MARIA DA PENHA ................................................................................................. 27 3.2. DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4424 ...................................... 31 3.3. DA NÃO ADMIÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO AOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.................................................................................................... 34 4. A APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO AOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O DIREITO COMPARADO ................................................ 37 4.1 DA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 41 DA LEI 11.340/06 ............................................ 38 4.2. A RESPOSTA SOCIAL DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO ............... 40 4.3. A APLICAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL PELOS JUÍZES DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.............................................................................................................................42 4.4. DO DIREITO COMPARADO – MODELOS EUROPEUS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ............................................................................................ 47 5 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 52 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 55 ANEXOS ................................................................................................................... .59

13

1 INTRODUÇÃO O presente trabalho, com o tema “A aplicação da suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica”, surgiu após reflexão em torno dos resultados encontrados no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) orientado pela Professora Dra. Alessandra de La Vega Miranda3 durante os anos de 2013 e 2014, ou seja, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal, no ano de 2012, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4424), que afastou a aplicação da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei 11.340/06). O referido PIBIC investigou o androcentrismo4 nas práticas judiciárias por meio do método etnográfico5, descrevendo minunciosamente tudo o que ocorria na sala de audiências dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher. Onde também foram analisados 120 processos, dos quais verificou-se a aplicação da transação penal em 6% dos casos e a suspensão condicional do processo em 14% dos casos. A transação penal e a suspensão condicional do processo são institutos despenalizantes da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95), ou seja, acordos ou condições impostas pelo Ministério Público ao autor do fato que tenha cometido infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 anos).

______ 3

Professora Titular do Centro Universitário do Distrito Federal. Doutora em Direito e Estado pela Universidade de Brasília (2014), Mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília (2003). Graduada em Direito pelo Centro Universitário de BrasíliaUniCeub (1998). Membro do Grupo Direito e ações afirmativas: direitos humanos na diversidade. Membro do Laboratório de Pesquisa sobre Cidadania, Administração de Conflitos e Justiça - CAJU - do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB). Advogada militante em questões de violência doméstica. Coordenadora do Curso de Direito do Centro Universitário do Distrito Federal (dezembro/2012 a julho/2013) e Professora de Direito Penal, Processo Penal, Introdução ao Direito no Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e no Centro Universitário de Brasília (UniCeub), Orientadora do Núcleo de Pesquisa e Monografia do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), Presidente da Comissão da Mulher Advogada da Seccional da OAB/DF (triênio 2013-2015, de janeiro a junho de 2013). Professora-pesquisadora no Projeto de Extensão PROVID - Projeto Violência Doméstica no Centro Universitário de Brasília-UniCeub. Atualmente Coordenadora Adjunta do Curso de Direito do Centro Universitário de Brasília-UniCeub. Ênfase no estudo da administração de conflitos e sistemas de justiça a partir do recorte de gênero, violência doméstica, diversidade, inclusão social e cidadania), ações afirmativas. 4 Ideia do homem, ser masculino, como o centro de tudo. 5 A etnografia é um método de pesquisa que se propõe a descrever de forma densa os fatos observados, cujo objeto, no caso as práticas judiciárias, é suscetível a interpretações do(a) pesquisador(a), onde se analisam costumes e tradições de um grupo humano, neste projeto em questão o grupo dos atores judiciais (Juízes/Juízas, Promotores/Promotoras, Defensores/Defensoras, Advogados/Advogadas). Podendo este método ser complementado com a realização de entrevistas com os membros do judiciário, descobrindo informações que não estão disponíveis ao acesso de pessoas não pertencentes a esse conjunto de indivíduos.

14

Frente a realidade verificada por meio do PIBIC (realizado entre os anos de 2013 e 2014), de que, mesmo após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no ano de 2012, em Ação Direta de Inconstitucionalidade número 4424, que afastou a aplicação de Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica, a suspensão condicional do processo e a transação penal (que são institutos despenalizantes da Lei 9.099/95) continuavam sendo aplicadas nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, surgiu a necessidade de compreender o porquê dessa postura dos juízes de primeira instância, ao aplicar a Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica, contra decisão do Supremo Tribunal Federal que, ao tornar o artigo 41 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), constitucional, determinou que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais – JECrims). E toda a discussão, quanto a aplicabilidade ou inaplicabilidade das medidas despenalizadoras (suspensão condicional do processo e transação penal), ocorre, justamente quanto a parte do referido artigo 41 que diz “aos crimes”. Isso porque as contravenções penais e as infrações de menor potencial ofensivo que, não são crimes, mas sim, como o próprio nome já diz, são contravenções. Pois possuem penas cominadas em até 02 anos (passíveis de transação penal a depender do caso concreto), e penas que, se atingirem até 01 ano, poderão ter a aplicação da suspensão condicional do processo. Constatada a presente problemática, surgira o tema da monografia, haja vista a dúvida que passou a surgir com tal descoberta. Desta forma, sob orientação da Professora Jamile Campelo Gabriel Nunes6, iniciou-se a pesquisa bibliográfica relacionada ao tema bem como a oportunidade de entrevistar a Juíza da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Taguatinga/DF, Dra. Luciana Lopes Rocha (entrevista em anexo), que esclareceu diversas dúvidas sobre o tema.

______ 6

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal (2002). Atualmente é professor do Centro Universitário do Distrito Federal. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em função social do Direito Público, sendo pós-graduada lato sensu pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-graduanda em Docência no Ensino Superior pela Cruzeiro do Sul Educacional. Também tem experiência na advocacia, especialmente nas áreas penal e cível. Atua em plenários, em Vara do Tribunal do Júri, fazendo sustentação oral. Leciona disciplina de Direito Constitucional Positivo no Centro Universitário do Distrito Federal. Orienta alunos em monografia de final de curso, bem como, participa de bancas de avaliação de monografia.

15

Por meio de leituras e demais pesquisas, optou-se pela pesquisa exploratória que proporciona maior familiaridade com o problema, envolvendo levantamento bibliográfico, entrevistas e estudo de caso (GIL, 2008), utilizando-se do método dialético hegeliano7 – tese, antítese e síntese – um sistema argumentativo (FERREIRA, 2013), no qual foi apresentado os posicionamentos contrários (tese) e favoráveis (antítese) à aplicação da suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica, buscando uma solução representada pela síntese. Optando como foco do presente trabalho a discussão em torno da possibilidade da aplicação da suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95, seus incisos e parágrafos) aos casos de violência doméstica, sem tratar da aplicação da transação penal (artigo 72 a 76 da Lei 9.099/95), por entender que neste último caso a resposta social não é tão eficaz quanto na suspensão condicional do processo, conforme será discutido ao longo do trabalho. Assim, no primeiro capítulo foi abordado a violência contra a mulher e um breve histórico sobre a luta feminista e sua contribuição frente a conquista de direitos das mulheres, traçando um histórico de leis neste sentido até a criação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), símbolo de luta no combate a violência contra a mulher. No segundo capítulo foi realizada uma explanação sobre a Lei Maria da Penha, sua importância, mecanismos e a representação do avanço no que diz respeito aos Direitos Humanos e principalmente aos Direitos das Mulheres, no âmbito da proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar. Traçando a discussão, ainda no segundo capítulo, sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal em Ação Direta de Inconstitucionalidade, número 4424, quanto à não aplicação da Lei 9.099/95 e seus institutos despenalizantes aos casos de violência doméstica. Debatendo sobre a sensação de impunidade e a banalização da violência doméstica, defendidas por alguns como consequência da aplicação da Lei

dos

Juizados

Especiais

Criminais

e

seus

institutos

despenalizantes.

Demonstrando o referido posicionamento por meio de jurisprudências dos tribunais, votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal e doutrinas de juristas que advogam

______ 7

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (importante filósofo alemão).

16

contra a aplicação da suspensão condicional do processo em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Já

no

terceiro

capítulo,

como

contraposição

à

tese

defendida

majoritariamente, ou seja, contra a decisão do Supremo Tribunal Federal, discutiu-se a possibilidade da aplicação da suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica, realizando uma análise quanto a interpretação da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) número 4424 proposta pelo Ministério Público, com o objetivo de discutir o caráter não ampliativo da petição quanto a inaplicabilidade da Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica, demonstrando que a suspensão condicional do processo não foi o foco no julgado da referida ADI. Também foi apresentado neste último capítulo uma pesquisa, proposta pelo Ministério Público, realizada pela Anis – Instituto de Bioética (organização feminista, não-governamental e sem fins lucrativos, de utilidade pública federal) acerca da eficácia quanto à aplicação da suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica como resposta social mais adequada, bem como seus resultados. Neste terceiro capítulo também demonstrou-se, por meio de julgados, os posicionamentos favoráveis à aplicação da suspensão condicional do processo em alguns casos de violência doméstica, bem como a comparação da aplicação dessa medida despenalizadora aqui no Brasil com relação a aplicação desta medida em alguns países da Europa como Espanha, França, Inglaterra e Portugal, por meio do direito comparado, tendo como pano de fundo a restauração dos agressores pela via judicial. Assim, o presente trabalho tem como escopo fomentar os debates acerca da Lei 11.340/06, apontando as variações nas práticas judiciárias quanto à aplicação desta lei. Dessa forma, pretende-se contribuir com as discussões sobre o tema, na busca por uma sociedade igualitária, sem distinção de gênero, sem hierarquia entre os sexos, para que todas as mulheres exercitem os seus direitos com autonomia, livres de toda e qualquer violência. E com isso espera-se que a justiça tenha um papel restaurativo para que os agressores não reproduzam a violência patriarcal da qual também são vítimas, afinal, ninguém nasce machista, torna-se.

17

2. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A LUTA FEMINISTA Inicialmente, antes de se adentrar na discussão central do presente artigo, ou seja, se os institutos despenalizantes da Lei 9.099/95 devem ser aplicados ou não aos casos de violência doméstica, necessário se faz entender por que há uma lei de proteção às mulheres. Para isso, importante contextualizar a luta feminista, responsável pelas conquistas de direitos das mulheres, dentre aquelas a referida Lei Maria da Penha. Ao falarmos de feminismo e luta feminista, um baluarte é criado em torno dessa ideia quando se tem um entendimento errôneo, como por exemplo o de que o feminismo é a aversão aos homens. Este equívoco não deve prosperar e por isso, antes de iniciarmos o tema violência contra a mulher e a luta feminista, se faz necessário explicarmos que o feminismo é um movimento social que busca a igualdade entre homens e mulheres. E que, assim como as mulheres tratam os homens com educação e respeito o mesmo deve ser o tratamento dos homens para com as mulheres. Afinal, somos todos vítimas desse sistema patriarcal e se, as mulheres, acabam muitas vezes reproduzindo o machismo imposto culturalmente, se negando muitas vezes, os homens por sua vez, também são prisioneiros, da representação dominante. As contribuições feministas para a teoria jurídica são cruciais, pois dão visibilidade ao machismo que permeia o direito, não apenas num instante isolado de abuso de lei ou de poder jurisdicional, mas que o perpassa por inteiro na medida em que ele reflete a sociedade na qual surge e geralmente contribui para manter o status quo. (SERAFIM, 2010, p. 331)

Há 80 anos, também no Brasil, as mulheres conquistaram o direito de votar (BRASIL. TSE, 2013) e de serem votadas. Curioso percebermos que a primeira mulher bacharel em direito só pôde votar 32 anos após a sua formação no curso de direito. Podemos verificar o quanto a conquista e efetivação de direitos femininos sempre foram um processo longo, árduo e moroso. A exclusão da mulher na participação política pode ter sido um dos fatores que colaboraram para o pouco amparo jurídico às mulheres, haja vista que, se a política, bem como as leis, era elaborada somente pelos homens, é duvidoso afirmar que os direitos das mulheres eram garantidos e assegurados pelos homens (SABADELL, 2008).

18

Ainda sobre a exclusão da mulher na política, Sabadell (2008) chama a atenção para o fato de que o cerceamento aos direitos políticos das mulheres, tanto no polo passivo quanto ativo - ser votada e votar -, tem reflexos na elaboração das leis. Não bastasse isso, é usual que a interpretação e aplicação das leis se deem de forma desfavorável aos interesses das mulheres. É claro que a história da humanidade não é tão linear, com uma cronologia tão precisa e bem definida. Existiram mulheres líderes, empoderadas; mulheres fortes, donas de suas histórias e que, de uma certa forma, causaram algum impacto na cultura à qual pertenciam. No entanto, não houve na história da humanidade essa predominância, mas sim uma dominação masculina ao que se conhece e se tem de registro sobre a humanidade. 2.1 A INVISIBILIDADE DA MULHER NA HISTÓRIA: De acordo com a historiadora estadunidense Gerda Lerner, autora do livro “A criação do patriarcado” (apud, MORACE, 1999, p. 23), esta ideia do homem como protagonista da história humana surgiu com os reis da antiga Suméria, que tinham aos seus serviços historiadores, escritores e clérigos, ou seja, uma gama de profissionais intelectuais (composta apenas por homens), que selecionavam os acontecimentos, escreviam e interpretavam com o objetivo de dar o sentido e o significado de acordo com o que os reis acreditavam serem dignos. A história foi encomendada e escrita por homens pertencentes às classes privilegiadas e narrada sobre todos os acontecimentos que estes homens acreditavam ser digno de transmitir para as gerações futuras. (MORACE, 1999). Com o término da Idade Antiga, os princípios da legislação romana foram sendo introduzidos a partir do século XIII na Idade Média, garantindo alguns direitos às mulheres por meios das leis e costumes. No entanto, a garantia desses direitos foi possível pelas reivindicações femininas e também pelo fato dos homens estarem envolvidos constantemente em guerras, por longos períodos, isso quando não vinham a falecer, o que demandava que a mulher assumisse todas as questões familiares e os negócios da família. Desta forma, as mulheres passaram a trabalhar nas mais diversas profissões e as que faziam parte da burguesia tinham acesso à política, com direito a voto (ALVES; PITANGUY, 2003).

