A APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL BASEADA EM PRÁTICAS NO PROCESSO SUCESSÓRIO DE PEQUENAS EMPRESAS FAMILIARES DO RAMO ALIMENTÍCIO: um estudo de caso múltiplo em Farroupilha

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A APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL BASEADA EM PRÁTICAS NO PROCESSO SUCESSÓRIO DE PEQUENAS EMPRESAS FAMILIARES DO RAMO ALIMENTÍCIO: um estudo de caso múltiplo em Farroupilha. Autoria: Anelise D'Arisbo, Fernanda Pauletto D'Arrigo, Denize Grzybovski, Lisandra Balbinot

RESUMO A sucessão das empresas familiares desperta interesse em empresários e acadêmicos, uma vez que esta está diretamente relacionada à continuidade do negócio. Neste contexto se insere a aprendizagem organizacional, que a avança em diversas perspectivas no campo organizacional. Dentre elas ressalta-se a aprendizagem baseada em práticas, já que o processo sucessório das empresas familiares envolve o compartilhamento de conhecimento e experiências entre as gerações. Assim, a partir das práticas, os predecessores e sucessores interagem e o aprendizado é incorporado na prática social da vida cotidiana, aspecto vital no processo de sucessão. Nesse sentido, esta pesquisa objetivou descrever essa forma de aprendizagem ao longo de sete estágios de sucessão de pequenas empresas familiares do ramo alimentício, em Farroupilha/RS. Esta pesquisa qualitativa fez uso de estudo de caso múltiplo e coleta de dados por meio de entrevistas semiestruturadas, observação direta e pesquisa documental. Os 8 participantes desta pesquisa são gestores de 3 pequenas empresas familiares. Os resultados indicam que a aprendizagem baseada em práticas está presente ao longo de todo o processo sucessório, o qual inicia-se na infância do sucessor, se intensificando na etapa de transição. Entretanto, alguns estágios de sucessão não fizeram-se notar, demonstrando inadequação do modelo utilizado para pequenas empresas, mesmo que o planejamento deste processo tenha sido percebido como relevante. A interação entre gerações, a troca de experiências e a linguagem são elementos chaves para que a aprendizagem aconteça nas empresas familiares de maneira a preservar a essência familiar mas permitir que ocorram adaptações necessárias ao negócio. Palavras-chave: empresas familiares; sucessão; aprendizagem baseada em práticas. 1

INTRODUÇÃO

A aprendizagem organizacional tem sido difundida nas publicações da área da administração, encorajando que ocorra a aprendizagem com vista à sobrevivência em tempos turbulentos no ambiente dos negócios (ANTONELLO; GODOY, 2010). Uma das perspectivas teóricas deste tema é a aprendizagem baseada em práticas, que considera o processo de aprendizagem como um fluxo contínuo, que ocorre com o compartilhamento de experiências nas práticas sociais (NICOLINI; GHERARDI; YANOW, 2003). No campo das empresas familiares a aprendizagem organizacional se faz perceber no processo sucessório uma vez que os gestores precisam transmitir seus conhecimentos aos futuros administradores para ocorrer a continuidade do negócio. Fatores como a perda do interesse e baixo envolvimento da família, a falta de planejamento, os recursos insuficientes, a má gestão e o conflito são algumas das dificuldades enfrentadas na sucessão. Neste processo a aprendizagem organizacional pode contribuir para uma maior efetividade no compartilhamento de conhecimentos e de experiências entre gerações, tendo em vista a sobrevivência dessas organizações (LODI, 1998; GRZYBOVSKI, 2007; CANÇADO, 2013; ÉSTHER, 2014; DAVIS, 2014). Mesmo que a sobrevivência das organizações familiares se constitua num desafio permanente (DAVIS, 2014), o papel significativo no desenvolvimento econômico, social e até

político das empresas familiares no cenário econômico se faz perceber. No Brasil, em 2013 as empresas familiares cresceram em média 79% (em comparação com 65% no mundo) e possuem representatividade no país (PWC, 2014). Dentre as empresas familiares, aqui entendidas como organizações mantidas por uma família há ao menos duas gerações (DONNELLY, 1987; LODI, 1998; WERNER, 2004), os pequenos negócios respondem por mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Reconhecendo as questões de contexto como determinantes no estudo sobre empresas familiares, o locus deste estudo é Farroupilha, interior do Rio Grande do Sul. O município apresenta um elevado índice de desenvolvimento humano (IDH) (0,777), cenário afeito ao empreendedorismo e ao desenvolvimento das empresas familiares. No município, o setor de comércio e serviços tem uma representatividade de 57% do PIB de acordo com o IBGE (2010). Isto posto, o presente artigo teve como objetivo descrever o processo de aprendizagem organizacional baseada em práticas na sucessão em pequenas empresas familiares do ramo alimentício, em Farroupilha. Para isso foram mapeados os elementos do processo de aprendizagem organizacional baseada em práticas com base nos sete estágios de sucessão de empresas familiares de Longenecker et al. (2007). O estudo é relevante para o campo dos estudos organizacionais, uma vez que auxilia na compreensão das práticas sociais características das empresas familiares sob a perspectiva da aprendizagem baseada em práticas voltada à sobrevivência destas. Por outro lado, evidenciar essas experiências pode auxiliar outras empresas envolvidas no processo de sucessão. O trabalho está estruturado com uma sessão de referencial teórico, o qual discute os conceitos de empresas familiares e aprendizagem organizacional baseada em práticas; uma sessão de aspectos metodológicos; seguido da apresentação dos resultados e das considerações finais. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 EMPRESAS FAMILIARES A empresa familiar é uma organização em que a família está envolvida com a gestão do negócio e por isso sua cultura inclui os valores familiares e os do negócio (LONGENECKER et al. 2007). Por definição, empresas familiares são organizações em que atuem mais de uma geração da família. Em contrapartida, Bornholdt (2005) caracteriza a empresa familiar de uma forma mais ampla, definindo uma empresa familiar pelo controle acionário, mas também pelos laços familiares, pela forma como as crenças e valores da organização identificam-se com os da família e como os atos dos membros da família repercutem na empresa (BORNHOLDT, 2005). Ainda, de acordo com Bernhoeft (1996), devem-se considerar algumas características que tornam uma empresa familiar, como por exemplo, a relevância da confiança mútua entre os membros da empresa. Empresas familiares tendem a considerar com mais força aspectos de longo prazo quando comparadas a empresas não-familiares, uma vez que que estas percebem o significado do negócio para a família (DAVIS, 2014). A relação entre família e empresa basicamente objetiva o desenvolvimento da melhor forma de gestão dos negócios, tendo em vista a lucratividade e sobrevivência da organização e por consequência o patrimônio da família (LONGENECKER et al., 2007, DAVIS, 2014). Além dos resultados financeiros, outro ponto a ser discutido nas empresas familiares são os intangíveis- traços e valores da família, transmitidos de geração para geração, enraizados na cultura da organização- os quais por sua natureza tácita torna-se um desafio manter coesos e disseminados com o passar dos anos (LODI, 1998b; GRISCI; VELLOSO, 2014). Ainda, empresas familiares desenvolvem suas atividades em segmentos que se remetem à história da família, buscando preservar os valores



