A arquitectura do Castelo da Lousa

July 22, 2017 | Autor: Pedro C. Carvalho | Categoria: Archaeology of Roman Hispania, Roman Architecture, Hispania romana
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Castelo da Lousa–Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002 Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho, Ana Gonçalves (Coord.)

PORTADA STVDIA LUSITANA:Maquetación 1

JUNTA DE EXTREMADURA FUNDACIÓN DE ESTUDIOS ROMANOS

Vicepresidencia Segunda, Consejería de Economía, Comercio e Innovación Dirección General de Universidad y Tecnología

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Castelo da Lousa–Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002 Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho, Ana Gonçalves (Coord.)

Castelo da Lousa – Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002 Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho, Ana Gonçalves

Studia Lusitana 1. M. P. REIS Las termas y balnea romanos de Lusitania. Mérida, 2004 2. L. J. RODRIGUES GONÇALVES Escultura romana em Portugal: Uma arte do quotidiano. Mérida, 2007 3. F. TEICHNER Entre tierra y mar / Zwichen Land und Meer Mérida, 2008 4. T. NOGALES BASARRATE (ED.) Ciudad y Foro en Lusitania Romana/Cidade e Foro na Lusitânia Romana. Mérida, 2009 5. J. DE ALARCÃO; P.C. CARVALHO; A. GONÇALVES (COORD.) Castelo da Lousa. Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002. Mérida, 2010 6. V. GIL MANTAS Vías romanas de Lusitania (en preparación) 7. A. DE MAN Defesas Urbanas Tardias da Lusitânia (en preparación) Ficha técnica Coordinación: María José Pérez del Castillo y Eugenia López González Diseño: Ceferino López El texto y las opiniones de este volumen son responsabilidad de los autores. Esta publicación se intercambia por otras similares de todos los países con el fin de potenciar la Biblioteca del Museo Nacional de Arte Romano de Mérida. Para intercambios y suscripciones: Museo Nacional de Arte Romano C/ José Ramón Mélida, s/n 06800 Mérida (Badajoz) España [email protected] Pedido de libros: Asociación Amigos del Museo: C/ José Ramón Mélida, s/n 06800 Mérida (Badajoz) España [email protected] y a través de: http://museoarteromano.mcu.es/ Adquisiciones: Pórtico Librerías, S.A. Muñoz Seca, 6 50005 Zaragoza - España www.porticolibrerias.es ISBN: 978-84-613-6385-8 Depósito legal: BA-297-2010 Maquetación e Impresión: Artes Gráficas Rejas (Mérida) JUNTA DE EXTREMADURA Vicepresidencia Segunda, Consejería de Economía, Comercio e Innovación Dirección General de Universidad y Tecnología

Proyecto PRI06B286 Foros Romanos de Extremadura. Análisis y Difusión del Patrimonio Extremeño. Vicepresidencia Segunda y Consejería de Economía, Comercio e Innovación de la Junta de Extremadura

Proyecto PRI09A140 Arte Romano en Extremadura I. Creación de modelos en el occidente hispano. Vicepresidencia Segunda y Consejería de Economía, Comercio e Innovación de la Junta de Extremadura. Proyecto HAR2009-08727 Programas decorativos en Lusitania romana: origen y evolución. Ministerio de Ciencia e Innovación.

DIRECCIÓN CIENTÍFICA: PROF. DR. JORGE ALARCÃO Catedrático de Arqueología Universidad de Coimbra PROF. DRA. TRINIDAD NOGALES BASARRATE Departamento de Investigación Museo Nacional de Arte Romano COMITÉ CIENTÍFICO: PROF. DR. JOSÉ Mª ÁLVAREZ MARTÍNEZ Director del Museo Nacional de Arte Romano DR. JOSÉ LUIS DE LA BARRERA Conservador del Museo Nacional de Arte Romano PROF. DR. ENRIQUE CERRILLO Departamento de Arqueología Universidad de Extremadura PROF. DR. JONATHAN EDMONDSON Departmento de Historia Universidad de York (Canadá) PROF. DR. JOSÉ D´ENCARNAÇÃO Director del Instituto de Arqueología Universidad de Coimbra PROF. DR. CARLOS FABIÃO Departamento de Arqueología Universidad de Lisboa PROF. DR. JEAN-GÉRARD GORGES C.N.R.S. Universidad de Toulouse II Ex director-adjunto de la Casa de Velázquez DR. VIRGILIO HIPÓLITO CORREIA Director del Museo Monográfico de Conimbriga PROF. DR. PATRICK LE ROUX Departamento de Historia Universidad de Paris XIII D. MIGUEL ALBA CALZADO Director Científico del Consorcio de la Ciudad Monumental HistóricoArtística y Arqueológica de Mérida PROF. DR. MANUEL SALINAS DE FRÍAS Departamento de Historia Antigua Universidad de Salamanca PROF. DR. THOMAS SCHATTNER Subdirector del Instituto Arqueológico Alemán de Madrid PROF. DR. WALTER TRILLMICH Antiguo Director del Instituto Arqueológico Alemán de Berlín