19

A Idade Média, por ter sido um período essencialmente religioso, também foi um momento de forte perseguição feminina, denominado de “caça às bruxas”, onde, na Europa e nas Américas, muitas mulheres foram torturadas e mortas durante a Inquisição. Essa intolerância às bruxas, reconhecidas como mulheres que tinham uma relação muito íntima com a natureza e, devido a tal aproximação, possuíam conhecimentos os quais lhe conferiam espaços de atuação e poderes que os homens não tinham acesso, representava para estes uma ameaça (ALVES; PITANGUY, 2003). Imagina-se o medo que passou a dominar a vida das mulheres frente às ações de extermínio contra o sexo feminino. Sem dúvida, a Inquisição foi um período que marcou a fogo a imposição da submissão feminina frente a masculina. Além das fogueiras, os discursos de intelectuais reforçaram a ideia de que a mulher é impura e inferior ao homem. A desvalorização intelectual das mulheres influenciou para que estas

não

tivessem

as

mesmas

oportunidades,

conquistas

e

o

mesmo

desenvolvimento intelecto-político-social que os homens obtiveram ao longo da história da humanidade. As consequências desse período se alastraram por séculos, causando um retrocesso nas mulheres em épocas seguintes, como ocorreu no renascentismo. No entanto, o feudalismo foi uma fase em que as mulheres passaram a conquistar uma pequena atuação na política em suas comunas. Porém, com o estabelecimento da lei romana, houve o declínio dos poucos direitos civis que as mulheres ainda possuíam (ALVES; PITANGUY, 2003). A figura feminina, ao longo da história e das ciências, de acordo com SAFFIOTI (1994), tornou-se invisível. Afinal, ainda nos dias de hoje, os grupos que detêm o poder são compostos em sua maioria por homens, na política, no Poder Judiciário (principalmente no que diz respeito aos Tribunais Superiores), na mídia (os donos dos veículos de imprensa), na polícia e no Exército. Uma grande parte da história da humanidade é desvirtuada em benefício dos homens (MORACE, 1999), a qual anulou mulheres, seus nomes e sua época na história, seus feitos e méritos. A história sempre foi narrada com muita ideologia e muito favoritismo, sendo tendenciosa por favorecer certos grupos da sociedade. A Ciência, historicamente, considerou as mulheres como objetos e negou às mulheres a capacidade e autoridade

20

do saber, produzindo e reproduzindo conhecimentos que não atendem aos interesses emancipatórios femininos (GERGEN, 1993). Quanto à Ciência Jurídica, o Direito é uma ciência que em muitos momentos foi utilizado também como ferramenta para reforçar os padrões dicotômicos entre homens e mulheres, colocando estas como submissas frente ao poder e domínio garantido àqueles que, por meio das leis, normas e regras, criadas pelos homens, ditam claramente a relação assimétrica entre o masculino e o feminino. O Direito reproduz um discurso que tem como premissa a universalização dos direitos. No entanto, essa universalização é na verdade uma extensão dos direitos masculinos delegado às mulheres. Leis e direitos elaborados por homens, para os homens e que, com o passar do tempo, foram cedidos a “conta gotas” às mulheres como também foram conquistados por estas com muito esforço. Afinal, todo discurso (inclusive às leis) possui cunho político, no qual envolve uma atmosfera de poder que surge a partir da criação de determinadas regras, e este poder emana de quem as elabora, e neste sentido, há um contingente de homens no Congresso Nacional bem maior do que o de mulheres. Os primeiros Códigos Penais8 justificaram e menosprezaram a violência contra as mulheres (o Código Penal de 1830 permitia ao marido matar a mulher quando a encontrasse em flagrante adultério, advogados até hoje invocam a “legítima defesa da honra”; antes do advento da Lei 11.340/06 quando o réu era condenado por ter cometido violência doméstica, este cumpria a pena com o pagamento de cesta básica; na exposição de motivos da parte especial do Código Penal vigente, datada de 1984, em seu item 70 e 71, há referência da vítima ser mulher honesta, à mulher virgem bem como sobre o comportamento da vítima citando como exemplo o “pouco recato da vítima nos crimes contra os costumes” por “constituir-se em provocação ou estímulo à conduta criminosa”).

______ 8

Código Criminal do Império do Brasil, aprovado em 16 de dezembro de 1830; Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, Decreto 847, de 11 de outubro de 1890; Consolidação das Leis Penais, aprovada e adotada pelo Decreto n° 22.213, de 14 de dezembro de 1932; Código Penal, Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - cuja parte especial, com algumas alterações, encontra-se em vigor até os dias de hoje; Código Penal, Decreto-Lei 1.004, de 21 de outubro de 1969 – que permaneceu por um período aproximado de nove anos em vacatio legis, tendo sido revogado pela Lei n° 6.578, de 11 de outubro de 1978, sem se quer ter entrado em vigor; Código Penal, Lei n° 7.209, de 11 de julho de 1984 - com esta lei foi revogada tão-somente, a parte geral do Código Penal de 1940. Nosso atual Código Penal é composto por duas partes: geral (arts. 1° ao 120) e especial (arts. 121 a 361).

21

Durante a história da humanidade e a busca pela igualdade de direitos, a sociedade sempre motivou as divisões de papéis reforçando a dominação das mulheres pelos homens. A mulher casada, no Brasil, foi considerada relativamente incapaz até 1962, só podendo exercer alguma profissão se obtivesse a autorização do marido (art. 242, VII, do Código Civil de 1916). Com o Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/1962) a plena capacidade civil é adquirida pela mulher quando se casa. No entanto, sendo a sociedade patriarcal, a figura de chefe de família continuou sendo exercida pelo marido (art.233 do Código Civil de 1916) até que surge a Constituição de 1988, que estabelece a igualdade entre homens e mulheres perante a lei brasileira. 2.2. A LUTA FEMINISTA: Difícil afirmar, com precisão, quando que o movimento feminista9 (PINTO, 2010) surgiu, pois ao longo da história as mulheres tentaram se organizar; mesmo com tantos insucessos, muitas delas seguiram lutando contra a opressão, ainda que pagando com a própria vida. No entanto, há indícios de que o século XVII foi um período de fervor no que se refere a um momento de intensas revoluções, sendo uma delas propagada pela luta feminista, consequência também dos movimentos políticosociais da época, tais como a luta pela libertação nos Estado Unidos, que tinha em sua Declaração de Independência o princípio básico de que “Todos os homens foram criados iguais”, abarcando o conceito de igualdade somente ao sexo masculino, causando revolta em muitas mulheres que reivindicaram que o termo “homem” expresso na Declaração incluísse também as mulheres (ALVES; PITANGUY, 2003) Na França, século XVIII, também marcada por revoluções, foi uma fase em que o feminismo foi adquirindo qualidades referentes a uma prática política, de ação organizada, haja vista que as mulheres que estavam presentes nos processos revolucionários ao lado de seus maridos não viram as conquistas políticas alcançarem-nas, passando assim a reivindicarem seus direitos como cidadãs, tomando para si o início da luta das mulheres revolucionárias francesas que ______ 9

O movimento feminista tem uma característica muito particular que deve ser tomada em consideração pelos interessados em entender sua história e seus processos: é um movimento que produz sua própria reflexão crítica, sua própria teoria. Esta coincidência entre militância e teoria é rara e deriva-se, entre outras razões, do tipo social de militante que impulsionou, pelo menos em um primeiro momento, o feminismo da segunda metade do século XX: mulheres de classe média, educadas, principalmente, nas áreas das Humanidades, da Crítica Literária e da Psicanálise. Pode se conhecer o movimento feminista a partir de duas vertentes: da história do feminismo, ou seja, da ação do movimento feminista, e da produção teórica feminista nas áreas da História, Ciências Sociais, Crítica Literária e Psicanálise. Por esta sua dupla característica, tanto o movimento feminista quanto a sua teoria transbordou seus limites, provocando um interessante embate e reordenamento de diversas naturezas na história dos movimentos sociais e nas próprias teorias das Ciências humanas em geral.

22

peticionaram à assembleia a revogação de institutos legais que submetiam as mulheres ao domínio dos homens. Este evento foi um dos exemplos de prática feminista, como outros que ocorreram, tal qual a reivindicação pela mudança na legislação sobre o casamento, que concedia poderes absolutos ao marido sobre o corpo, bens e vida de sua esposa. Outros modelos de prática feminista nesta época foram as redações de manifestos, a promoção de motins contra o custo de vida elevado, participação dos principais acontecimentos da Revolução Francesa e formação de grupos políticos (ALVES; PITANGUY, 2003). As práticas de enfrentamento feminino contra o patriarcado foram reprimidas por meio de um decreto da Assembleia Nacional Francesa em 1795, que determinou os limites de atuação das mulheres, restringindo-as ao ambiente doméstico, como se segue: Decreta-se que todas as mulheres se retirarão, até ordem contrária, a seus respectivos domicílios. Aquelas que, uma hora após a publicação do presente decreto estiverem nas ruas, agrupadas em número maior que cinco, serão dispersadas por força de armas e presas até que a tranquilidade pública retorne a Paris (ALVES; PITANGUY, 2003, p.35).

Em 1791, a revolucionária Olympe de Gouges, escritora, proclamou em um de seus escritos, denominado “Os Direitos da Mulher e da Cidadã”, afirmando que a mulher possuía direitos iguais aos dos homens e que, por essa razão, tinha o direito de participar, direta ou indiretamente, da elaboração de leis e da política em geral. Mesmo sendo rejeitada pela Convenção, a declaração de Gouges representa a luta do feminismo racionalista e democrático que reivindicava igualdade política entre os gêneros masculino e feminino. Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir o meu sexo? (...) Ele quer comandar como déspota sobre um sexo que recebeu todas as faculdades intelectuais. (...) Esta Revolução só se realizará quando todas as mulheres tiverem consciência do seu destino deplorável e dos direitos que elas perderam na sociedade10 (ALVES; PITANGUY, 2003, p. 33).

A grande emancipação, no que se refere à propagação do feminismo, deuse na Inglaterra, onde a luta centrava-se na aquisição de igualdade jurídica (direito de voto, de exercer uma profissão ou poder trabalhar). O aparecimento do feminismo ______ 10

Olympe de Gouges, conhecida escritora francesa do século XVIII, feminista em defesa dos ideais revolucionários. Sendo guilhotinada em 03 de novembro de 1793, acusada de ter querido ser um homem de Estado e por isso, esquecido das virtudes próprias ao seu sexo.

23

libertário está agregado às incoerências que atravessavam a sociedade liberal da época, na qual as leis em vigor positivavam as diferenças entre homens e mulheres. Após cem anos de lutas pelas igualdades entre homens e mulheres, o século XIX, marcado pela Revolução Industrial, foi um período que gerou transformações significativas na organização de trabalho como um todo, mas, principalmente, no processo produtivo e na mão de obra feminina, que tiveram seus trabalhos afetados pela inserção de máquinas em tarefas antes executadas em casa. Desta forma, houve um aumento da participação feminina nas fábricas, assim, a mulher passou a conquistar espaços fora da esfera privada. Todavia, continua sofrendo desigualdades, pois mesmo executando o mesmo trabalho de um homem, muitas vezes trabalhando mais horas do que a jornada executada por aquele, ainda assim, recebe um salário inferior (ALVES; PITANGUY, 2003). No Brasil, a partir dos anos 60, passam a fazer parte das pautas feministas outras frentes de lutas como as reivindicações referentes aos direitos trabalhistas, civis e políticos, bem como o questionamento sobre as raízes das desigualdades entre homens e mulheres. Mas o movimento feminista no Brasil passa a ter força no início da década de 80, quando grupos feministas brasileiros começam a denunciar a violência praticada contra as mulheres. Um exemplo desses grupos é o SOS-Mulher que surgiu no final dos anos 80 em São Paulo e representava a produção de uma prática feminista na qual se pautava nos chamados plantões de reflexão e na prestação de informações dos seus direitos e orientação jurídica gratuita (GREGORI, 1992). Nesse sentido, por meio da luta de grupos feministas, muitas mudanças positivas, em nossa sociedade, foram alcançadas, como na estrutura jurídica (já mencionada neste capítulo), conquistas como creches, projetos e políticas públicas voltados à saúde da mulher e aos direitos trabalhistas, questões às quais as feministas têm se mobilizado, bem como também trazendo ao debate denúncias sobre a desvalorização da mulher, estampadas nas mais diversas manifestações de nossa cultura, principalmente as que se referem ao reforço de papéis apresentado pela mídia brasileira. Desta forma, o feminismo luta contra as relações hierárquicas entre os sexos, apresentando-se como um movimento atuante, compondo a história brasileira e, mais precisamente, a história da mulher.