éticos e morais em que são reconhecidas na sociedade local. Visam, dessa forma, o crescimento e aprimoramento dos processos produtivos, sem deixar de lado os ensinamentos anteriormente aprendidos (GRZYBOVSKI, 2007). Por outro lado, o contexto familiar acaba por influenciar o comportamento, os relacionamentos e as decisões da organização e de seus membros (familiares ou não). Características como dedicação, fidelidade, também estão presentes nas empresas familiares. Os horários das atividades de trabalho e das pessoais se confundem (BERNHOEFT, 1996). Por isso, existe dificuldade na separação entre as questões emocionais e as racionais no processo sucessório: as primeiras tendem a sobrepor as últimas. Além disso, existem jogos de poder, em que muitas vezes a capacidade administrativa é deixada de lado, perdendo espaço para a competência política em estabelecer acertos entre os familiares na gestão (BERNHOEFT, 1996). No Brasil, por vezes a história das empresas familiares se vincula aos imigrantes que, em certo momento precisaram fugir do país de origem ruma a um novo país (BERNHOEFT; GALLO, 2003). Destaca-se que estes imigrantes possuíam duas características importantes do espírito empreendedor: destemor para correr riscos e alguma habilidade com base na forte intuição. Mais especificamente na região sul do Brasil, o espírito empreendedor é um elemento histórico-social característico da região, em que os aspectos coloniais e a mão de obra familiar impulsionaram o desenvolvimento econômico (GRZYBOVSKI E PEREIRA, 2013). Assim, as empresas familiares brasileiras, localizadas na Serra Gaúcha mostram-se vinculadas aos valores familiares, como também, aos atributos dos empresários descendentes de imigrantes italianos. Dentre os maiores desafios da gestão das empresas familiares destaca-se o processo de sucessão. A sucessão é um período crucial para o negócio familiar, uma vez que envolve os aspectos considerados na transferência da administração, mas também envolve pontos afetivos e emocionais relacionados com a própria estrutura familiar (BERNHOEFT, 1996, GERSICK et al., 1997). Envolve de dois atores: o predecessor e o sucessor, sendo que o herdeiro precisa preservar a história familiar usando-a como alavanca para novas experiências. Por envolver dimensões e características específicas de cada família no negócio, inexistem processos sucessórios que sejam idênticos. Ainda assim, a sucessão constitui-se em um processo crucial para a empresa, o qual envolve a mudança de regras, um rito de transferência de poder e uma nova estrutura de posse. Assim, Longenecker et al. (2007) aponta estágios da sucessão adaptáveis ao contexto de cada organização familiar, conforme apresentados na Figura 1.



Figura 1- Estágios de Sucessão Fonte: Elaborado pelas autoras com base em Longenecker et al. (2007)

O despreparo do sucessor como do predecessor e colaboradores da empresa em relação ao processo sucessório comprometem o futuro da organização. A solução para um processo sucessório eficaz passa pela estruturação de um bom plano de sucessão, que leve à continuidade da empresa familiar. Dessa forma, necessita-se definir quem está disposto a ser o sucessor, suas competências e se está preparado para assumir o comando da empresa (FLORIANI; RODRIGUES, 2000). Porém, essa preocupação com um bom plano de sucessão costuma ser tardia, visto que acontece quando o diretor se aposenta, falece ou há necessidade de ampliar a empresa (FABRO; CORSO; VARGAS, 2013). Ainda, os sucessores precisam ter uma preparação antes de assumir os negócios familiares por completo. É necessário que estes aprendam a gerir e preservar as organizações e os ativos que lhes forem legados, bem como expandir o patrimônio da empresa, aprimorar o nome da empresa e visar à união da família preparando a geração seguinte (DAVIS, 2014). De acordo com a PWC (2014), em cada geração que passa, o processo de sucessão se torna mais complexo e maior é a probabilidade de que existam pessoas que nunca trabalharam no negócio buscarem receber seus dividendos. Assim, é comum nas empresas familiares, a antiga geração transferir a gestão na teoria, mas na prática manter o controle organizacional. O processo sucessório em empresas familiares é um momento delicado, o qual requer o envolvimento contínuo das duas gerações envolvidas. Por se tratar de um processo fundamental para a sobrevivência da empresa familiar, predecessores e sucessores devem continuamente aprender a partir da convivência diária e das práticas realizadas na empresa.

