A APLICABILIDADE DO ARTIGO 180, § 1º (RECEPTAÇÃO QUALIFICADA) DO CÓDIGO PENAL AO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES

June 4, 2017 | Autor: Alexandre Saraiva | Categoria: Training and Development
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A APLICABILIDADE DO ARTIGO 180, § 1º (RECEPTAÇÃO QUALIFICADA) DO CÓDIGO
PENAL AO TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES.




O tráfico de animais silvestres é por muitos considerado a
terceira atividade criminosa com maior movimentação financeira, perdendo
tão-somente para o tráfico de drogas e o comércio ilícito de armas e
munições. Entretanto, independentemente da posição que ocupe na escala
econômica da criminalidade, ficou comprovado no decorrer da "Operação
Oxóssi", desenvolvida pela Polícia Federal em março deste ano, que o
número de animais silvestres traficados alcança tranquilamente a casa dos
milhões de espécimes todos os anos, certificando ainda que o mercado negro
de animais silvestres e responsável pela extinção de diversas espécies
animais, além de colocar em sério risco muitas outras.


Entretanto, apesar da lesividade causada pelo tráfico de animais
silvestres, não existe ainda na legislação pátria, um tipo penal específico
para este tipo de crime na legislação ambiental vigente, porém tal prática
criminosa é alcançada pela legislação penal geral insculpida no Código
Penal.


Desta forma, não é o caso de aplicação do Artigo 29 da Lei
9605/98, quando tratar-se de tráfico de animais silvestres, em razão das
enormes diferenças da conduta altamente lesiva e profissional dos
traficantes de animais silvestres e a conduta de pessoas comuns, que
meramente adquirem ou vendem um animal silvestre de forma isolada e
pontual, esta última conduta sim, está enquadrada no Art. 29 e seus
parágrafos da Lei 9605/98.


Assim, não há que se falar em conflito aparente de normas entre
o Art. 180 § 1º do CP e o Artigo 29 § 1º, III, da Lei 9605/98, vez que
mesmo à luz do princípio da especialidade, nem sempre o dispositivo da
legislação ambiental é o que melhor tipifica a conduta criminosa praticada
em detrimento da fauna.


O art. 180 do CP tem a seguinte redação:




"Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir
ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que
sabe ser produto de crime, ou influir para que
terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Receptação qualificada
§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir,
ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,
remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma
utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício
de atividade comercial ou industrial, coisa que deve
saber ser produto de crime: "




Já o Artigo 29, § 1º, III da Lei 9605/98 diz o seguinte:




Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar
espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota
migratória, sem a devida permissão, licença ou
autorização da autoridade competente, ou em desacordo
com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
(..........................)
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire,
guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou
transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna
silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como
produtos e objetos dela oriundos, provenientes de
criadouros não autorizados ou sem a devida permissão,
licença ou autorização da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre
não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz,
considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a
pena."





Podemos inferir da leitura do caput do Art. 29 que não constam
ali os núcleos adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar,
receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, vender, expor à
venda, constantes do caput e do § 1º do Artigo 180 do Código Penal. Estão
descritos no caput apenas os seguintes verbos: Matar, perseguir, caçar,
apanhar e utilizar espécimes da fauna silvestre. Assim, na verdade não há
nenhum confronto entre o caput do Artigo 29 e o Artigo 180 do Código penal,
vez que utilizar não é o mesmo que comercializar, tampouco o verbo
"utilizar' pode ser equiparado a vender ou comercializar, no contexto do
tipo penal constante do caput do Artigo 29 da Lei 9605/98, pois
evidentemente se essa fosse a intenção do legislador esses verbos estariam
descritos no caput o que não ocorreu.






Poder-se-ia argumentar que isso não ocorreu em razão destes
verbos (vender, transportar e comercializar) estarem previstos no inciso
III deste artigo. Entretanto esse argumento carece de fundamento, uma vez
que fica claro que o legislador quis tipificar situações completamente
diversas, uma no caput para proteger a fauna e reprimir a caça, ou seja,
refere-se apenas a animais retirados da natureza e, de outra ponta, no
inciso III do mesmo Artigo, refere-se o legislador a animais "provenientes
de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão,...".






Desta forma, a lei dos crimes ambientais, não contemplou a
conduta daquele que comercializa animais silvestres oriundos da natureza,
ou seja, a venda daqueles animais objeto de caça profissional ou amadora,
pois isso não está escrito no caput do artigo.