24

No que se refere às críticas feministas direcionadas ao direito: este afirma que homens e mulheres são iguais perante a Lei, no entanto, há ainda uma exclusão das mulheres dos espaços de poder, tradicional e historicamente masculinos, sendo o direito uma prática usualmente masculina e por isso injusta, refletindo que, de fato, a igualdade entre homens e mulheres ainda não foi alcançada em toda a sua totalidade. Outra crítica se refere à aplicação e interpretação universal da norma jurídica, como se o direito fosse uma caixa, de tamanho único na qual todos se encaixam; o direito com o intuito de moldar pessoas e não solucionar e pacificar os conflitos, demonstrando-se assim uma postura androcêntrica, haja vista sua neutralidade formal e objetiva (FACIO, 2006). Por isso, a importância do feminismo nas conquistas de direitos às mulheres, pois o direito, historicamente, reproduz as discriminações presentes e disseminadas em todos os campos sociais. Desta forma, as práticas feministas combatem, por meio de suas teorias e ações, as convenções sociais que favorecem aos homens em detrimento das mulheres. Como espelho dessa realidade, tem-se a situação social das mulheres brasileiras que muitas vezes, ao recorrer à justiça, sua situação judicial torna-se agravada ou desqualificada, como no caso de Maria da Penha que recebeu do Judiciário brasileiro total descaso, quando denunciou seu marido, à época, em 1984, porque foi quase morta por ele. Passados mais de 19 anos da prática do crime de dupla tentativa de homicídio, o agressor de Maria da Penha foi preso, sendo condenado a uma pena de 10 anos de prisão em regime fechado, não vindo a cumprir 1/3 da pena no referido regime e ainda assim, no mesmo ano da condenação e prisão, em 2002, foi posto em regime aberto. Maria da Penha apresentou denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 20 de agosto de 1998: Em virtude de tal provocação, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou em 16 de abril de 2001, o Relatório 54/2001. (...) Nesse relatório é realizada uma profunda análise do fato denunciado, apontando-se ainda, as falhas cometidas pelo Estado brasileiro. (...) Dentre as diversas conclusões, ressaltou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que “a ineficácia judicial, a impunidade e a impossibilidade de a vítima obter uma reparação mostra a falta de cumprimento do compromisso [pelo Brasil] de reagir adequadamente ante a violência doméstica” (CUNHA; PINTO, 2015, p. 35).

25

Assim, a teoria e a prática feministas buscam solucionar os entraves presentes para a efetivação e as conquistas de direitos das mulheres, reforçando nesse sentido a óptica do feminismo, militando pela igualdade entre mulheres e homens. 2.3. DAS CONQUISTAS DE DIREITOS DAS MULHERES: As práticas feministas são de extrema importância para as conquistas sociais femininas, reconhecendo a mulher como cidadã e sujeito de direitos. Nos últimos 50 anos, ocorreram diversos avanços na efetivação de direitos femininos, como a criação de importantes instrumentos, órgãos e mecanismos internacionais e regionais de proteção e promoção dos direitos humanos das mulheres, como a Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres, as DEAM’s (Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher), os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, bem como o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres que auxilia na implementação de políticas públicas amplas e articuladas. No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, iniciou-se uma série de conquistas de direitos importantes para o fortalecimento da cidadania, da saúde e da proteção do trabalho das mulheres, tais como os insculpidos na Constituição Federal de 1988: o artigo 5º, inciso “I” que dispõe sobre a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, bem como o artigo 7º, inciso “XXX”, que dispõe sobre a proibição referente à diferenciação de salários e a qualquer outro tipo de discriminação, são exemplos deste progresso. Outros direitos conquistados pelas mulheres, também por meio da prática feminista, foram os direitos trabalhistas, como a criação de dispositivos de proteção à maternidade, a proibição da dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto (CF/88, art. 10, II, do ADCT), a licença maternidade de 120 dias sem prejuízo de salário ou de emprego (CLT, art. 392; art. 71 da Lei 8.213/91) e ainda o artigo 373-A da CLT (acrescentado pela Lei 9.799/99) que determinou uma série de limitações ao empregador quanto à permissão do acesso à mulher ao mercado de trabalho.

26

A Lei 9.029/95 proibiu diversas práticas discriminatórias com relação à mulher. Quanto à participação feminina na política, a Lei 9.504/97 (Lei Eleitoral), em seu artigo 10, parágrafo 3º, dispõe que cada partido político ou coligação deverá reservar para candidatos de cada sexo no mínimo 30% e no máximo 70% do número de candidaturas que puder registrar. Outra lei de proteção à mulher, criada recentemente é a Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015 que alterou o artigo 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos, in verbis: Homicídio simples - Art. 121. Matar alguem: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Homicídio qualificado - § 2° Se o homicídio é cometido: Feminicídio VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Para finalizar as conquistas elencadas acima, destaca-se a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), foco do presente trabalho, como importante marco jurídico e de grande vitória na luta feminista, na conquista de direitos das mulheres, que alterou o processo penal visando à proteção das mulheres em situação de violência doméstica.

27

3.

LEI

MARIA

DA

PENHA

E

A

AÇÃO

DIRETA

DE

INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) Nº 4424 O afastamento da Lei 9.099/95, nos casos de lesões corporais leves praticados em situação de violência doméstica contra a mulher, ocorreu, principalmente, pela preocupação de que as vítimas se sentissem desprotegidas, pois a Lei 9.099/95 é conhecida por tratar das contravenções penais, e, dos crimes de menor potencial ofensivo, gerando o receio de que houvesse a banalização dos crimes de violência doméstica, sendo estes considerados pequenos, de pouca importância. (PORTO, 2014). Essa sensação de impunidade era causada pela aplicação da Lei 9.099/95, pois: Aplica-se a Lei 9.099/95 para tratar das infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas consideradas de menor gravidade (...) endossando a ideia de que a violência contra a mulher era infração penal de menor potencial ofensivo e não grave violação a direitos humanos. (...) a aplicação da Lei 9.099/95 para os casos de violência contra a mulher implicava a naturalização e legitimação deste padrão de violência, reforçando a hierarquia entre os gêneros. O grau de ineficácia da referida lei revela o paradoxo de o Estado romper com a clássica dicotomia público-privado, de forma a dar visibilidade a violações que ocorrem no domínio privado, para, então, desenvolvê-las a este mesmo domínio, sob o manto da banalização (...). (PIOVESAN, 2010).

Como se pode perceber, há uma preocupação no que se refere à aplicação da Lei 9.099/95 quanto à banalização da violência doméstica, decorrente da aparente brandura da resposta penal pela Lei dos Juizados Especiais Criminais (JECrim), receio este que gira em torno das medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95, apreensão esta demonstrada também pelo legislador: O legislador pretendeu afastar apenas os benefícios de natureza estrita da Lei 9.099/95, no caso a transação penal e a suspensão condicional do processo. Embora esse entendimento viesse ganhado prevalência na primeira instância e até mesmo em tribunais superiores, o STF pôs fim à polêmica decidindo que a interpretação literal do art. 41 da Lei 11.340/06 não deixa dúvidas acerca do afastamento da Lei 9.099/95 dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Mas esta conclusão que restou vencedora no STF também tem supedâneos políticos-criminais convincentes. O primeiro deles está em afirmar que o legislador quis afastar dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher as medidas despenalizadoras da Lei dos Juizados Especiais Criminais, tidas como insuficientes para o enfrentamento da criminalidade doméstica, eleita como uma das mais nefastas (PORTO, 2014, p.62).

28

As medidas despenalizadoras que o legislador quis afastar, se referem aos institutos despenalizantes da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), que são a transação penal (propositura imediata do Ministério Público em aplicar pena restritiva de direitos como condição de não oferecer a denúncia) e a suspensão condicional do processo (aos crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não pela Lei 9.099/95, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, o processo ficará suspenso até que sejam cumpridas as condições legais). 3.1. LEI MARIA DA PENHA: Antes do advento da Lei 11.340/06, a baixa repressão aos agressores causava a sensação de impunidade, pois quando um réu era condenado estes tinham como pena, apenas, o pagamento de cestas básicas alimentares ou prestação pecuniária diversa, banalizando a violência doméstica, desencorajando as vítimas a denunciarem seus agressores e dando a estes o sentimento de que o cometido não foi tão grave, ou seja, não havia o caráter pedagógico e de ressocialização da pena. A Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada no dia 7 de agosto de 2006, “cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do parágrafo 8º do artigo 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências”. Esta lei representa um avanço no que diz respeito aos Direitos Humanos e principalmente aos Direitos das Mulheres, no âmbito da proteção da mulher vítima de violência familiar e doméstica, trazendo também uma alteração legal quanto às formas familiares já positivadas. A Lei Maria da Penha altera por completo o relacionamento entre as mulheres vítimas de violência doméstica e seus agressores, bem como o processamento desses crimes, o recebimento da denúncia por meio da autoridade

29

policial, como também seu atendimento e a assistência do Ministério Público nas ações judiciais. O Brasil com a efetivação da presente lei passa a ser 18º país da América Latina a contar com uma lei específica para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. (ZACARIAS, 2013 et al.,2013, p. 28).

Após tantos avanços políticos e jurídicos, no que diz respeito aos direitos da mulher, é notório afirmar que mais importante que criar leis, é criar uma cultura de respeito e igualdade de gêneros. Pois, com todos esses avanços, Maria da Penha teve que lutar durante 19 anos, mesmo com tantas conquistas nas agendas nacionais e internacionais, para ter os seus direitos reconhecidos. Após pressão exercida pela Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil passou a cumprir as convenções e tratados internacionais dos quais se tornou signatário. Por isso, a alusão permanente da ementa presente na Lei Maria da Penha à Convenção sobre eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e à Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Com a Lei Maria da Penha, foram criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres de competência cível e criminal (artigos 1º, 14, 29, 33 e 34 da Lei 11.340/06). A referida lei também criou as medidas protetivas de urgência (artigos 18 a 21 da Lei 11.340/06), solicitadas durante o registro da ocorrência policial com o intuito de impedir maiores danos à vítima de violência doméstica, definindo as obrigações do agressor (artigo 22, e seus incisos e parágrafos, da Lei 11.340/06) e a proteção da vítima (artigos 23 e 24 da Lei 11.340/06). A atuação dos organismos de proteção, investigação e justiça foram fortalecidos com o advento da lei, reforçando a atuação das Delegacias de Atendimento à Mulher, da Defensoria Pública e do Ministério Público e da rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência doméstica e familiar. A partir da promulgação desta lei foram implementadas diversas políticas públicas e ações integradas para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as mulheres por meio do Decreto 8.086, de 30 de agosto de 2013 que instituiu o “Programa Mulher: viver sem violência”, in verbis: Art. 1º Fica instituído o Programa Mulher: Viver sem Violência, que objetiva integrar e ampliar os serviços públicos existentes voltados às mulheres em situação de violência, mediante a articulação dos atendimentos

30

especializados no âmbito da saúde, da justiça, da rede socioassistencial e da promoção da autonomia financeira. (...) Art. 3º O Programa Mulher: Viver sem Violência será desenvolvido, principalmente, por meio das seguintes ações: I - implementação das Casas da Mulher Brasileira, que consistem em espaços públicos onde se concentrarão os principais serviços especializados e multidisciplinares de atendimento às mulheres em situação de violência; II - ampliação da Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180; III - organização, integração e humanização do atendimento às vitimas de violência sexual; IV - ampliação dos Centros de Atendimento às Mulheres nas Regiões de Fronteiras Secas, que consistem em serviços especializados de atendimento às mulheres nos casos de violência de gênero, incluídos o tráfico de mulheres e as situações de vulnerabilidades provenientes do fenômeno migratório; e V - promoção de campanhas continuadas enfrentamento à violência contra a mulher.

de

conscientização

do

§ 1º Mediante articulação com órgãos e entidades públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e com entidades do terceiro setor, as Casas da Mulher Brasileira e os Centros de Atendimento às Mulheres nas Regiões de Fronteiras Secas poderão contar com: I - serviços de atendimento psicossocial; II - alojamento de passagem; III - orientação e direcionamento para programas de auxílio e promoção da autonomia econômica, de geração de trabalho, emprego e renda; IV - integração com os serviços da rede de saúde e socioassistencial; V - a presença de órgãos públicos voltados para as mulheres, como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, os Juizados e Varas Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as Promotorias Públicas Especializadas da Mulher e as Defensorias Públicas Especializadas da Mulher. § 2º As Casas da Mulher Brasileira e os Centros de Atendimento às Mulheres nas Regiões de Fronteiras Secas poderão ser mantidos pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, com o apoio das instituições parceiras e da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. (Decreto 8.086, de 30 de agosto de 2013).