Ficha técnica: Coordinadores: Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho y Ana Gonçalves. Textos: Jorge de Alarcão; Diego E. Angelucci; Pedro C. Carvalho; José d’ Encarnação; Ana Gonçalves; Priscilla Lange; Luís Luís; Paulo Marques; Rui Morais; Inês Vaz Pinto; José Ruivo; Ana Luísa Santos; Anne Schmitt y Paula Tavares. Colaboradores: Ricardo Costeira da Silva y Sara Almeida. Documentación Gráfica: Fátima Dias Pereira, Maria das Dores Pires y Elisa Puch Ramirez. Fotografía: Manuel Pica y Sara Almeida (Fotos nº 1 a 77, 98 e 100), EDIA S. A. (Fotos 78 a 82), José Ruivo (Foto 83), Paulo Marques (Fotos 84 a 86), Diego E. Angelucci (Fotos 87 a 97), Ana Luísa Santos y Paula Tavares (Fotos 99, 101 a 106), Inês Vaz Pinto e Anne Schmitt (Fig. I a X – Anexo II / CD-ROM) Conservación y Restauración: Catarina Alarcão, Maria Clara Lobo y Maria da Conceição Silva. Diseño gráfico y paginación: Fátima Dias Pereira y Ana Gonçalves.

Índice

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Prefácio HENRIQUE TRONCHO

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Apresentação J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

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Localização J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

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Enquadramento, objectivos e metodologia J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

27

História das escavações e da interpretação do monumento J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

37

A Arquitectura do Castelo da Lousa J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

65

Estratigrafia, estruturas e materiais J. ALARCÃO, P. C. CARVALHO, A. GONÇALVES

111

Cerâmica Campaniense LUÍS LUÍS

139

Terra Sigillata de tipo itálico PEDRO C. CARVALHO e RUI MORAIS

153

Cerâmica de paredes finas RUI MORAIS

173

Lucernas RUI MORAIS

181

Ânforas RUI MORAIS

219

Cerâmica Comum INÊS VAZ PINTO e ANNE SCHMITT

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Grafitos JOSÉ D´ENCARNAÇÃO

477

Vidros PEDRO C. CARVALHO

481

Espólio Metálico JOSÉ RUIVO

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Materiais Líticos PAULO MARQUES

523

Geoarqueologia DIEGO E. ANGELUCCI

549

Arqueozoologia PRISCILLA LANGE

589

Escavação e Estudo Antropológico dos Indivíduos Exumados A. L. SANTOS, P. TAVARES e A. GONÇALVES

601

Bibliografia Geral

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Resumos

ANEXOS (CD – ROM) Anexo I: Desenhos 1 a 32 Anexo II: Figuras I a X (referentes ao Capítulo 7.6) Anexo III: Tabelas de listagem de Complexos e Unidades Estratigráficas

Capítulo 5 – A arquitectura do Castelo da Lousa J. Alarcão, P. C. Carvalho, A. Gonçalves