Ademais, duas evidentes diferenças surgem em uma primeira
leitura comparativa entre os dispositivos legais supra: a primeira e mais
importante é que o Art. 180 caput, tipificador da conduta criminosa
denominada receptação faz a exigência de dolo direto, ou seja, só restará
tipificada a receptação dolosa se demonstrado que o recebedor da coisa
tinha pleno conhecimento de sua origem ilícita. Não é suficiente a dúvida
quanto à origem da coisa (o que conforme o caso pode configurar a figura
prevista no parágrafo terceiro – receptação culposa) sendo necessária a
absoluta ciência, no momento do recebimento, da origem criminosa da coisa
apreendida.






Nesta linha de raciocínio pode-se afirmar que o núcleo duro do
tipo receptação é sem dúvida alguma, a consciência da origem criminosa da
coisa, bem como seu efetivo recebimento.






Bem diferente é a essência do tipo previsto no Art. 29, § 1º
III, da lei 9605/98, é que nesse tipo penal o cerne do dispositivo é a
consciência não da origem criminosa, mas a ausência de permissão, licença
ou autorização para a guarda, venda, exportação ou depósito de espécimes da
fauna silvestre, circunstância diversa daquela exigida no Artigo 180 do CP.







Para mostrar essa distinção de forma clara vejamos a seguinte
situação: Uma ave silvestre, sem licença é furtada de uma residência e, em
seguida é comprada por pessoa que tem conhecimento da origem criminosa do
animal. Seria o caso de aplicação, nesse caso muito mais gravoso que o
anterior, do Art. 29, § 1º III, da lei 9605/98?






A nosso ver, teria nesta última situação inteira aplicação o
artigo 180 do CP, diante da inequívoca origem criminosa dos animais.






Uma situação é comprar o animal sabendo que o mesmo não dispõe
de licença ou permissão, o que pode ser regularizado junto aos órgãos
ambientais competentes, outra é adquirir um animal sabendo ser produto de
crime mais grave e, portanto, insuscetível de regularização.






Desta forma, responde pelo crime de receptação aquele que recebe
animais oriundos de caça em unidade de conservação, caçados por
profissionais (vez que os animais são caçados às centenas todas as semanas)
associados em quadrilha, pois o tráfico de animais é atividade criminosa
complexa envolvendo ampla rede de caça, transporte e distribuição.






Veja-se que a caça profissional e realizada em unidade de
conservação ou com emprego de métodos provocadores de destruição em massa,
conforme parágrafos 4º e 5º do Art. 29 aumenta a pena da metade (§ 4) e
triplica (§5º) em relação ao caput do artigo, assim, a pena máxima chegaria
a quatro anos e meio, ultrapassando à pena prevista para o delito de
quadrilha previsto no Art. 288 do CP, demonstrando a gravidade dessa
conduta em relação a simples criação das espécies sem autorização onde, aí
sim, tem aplicabilidade o Art. 29, § 1º III, da lei 9605/98. Desta forma,
no caso vertente, temos a caça profissional como o crime antecedente do
crime de receptação.


Então, ao se aplicar, sem maiores considerações, o princípio da
especialidade, aquele que adquire um animal silvestre oriundo de furto,
roubo ou caça profissional, ficaria absurdamente sujeito às mesmas penas
que aquele que tão-somente adquiriu um pássaro da fauna silvestre
desprovido de regularização, mas de origem lícita, por exemplo, animal
nascido de casal de pássaros registrados, mas ainda sem registro (anilha).







Certamente não foi a intenção do legislador da Lei 9605/98 – A
Lei dos Crimes Ambientais, por alguns denominada "A lei da vida", piorar a
situação da preservação do meio ambiente, como ocorre diante da não
aplicação de delitos mais graves feitos para condutas evidentemente mais
graves, sob o simples e corriqueiro argumento de aplicação do princípio da
especialidade!






Chega a ser absurdo pensar que um criminoso, no mais das vezes
como demonstra nossa experiência diária, atuando em verdadeira quadrilha,
consubstanciada de diversas quadrilhas interligadas, esses malfeitores que
capturam animais às centenas, muitos reincidentes, sejam agraciados com uma
tipificação penal que foi dirigida aqueles cidadãos que, infelizmente
movidos por uma triste tradição ainda em vigor em nossa sociedade, possuem
em sua residência pássaros da fauna silvestre.