Além de todas as conquistas elencadas acima, em 31 de maio de 2010, o Procurador Geral da República propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal Federal (STF), pleiteando a constitucionalidade dos artigos 12, inciso I (trata da representação tomada a termo e tal inciso exige que nas infrações

31

penais de ação penal pública condicionada à representação da vítima, o pedido que autoriza a representação deve ser documentado para demonstrar a presença de condição de procedibilidade. No entanto, inexistem regras rígidas para o oferecimento da representação, sendo necessária apenas a intenção da vítima ou de seu representante legal para que o fato seja investigado e o agressor processado); do artigo 16 (refere-se à retratação da representação, a grosso modo seria a declaração contraria da vítima, ou seja, a de que não está mais interessada em dar prosseguimento a ação de violência doméstica); e do artigo 41 (in verbis: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099/95”). 3.2. DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 4424: Após a decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.424 e na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 19 julgadas em 2012, há um entendimento majoritário por parte da doutrina e dos aplicadores do direito que, por considerar a ação penal pública incondicionada, para os crimes de violência doméstica, afasta-se completamente a aplicação da Lei 9.099/95. Após seis anos de sanção da Lei 11.340/06, o Supremo Tribunal Federal (STF), em Plenário de 09/02/2012, declarou, por unanimidade, a constitucionalidade do artigo 41 da Lei Maria da Penha, o qual afirma que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95, in verbis: Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para, dando interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº 11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico, contra o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente). Falaram, pelo Ministério Público Federal (ADI 4424), o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República; pela Advocacia-Geral da União, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Secretária-Geral de Contencioso; pelo interessado (ADC 19), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Ophir Cavalcante Júnior e, pelo interessado (ADI 4424), Congresso Nacional, o Dr. Alberto Cascais, Advogado-Geral do Senado. Plenário, 09.02.2012.

32

Segundo

o

ministro

Marco

Aurélio

(BRASIL.

STF,

2012),

a

constitucionalidade do artigo 41 dá concretude, entre outros, ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal (CF), que dispõe que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. O ministro afirmou que o dispositivo se adapta com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais, já que a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem. O ministro Luiz Fux afirmou que os juizados especiais da mulher possuem julgamentos céleres e possibilitam o aprofundamento das investigações sobre agressores domésticos, utilizando-se, também, da oitiva de testemunhas. Reforçando estes argumentos, no mesmo sentido, o ministro Dias Toffoli se referiu à desigualdade histórica que a mulher sofre em relação ao homem, utilizando-se como exemplo o direito penal brasileiro, que até 1830 permitia ao marido matar a mulher quando a encontrasse em flagrante adultério. Entretanto, enunciou que o direito brasileiro vem evoluindo e que encontrou seu ápice na Constituição de 1988, que assegurou em seu texto a igualdade entre homem e mulher. Porém, segundo o ministro Toffoli, é de extrema importância a criação de ações afirmativas para que a lei formal se transforme em lei material, defendendo a publicitação diária contra a violência da mulher, para que assim, haja uma proteção e um fortalecimento da família. Em consenso, a ministra Cármen Lúcia, fez um alerta sobre a violência psicológica, uma das formas de violência também sofrida pela mulher, afetando sua autoestima, sua dignidade e refletindo esse abalo emocional em toda a família, principalmente nos filhos. “Direito não combate preconceito, mas sua manifestação”, disse ela. “Mesmo contra nós há preconceito”, observou ela, referindo-se também à ministra Ellen Gracie e à vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. Segundo a ministra Carmén Lúcia, esse preconceito, se manifesta, por exemplo, quando um carro dirigido por um homem emparelha com o carro oficial em que se encontre uma mulher, aquele olha espantado pelo fato de que naquele veículo, vinculado a um cargo de status e prestígio se encontrar uma mulher. “A vergonha e o medo são a maior afronta aos princípios da dignidade humana, porque nós temos que nos reconstruir cotidianamente em face disto”, concluiu ela.

33

Com o fim do debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou a constitucionalidade da Lei Maria da Penha e afastou a aplicação da Lei 9.099/95 (a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) e seus institutos despenalizantes (conciliação, transação penal e suspensão condicional do processo). O Supremo Tribunal Federal vem reafirmando que, no crime de lesão corporal praticado contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, não se aplica o benefício da suspensão condicional do processo, in verbis: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PEDIDO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INAPLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/1995. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). PRECEDENTE. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou a constitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, que afasta a aplicação da Lei n. 9.099/1995 aos processos referentes a crimes de violência contra a mulher. 2. Ordem denegada. (HC 110113, Relator(a): Min. Carmen Lúcia, 1ª Turma, julgado em 20/03/2012, DIVULG 03-04-2012, PUBLIC 09- 04-2012). Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de ANDERSON DOS SANTOS SILVA, contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem no HC 184.540/MS, Rel. Min. Jorge Mussi. A impetrante narra, em suma, que o paciente foi condenado à pena de três meses de detenção, substituída por restritiva de direitos, pelo crime de lesão corporal leve praticado no âmbito das relações domésticas (art. 129, § 9º, do Código Penal, nos termos da Lei 11.340/2006). Relata, em seguida, que a acusação e a defesa apelaram para o Tribunal de Justiça Estadual, sendo desprovidos ambos os recursos. Buscando a suspensão condicional do processo, por aplicação do art. 89 da Lei 9.099/1995, a defesa do paciente manejou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem. É contra essa última decisão que se insurge a impetrante. Sustenta, em síntese, a possibilidade de aplicação dos benefícios previstos na Lei 9.099/1995, mesmo em se tratando de casos relacionados à Lei 11.340/2006, ante a inconstitucionalidade da vedação prevista no art. 41 desse diploma legal. Requer, ao final, a concessão da ordem para que seja declarada, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006, com o oferecimento da suspensão condicional do processo ao paciente. É o relatório necessário. Decido. Bem examinados os autos, tenho que o caso é de denegação da ordem. Com efeito, ao julgar o HC 106.212/MS, na sessão de 24/3/2011 (acórdão ainda não publicado), o Plenário desta Suprema Corte denegou a ordem de habeas corpus a paciente que pleiteava o mesmo benefício pretendido no caso sob exame, bem como declarou a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006 (Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995).O acórdão ora questionado não divergiu desse entendimento, conforme se observa da seguinte “ HABEAS CORPUS. ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. INAPLICABILIDADE DA LEI 9.099/95. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 41 DA LEI 11.340/06. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.1. A Constituição Federal, em seu art. 98, inciso I, não definiu a abrangência da expressão 'infrações de menor potencial ofensivo', isto é, coube ao legislador ordinário estabelecer o alcance do referido conceito que,

34

considerando a maior gravidade dos crimes relacionados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, decidiu tratar de forma mais severa as referidas infrações, afastando, no art. 41 da Lei nº 11.340/06, independentemente da pena prevista, a aplicação dos institutos previstos na Lei nº 9.099/95, quais sejam, a suspensão condicional do processo e a transação penal.2. Na hipótese vertente, o paciente foi condenado como incurso nas sanções do art. 129, § 9º, do Código Penal, pela prática do delito de lesão corporal leve contra a tia de sua companheira. Logo, por expressa vedação legal, não há como se aplicar o instituto da suspensão condicional do processo.3. Ordem denegada. Isso posto, com base no art. 192, caput (com nova redação dada pela Emenda Regimental 30 de 29/5/2009), do RISTF, denego a ordem de habeas corpus. Publique-se. Brasília, 4 de maio de 2011.Ministro RICARDO LEWANDOWSKI- Relator - (STF - HC: 108190 MS , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/05/2011, Data de Publicação: DJe-085 DIVULG 06/05/2011 PUBLIC 09/05/2011).

No julgado acima, o pleito para a concessão da suspensão condicional do processo foi indeferido, pois há entendimento pacificado de que não se pode aplicar medidas despenalizadoras para os crimes previstos na Lei Maria da Penha, pois, de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4424, o artigo 41 da Lei 11.340/06 é constitucional e desta forma, o referido artigo deve ser respeitado em sua integralidade que dispõe, in verbis: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099/95”. 3.3. DA NÃO ADMISSÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO AOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: Seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 536, declarou que a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha, in verbis: PENAL E PROCESSUAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. LEI MARIA DA PENHA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O art. 41 da Lei n. 11.340/2006 veda expressamente a aplicação das benesses previstas na Lei n. 9.099/1995 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar. 2. Os diversos institutos despenalizadores previstos na Lei dos Juizados Especiais, inclusive a suspensão condicional do processo, não são aplicáveis aos crimes cometidos com violência familiar, independentemente da gravidade da infração. Precedentes. 3. Recurso não provido. (STJ - RHC: 54493 SP 2014/03220660, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 24/02/2015, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/03/2015).

35

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DERECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) ART. 21 DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS C/C LEI 11.340/06. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI MARIA DA PENHA. APLICAÇÃO DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA LEI9.099/95 (SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO). IMPOSSIBILIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial. 2. Não há constrangimento ilegal no acórdão de apelação, que não admitiu a suspensão condicional do processo no tocante à contravenção (art. 21 da Lei de Contravenções Penais c/c a Lei n.º 11.340/06) contemplada pela Lei Maria da Penha. Isso porque, a Terceira Seção desta Corte alinhando-se à posição esposada pelo Supremo Tribunal Federal, firmou a compreensão de que não se aplicamos institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/95 às hipóteses de infrações perpetradas com violência contra a mulher. Ressalva do julgamento da Relatora. 3. Habeas Corpus não conhecido. (STJ - HC: 188767 MS 2010/0198585-3, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 07/02/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/02/2013).

Observa-se que o julgado acima não admitiu a suspensão condicional do processo no tocante à contravenção (art. 21 da Lei de Contravenções Penais c/c a Lei 11.340/06) alegando a inaplicabilidade deste instituto por se tratar de infração perpetrada com violência contra a mulher, o que denota a inaplicabilidade da Lei 9.099/95, bem como os seus institutos despenalizantes, em todos os casos insculpidos na Lei 11.340. Para o doutrinador Damásio de Jesus (2014), a suspensão condicional do processo é um instrumento de despenalização, atingindo, por meio do processo, o jus puniendi, ou seja, o direito de o Estado punir o infrator da norma penal. Com a suspensão condicional o processo é paralisado e suspenso, impondo-se ao acusado algumas condições a serem cumpridas em determinado tempo – o chamado período de prova –, no qual, após este tempo estipulado, se não houver revogação, o Estado renunciará seu direito de perseguir o acusado. Ao contrário da transação penal, na suspensão condicional do processo, o acusado aceita o cumprimento do período de prova sem admitir a culpa. “Conforme decidido pelo STF, a norma especial seria corolário da incidência do princípio de proteção insuficiente dos direitos fundamentais, assegurando às mulheres agredidas o acesso efetivo à Justiça”, afirmou o relator, ministro Barroso, em seu voto. “E uma das conclusões que se pode extrair da constitucionalidade da vedação da aplicação da Lei 9.099/95 seria a não admissão do benefício da suspensão condicional do processo, previsto em seu artigo 89”, resumiu Barroso (BRASIL. STF - Reclamação 17.460).

36

Em resumo, a decisão do Supremo Tribunal Federal (Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 4424), ao declarar a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/06, afastou a incidência da Lei 9.099/95 aos delitos perpetrados com violência doméstica e familiar contra a mulher, por entender que a aplicação da Lei dos Juizados Especiais aos casos de violência doméstica não garante a resposta penal efetiva para estes casos. E o Superior Tribunal de Justiça acompanhou tal entendimento por meio da Súmula 536 que dispõe que “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”, tendo assim, pacificada matéria em ambos os tribunais.

37

4. A APLICAÇÃO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO AOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O DIREITO COMPARADO: Apesar do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4424) decidir pela inaplicabilidade da Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Súmula 536, entender pela inaplicabilidade da suspensão condicional do processo e a transação penal nas hipóteses de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha, os magistrados de primeiro grau continuam aplicando esses institutos em alguns casos. As medidas despenalizadoras da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95) estão fundamentadas no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal de 1988, in verbis: Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. (BRASIL, 1988).

E surgiram com o objetivo de simplificar o trâmite processual e propor, para os delitos de menor potencial ofensivo, a aplicação da pena restritiva de direitos no lugar da pena privativa de liberdade. Estes institutos são frutos da necessidade de se equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade, o chamado princípio da oportunidade, conferindo ao Ministério Público, como titular da ação, a faculdade de não promover a ação penal, sob certas condições, nas hipóteses previstas legalmente, havendo a concordância do autor da infração e a homologação judicial. Durante o período de 2013 a 2014, após decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2012, sobre a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/06 e

38

consequente inaplicabilidade da Lei 9099/95, foi realizada pesquisa11 em dois juizados de Brasília-DF, onde foram analisados 120 processos dos quais 6% tiveram a concessão da transação penal e 14% da suspensão condicional do processo. Interessante saber que tais processos foram julgados mesmo após julgamento da Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade analisada no capítulo dois deste trabalho. Como se percebe, os institutos despenalizadores continuam sendo aplicados em muitos casos de violência doméstica, gerando dúvidas no que diz respeito à interpretação dada ao julgado do Supremo Tribunal Federal. Quanto ao efeito “erga omnes” (para todos), de acordo com a Juíza Dra. Luciana Lopes Rocha (2015), quando se fala da suspensão condicional do processo dentro da exposição de motivos da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade, não teria efeito “erga omnes”, pois a menção à suspensão condicional do processo apresenta-se no transcorrer da decisão do Supremo, não sendo a aplicação ou não deste instituto objeto da discussão. 4.1. DA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 41 DA LEI 11.340/06: Conforme preceitos do Direito Constitucional (Constituição Federal, artigo 102, I, “a”; Lei 9868/99 e Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, artigos 169 a 178), precisaria estar no texto da petição inicial bem como nos dispositivos que julgou essa Ação Direta de Inconstitucionalidade que o objeto desta Ação seria o de vedar a suspensão condicional do processo para os fins de aplicação da Lei Maria da Penha, gerando somente assim o efeito “erga omnes”, o que não ocorreu. Desta forma, foi declarado constitucional o artigo 41 da Lei Maria da Penha, que exclui a aplicação da Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica, mas neste ponto, de acordo com os juízes que adotam a aplicação do sursi para esses casos (contrariando o entendimento jurisprudencial firmado), há a necessidade de que seja realizada uma interpretação sistêmica, ou seja, comparar o artigo 41 da Lei 11.340/06 com o artigo 89 da Lei 9.099/95, e verificar se de fato, ao afastar a aplicação da Lei ______ 11

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) ocorreu durante os anos de 2013 e 2014, ou seja, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal, no ano de 2012 (ADI nº 4424). O referido PIBIC analisou 120 processos, dos quais verificou-se a aplicação da transação penal em 6% dos casos e a suspensão condicional do processo em 14% dos casos.