2.2

APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL BASEADA EM PRÁTICAS

Na ciência da administração, a aprendizagem organizacional vem abordada sob diferentes perspectivas, seis das quais destacadas por Brock (2014), com base em Antonello e Godoy (2011) e apresentadas na Figura 2. Cognitiva e do

A aprendizagem organizacional pressupõe a aprendizagem individual. A base da

Argyris e Schõn (1974) Slater e Narver; (1998);



Conhecimento

Tomada de decisão organizacional e da adaptação

Cultural

aprendizagem organizacional está na acumulação de conhecimento que ocorre de maneira cognitiva. As organizações são adaptáveis. Os indivíduos são instrumentos para adaptação às mudanças nas rotinas (regras, procedimentos estratégias, tecnologias) e resposta às outras organizações. Duas vertentes: a) mudança nas rotinas defensivas - no contexto cultural das organizações, existem mecanismos de defesas relativos a processos de aprendizagem; b) perspectiva cultural (âmbito coletivo) como complementação à perspectiva cognitiva (âmbito individual). A aprendizagem organizacional é compreendida como um processo no qual um grupo adquire experiências que lhes permitem desempenhar suas atividades coletivas.

Huber; (1991) Nonaka e Konno (1998); Fiol; Lyles (1985) Garvin. (1985) Cyber; March; Levitt (1988)

Argyris (1972); Schein (1990) Cook, Yanow(1993).

Aprendizagem organizacional voltada para a Argyris; Schõn (1974) melhoria do desempenho organizacional. A Kolb;(1985) ; Dibella; Nevis, aprendizagem ocorre na experiência em ação e o Gould (1996); Revans; Pedler; conhecimento tácito é considerado um elemento Bourgoyne; (1989) importante. O foco está na heterogeneidade da aprendizagem entre as organizações. A organização que aprende Estratégia/Gerencial mais rápido terá vantagens competitivas frente aos concorrentes. Os gerentes são fundamentais O’Sullivan (19910; Nonaka para a criação de um ambiente de aprendizagem, (1994); Grant (1996). identificação de problemas e tomada de decisões. Figura 2 – As diferentes perspectivas em aprendizagem organizacional na ciência da administração Fonte: Elaborado por Brock (2014), com base em Antonello e Godoy (2011). Aprendizagem na Ação

As diferentes perspectivas apresentadas possuem características próprias que evidenciam as diversas maneiras de como a aprendizagem organizacional se desenvolve. Dentre essas destaca-se a aprendizagem baseada em práticas, que analisar diferentes questões relacionadas ao nível de aprendizagem com neutralidade da meta, em que a aprendizagem pode ser algo bom ou ruim. Assume a aprendizagem como um processo aberto, que ocorre a todo o momento e gera mudanças organizacionais (BROCK, 2014). A aprendizagem organizacional baseada em práticas não aborda somente ações e atividades, mas também o papel da linguagem e outros artefatos culturais e materiais, a natureza das interações sociais e as respostas tácitas, situadas e quase instintivas dos atores no meio em que estão inseridos. Assim, esse processo de AO inclui a aquisição e a disseminação da informação e a interpretação compartilhada dos sentidos (ANTONELLO; GODOY, 2010). Dessa forma, ao destacar as interações e o compartilhamento de informações, revela-se a importância das comunidades de prática. Para Wenger e Snyder (2000), estas representam um engajamento espontâneo e informal de pessoas para desenvolverem-se domínios de conhecimentos correspondentes a uma prática. Na aprendizagem baseada em práticas é estabelecida uma conexão entre atores, sistemas, processos e artefatos em processo social dinâmico (FLACH; ANTONELLO, 2011). Nesse contexto destacam-se o diálogo, a observação, as histórias contadas, as conversas e a experiência compartilhada, como elementos chaves para a aprendizagem acontecer (GUDOLLE; ANTONELLO; FLACH, 2012). No âmbito organizacional, Jamil e Souza-Silva (2011) destacam que a aprendizagem ocorre continuamente através das relações sociais que intermediam as atividades organizacionais, nas trocas de experiências ligadas à prática.



Ao tratar da sucessão em empresas familiares, Hamilton (2011), evidencia a complexidade de se aprender na prática social da vida cotidiana entre as gerações, em um longo processo que inicia nos primórdios da vida dos herdeiros. Dessa forma, a aprendizagem organizacional supera uma geração e se manifesta cíclica, adquirida através da participação em comunidades de prática em que os recém-chegados se juntam aos veteranos para a aprendizagem, vital no processo de sucessão. Na transição entre gerações, a prática é tanto reproduzida como transformada, destacando-se a interação entre sucessor e predecessor. Assim, através de cada participação na prática do negócio, a segunda geração traz inovação e mudanças, ao passo que é dada continuidade a algumas práticas aprendidas. Revela-se ser necessário o desenvolvimento de uma comunidade de prática na empresa (HAMILTON, 2011; GRISCI, VELLOSO, 2014; DAVIS, 2014). Assim, destaca-se, entre várias perspectivas de aprendizagem organizacional, a baseada em práticas, por esta contemplar diversos fatores relevantes para a troca de conhecimento entre os predecessores e sucessores no processo de sucessão na gestão.