A conseqüência de um entendimento diverso é o recrudescimento
dos crimes ambientais e, in casu, contra a fauna, ante a absoluta ausência
de uma resposta efetiva do Estado à grave situação vigente, a nosso ver,
não por falta de lei, mas por um descuido por parte dos operadores do
direito, em não fazer uma análise mais pormenorizada dos dispositivos da
Lei 9605/98, talvez porque se viciou o pensamento em associar os crimes
contra ao meio ambiente a crimes menores. Talvez por isso se encontre tão
poucas lições jurisprudenciais sobre crimes ambientais, vez que poucos
casos alcançam os tribunais, pois os delitos são quase sempre resolvidos à
luz da Lei 9.099/95 e acabam em meros TCO's, ainda que o criminoso, seja
membro de quadrilha e tenha já diversos antecedentes.






O INCISO III DO PARÁGRAFO PRIMEIRO DO ART. 29 IMPÕE A
APLICAÇÃO DO MESMO APENAS NOS CASOS DE ANIMAIS RETIRADOS DA
NATUREZA.





O Art. 29, § 1º, III, menciona animais oriundos de "criadouros
não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente" não tendo também por isso este inciso III,
aplicabilidade no caso vertente, uma vez que os animais apreendidos com
traficantes, por seu grau de stress e agressividade, não foram
evidentemente retirados de qualquer criadouro, mas diretamente da Natureza,
fato muito mais grave e fora da abrangência do artigo em comento.






Em sentido contrário, está o argumento de que o legislador no
caput do artigo 29, alcançou também a caça, atividade que evidentemente, só
poderia ser feita na natureza e não em criadouros. Entretanto, nos parece
que o legislador quis, propositalmente, melhorar a situação do caçador, por
ser normalmente pessoa pobre e, na maioria das vezes, moradora no meio
rural de escassas possibilidades educacionais e que não caça
comercialmente. Diferentemente da figura do traficante de animais, que em
parceria com caçadores profissionais, captam animais da natureza como meio
de auferir grandes lucros. Estes sim, OS TRAFICANTES, verdadeiros
incentivadores da caça e do comércio de animais silvestres são os
destinatários dos tipos penais mais gravosos previstos no Código Penal.






A OCORRÊNCIA DE CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO DA UNIÃO





Por fim tendo em vista ser o delito de receptação um crime
contra o patrimônio, não se pode esquecer que os pássaros e outros animais
reiteradamente caçados têm valor comercial, tanto que são vendidos em
feiras, em atividade bastante lucrativa.


Ademais, há que se considerar que, em muitos casos, os caçadores
são vizinhos próximos de diversas unidades de conservação federal, e os
animais eventualmente, subtraídos de unidade de conservação federal são
patrimônio da união.

Entretanto, ainda que os animais, continuamente negociados no
mercado negro, não tenham sido capturados no interior de uma unidade de
conservação federal, ainda assim, subsiste o fato de que os animais
silvestres são patrimônio da União, eis que ultrapassada a concepção
existente sob a égide do Código Civil de 1916, segundo a qual eram
considerados res nulius, ou seja, coisa de ninguém, mesmo quando estavam
dentro de uma propriedade privada.

Assim, conforme os artigos 592 a 602 do Código Civil de 1916, no
título referente à propriedade, dentro do capítulo III, denominado "Da
Aquisição e Perda da Propriedade Móvel" o animal selvagem solto na
natureza, pertencia ao caçador que o capturasse. Sobre esse entendimento
ultrapassado o ilustre professor Luís Paulo Sirvinskas em seu Manual de
Direito Ambiental, ensina que:

"A ocupação se dava com a propriedade da coisa
abandonada ou sem dono anterior, incluindo os
animais bravios encontrados na natureza, os
mansos e domesticados que perderam o hábito de
retornar ao lugar onde anteriormente viviam, os
enxames de abelha não reclamados imediatamente
pelo proprietário anterior, os animais arrojados
às praias pelo mar. A caça podia ocorrer nas
propriedades públicas ou particulares. Nestas
últimas, haveria a necessidade da autorização do
seu proprietário. Assim, pertencia ao caçador o
animal por ele apreendido. Se o animal ferido
adentrar em propriedade particular, a perseguição
poderá concretizar-se com a autorização do
proprietário. Caso este não permita a entrada em
sua propriedade murada ou cercada, deverá
entregar ou expelir o animal. E se o caçador
adentrar na propriedade alheia sem a autorização
perderá a caça sem prejuízo dos danos causados. A
pesca podia também ocorrer nas propriedades
públicas ou privadas. Nas propriedades privadas,
a pesca só poderia ocorrer mediante autorização
do seu proprietário. Pertencia ao pescador o
peixe por este pescado ou apreendido. Aquele que
pescar em propriedade alheia perderá a pesca e
responderá pelos danos causados. Se o rio
atravessar vários terrenos, cada proprietário
poderá pescar às margens de sua propriedade até a
metade" (SIRVINSKAS, 2006, p. 276)






Mas com a evolução da questão ambiental e dos direitos dos
animais, tudo mudou e a revogada Lei de Proteção à Fauna, de 3 de janeiro
de 1967, nº 5.197/67, capitulou fauna silvestre em seu artigo 1º nos
seguintes termos:


"Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase
do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora
do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem
como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são
propriedades do Estado, sendo proibida a sua
utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha"
(Grifos nossos).