39

9.099/95 aos casos de violência doméstica, afastaria automaticamente a aplicação da suspensão condicional do processo (medida despenalizadora da Lei 9.099/95). Segundo a Juíza Dra. Luciana Rocha, o legislador não excluiu expressamente a suspensão condicional do processo (sursis). Assim, o sursis poderá ser aplicado até que o legislador vede sua aplicação de forma expressa. De acordo com o artigo 41 da Lei 11.340/06, a Lei 9.099/95 não poderá ser aplicada aos crimes praticados com violência doméstica. No entanto, o referido artigo faz menção aos crimes praticados com violência doméstica. Porém, no contexto de violência doméstica ocorrem também as contravenções penais (com pena de prisão simples, em regime semiaberto ou aberto e/ou de multa) como por exemplo: vias de fato (art. 21), perturbação do trabalho ou sossego alheio (art. 42), importunação ofensiva ao pudor (art. 61) e perturbação da tranquilidade (art. 65), todos do DecretoLei 3.688/41. Ou seja, a Lei 9.099/95 continua aplicável quando estas situações (contravenções penais) ocorrerem em contexto de violência doméstica (CUNHA; PINTO, 2015). Assim, compreende-se que, o artigo 41 da Lei 11.340/06 veda a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes cometidos em contexto de violência doméstica, mas não veda a aplicação da Lei 9.099/95 aos casos de contravenção penal em circunstâncias de violência doméstica, como se lê a seguir: A despeito do art. 41 da Lei 11.340/06 ser interpretado por alguns doutrinadores e algumas doutrinadoras como explícita vedação - “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995” – de outra sorte não são poucos os experts que entendem pela possibilidade de utilização do sursis processual e acordos informais para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, formulando, para isso, uma espécie de “contorcionismo legal”, ainda que todo o contexto da legislação, bem como da elaboração da Lei 11.340/06 encaminhem para tal impossibilidade (MIRANDA, 2014, p. 175).

A

suspensão

condicional

do

processo

é

um

instituto

jurídico

despenalizador, que não se confunde com a descriminalização, isto é, não retira o caráter ilícito da infração, mas visa à aplicação de medidas alternativas que buscam evitar a pena privativa de liberdade, especificamente nas infrações de menor potencial ofensivo. Previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/1995, permite a suspensão do processo por meio de condições impostas ao réu, com a determinação de medidas a serem

40

cumpridas, bem como a implementação de políticas públicas para a proteção da ofendida. 4.2. A RESPOSTA SOCIAL DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO: Sobre este instituto, tema central do presente trabalho, foi realizada pesquisa no período de 2006 a 2012, proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, executada pelo Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, por meio do Termo de Cooperação Técnica nº 08190.183614/12-10, com objetivo geral de avaliar como o instituto da suspensão condicional do processo afeta a condução de processos judiciais criminais de violência doméstica e familiar contra a mulher enquadrados na Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, no Distrito Federal. O Anis analisou 318 processos os quais dividiu em dois grupos. O grupo A corresponde aos processos que tiveram a aplicação da suspensão condicional do processo, já o grupo B, corresponde aos processos que não tiveram a suspensão condicional do processo aplicada. Com base nessas informações, interessante se faz a apresentação de alguns dados quanto à frequência dos agressores aos atendimentos psicossociais: No grupo A, 18 dos 37 agressores encaminhados aos atendimentos frequentaram-nos regularmente; 13 frequentaram-nos irregularmente; 03 agressores não os frequentaram; e não há informações sobre os 03 agressores restantes. No grupo B, apenas 03 agressores dentre os 17 encaminhados aos atendimentos frequentaram regularmente os atendimentos; outros 03 frequentaram-nos irregularmente; 08 agressores encaminhados não os frequentaram; e não há informações sobre os 09 agressores restantes. (ANIS, 2014, p. 26).

Os dados apresentados demonstram o investimento do Poder Judiciário no uso de recursos interdisciplinares, sendo mais comum a aplicação de atendimentos psicossociais e palestras sobre violência doméstica aos agressores, quando a estes são aplicadas a suspensão condicional do processo do que quando é aplicada a prisão simples. Sendo este investimento mais frequente nos casos em que há a suspensão condicional do processo, uma vez que, os atendimentos psicossociais são uma das medidas determinadas aos agressores no contexto da suspensão condicional do processo (ROCHA, 2015).

41

Essa resposta do Poder Judiciário é mais célere nos casos em que há a suspensão condicional do processo, pois o uso da suspensão condicional do processo possibilita o encaminhamento dos agressores, de forma célere, aos programas de atendimento psicossocial, forma considerada capaz, de interromper a violência, por meio da reflexão em grupos ou individual assessorada por profissionais qualificados, e capaz também de aproximar os agressores do sistema jurídico, pois ficam dependentes desse monitoramento judicial, pela fiscalização não somente à participação aos programas de atendimento como também ao cumprimento das medidas protetivas (ÀVILA, 2014). Enquanto que, a média do tempo de espera entre a denúncia e a suspensão condicional do processo é de 7 meses, a demora entre a denúncia e a prolação da sentença nos casos em que não há a aplicação da suspensão condicional do processo é de 14 meses (ANIS, 2014). Além da celeridade prevista na aplicação da suspensão condicional do processo, estão previstas no art. 89, § 1º, da Lei n. 9.099/95, as condições impostas aos agressores por meio da suspensão condicional do processo, bem como a partir de outras condições impostas pelos juízes: Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições: I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II - proibição de freqüentar determinados lugares; III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. § 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

42

§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. § 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

As condições impostas ao agressor, por meio da suspensão condicional do processo, dão um caráter responsabilizador ao acusado que durante o período estabelecido deve cumprir determinadas circunstâncias durante o tempo determinado, gerando uma sensação de vigília estatal (CORRÊA, 2012). Quanto às consequências impostas pelo sursis, de acordo com a pesquisa do Anis, no que diz respeito às reincidências, foram mais frequentes nos casos do grupo que não tinha a suspensão condicional do processo do que nos grupos que estavam amparados por este instituto. Treze por cento dos casos sem suspensão condicional do processo foram precedidos por outros episódios de agressões registrados, enquanto que o grupo contemplado com a suspensão condicional do processo, verificou-se a reincidência em 5% dos casos. Por sua vez, em 9% dos casos sem a suspensão condicional do processo, houve registro de novas agressões ocorridas antes da prolação da sentença, enquanto que no grupo com a suspensão condicional do processo houve registro de novas agressões em apenas 3% dos casos. 4.3. A APLICAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL PELOS JUÍZES DE PRIMEIRA INSTÂNCIA: Os juízes de primeiro grau que aplicam a suspensão condicional do processo entendem que os acordos pré-processuais ainda são a melhor ferramenta de proteção à mulher, pois há a aplicação das medidas protetivas de urgência, o acompanhamento psicossocial do agressor, o que não é possível aplicar no sistema punitivo tradicional (ROCHA, 2015).

43

Percebe-se que a audiência de instrução e julgamento é difícil, na maioria das vezes, no âmbito de violência doméstica, pois muitas vezes a vítima se reconcilia com o autor do fato, não desejando mais atuar de forma colaborativa com a instrução porque se reconciliou com o agressor e ela não é obrigada a depor (ROCHA, 2015). Nesse sentido, verifica-se o receio de algumas vítimas quanto a prisão dos seus agressores, principalmente quando este é o provedor financeiro e a mulher se vê desamparada tendo que cuidar da casa e dos filhos sozinha. Por vezes, as vítimas falam em juízo que não querem mais dar seguimento a ação e pedem para arquivar o processo, mas o Ministério Público as informam que não depende mais delas a decisão, pois o Estado é titular da ação, como por exemplo: (...) em alguns países, legislações muito rígidas desestimulam as mulheres agredidas a denunciarem seus agressores e registrarem suas queixas. Sempre que o companheiro ou esposo é o único provedor da família, o medo de sua prisão e condenação a uma pena privativa de liberdade acaba por contribuir para a impunidade. Em alguns países existem formas criativas e alternativas de punir homens perpetradores de violência contra mulheres, sobretudo se não forem reincidentes (...) É urgente que se amplie o conhecimento das experiências alternativas à imposição de penas de prisão nesta área, pois já existe evidência de que, em vários casos, o encarceramento de homens pode aumentar, ao invés de diminuir, os níveis de violência contra a mulher e as taxas gerais de impunidade para esse tipo de crime. (CUNHA; PINTO apud LEMGRUBER, p. 223).

Ou seja, os autores aceitam o sursis, por receio de que haja uma condenação, sendo melhor não arriscar, fazendo então esse acordo pré-processual. Sendo muitas vezes essa a única resposta que tenha solução, uma resposta social (ROCHA, 2015). Desta forma, demonstra-se mais eficaz a aplicação da suspensão condicional do processo, pois o agressor poderá continuar trabalhando e ajudando financeiramente a vítima e ainda tendo que cumprir as condições estabelecidas pelo Juiz bem como as medidas protetivas de urgência também poderão continuar vigorando (ROCHA, 2015). Em muitos casos, não haverá uma resposta penal adequada aos casos de violência doméstica, pois na instrução do processo, por falta de provas poderá haver a absolvição do acusado, ou então a pena aplicada será tão pequena (de 15 dias por exemplo), que acabará cumprindo a pena em regime aberto. Enquanto que o sursis

44

vai trabalhar a questão do risco, ou seja, de ter que cumprir as condições impostas pelo Juiz, do contrário, correrá o risco de perder essa medida despenalizadora. Os autores aceitam o sursis, por receio de que haja uma condenação, sendo melhor não arriscar, fazendo então esse acordo pré-processual. Sendo muitas vezes essa a única resposta que tenha solução, uma resposta social. Ao mesmo tempo o sursis evita o estigma de uma condenação, evitando toda uma instrução probatória, dando celeridade ao processo (ROCHA, 2015). A folha de antecedentes do acusado estará limpa. Pensa-se assim na estruturação dessa família, pois haverá uma resposta penal como a prestação de serviços à comunidade e o comparecimento bimestral em juízo. O acusado não poderá praticar outros crimes, devendo cumprir as medidas protetivas, não podendo deixar de comparecer ao acompanhamento psicossocial (ROCHA, 2015). Toda essa vigília ocorre durante dois anos com o olhar do Estado em cima do autor do fato, enquanto que na resposta penal tradicional não haveria nada disso. Se não houvesse a possibilidade do sursis processual, o autor do fato cumpriria a pena e não haveria nenhuma medida social a cumprir (ROCHA, 2015). Alguns juristas lecionam (como é o caso do Superior Tribunal de Justiça em seu HC 207.978 – MS) que é possível a substituição da sanção privativa de liberdade por restritiva de direitos em contexto de violência doméstica, desde que não se resuma ao pagamento de cestas básicas, de prestação pecuniária ou de multa. No entanto, há uma linha tênue entre o deferimento desta substituição e a aplicação da suspensão condicional do processo, ao que tudo indica, este causa uma sensação de vigília muito maior sobre o agressor do que a pena restritiva de direitos, afinal, neste caso o réu já foi condenado, enquanto que durante o prazo da suspensão condicional do processo há uma reflexão maior sobre a conduta do agente que o impede de cometer reincidência como foi demonstrado um percentual menor nesses casos, já que o réu não quer ser processado, muito menos preso (CUNHA; PINTO, 2015). A resposta penal, sem dúvida, é uma preocupação, haja vista que a violência doméstica não é um crime que se pratica contra um estranho ou que tenha uma esfera meramente econômica como por exemplo um crime contra o patrimônio. E por essa vertente ser tão peculiar é que se faz necessária uma resposta social na

45

qual o agressor tenha consciência dos seus atos, da violência praticada. O Poder Judiciário juntamente com o aparato estatal, por meio de políticas públicas, tem o dever de ressocializar e reeducar estes homens para que eles não perpetrem este tipo de violência. O mesmo trabalho de conscientização deve ser feito com as mulheres, para que elas tenham consciência da violência sofrida e não a naturalizem, criando autonomia sobre suas vidas e relações de afeto e então se empoderem para que ao se fortalecerem não permitam mais a submissão e a opressão, buscando mecanismo de enfrentamento a violência doméstica, como por exemplo, o sursis processual, in verbis: Trata-se de habeas corpus em que se discute a possibilidade de oportunizar ao MP o oferecimento de proposta de suspensão condicional do processo (sursis processual) nos feitos vinculados à Lei Maria da Penha. A Turma, por maioria, concedeu a ordem pelos fundamentos, entre outros, de que, na hipótese, tendo a inflição da reprimenda culminado na aplicação de mera restrição de direitos (como, em regra, é o caso das persecuções por infrações penais de médio potencial ofensivo), não se mostra proporcional inviabilizar a incidência do art. 89 da Lei n. 9.099/1995, por uma interpretação ampliativa do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, pois tal providência revelaria uma opção dissonante da valorização da dignidade da pessoa humana, pedra fundamental do Estado democrático de direito. Consignou-se que, havendo, no leque de opções legais, um instrumento benéfico tendente ao reequilíbrio das consequências deletérias causadas pelo crime, com a possibilidade de evitar a carga que estigmatiza a condenação criminal, mostra-se injusto, numa perspectiva material, deixar de aplicá-lo per fas et nefas. Precedentes citados do STF: HC 82.969-PR, DJ 17/10/2003; do STJ: REsp 1.097.042-DF, DJe 21/5/2010. HC 185.930-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14/12/2010. (Informativo STJ 460, 13 a 17.12.2010). Habeas Corpus - Lei Maria da Penha - Lesões corporais de natureza leve Impossibilidade de proposta de transação penal conforme a Lei 9.099/95, mas possível a proposta de suspensão condicional do processo - Precedentes - Caráter ressociativo da medida envolvendo membros da mesma família - Não concretizada a suspensão, o processo prosseguirá normalmente - Ordem concedida. (TJ-SP - HC: 990103096290 SP , Relator: Pedro Menin, Data de Julgamento: 16/11/2010, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 09/12/2010).