3

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Essa pesquisa de natureza qualitativa e estratégia aplicada fez uso da triangulação de fontes de evidências, que abrange amplitude na descrição, explicação e compreensão dos fatos sociais pesquisados (YIN, 2010). Assim, além de entrevistas semiestruturadas cujo roteiro foi elaborado a partir da aprendizagem organizacional baseada em práticas e dos estágios de sucessão, foi utilizada a pesquisa documental dos contratos sociais de constituição das empresas e suas alterações. Ainda, foram observados o ambiente de trabalho e as interações entre os sujeitos. O método utilizado foi o estudo de casos múltiplos (YIN, 2010). A escolha das empresas inicialmente foi por conveniência e, posteriormente por indicação dos gestores visitados, técnica denominada bola de neve (SPREEN, 1992). Os sujeitos da pesquisa foram 8 predecessores e os sucessores de três pequenas empresas familiares do ramo alimentício localizadas em Farroupilha que já passaram por um processo de sucessão. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para a definição do porte das empresas foi utilizado o critério de número de empregados do IBGEi. Após fase de pré-teste (MARCONI, LAKATOS, 2010), as entrevistas ocorreram de junho a agosto de 2015, posteriormente transcritas. Para a análise dos dados, foi utilizada a análise de conteúdo, sendo que as categorias foram estabelecidas a priori (BARDIN, 2004), com base nos sete estágios de Longenecker et al. (2007), mas novas categorias estabeleceramse a posteriori. O software NVivo 10 auxiliou na categorização e análise das entrevistas. 4

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Essa sessão será apresentada a iniciar pela apresentação das empresas, e a seguir a partir dos dados relativos aos estágios de sucessão e finalmente, os relativos à aprendizagem baseada em práticas. 4.1

APRESENTAÇÃO DAS EMPRESAS



As três pequenas empresas familiares estudadas possuem a participação da primeira geração (predecessores) e da segunda geração (sucessores) na condução dos negócios. Dessa forma, vivenciaram apenas um processo sucessório. A empresa A localiza-se no interior de Farroupilha e atua no ramo alimentício há 32 anos com um restaurante. Há 5 anos ingressaram no segmento hoteleiro. Os fundadores da empresa são um casal de descendência italiana com três filhos, sendo que dois deles mostraram interesse pelos negócios. Assim, os filhos mais velhos assumiram a administração há 8 anos e hoje a empresa conta com 20 funcionários. A empresa B está localizada no centro da cidade e foi fundada há 37 anos por um casal, ele de descendência italiana e ela alemã. Atualmente possui 14 funcionários. O casal teve três filhos, dois assumiram os negócios cerca de 15 anos atrás. Os sucessores deram continuidade ao restaurante e complementaram os negócios tornando este pastelaria e pizzaria também. A empresa C está localizada em Farroupilha e foi fundada há 32 anos. O fundador faleceu e a esposa assumiu os negócios. A empresa possui 10 funcionários e os sucessores são um casal de filhos que mostrou interesse em dar continuidade e auxiliar a mãe na administração. Dados dos entrevistados de cada uma das empresas são apresentados na Figura 3.

54

Estado civil Casado

Tempo de Empresa 32

Cargo ou Função Adm./Cozinheiro

Sucessor 1

31

Casado

8

Administrador

Sucessor 2

26

Solteiro

8

Cozinheiro

Fundamental Filosofia e especialização em administração Gastronomia

Predecessor

76

Casado

37

Adm./Cozinheiro

Fund. Incompleto

Sucessor 1

51

Casado

33

Adm./Cozinheiro

Administração

Sucessor 2

42

Casado

24

Adm./Cozinheiro

Sup. Incompleto

Predecessor

64

Viúva

32

Cozinheiro

História e Geografia

Sucessor 44 Casado Figura 3. Informações dos respondentes Fonte: Elaborada pelas autoras

17

Administrador

Direito

Empresa

A

B

C

Predecessor / Sucessor Predecessor

Idade

Formação

A partir da Figura 3, percebe-se o acumulo de funções dos respondentes que exercem atividades administrativas, mas também operacionais. Há maior grau de formação entre os sucessores do que entre os predecessores. Também há diversidade na escolha de cursos e alguns deles optaram por áreas não diretamente vinculadas ao negócio familiar. Ainda, é notável o longo período de permanência na empresa. 4.2

ESTÁGIOS DO PROCESSO SUCESSÓRIO

Em sua maioria, os estágios de Longenecker et al. (2007) foram identificados nas sucessões. Foram identificados elementos da aprendizagem baseada em práticas em cada estágio, sendo que esta ocorre desde a infância e perpassa a sucessão de uma forma singular de gestão dos negócios em cada organização.



4.2.1

Primeiro estágio Todos os sucessores entrevistados destacaram que seu primeiro contato com a empresa ocorreu na infância, antes mesmo de compreenderem o significado de uma organização. Isso fortaleceu o vínculo com a empresa: “Nós nascemos dentro já do negócio” (SUCESSOR, EMPRESA C). O acompanhamento das rotinas empresariais pelos sucessores era constante, já que a casa era considerada um anexo da empresa. Brincadeiras de infância ocorriam no ambiente de trabalho e muitas eram relacionadas aos negócios. Por parte dos predecessores, destacou-se que a fundação dos negócios ocorreu antes do nascimento dos filhos, ou quando eram jovens. Evidenciou-se a preocupação deles em criar um negócio em prol dos filhos, o ratifica a teoria de que as empresas familiares possuem duas razões de existência principais: a família, sendo a proteção e sustento dos filhos e a subsistência pelos negócios. Logo, os predecessores buscavam inserir os herdeiros desde a infância na empresa, voluntária ou involuntariamente: Lembro de eu pequeninha, lembro que nem tinha noção do que estava acontecendo, eles vinham conversar conosco, pra gente saber, todo mundo estar a par do que ia acontecer na empresa: o que vocês acham, sempre e sempre foi assim (SUCESSOR, EMPRESA C).