Na mesma linha a Lei 6938/81 que dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente preceitua em seu artigo 3º, inciso V, que:


"Artigo 3º - Para os fins previstos nesta Lei,
entende-se por:


V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas
interiores, superficiais e subterrâneas, os
estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os
elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Redação
dada pela Lei nº 7.804, de 1989)" (Grifos nossos)


Desta forma, nosso legislador determinou expressamente que a
fauna é um dos recursos ambientais. E não podia ser diferente, vez que a
fauna, tem se mostrado um recurso econômico riquíssimo, tanto quanto os
recursos minerais, por exemplo, no caso de determinados venenos extraídos
de várias espécies de répteis e anfíbios, os quais já são utilizados pela
indústria farmacêutica, para os mais variados tipos de medicamentos,
proporcionando enormes lucros a essas empresas.


Entretanto, segundo o doutrinador Paulo Affonso Leme Machado[1],
a fauna se constitui em um "bem público pertencente à categoria de bem de
uso comum do povo, não constituindo bem do domínio privado da Administração
Pública" ou "bem patrimonial, do qual a União possa utilizar-se para
praticar atos de comércio". Este mesmo autor ensina que:

"A União reservou para si o domínio eminente da fauna
silvestre. Desta forma alterou-se, em profundidade, a
característica de que a fauna silvestre era coisa sem
dono. A fauna silvestre é inconfundivelmente, como
também seus ninhos, abrigos e criadouros naturais,
bem público. Aplica-se à matéria o ensinamento do
Dês. Mário Mazagão: 'observe-se que o fato de
pertencerem ao Estado não implica em serem todos os
bens públicos, objeto de direito pessoal ou real no
sentido das leis civis. Muitos desses bens pertencem-
lhe no sentido de que são por eles administrados, no
interesse coletivo" (MACHADO, 2007, p.771) (Grifos
nossos)


Destarte, nos parece tranqüila a tese de que a fauna é
indubitavelmente um bem do Estado Brasileiro, sendo indiferente se bem de
uso comum do povo ou não. Isso não faz diferença para a questão que ora se
coloca, que é a indubitável natureza patrimonial dos animais silvestres
retirados da natureza pelos traficantes de animais, circunstância que
sujeita todos aqueles que praticam qualquer ato de mercancia com esses
animais, conscientes de sua origem ilícita, ao delito previsto no Artigo
180 § 1º do Código Penal e não no Artigo 29, § 1º da Lei 9605/98.

Trazemos a lume, à guisa de conclusão, a decisão judicial
proferida pelo Excelentíssimo Juiz Federal Iorio Siqueira D'Alessandri
Forti, a qual demonstrou brilhante concisão ao analisar a questão da
tipificação, contida no bojo do pedido de prisão preventiva dos traficantes
da vida silvestre brasileira, vejamos:


".....é correta a argumentação (adiante sintetizada)
feita pelo Delegado da Polícia Federal Dr. ALEXANDRE
SILVA SARAIVA no sentido de demonstrar a
inaplicabilidade do art. 29 da Lei 9.605/98 aos fatos
narrados em sua representação:


i) o caput do art. 29 da Lei 9.605/98 ("Matar,
perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da
fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a
devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente, ou em desacordo com a obtida")
se destina apenas aos crimes cometidos com relação a
animais RETIRADOS DA NATUREZA LIVRE, mas apresenta
rol restrito de verbos: não contém os verbos
"vender", "expor à venda", "ter em depósito",
"adquirir", "receber", "transportar", "conduzir",
"ocultar";