Pode-se observar nos julgados acima que a suspensão condicional do processo pode ser um instrumento benéfico em alguns casos. Interessante observar que quando se trata de violência doméstica imagina-se de imediato a violência cometida pelo homem contra a mulher, que é o que mais ocorre no contexto de violência doméstica. No entanto, não podemos olvidar que há outros cenários que também se inserem na referida situação, como por exemplo a agressão entre

46

namoradas, irmãs, mãe e filha, neta e avó, madrasta e enteada, dentre outras combinações afetivas sendo ambas as partes do gênero feminino. E nesse quadro a autora do fato, assim como aconteceria se fosse um homem o agressor, não teria direito, de acordo com posição majoritária, a suspensão condicional do processo, o que poderá acarretar na desestrutura desta relação familiar. No entanto, se uma mulher agride um homem em contexto de violência doméstica, seja ele o marido, namorado, irmão, pai, avô, sobrinho, filho ou enteado, esta mulher responderá de acordo com a previsão imposta pelo Código Penal em seu artigo 129 e terá direito a suspensão condicional do processo. Apesar do contexto histórico demonstrar que a mulher sofre muito mais violência doméstica do que comete, se faz necessária uma ótica mais humana quando se trata de relações familiares e de afeto conturbadas, devendo haver, a depender do caso, apoio de outros entes que não só o Judiciário, mas psicólogos, assistentes sociais e programas de restruturação das relações familiares e afetivas, como por exemplo o Programa de Prevenção Orientada à Violência Doméstica (Provid) realizado pela Polícia Militar do Distrito Federal por meio de um acordo de cooperação técnica com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Este tipo de programa está na vanguarda do país e serve de referência para as demais polícias e, também, para outros tribunais como mecanismo de prevenção da violência doméstica e amparo a efetivação da Lei Maria da Penha (ROCHA, 2015). Por meio do Provid a vítima de violência doméstica é protegida desde o momento da queixa, quando a Polícia Militar do Distrito Federal passa a acompanhar a vítima, levando-a às audiências e indo à sua residência verificar se as medidas protetivas de urgência estão sendo cumpridas pelo agressor e se a vítima está precisando de algum suporte (ROCHA, 2015). De acordo com a Defensora Pública Dulcielly Nóbrega de Almeida (2014), com o artigo 29 da Lei Maria da Penha, os Juizados de Violência Doméstica poderão ter uma equipe multidisciplinar, onde as mulheres são encaminhadas para fazer acolhimento psicossocial e embora o trabalho seja individualizado, e não em conjunto com o agressor, pensa a Defensora que, mais importante que o diálogo entre vítima e ofensor é a mulher ter acesso a profissionais que irão ajudá-la a fazer uma reflexão

47

mais profunda sobre o padrão do relacionamento, promovendo um resgate de autoestima, ajudando-a a entender e solucionar questões de relacionamento, ruídos de comunicação. Para a Defensora (ALMEIDA, 2014), o homem também precisa frequentar esses grupos psicossociais muitas vezes para aprender a controlar a agressividade, entender o ciclo da violência, refletir sobre o seu comportamento, o que não significa ausência de responsabilização penal, mas apenas mais uma ferramenta que a lei coloca à disposição dos envolvidos. Uma das maiores contribuições que a Lei trouxe foi essa transversalidade, a multidisciplinaridade que permite que as pessoas envolvidas nesses conflitos de violência doméstica possam ter outros recursos que não apenas a resposta penal, fornecendo ferramentas mais sofisticadas para que os indivíduos possam entrar em contato consigo mesmos, enriquecendo seu repertório de vida (ALMEIDA, 2014). Neste sentido, se faz necessário conhecer as alternativas utilizadas em outros países, como por exemplo os modelos europeus de enfrentamento à violência doméstica, que buscam, para além do caráter punitivo, a necessidade de responsabilização antecipada dos agressores por meio da aplicação da suspensão condicional do processo, mediante acompanhamentos psicossociais e outras medidas alternativas (MACHADO, 2014). 4.4. DO DIREITO COMPARADO – MODELOS EUROPEUS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: É claro que ao se importar as soluções de outros países deve-se levar em consideração o contexto sociocultural a que se referem e assim refletir de forma crítica sobre o sistema brasileiro à luz desses outros sistemas. (ÁVILA, 2014), como por exemplo: No âmbito das convergências entre os sistemas jurídicos estrangeiros pesquisados, identificou-se uma clara tendência comum no tratamento da violência doméstica de uma forma diferenciada da criminalidade comum, como prioridade de intervenção do Estado por meio de uma resposta efetiva no âmbito do Sistema de Justiça Criminal. (ÁVILA, 2014, p. 385).

Essa tendência comum no tratamento da violência doméstica ocorre em

48

países como Espanha, França, Inglaterra e Portugal. Estes países, assim como o Brasil, também utilizam as medidas protetivas de urgência de modo a incorporar responsabilidades tanto à vítima, quanto ao agressor e também responsabilizar o Sistema de Justiça Criminal pela proteção à integridade física e psicológica da vítima, desta forma: A identificação dessa estratégia sinaliza a relevância de que, também no Brasil, a intervenção psicossocial sobre o agressor passe a ser perspectivada como um dos elementos de uma política de enfrentamento a violência doméstica contra a mulher e não como um mero adendo de responsabilidade do sistema penitenciário. (AVILA, 2014, p. 388).

Sobre os elementos de enfrentamento a violência doméstica contra a mulher, às alternativas imputadas ao agressor nos modelos europeus, comparado ao que temos aqui no Brasil, seria o oferecimento da suspensão condicional do processo na fase inicial do processo. Portugal e França admitem acordos processuais, de forma a assegurar a adequada proteção da vítima, responsabilização do agressor, e economia dos recursos humanos da justiça (ÁVILA, 2014). Quanto a utilização da suspensão condicional do processo nos países europeus e a opinião dos movimentos feministas desses países sobre esse acordo processual: Interessante observar que os movimentos feministas desses países não perspectivam tais acordos como uma banalização da resposta penal, mas como um instrumento de intervenção mais eficiente (...) há diversas críticas de movimentos feministas espanhóis quanto à sua opção político-criminal de acentuar o tom punitivo e de minimizar a possibilidade de autodeterminação das mulheres vítimas de violência, em situações menos graves. (ÁVILA, 2014, p. 389 e 390).

Um dos grandes problemas enfrentados na justiça quanto à acentuação do tom punitivo (ÁVILA, 2014), umas das críticas dos movimentos feministas espanhóis, é a lotação de processos menos graves nos juizados especiais, quando poderia demandar maiores esforços aos crimes mais graves; a morosidade jurisdicional e consequente revitimização da mulher e o risco de absolvição do agressor quando a mulher decide não colaborar com seu testemunho na fase judicial e não há provas além da palavra da vítima. Apesar do Brasil ter sido influenciado pela legislação da Espanha, que aplica o acordo processual, aqui, após decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI

49

4424), os acordos processuais foram vedados. Há quem critique tal atitude como se segue: De forma dissociada das tendências de todos os países estudados, o sistema brasileiro caminha para a institucionalização de todos os conflitos num processo penal (...) A experiência estrangeira demonstra que é possível se construir modalidades de acordos processuais que permitam proteger os interesses da vítima e assegurar adequada responsabilização do agressor para casos de menor gravidade, com a vantagem de serem instrumentos de intervenção célere e efetiva, reservando a força de trabalho do Sistema de Justiça Criminal para os demais casos mais graves, com penas mais elevadas. (ÁVILA, 2014, p. 391 e 393).

Seguindo este entendimento, de que os acordos processuais permitem proteger os interesses da vítima e assegurar a adequada responsabilização do agressor para casos de menor gravidade, tem-se o seguinte julgado: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. VEDAÇÃO DO ART. 41 DA LEI 11.340/06. INTELIGÊNCIA INADEQUADA. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. 1. O art. 41 da Lei Maria Penha, ao vedar a incidência da Lei 9.099/95, referese às disposições próprias do Juizado Especial Criminal, e, não, a outras, como aquelas contidas nos arts. 88(REsp 1097042/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010, DJe 21/05/2010) e 89. A suspensão condicional do processo comparece no bojo da Lei 9.099/95 de maneira apenas incidental, dado que não pertence substancialmente à planificação dos Juizados Especiais. 2. Ordem concedida para anular o trânsito em julgado, devendo o Tribunal a quo providenciar a abertura de vista para que o Ministério Público se manifeste sobre o art. 89 da Lei 9.099/95, afastado o óbice do art. 41 da Lei 11.340/06. (STJ - HC: 191.066/MS, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Publicação: DJ 20/06/2012).

O julgado acima demonstra a flexibilização da aplicação da suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica, no que tange às contravenções penais, em particular, trata-se do crime de ameaça. No mesmo sentido: HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA (11.340/2006). CÓDIGO PENAL. LESÃO CORPORAL. AMEAÇA. CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA. TERMO DE REPRESENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE RIGOR FORMAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1. EM SE TRATANDO DE CRIME DE AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA, NÃO SE EXIGE RIGOR FORMAL NA REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO, BASTANDO A SUA INEQUÍVOCA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE PARA QUE SE PROMOVA A RESPONSABILIZAÇÃO DO OFENSOR. 2. A TEOR DO DISPOSTO NO ARTIGO 89, § 2º DA LEI Nº

50

9.099/95, AFIGURA-SE LEGÍTIMA A ESTIPULAÇÃO DE CONDIÇÕES FACULTATIVAS, ALÉM DAQUELAS PREVISTAS NO PARÁGRAFO PRIMEIRO, PARA A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ASSIM, A FIXAÇÃO DE CONDIÇÃO CONSUBSTANCIADA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COMUNITÁRIOS, DESDE QUE OBSERVADOS OS PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO E DA PROPORCIONALIDADE, NÃO CONFIGURA CONSTRANGIMENTO ILEGAL, NÃO EQUIVALENDO, PORTANTO, TAL DETERMINAÇÃO, À IMPOSIÇÃO ANTECIPADA DE PENA. 3. ORDEM DENEGADA. (TJ-DF - HC: 37895520118070000 DF 0003789-55.2011.807.0000, Relator: JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 24/03/2011, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação: 04/04/2011, DJ-e Pág. 163).

Diante o exposto, pode-se observar que a suspensão condicional do processo é aplicada por alguns juízes sob a alegação de que não há constrangimento ilegal e de que é legítima a estipulação de condições facultativas desde que observadas a adequação e a proporcionalidade em cada caso concreto. Nesse sentido, um dado expressivo desta realidade é que, apesar da vedação dos institutos despenalizantes, durante a análise de 38 audiências 12, demonstrou-se um percentual elevado de desistências na persecução penal, pela maioria das vítimas, que de um universo de 100%, 78,5% das mulheres pedem para retirar as medidas protetivas de urgência e deste percentual, 15,3% solicitam a revogação das protetivas porque se reconciliam com os autores do fato. O que, com a aplicação da suspensão condicional do processo, não haveria prisão, nem persecução penal, se durante o prazo de 02 anos o autor do fato cumprir as condições estabelecidas pelo Juiz. E as medidas protetivas de urgência continuariam, sem a necessidade da vítima pedir para retirá-las com receio de que o acusado (namorado, marido, irmão, pai, filho, etc) vá preso, pois este é o grande receio da maioria das mulheres, conforme aponta pesquisa: Pesquisa da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça revela que 80% das mulheres agredidas não querem que o autor da violência seja punido com prisão (GALVÃO, 2015).