Conforme Hamilton (2011), a aprendizagem é de longo prazo, iniciando cedo na vida dos herdeiros, e isso foi confirmado através dos relatos. Dessa forma, a aprendizagem baseada em práticas já se manifesta na infância, quando os sucessores relatam seu acompanhamento através dos sentidos e da observação na rotina dos pais no dia a dia naturalmente. Também, os sucessores realizavam pequenas atividades sem compromisso, para se sentirem parte do negócio: “já começava a servir refrigerante, não conseguiam abrir uma garrafa (...). Eles serviam pastel, às vezes não alcançavam o prato à mesa pelo tamanho deles” (PREDECESSOR, EMPRESA A). 4.2.2

Segundo estágio Esse estágio obteve destaque por ser o momento em que os sucessores começaram a compreender o significado dos negócios e sua constante busca em ajudar os pais a realizar atividades simples, antes mesmo de ter idade para trabalharii. Com isso, surgem as primeiras dúvidas relativas ao negócio e também o gosto pelo trabalho. A maior parte dos sucessores afirmou que o interesse foi espontâneo, não imposto. Quando longe da família, sentiam falta dos negócios também: “É bem natural, fazia parte da vida da gente” (SUCESSOR, EMPRESA C). Destaca-se que os predecessores sempre incentivaram os filhos a ter o estudo como prioridade, mas quando os sucessores mostravam interesse pelos negócios os fundadores sentiam grande satisfação- o que reforçava o interesse. Ela ajudava desde pequena, desde fritar uma cebola, preparar um molho, fazer uma carne. Na verdade ela sempre foi uma menina bastante enfiada no fogão, sabe... Ela era bem pequena e já gostava de ficar, muitas vezes, eu chamava ela de metida, por que ela era pequeninha... Que não tinha tamanho, mas: deixa eu ajudar, eu quero ajudar, eu quero fazer (PREDECESSOR, EMPRESA A).

Com o relato do predecessor da empresa A, nota-se que a aprendizagem baseada em práticas parte do interesse dos sucessores assim como de suas experiências e relações sociais no ambiente de trabalho, como já destacado por Souza-Silva (2011). 4.2.3

Terceiro e quarto estágios Não há separação entre os estágios introdutório funcional e funcional (3 e 4), pois os sucessores iniciaram efetivamente nas empresas em tempo integral e ao mesmo tempo



dedicavam-se aos estudos. Também, foi diversificada a relação com os estudos e a experiência em outras áreas de conhecimento entre os respondentes. Dois sucessores da empresa A sempre auxiliaram nos negócios. Um deles estudou gastronomia, pensando já na empresa familiar, assumiu a parte do restaurante e auxilia na administração. O outro formou-se em filosofia ficando um tempo afastado dos negócios da família, porém, após fez especialização em administração e Assumiu a gestão de empresa. O terceiro não manifestou interesse nos negócios, confirmando a afirmação dos autores de que os sucessores precisam estar dispostos a assumir a empresa. Na empresa B, os sucessores que assumiram sempre se dedicaram ao negócio familiar, buscando conhecimentos de gestão e cursos referentes ao ramo alimentício. Já os herdeiros da empresa C mesmo auxiliando na gestão buscaram formação em áreas diversas: engenharia mecânica e direito. Ambos conciliam suas outras profissões, com o negócio, contrapondo a afirmação de Bernhoeft (1996), de que os membros precisam ter dedicação exclusiva à empresa familiar. Dessa maneira, buscar formação em outras áreas de conhecimento, também agrega conhecimento aos aspectos administrativos e no ramo alimentício: Eu fiz direito, tem muitos aspectos relacionados com a administração, com funcionários, com a organização, a parte fiscal e tal. (...) Alguns cursos são obrigatórios para a gente fazer, são muito bons no conhecimento de práticas, de higiene, de administração e tal. Acho também o fato de todos nós termos estudado, todo mundo tem nível universitário, ajuda muito com o conhecimento da coisa (SUCESSOR, EMPRESA C).

Por parte dos predecessores, sempre houve incentivo aos filhos na busca por formação profissional, independente da área. Também é notório que quando fundaram da empresa não possuíam estudo, o que fez falta em algumas situações, como percebido na fala do predecessor A: “por falta de experiência nossa também e por falta de estudo que eu, a maior dificuldade que eu sentia, eu não conseguia atender o telefone, ou por não saber somar uma conta...”. Ainda, ele relaciona a aprendizagem dentro e fora da organização: “ela teve a formação gastronômica, então com certeza que ela aprendeu a culinária mais nova, muito mais do que eu (...) mas a a culinária antiga, eu acho que daí sim ela tem buscado mais comigo... Eu que posso ensiná-la”. Com isso, os sucessores afirmam que a aprendizagem através da formação profissional e de cursos é de grande relevância, porém a aprendizagem baseada em práticas com os ensinamentos de seus pais é essencial, ou seja, relaciona-se tanto a abordagem individual cognitivista, quanto a sócio-prática (SOUZA-SILVA, 2007). Entretanto, com ênfase na segunda: “não tem curso que me ensine certas coisas, é a vivência, com certeza eu aprendi vendo, não adianta ter curso, isso é um crescimento diário, tu vai aprendendo no dia a dia” (SUCESSOR, EMPRESA C). 4.2.4

Quinto estágio O quinto estágio não foi identificado claramente. Neste etapa os sucessores assumiriam cargos de supervisão sem estar na administração estratégica. Por serem pequenas empresas com poucos níveis hierárquicos os filhos logo ingressam na administração geral. 4.2.5 Sexto estágio Nessa fase, a preocupação com a continuidade dos negócios se manifesta de forma mais efetiva. Constatou-se que nenhuma das empresas realizou um planejamento de sucessão, corroborando com os autores pesquisados. Esta foi relatada como um processo lento, gradual e não estruturado.