ii) o inciso III do § 1º do art. 29 da Lei 9.605/98
("quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire,
guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou
transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna
silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como
produtos e objetos dela oriundos, provenientes de
criadouros não autorizados ou sem a devida permissão,
licença ou autorização da autoridade competente") tem
um rol mais extenso de verbos, mas sua incidência é
restrita aos crimes cometidos contra ANIMAIS
PROVENIENTES DE CRIADOUROS (acrescento um argumento:
não é possível a interpretação segundo a qual este
inciso seria complementar ao tipo do caput – como se
a menção a "provenientes de criadouros" não se
aplicasse a todos os verbos, mas fosse mera
especificação de "produtos e objetos dela oriundos":
se assim fosse, a parte inicial do inciso estaria a
repetir a conduta "utiliza espécimes da fauna
silvestre", já prevista no caput – motivo pelo qual a
interpretação mais acertada parte da premissa de que
a lei não contém palavras inúteis nem pleonasmos);


iii) os referidos verbos verbos "vender", "expor à
venda", "ter em depósito", "adquirir", "receber",
"transportar", "conduzir", "ocultar" não constam do
caput do art. 29 da Lei 9.605/98 mas constam todos da
descrição típica do art. 180 e seu § 1º do Código
Penal;


iv) o art. 29 da Lei 9.605/98 se destina a punir
conduta de pessoas comuns, que meramente caçam,
adquirem ou vendem um animal silvestre de forma
isolada e pontual; a própria pena cominada (baixa),
bem como o limitado número de verbos empregados,
mostra sua inadequação à conduta altamente lesiva e
profissional de quadrilha envolvida com tráfico de
animais;


v) o verbo "utilizar", empregado no caput do art. 29
da Lei 9.605/98 não pode ser lido como sinônimo de
"vender ou expor à venda" pois tais verbos são de
conhecimento do legislador (tanto que ele os empregou
no inciso III do § 1º do mesmo artigo), o que aponta
no sentido da melhor adequação do art. 180 do Código
Penal;


vi) como conclusão, o art. 29, caput, da Lei dos
Crimes Ambientais não contemplou a conduta daquele
que comercializa animais silvestres oriundos da
natureza: aquele que recebe animais oriundos de caça
proibida em unidade de conservação (esta, sim,
prevista no art. 29, § 4º e § 5º), caçados e
distribuídos por caçadores profissionais (vez que os
animais são caçados às centenas todas as semanas)
associados em quadrilha, comete o crime de
receptação; conclusão diversa autorizaria enquadrar
no mesmo tipo penal quem adquire um animal silvestre
oriundo de furto, roubo ou caça profissional e quem
tão-somente adquiriu um pássaro da fauna silvestre
desprovido de regularização, mas de origem lícita
(por exemplo, animal nascido de casal de pássaros
registrados, mas ainda sem anilha): certamente não
foi a intenção da Lei 9605/98 piorar a situação da
preservação do meio ambiente, sujeitando os
responsáveis pela morte continuada de centenas de
animais a crime com penas irrisórias da competência
dos Juizados Especiais;


Há uma observação a acrescentar aos argumentos
declinados pelo Delegado: o comércio de animais
encontrava tipificação suficiente no art. 27 , caput
("Constitui crime punível com pena de reclusão de 2
(dois) a 5 (cinco) anos a violação do disposto nos
arts. 2º, 3º, 17 e 18 desta lei") e § 5º ("Quem, de
qualquer maneira, concorrer para os crimes previstos
no caput e no § 1º deste artigo incidirá nas penas
a eles cominadas") c/c art. 3º ("É proibido o
comércio de espécimes da fauna silvestre e de
produtos e objetos que impliquem na sua caça,
perseguição, destruição ou apanha") da Lei 5.197/67;
mesmo que alguém quisesse sustentar que a conduta de
comerciar animais passou a ter enquadramento no art.
29 da Lei 9.605/98 (o que, repita-se, não é correto,
como demonstrado acima), revogando a Lei 5.197/67,
tal revogação seria inconstitucional, pois a
liberdade do legislador de definição da escala penal
não é tanta que possa transformar um crime
significativo, de impacto ambiental relevante, em uma
conduta punida com mera detenção e pena inferior a um
ano, sujeita ao rito dos Juizados Especiais: fosse
assim, haveria violação frontal ao art. 225, caput, §
1º, III e VII, e § 3º, da Constituição, porque
caracterizada a afronta ao princípio da vedação ao
retrocesso social.



De ressaltar que esta tese, desenvolvida no bojo da "Operação
Oxóssi", foi muito bem recebida por membros do Ministério Público Estadual
e Federal, com várias denúncias feitas com base nesta tipificação penal
para o tráfico de animais (Art. 180, § 1º do CP) e, na maioria das vezes, a
denúncia foi recebida sem alteração pelo Judiciário.








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[1] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 15.ed. rev.,
atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2007.p.769.
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