O número expressivo, de que 80% das mulheres violentadas não desejam a prisão do autor do fato, reforça o apontamento realizado pela Juíza Dra. Luciana Lopes Rocha, de que muitas vezes a audiência de instrução e julgamento é difícil no âmbito de violência doméstica, pois muitas vezes a vítima não deseja dar seguimento a ação porque se reconciliou com o agressor. ______ 12

Programa de Incentivo com Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC).

51

Nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que aplicam a suspensão condicional do processo, assim o fazem a depender do caso concreto. Quando por exemplo, a vítima demonstra que não está mais se sentindo ameaçada e pede para retirar as medidas protetivas de urgência, ou quando o casal está mantendo contato por conta dos filhos, ou nas vezes que o casal se reconcilia e a vítima solicita a retirada das medidas protetivas, ou nas situações em que o casal se divorcia e a mulher não tem mais interesse na persecução penal, ou das vezes em que a mulher afirma que não quer que o marido seja preso pois ele é um bom marido e pai de família sendo o problema a bebida, dentre outras situações em que tudo indica que não há um perigo iminente (ROCHA, 2015). Nesses casos, parte do Ministério Público e dos Magistrados de primeira instância entendem que é mais seguro para a vítima de violência doméstica que, o agressor fique sob a vigília do Estado durante dois anos cumprindo uma série de requisitos do que a imposição de penas de prisão e uma possível desestruturação familiar e social (ÁVILA, 2014). Os juízes de primeiro grau que aplicam a suspensão condicional do processo entendem que os acordos pré-processuais ainda são a melhor ferramenta de proteção à mulher, pois há a aplicação das medidas protetivas de urgência, o acompanhamento psicossocial ao agressor, o que não é possível no sistema punitivo tradicional. Sendo estes, um dos motivos pelos quais alguns Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher não vêm cumprindo o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.

52

5. CONCLUSÃO O que norteou a presente pesquisa, ao longo deste trabalho, foi a busca pela compreensão do motivo de determinados juízes de primeira instância aplicarem a suspensão condicional do processo (instituto despenalizante da Lei dos Juizados Especiais Criminais) em casos de violência doméstica, mesmo após decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade número 4424 que, ao tornar o artigo 41 da Lei 11.340/06 constitucional, afastou a aplicação da Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Iniciando esta busca pela breve contextualização histórica em torno das conquistas de direitos das mulheres por meio da luta feminista, dando destaque a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), foco do presente trabalho, como importante marco jurídico e de grande vitória para o movimento feminista, que alterou o Processo Penal visando à proteção das mulheres em situação de violência doméstica. Em seguida, foi apresentado o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça quanto à inaplicabilidade da Lei 9.099/95 aos casos de violência doméstica. Em contraposição, ilustrou-se o posicionamento dos juristas que advogam pela aplicação da suspensão condicional do processo (instituto despenalizante da Lei 9.099/95) aos casos de violência doméstica. Ainda, sobre a aplicação da suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica, verificou-se, por meio de dados apresentados pela pesquisa do Instituto Anis, que a reincidência dos agressores que auferem este benefício é expressivamente menor do que os dos que não recebem a suspensão condicional do processo. Desta forma, foram explicitados os motivos pelos quais os juízes de primeira instância aplicam a suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica, sob a alegação de que não há constrangimento ilegal e de que é legítima a estipulação de condições facultativas desde que observadas a adequação e a proporcionalidade em cada situação específica, demonstrando que a resposta social, muitas vezes, é mais eficaz do que a resposta penal, a depender do caso concreto.

53

Nesse sentido, foram apresentadas experiências positivas de alguns países da Europa com a aplicação da suspensão condicional do processo, realizando uma análise do direito comparado frente as experiências no Brasil em comparação com Portugal, Espanha, França e Inglaterra As experiências estrangeiras demonstraram a possibilidade de se construir modalidades de acordos processuais que permitam proteger os interesses da vítima e assegurar adequada responsabilização do agressor para casos de menor gravidade, com a vantagem de serem instrumentos de intervenção célere e efetiva, reservando a força de trabalho do Sistema de Justiça Criminal para os casos mais graves, com penas mais elevadas. Diante disso, qual seria a melhor solução para a efetivação plena da Lei Maria da Penha? Punição ou restauração? Aplicação de penas privativas de liberdade em crimes menos graves ou a aplicação relativa da suspensão condicional do processo? Sem dúvida, a melhor solução para a efetivação plena da Lei Maria da Penha é a aplicação de medidas socioeducativas, ou seja, palestras sobre violência doméstica, trabalhos de conscientização para romper com os ciclos de violência, empoderando mulheres e restaurando homens, com o apoio de profissionais da área da saúde, psicólogos e assistentes sociais. O empenho na restauração dos agressores é essencial para que a violência doméstica não se repita, a punição não deve ser em caráter meramente penal no sentido de dar apenas uma resposta normativa, é preciso que haja uma resposta social para que o agressor não reincida, contribuindo para a pacificação social. Por isso, se faz necessária a aplicação da suspensão condicional do processo às contravenções penais e delitos de menor potencial ofensivo em âmbito de violência doméstica e familiar contra a mulher. Desta forma, pode-se concluir que, nos casos de contravenção penal e delitos de menor potencial ofensivo, em âmbito de violência doméstica, a suspensão condicional do processo, medida despenalizadora da Lei 9.099/95, pode ser aplicada, a depender do caso concreto (à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à

54

personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, requisitos previstos no artigo 59 do Código Penal), às situações que ocorrem em âmbito de violência doméstica. Por todo o exposto, se faz necessária a implementação de uma justiça mais restaurativa do que punitiva haja vista a degradante realidade do sistema carcerário brasileiro. Deve-se buscar compreender as causas dos conflitos para se tentar, quando possível, a restauração da harmonia e o equilíbrio de todos os envolvidos, promovendo assim, a consciência quanto à responsabilidade de cada um por seus atos para que se possa dar fim ao ciclo de violência. Assim, demonstra-se o imprescindível envolvimento da justiça para a efetivação da pacificação social, principalmente no âmbito doméstico e familiar.

55

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Dulcielly Nóbrega de. O androcentrismo nas práticas judiciárias: uma etnografia nas varas e juizados de violência doméstica do Distrito Federal. Local: Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública no Fórum Desembargador José Leal Fagundes, 05 mar. 2014. Entrevista concedida à Camila Chagas Simões Delgado, para análise de dados em Programa de Incentivo com Bolsa de Iniciação Científica. ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo? São Paulo: Brasiliense, 2003. ANIS, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. MP Eficaz Lei Maria da Penha – Avaliação da efetividade da intervenção do sistema de justiça do Distrito Federal para a redução da violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília: ESMPU, 2014. ÁVILA, Thiago André Pierobom de [et al.]. Modelos europeus de enfrentamento à violência de gênero: experiências e representações sociais – Brasília: ESMPU, 2014. BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05

de

outubro

de

1988.

Disponível

em:

<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 17 set. 2015. BRASIL. Assessoria de Imprensa e Comunicação Social do Tribunal Superior –

Eleitoral

TSE,

2013.

Disponível

em:

. Acesso em: 29 set 2015. BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, 31

de

dezembro

de

1940.

Disponível

em:

<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 17 set. 2015.

56

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal.

Brasília,

13

de

outubro

de

1941.

Disponível

em:

<

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em 17 set. 2015. BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e

Criminais.

Brasília,

27

de

setembro

de

1995.

Disponível

.

em:

Acesso

em 17 set. 2015. BRASIL. Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Brasília, 08 de agosto de 2006. Disponível em: . Acesso em 17 set. 2015. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4424. Brasília,

09

de

fevereiro

de

2012.

Disponível

em:

<

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=199853>. Acesso em 17 set. 2015. CORRÊA, Aline. Projeto de Lei 4501, de 2012. Dispõe sobre a repressão à violência contra a mulher, alterando dispositivos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha, e dá outras providências. Poder Legislativo, Brasília, DF, 2012. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha: comentada artigo por artigo. 6. ed. ver. atual. e ampl. -- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. FACIO, Alda. A partir do feminismo vê-se um outro direito. Publicado em “Outras Vozes”, nº 15, Maio de 2006. Disponível em: < http://www.wlsa.org.mz/artigo/a-partirdo-feminismo-ve-se-um-outro-direito/>. Acesso em: 02 out. 2015. FERREIRA, Fernando Guimarães. A dialética hegeliana: uma tentativa de compreensão. Rev. Estudos Legislativos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 167-184, 2013. GALVÃO, Agência Patrícia. Pesquisa da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça revela que 80% das mulheres agredidas não querem que o

57

autor da violência seja punido com prisão, 03/05/2015. Disponível em: < http://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/violencia-domestica-80-das-mulheresnao-querem-a-prisao-do-agressor/>. Acesso em: 30 set. 2015. GERGEN, Mary Mc Canney – ED. O Pensamento Feminista e a Estrutura do Conhecimento.Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos: Ed. UNB, 1993. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008. GREGORI, Maria Filomena. CENAS E QUEIXAS – um estudo sobre mulheres, relações violentas e a prática feminista. Ed. Paz e Terra, 1992. JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal anotado. 22. ed. São Paulo: Saraiva,2005. MACHADO, Lia Zanotta. Antropologia e Feminismo Diante da Violência. In: Feminismo em movimento. São Paulo: Francis, 2010. MIRANDA, A. L. V. Em briga de marido e mulher o Judiciário mete a colher: qual a ― medida? Uma etnografia sobre as práticas judiciárias ― conciliatórias de conflitos em Juizados de Violência Doméstica do Distrito Federal. Brasília, DF: UNB, 2014. MORACE, Sara. Origen Mujer: Del matrismo al patriarcado. Roma: Prospettiva Edizioni, 1999. PINTO, Céli Regina Jardim. Feminismo, História e Poder. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 36, p. 15-23, jun. 2010. PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. Saraiva, 2012. PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/06: análise crítica e sistêmica. 3. ed. ver. atual e de acordo com a ADI 4424. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.

58

ROCHA, Luciana Lopes. A aplicação da suspensão condicional do processo aos casos de violência doméstica. Local: Setor Residencial Norte, Asa Norte, BrasíliaDF, 25 set. 2015. Entrevista concedida à Camila Chagas Simões Delgado, para análise de dados em trabalho de conclusão de curso. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do Direito. São Paulo: RT, 2003. SERAFIM, Fabrízia Pessoa. Teorias Feministas do Direito: uma necessidade no Brasil. REVISTA DOS ESTUDANTES DE DIREITO DA UNB, Nº 9 (2010). ZACARIAS, André Eduardo de Carvalho et all. Maria da Penha – Comentários a Lei 11.340/06. São Paulo: Anhanguera Editora Jurídica, 2013.

59

ANEXOS Entrevista realizada em 25/09/2015 com a Dra. Luciana Lopes Rocha (Juíza da Vara de Violência Doméstica de Taguatinga). 1 – Há quanto tempo a senhora atua no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher? Tornei-me Juíza Titular na Vara de Taguatinga em 03 de julho de 2015, atuando durante 01 mês antes, como juíza substituta, realizando plantões semanais e nos fins de semana. Sou juíza há 08 anos e atuo como Juíza da Vara de Violência Doméstica, desde junho de 2015. 2 – Com relação a sua atuação, no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a senhora acredita que para atuar nesta área é necessária uma capacitação diferenciada? Sem dúvida, o juiz deve ser um articulador antes de tudo, para poder dar uma resposta penal e social. A vara de violência doméstica não é só criminal, tanto que, por meio dos diversos instrumentos disponíveis na Lei 11.340/06 há a possibilidade de se definir alimentos, a guarda da criança, ainda que de forma residual, pois não é possível atrair todo o escopo da Vara de Família para a Violência Doméstica, mas os pontos de conflitos na entidade familiar, com relação as visitas por exemplo, extrapola questões como a integridade física e a integridade psicológica da vítima, demonstrando-se muito próximo o liame da Vara de Família com a Vara de Violência Doméstica, devendo desta forma, o Juiz ter uma visão não apenas penal. O legislador colocou duas grandes funções do operador do direito, do poder judiciário que atua na Vara de Violência Doméstica. Necessário se faz, dar a resposta penal e tem também nos artigos 8º e 9º, dar também uma proteção a integridade física e psicológica da vítima por meio das redes de apoio. Como por exemplo a Resolução do CNJ que coloca o poder judiciário como um grande articulador de todo o sistema de segurança pública, saúde, trabalho, juntamente com a Defensoria Pública, Ministério Público e Segurança Pública.