Ao chegar a esta fase, os predecessores em geral afirmam que tudo aconteceu a seu devido tempo, foram se afastando aos poucos dos negócios e permitiram que os filhos assumissem os encargos, mas sem deixar a empresa por completo. Dessa forma, como em Gersick et al. (1997), percebeu-se que mesmo de forma involuntária, o processo sucessório se inicia cedo na vida de algumas famílias, com aprendizagem ao longo das interações das gerações ao passar dos anos, e agora é testada, pois os sucessores passam a ter a condução da organização em suas mãos. Esta aprendizagem se intensifica através do amadurecimento natural das gerações e nesse estágio o processo sucessório está mais consolidado, ainda que cada sucessão apresente suas peculiaridades, conforme destacou Bornholdt (2005). Nas empresas estudadas a responsabilidade dos filhos vai além da gestão. Os herdeiros precisam saber todas as atividades da empresa, incluindo ‘os segredos’ de produção dos alimentos, algo valioso que as empresas familiares do ramo localizadas na região, possuem. Assim, a aprendizagem baseada em práticas, como destacado pelos autores, também está relacionada com o conhecimento tácito. As práticas envolvem fatores intangíveis de difícil verbalização que estão presentes na experiência individual, transmitidos através do acompanhamento dos filhos aos pais nas atividades cotidianas. “Minha mãe viveu vendo meu pai e faz exatamente do “jeitinho” dele e nós nas oportunidades que nós pegamos na cozinha, também, mas é tudo assim, é uma coisa tão... Têm algo a mais, eu vejo fazendo, eu vejo como fica e é isso aí” (SUCESSOR, EMPRESA C). Destarte, o engajamento é espontâneo, informal e flexível (WENGER; SNYDER, 2000). Os sucessores sem perder a essência familiar buscam inovar em alguns aspectos, relacionam história com novas experiências e mudanças no mundo dos negócios. Por conseguinte, a prática é reproduzida e transformada (HAMILTON, 2011). Fala do predecessor A: “eles sabem bastante já dentro da área, então eles têm uma visão melhor do mundo fora, até por que, eles saem mais, tem mais acesso, a gente é mais em casa, eles entendem o que o mundo fora busca”. Alguns predecessores possuem resistência às mudanças propostas pelos filhos. Ah sim, o lado cultural, até pela idade né, eles tinham outra visão de comércio, outra visão de restaurante. [...] A gente teve que convencer que era um bom negócio, que facilitava e o custo era menor e se deram conta depois que realmente é o caminho (SUCESSOR 1, EMPRESA B).

O que diferencia esse estágio do último é o apoio que os sucessores ainda possuem dos seus pais com opiniões ou auxílio na tomada de decisões. Quando necessário os herdeiros das empresas A e C buscam ajuda dos pais, mesmo que a resposta final seja dos sucessores. Ainda assim os predecessores afirmam que os filhos possuem mais informações e capacidade de resolver situações adversas da empresa atualmente, colocando-se como apoio aos herdeiros. Na empresa B a segunda geração está mais independente sendo esta a representante do próximo estágio. 4.2.6

Sétimo estágio Representa o processo sucessório concluído- o que ocorreu apenas em B, que possui os representantes de maior idade e tempo de organização: “eles fazem alguma coisa ainda ali, mas não interfere na administração [...] no fim, quem toma a decisão é eu e meu irmão” (SUCESSOR 2, EMPRESA B). Também é destacada a inicialização da empresa B nesse estágio, a partir da opinião do predecessor: “Eu tava muito cansada já e não... (...) Ainda hoje se eles me chamam eu dou uma mãozinha, mas não é mais que nem uma vez (...) agora eu me desliguei, muito palpite eu não dou mais, eles já estão bem maduros”.

10 

Mas independente do grau de envolvimento enquanto os fundadores estiverem em vida, o negócio fará parte deles. É percebido o nível de ligação com a empresa quando um dos fundadores deixa os negócios inesperadamente. É nesse momento que se nota relevância da aprendizagem baseada em práticas vivenciada continuamente. A gente vai crescendo com isso e vai aprendendo todos os dias e hoje em dia também é assim... Eu não quero mais ter esse buraco na vida, como foi com o falecimento de meu pai... Eu quero sentir que a minha mãe naturalmente... Devagarinho, vai deixando umas outras coisas... Mas lógico, sempre junto conosco e ninguém vai ficar pra sempre, ela vai faltar um dia e a gente vai estar um pouco mais confortável fazendo aquelas coisas... Porque aprender na marra é duro e tu tem muito medo de errar (SUCESSOR, EMPRESA C).

Dessa forma, a conclusão do processo de sucessão é um momento crítico que a empresa familiar precisa vivenciar. É um desafio para predecessores se afastarem dos negócios devido ligação emocional com os negócios e para os sucessores ao sozinhos darem continuidade à empresa e honrarem o nome da família. 4.3

APRENDIZAGEM BASEADA EM PRÁTICAS

Além dos fatores de aprendizagem já destacados especificamente em cada estágio, foram identificados a posteriori outros que se apresentam transversalmente em todos os estágios. Foram estes direcionadores da aprendizagem organizacional baseada em práticas e determinantes para a caracterização das empresas familiares, assim como para o entendimento das interações que ocorrem entre predecessores e sucessores. Também foram distinguidos elementos facilitadores e inibidores da aprendizagem para a sucessão. São eles apresentados a seguir. 4.3.1

História da família e dos negócios A história das três empresas estudadas se assemelha no sentido do iniciar dos trabalhos em casa e sem muitos recursos, comercializando para pessoas mais próximas. A criação do negócio se deu a partir da necessidade de melhorar de vida pela família. Nota-se nas falas dos predecessores que houve dificuldades para fundar a empresa, ratificando o dito por Bernhoeft e Gallo (2003), mas o reconhecimento dos negócios foi impulsionando-os a dar continuidade ao empreendedorismo. Dessa forma, o amor pela empresa se faz notar, já que esta é parte da história da família e foi constituída com muito esforço por parte dos fundadores, que dedicaram suas vidas pela empresa. Por vezes foram necessárias adaptações na própria casa da família. De forma simultânea ocorria o andamento dos negócios e a criação dos filhos. Essa ligação estimula a aprendizagem e a torna um processo contínuo, que iniciou antes da abertura da empresa, quando os fundadores buscaram ensinamentos de pessoas mais experientes, tal como afirmou o Predecessor A. A resistência dos predecessores em deixar a empresa é explicada na medida em que se compreende que existem laços históricos de longa data entre os fundadores e a organização. Assim, a ligação emocional destacada por Bernhoeft (1996) também pode tornar-se um elemento inibidor da aprendizagem quando leva à resistência à transmissão integral dos conhecimentos do negócio. Por vezes o afastamento da empresa foi percebido como incapacidade. Quanto aspecto temporal da história da empresa o autoconvencimento tardio dos predecessores também é um elemento inibidor. Conforme destacado por Bernhoeft (1989) e Davis (2014) esse é o primeiro passo para o processo sucessório iniciar.

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4.3.2

Cultura e valores Foi notada influência da cultura e dos valores nas empresas quando considerada a região em que as empresas estão inseridas, como ressaltado por Grzybovski (2007). Foi percebido que a cultura da imigração italiana se faz presente na culinária e na valorização do trabalho, considerado representação da identidade de quem o faz: As histórias das nossas famílias aqui, principalmente da nossa região é o que: vamos trabalhar e tal e é isso que se passa pra cá, um dos valores grandes da nossa região. Nós chegamos aqui não tínhamos nada e vamos vencer com o nosso trabalho e a família unida crescendo junto (SUCESSOR, EMPRESA C).

Os valores passados de geração para geração também são reconhecidos e se busca sempre mantê-los no negócio para que não se perca a essência familiar com o passar dos anos. Valores como honestidade, esforço, tratar bem os clientes, fazê-los pagar um preço justo pelos serviços, ter qualidade no preparo dos alimentos, foram destacados pelos respondentes. Até mesmo a forma de expressão, a linguagem utilizada entre as gerações tem relevância, já que também caracteriza a aprendizagem organizacional baseada em práticas, como visto na literatura. Assim, não basta aprender, há uma forma considerara correta de aprender. Aqui considera-se elemento facilitador as gerações trabalharem juntas na prática, o que possibilita que os sucessores assimilem valores mas exponham suas opiniões e modifiquem alguns fatores da gestão da geração sem tantos conflitos, unindo as visões entre gerações através de diálogo, transparência, observação e da utilização dos sentidos para a máxima compreensão dos sistemas envolvidos (GUDOLLE; ANTONELLO; FLACH, 2012). É necessário que aconteça a modernização da empresa familiar mas sem perder a raiz da cultura e dos valores em que está inserida. 4.3.3

Convivência entre gerações Os predecessores acreditam não haver grandes problemas na convivência com os filhos. Assumem que a forma de pensar é diferente mas que dialogando encontram o acordo. Entretanto, para melhor compreensão das relações entre gerações o ideal seria uma longa inserção na prática do cotidiano de trabalho, um exercício etnográfico que não foi possível neste estudo. O predecessor da empresa C afirma que as questões familiares influenciam os negócios: “uma família tranquila, gera um negócio tranquilo, é reflexo”. Confirmando a ideia de Hamilton (2011), a opinião dos herdeiros difere já que estes afirmam que existe resistência por parte dos predecessores em aceitar ideias novas, principalmente no início da sucessão: “no início da sucessão foi difícil... Mas agora já passado um tempinho está mais fácil, a gente consegue conversar melhor e trocar ideias, antes era mais complicado” (SUCESSOR 2, EMPRESA A). Também, o Sucessor 2 da empresa B destacou que os pais possuem maior rigidez em alguns aspectos, enquanto a segunda geração busca desenvolver melhor os relacionamentos dentro da empresa. A convivência intensa entre as gerações se mostrou essencial para a aprendizagem de como conduzir os negócios, sendo que não há horários específicos para a troca de ideiasocorre constantemente. Também, como presente na teoria, não há horário definido para início e término do expediente. O ritmo nas cozinhas é bem acelerado, as atividades são realizadas simultaneamente e o trabalho dita o compasso da interação entre os membros da empresa o que faz com que a aprendizagem ocorra de forma cíclica, a todo o momento, em processo aberto. Nesse ponto, têm-se como elementos facilitadores a transição e compartilhamento de conhecimentos no dia-a-dia por parte dos pais, assim como a persistência e boa vontade por parte dos filhos em aprender a cada dia, no cotidiano, sobre a empresa e tudo que a cerca