60

Sem esquecermos das redes de apoio como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que trata de alcoolismo, de problemas psiquiátricos, com encontros psicológicos, com trabalhos terapêuticos, que são muito importantes pois é comum a vítima retornar procurando ajuda do judiciário quando não há um acolhimento por meio dessas redes de apoio que servem também como prevenção para que o ciclo de violência se rompa. A Vara de Violência Doméstica é uma vara social, muito mais social do que penal, devendo as respostas serem muito mais de cunho social do que de cunho penal. Por isso, os juízes que atuam nessa área não podem ficar inertes, devendo ter um papel proativo, até mesmo em parceria com outras instituições como por exemplo a Polícia Militar, que muitas vezes possui um trabalho repressivo, no entanto, por meio do diálogo da Vara de Violência Doméstica com a Polícia Militar, para os casos de Violência Doméstica, necessário se faz uma abordagem diferente, tanto para o autor do fato quanto para a vítima, atuando de forma muito respeitosa e principalmente de forma preventiva. Como por exemplo a rede de apoio do Provid (Prevenção Orientada à Violência Doméstica), programa desenvolvido entre a Polícia Militar do Distrito Federal e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que divide suas demandas com o judiciário. Violências latentes são encaminhadas para o judiciário de Taguatinga/DF, já as violências que ainda têm a possibilidade de se realizar um trabalho preventivo, este é realizado por meio de visitas e relatórios dos policiais que visitam o lar com uma certa regularidade, acompanhando vítima e autor do fato de perto. Um trabalho de vanguarda. 3 – Quais as incidências penais mais frequentes no Juizado de Taguatinga? Lesão corporal, dano, crimes contra a honra como injúria e difamação (xingamentos que depreciam e abalam a honra e o psicológico da mulher), ameaça, exercício arbitrário das próprias razões (dano – exemplo: casal fez partilha dos bens na Vara de Família, na prática não fizeram essa partilha, até que 04 anos depois, a filha do casal resolve morar com o Pai e este resolve, em um dia que a mãe não se encontrava em casa, pegar alguns móveis para dar maior conforto à filha); contravenções penais como a perturbação da tranquilidade, perturbação do trabalho, perturbação do sossego alheio; vias de fato (quando não ficam lesões aparentes),

61

importunação ofensiva ao pudor; e os crimes mais graves como o estupro de vulneráveis (crianças) e estupro das mulheres. Necessário se faz um olhar cuidadoso para a decretação de prisão preventiva ou medidas protetivas de urgência. Quando a vítima traz um relato de que a violência potencializou, necessário se faz essa prevenção. Por isso que é tão importante o diálogo com outros profissionais, essa rede interdisciplinar, pois muitas vezes, as vítimas se apresentam de forma tímida nas audiências e com o auxílio dos psicólogos dentro das salas de audiência a oitiva dessa vítima ocorre de forma mais plena. 4 – No que diz respeito aos institutos despenalizantes, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, quais seriam os benefícios e os malefícios da aplicação desses institutos aos casos de violência doméstica contra a mulher? Há um estudo comparado entre Espanha, França e Inglaterra, os autores são Tiago Pierobon (Modelos Europeus de Enfrentamento à Violência Doméstica). Onde ele fala que uma das grandes preocupações da legislação é uma resposta social, essa é uma preocupação mundial, de que a única resposta não seja apenas a penal. O Thiago Pierobom faz uma crítica ao ordenamento jurídico brasileiro, ele fala que os outros modelos europeus, trazem o acordo pré-processual como uma grande ferramenta de atendimento a essa intervenção psicossocial, porque no nosso modelo (Brasileiro) a gente não tem como ter um atendimento psicossocial como parte da pena, devendo responder por uma privativa de liberdade ou por uma restritiva de direitos e aí no nosso caso (Brasileiro) não pode haver a prestação de cesta básica, pena pecuniária, mas podemos substituir por restritiva de direitos. E aí pronto! A gente não tem dentro da resposta penal a condenação na intervenção psicossocial. Como que a gente pode ter isso no ordenamento jurídico brasileiro? E é isso que o Thiago Pierobom defende em seu artigo, através por exemplo dos acordos pré-processuais que existem em ordenamentos jurídicos europeus. Então, por exemplo, se a gente puder usar a suspensão condicional do processo, que é um

62

acordo pré-processual, para se evitar a instrução pré-processual após a denúncia, você faz o acordo. Lá na Violência Doméstica de Taguatinga nós aplicamos a Suspensão mesmo após a Súmula 536 – STJ. Por que? Exatamente porque dentro da suspensão a gente aplica além da prestação de serviços, que já seria a resposta penal (claro que aí faria uma proporção, se a pena daquele crime seria “x”, então vamos aplicar tantas horas proporcional à pena daquele crime para esse autor do fato), então o autor do fato vai ter que cumprir a prestação de serviços de alguma forma, além disso a gente sempre coloca como condição obrigatória do juízo frequentar, por exemplo, o grupo de encontro do Núcleos de Atendimento à Família e Autores de Violência Doméstica (Nafavd) com terapeutas para homens que praticaram a violência doméstica, há também palestras. Além das prestações de serviço e do Nafavd, têm as medidas protetivas que vão continuar vigentes enquanto vigorar o prazo do sursi”. Então, ao nosso ver, a suspensão condicional do processo atinge tanto a resposta penal como também atinge essas intervenções sociais (resposta social), evitando a reincidência e a vítima de fato está mais protegida porque a medida protetiva é cautelar, ela tem que ter um processo principal que fundamente (se você tem um processo, tem uma condenação, aí aplicou-se uma pena restritiva de direitos, aplicou-se uma pena privativa de liberdade de 02 meses, cumprindo a pena, a medida protetiva é arquivada junto com o processo, então extingue-se a punibilidade pois a pena foi cumprida e o processo é extinto e por isso revoga a medida protetiva de urgência). Agora, se há a suspensão condicional do processo é colocado como condição do sursis o cumprimento da medida protetiva no prazo de 02 anos, vai ter que cumprir a prestação de serviços e vai ter que cumprir a intervenção psicossocial. 5 – Por que o entendimento do STF e do STJ, quanto a proibição da aplicação desses institutos despenalizantes, não está sendo observado em sede de primeira instância? Quais seriam as críticas às decisões do STF e STJ referentes a proibição desses institutos?

63

É bem interessante isso e a gente ainda pode construir essa ideia de suspensão condicional do processo mesmo depois da Súmula 536 do STJ, entendendo-se que esta súmula merece melhor reflexão, há inclusive um Acórdão da Ministra Maria Thereza que continua defendendo a aplicação da suspensão condicional do processo como uma excelente ferramenta da Lei 11.340/06. Não haveria violação a Lei 11.340/06 porque o artigo 41 desta lei, veda a aplicação da Lei 9.099/95, no entanto esse artigo é genérico e relativo, por exemplo, muitos advogam que a transação penal seria cabível para contravenções porque o artigo fala não se aplicam aos crimes regidos pela Lei 11.340/06 a Lei 9.099/95, como ela falou aos CRIMES a gente não pode interpretar ampliando, excluindo um benefício que pode ser aplicado para a transação nos casos de contravenções. Então, se a Lei 11.340/06 quisesse excluir expressamente a Lei 9.099/95 da transação, podia ter usado a palavra crime, ele devia ter usado pois o legislador não tem palavras em vão. É uma construção. A Súmula 536 do STJ fala da aplicação quanto aos delitos. Mas a Lei não falou isso. O legislador não falou delito, ele falou crime! Então, essa parte da Lei 9099/95 para contravenções continua sendo aplicada e não há que se falar em estar contrariando a própria Lei 11.340/06. Desta forma, as transações são aplicadas somente para contravenções e aí como foi expresso “NÃO se aplicam aos crimes previstos...” nessa Lei 11.340/06 a TRANSAÇÃO, ele está expressamente excluído, aí eu estaria descumprindo o que o legislador colocou se eu aplicasse a TRANSAÇÃO. Ou seja, transação para crime não. Já a suspensão condicional do processo, a construção, inclusive da Ministra Maria Thereza, Thiago Pierobom também defendem que a suspensão condicional do processo não é instituto privativo da Lei 9.099/95 pois ela também é usado para crimes de médio potencial, por exemplo, formação de quadrilha, pode ter suspensão condicional do processo, estaria dentro dos requisitos subjetivos para a concessão. Então, se você tem alguns crimes do Código Penal que podem ser aplicados o sursis, você estaria retirando da Lei 11.340/06, institutos típicos da Lei 9.099/95 mas o sursis é tanto para um crime pequeno, de menor potencial ofensivo

64

como para crimes de médio potencial ofensivo e na Lei 11.340/06 a maioria dos crimes são de médio potencial ofensivo, tem bastante contravenções também. Então, além disso, a ADIN 4424 que orientou a aplicação da Lei 9.099/95 e a ADC 19, o escopo delas que fez de fato efeito “erga omnes” foi a de que é incondicionada as lesões corporais leves e culposas, é esse o escopo! Quando se fala da suspensão condicional do processo dentro da exposição de motivos não faz efeito “erga omnes” pois está no meio da decisão do Supremo, não sendo o objeto da discussão! Pois, conforme o Direito Constitucional e o efeito “erga omnes” da ADIN, precisaria estar dentro da Petição Inicial que o objeto da ADIN seria o de vedar a suspensão condicional do processo para os fins de aplicação à Lei Maria da Penha, bem como nos dispositivos que julgou essa ADIN. Então, foi declarado constitucional o art. 41 da Lei Maria da Penha, que exclui os institutos despenalizantes da Lei 9.099/95, mas aí uma interpretação sistêmica deve ser feita, pode-se observar que o legislador não excluiu expressamente o sursis como excluiu a transação, desta forma, o sursis poderá ser aplicado até que o legislador vede sua aplicação de forma expressa! Como a ADIN não foi expressa ao sursis e a súmula não é vinculante, entende-se que os acordos pré-processuais ainda são a melhor ferramenta de proteção a mulher, pois há a aplicação das medidas protetivas de urgência, o acompanhamento psicossocial ao agressor que não tem como aplicar no sistema punitivo tradicional. Percebe-se muitas vezes que a instrução é difícil, na maioria das vezes, no âmbito de violência doméstica pois muitas vezes a vítima se reconcilia, ela não quer atuar de forma colaborativa com a instrução porque se reconciliou com o agressor e ela não é obrigada a depor e por isso muitas vezes ela não quer dizer que se reconciliou. Em muitos casos, não haverá uma resposta penal adequada, pois na instrução do processo, por falta de provas pode haver a absolvição enquanto que o sursis vai trabalhar bastante a questão do risco, cada um sabe o que fez. O agressor

65

não assume a culpa e ao mesmo tempo evita o estigma de uma condenação, evitando toda uma instrução probatória e antes mesmo disso tudo, sem dizer se é culpado ou não a folha de antecedentes estará limpa, pensando-se assim na estruturação dessa família, pois haverá uma resposta penal (prestação de serviços à comunidade, comparecimento bimestral em juízo, não poderá praticar outros crimes se não o sursi é revogado, devendo cumprir as medidas protetivas se não o sursis é revogado, não podendo deixar de comparecer ao acompanhamento psicológico se não o sursi é revogado), toda essa vigília durante 02 anos com o olhar do estado em cima do autor do fato. Enquanto que na resposta penal tradicional não haveria nada disso. O autor do fato cumpriria a pena e acabou. Não há nenhuma medida social. Podendo haver também uma situação final por ausência de colaboração da própria vítima pois a ação penal é incondicionada e por isso, várias vítimas de lesão corporal falam em juízo que não querem mais dar seguimento a ação, pedem para arquivar o processo, mas o Ministério Público a informa de que não depende mais da decisão dela, pois o Estado é titular da ação. Ou seja, há essas situações e que por isso os autores aceitam o sursis, por receio de que haja uma condenação, sendo melhor não arriscar, fazendo então esse acordo pré-processual. Sendo muitas vezes essa a única resposta que tenha solução. Importante o juiz analisar sua prática para compreender o que vai funcionar melhor, o que será mais eficaz, vai proteger melhor a mulher, para cada caso concreto. Se a vítima quer fazer o acordo, por que não? Vamos empoderar esta mulher! Se ela não quiser acordo será aplicada a pena privativa de liberdade ou a pena restritiva de direito. Pronto! A mulher decide e a Lei é aplicada conforme os fatos, estes são dados ao juiz e ele então responde com o direito (“dai-me os fatos que te dou o direito”). A Lei sendo aplicada a cada caso concreto e não uma lei engessada que nivela a violência doméstica, como se todas ocorressem da mesma forma e no mesmo contexto fático. Sendo muito perigosa essa aplicação, nos remetendo ao Direito Penal do Inimigo. Com as medidas psicossociais é provável que não ocorra reincidência.

66

Quando há punições muito severas em âmbito de violência doméstica, estas notícias criminis não chegam ao poder público pois muitas vezes as vítimas não querem que o agressor seja preso pois ele é o provedor daquela família. Quanto a conciliação, a composição civil não pode ser feita nos casos de violência doméstica pois é instituto privativo da Lei 9.099/95. A conciliação pode ser usada nos crimes contra a honra. A mudança causada nos juizados de violência doméstica com a decisão do STF e STJ é o aumento do número de instruções e levando tudo ao estigma ou não da condenação. Há a vedação ao princípio da proporcionalidade e a violação da dignidade humana. E para um crime de mesmo potencial ofensivo, por exemplo, um crime de médio potencial ofensivo se for tratado pelo Juizado Criminal o Código Penal será aplicado mas se for tratado pelo Juizado de Violência Doméstica será tratado pela Lei 11.340/06 sendo desproporcional pois há um instituto que não poderá ser aplicado simplesmente porque se trata do contexto de violência doméstica, ferindo assim o princípio da igualdade e a dignidade da pessoa humana, não dando a resposta penal adequada. Se o art. 89 for vedado de maneira expressa, não haverá mais como aplicar o sursis aos casos de violência doméstica. O entendimento do STF e do STJ neste sentido não está pacificado!

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.