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(HAMILTON, 2011). A aproximação entre pais e filhos também é percebida como um elemento facilitador, referente ao bom relacionamento dos mesmos e em questão de os filhos acompanharem os pais na empresa desde cedo, estando ao par do que acontece nos negócios. É relevante aprender e aprimorar os conhecimentos enquanto os fundadores ainda estão no comando da organização, para se ter a oportunidade de trabalhar em conjunto, trocando ideias ao longo do processo, como afirma Davis (2014). Destaca-se a relevância de os predecessores darem liberdade para os filhos tomarem algumas decisões, destes terem iniciativa em algumas atividade, obtendo responsabilidades e posteriormente autonomia para a condução dos negócios. Estabelecer uma conexão entre atores, sistemas, artefatos, e compreender a aprendizagem como um processo dinâmico também facilita os processos (FLACH; ANTONELLO, 2011). Esperar que os predecessores decidam deixar o cargo para que os sucessores comecem a assumir é um elemento inibidor, pois é perdida a oportunidade de trocas, de compartilhamento de conhecimentos e práticas, esta importante fonte de aprendizagem. Ainda, a falta de planejamento dificultou a sucessão. Os respondentes afirmam que não foi dada a devida atenção à complexidade de passar os negócios de uma geração para a outra. A falta de diálogo referente ao processo sucessório no início do mesmo, assim como o pouco conhecimento em relação a como proceder diante deste também são inibidores. Os pequenos conflitos entre os pais e os filhos podem ser um empecilho nesse período, pois o modo de pensar e agir dos sucessores, muitas vezes não condiz com as expectativas dos predecessores. 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados obtidos foram satisfatórios para se alcançar o objetivo do estudo, de descrever o processo de aprendizagem organizacional baseada em práticas na sucessão em pequenas empresas familiares do ramo alimentício em Farroupilha. Buscou-se compreender como ocorrem as rotinas dos predecessores e sucessores na empresa, destacando a aprendizagem que se manifesta através das trocas de experiências e práticas, do diálogo, dos ensinamentos passados de geração para geração. Através dos elementos mapeados, possibilitou-se compreender como se dá a aprendizagem baseada em práticas nas empresas familiares e que esta está muitas vezes relacionada a questões do cotidiano. Nota-se a efetividade da aprendizagem baseada em práticas nos estágios da sucessão nas pequenas empresas familiares, com exceção do quinto estágio, que não foi claramente identificado. A aprendizagem acontece de formas diferentes com o passar dos anos, se intensificando no sexto estágio, pois é nesse que o processo sucessório se torna evidente. A aprendizagem organizacional baseada em práticas está relacionada com a vivência das atividades realizadas pelos próprios sucessores nas empresas, que demonstraram ter atenção e absorver os ensinamentos dos pais. Aprender através da prática, da observação, das experiências, da convivência, com base nos relatos dos predecessores é essencial, assim como a compreensão de que a cultura e os valores familiares também estão presentes para a condução satisfatória dos negócios. É relevante salientar que a avaliação do processo da aprendizagem de forma segmentada pelos estágios da sucessão não foi suficiente para incluir todos os elementos observados e coletados. Por isso os fatores transversais mostram-se decisivos para a formação da identidade da empresa familiar e seus membros, facilitando o entendimento de como a aprendizagem é influenciada por diversos elementos presentes na realidade das organizações. Uma vez que casa e trabalho se confundem no contexto da empresa familiar, o compartilhamento do conhecimento acontece constantemente. A convivência intensa e de opiniões divergentes entre as gerações pode levar a conflitos, mas ao mesmo tempo é essa convivência que permite que os valores familiares sejam mantidos ao passo que inovações e

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mudanças sejam estabelecidas. Portanto, é relevante que o sucessor se interesse pela gestão e tenha desejo de aprender, ao tempo que o predecessor aceite a inserção da segunda geração no comando dos negócios. As três empresas estudadas ainda possuem algum auxílio, em diferentes graus, dos fundadores, o que faz crer que o processo de sucessão apenas estará efetivamente completo quando da ausência do fundador. Entretanto, é relevante apontar que através das entrevistas e observações, a segunda geração teria condições se assumir a condução dos negócios integralmente. A presença do fundador constitui-se, assim, numa opção, no desejo de tê-lo presente enquanto este desejar fazer-se presente. É relevante afirmar que por serem pequenas empresas familiares, algumas questões são aprendidas apenas na vivência diária, sem a necessidade de buscar auxílio de outras ferramentas. As empresas estudadas não possuem grandes preocupações com treinamentos ou com problemas de poder e liderança, já que a complexidade é menor se comparadas a empresas de grande porte. Sugere-se como melhoria para o processo de aprendizagem organizacional na sucessão as empresas possuírem um plano de sucessão visto que nenhuma delas teve planejamento sucessório. Notou-se que o acompanhamento dos sucessores é efetivo durante anos, mas falta a compreensão de que ambas as gerações precisam pensar na transição sucessória mais especificadamente e podem ser estabelecidas ferramentas para auxiliar nesse planejamento. Outra sugestão é a busca de formas de trabalhar o desprendimento e atenuar a ligação que os predecessores possuem para com a empresa, no sentido de evitar o sofrimento dos fundadores ao deixar a empresa. Também, para melhor aceitação das modificações trabalhadas pelos sucessores, em um ambiente que se mostra constantemente mutável. Uma preocupação gerada no estudo realizado surgiu a partir do questionamento aos sucessores a respeito de um futuro processo sucessório, já que os filhos dos atuais sucessores não acompanham ativamente os negócios da família e não possuem o interesse que seus pais apresentavam. Também não há, por parte da segunda geração, a preocupação que os fundadores possuíam de incentivar os filhos na participação da empresa familiar. Assim, o que se percebeu foi que há maior tendência de ocorrer a primeira sucessão. Compreender os motivos pelos quais isso ocorre se constitui em sugestão para próximos estudos. Como limitações do estudo, destaca-se que não foi possível identificar todos os estágios de transição nas organizações pesquisadas. Assim, fica constatada uma limitação do próprio modelo de estudo na sua aplicação para pequenas empresas. Dessa forma, acreditando nas características especiais destas e na sua relevância no país, sugere-se o desenvolvimento de caminhos específicos para pequenas empresas familiares, tendo em vista a insuficiência da adequação por parte dos sete estágios e a necessidade do estímulo ao planejamento do processo de sucessão. Sugere-se ainda a realização de maiores estudos com empresas familiares que levem em consideração a aprendizagem organizacional, não apenas detendo-se no processo de sucessão, mas abordando as diferentes perspectivas da aprendizagem. As empresas familiares possibilitam a realização do sonho de abrir o próprio negócio e compartilhar isso com as pessoas que se tem maior afeto: a família. Estas medem suas realizações por gerações. O mesmo pai que ensina o filho a dar os primeiros passos na infância, o ensina a gerir os negócios, com o desejo de manter os valores da família sempre presentes. A aprendizagem, nesse âmbito, tem a função de manter viva a essência da família replicada na organização familiar e aí sua relevância. REFERÊNCIAS ANTONELLO, C. S.; GODOY, A. S. A encruzilhada da aprendizagem organizacional: uma visão multiparadigmática. Revista de Administração Contemporânea, Curitiba, v. 14, n. 2,

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