A ARQUITECTURA DO CASTELO DA LOUSA 1) INTRODUÇÃO O castelo da Lousa integra um conjunto de edifícios instalados em diversas plataformas. Estas são, em parte, naturais e, em parte, artificiais. Alguns patamares foram afeiçoados e alargados em resultado da extracção de lajes de xisto que serviram de material de construção para os edifícios romanos. Com efeito, são visíveis, nas plataformas Norte e Noroeste, cortes resultantes da extracção de lajes. Na rocha, do lado poente e também a sul do edifício central, rasgos paralelos parecem dever interpretar-se como marcas dessa mesma extracção. Mais difíceis de interpretar são covinhas na superfície rochosa, largamente disseminadas, ora densas, ora distantes umas das outras. Alguns materiais líticos e escassos fragmentos de cerâmica manual recolhidos no decurso das escavações, em particular na Plataforma Noroeste Inferior (e Norte Inferior), testemunham uma ocupação pré-histórica de cronologia todavia difícil de precisar. Mesmo que algumas dessas covinhas se equacionem hipoteticamente com essa ocupação pré-histórica, dificilmente se poderiam interpretar como indícios de cabanas, pois não se configuram como pontos de apoio de postes de madeira para tais choças. É possível que a ausência de um padrão reconhecível resulte, pelo menos em parte, de um “palimpsesto” de covinhas (Foto 9), algumas das quais terão alojado os mastros de andaimes que terão sido necessários para a construção romana; outras poderão ser vestígios da instalação de máquinas elevatórias das pedras; outras ainda, e não obstante a sua configuração circular, poderão corresponder a buracos abertos pela introdução de “cunhas” destinadas a fracturar o xisto para retirar blocos destinados à construção.

Foto 9 - Covinhas na superfície rochosa.

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Pode dizer-se que o terreno em que o castelo romano foi erguido desenha, grosso modo, um Y cujos traços oblíquos correspondem a dois barrancos: o do Castelo, a oriente, e o dos Galmeirões, a ocidente. Num ponto alto do lugar, correspondente à cota de 125m e à máxima aproximação dos barrancos (que, aqui, distam cerca de 18m um do outro), foi instalado o edifício central do conjunto romano. A cota não é ainda a mais elevada, pois o terreno continua a subir para sul, até atingir 138m. Depois, prolonga-se por mais de 2 quilómetros com algumas ondulações, mas sempre reduzidas, até à Aldeia da Luz. A sul do castelo, e a cerca de 70m do edifício central, Jürgen Wahl (1985: 151 e 156) sugeriu a existência de uma muralha” de defesa do castelo, com 43m de extensão e orientada de leste a oeste. Algumas limpezas de terreno e sondagens efectuadas revelaram, efectivamente, um muro com essa orientação, mas de tão precária construção que dificilmente se lhe poderá atribuir uma função defensiva. Tratar-se-á de muro destinado a marcar, de forma mais ou menos simbólica, o limite do conjunto edificado? O edifício central, a que a população da vizinha Aldeia da Luz deu o nome de “castelo” (e Castelo da Lousa porque feito de xisto ou lousa), foi construído segundo o modelo da casa de átrio, tal como, nos inícios do séc. I a.C., se construía em Itália ou em áreas mais romanizadas da Hispânia. Instalados em plataformas inferiores, diversos outros corpos foram erguidos sem a solidez nem a perfeita esquadria do edifício central. Parece-nos importante salientar, desde já, o modelo arquitectónico deste edifício e a acentuada diferença relativamente aos demais corpos do conjunto, pois tal modelo e tais diferenças não podem deixar de ser tidos em conta na discussão das funções do castelo. Como vimos no capítulo anterior, diversos autores oscilam entre a interpretação do conjunto como villa (ou, para manter a designação de Jürgen Wahl, como Wehrgehöft ou “casa agrícola fortificada”) e a sua definição como estabelecimento militar ou de policiamento. Uma casa de átrio parece-nos credível como residência rural, construída por um proprietário que, para os seus criados, teria edificado alojamentos bem mais modestos. A escolha do ponto mais alto para a instalação da casa de átrio sublinharia ainda, pela posição, a principalidade do edifício. Ora uma casa de átrio para um comandante de pequena guarnição militar não se nos afigura muito verosímil. Por outro lado, se bem que as escavações realizadas entre 1997 e 2002 tenham revelado uma área construída muito mais vasta que a posta a descoberto pelos trabalhos de Afonso do Paço e J. Bação Leal nos anos de 1962 a 1967, no castelo da Lousa não caberia guarnição com efectivos superiores a uma centúria. O seu comandante – um centurião – não seria de condição social muito superior à dos seus soldados. Não parece, pois, verosímil que, para alojar o comandante, se tivesse construído um edifício central tão importante e, para albergar uma suposta guarnição militar, se tivessem edificado corpos tão modestos. Finalmente, o conjunto edificado não apresenta semelhanças com o (pouco) que conhecemos de fortins contemporâneos da Hispânia (DIOSONO, 2005). As comparações estabelecidas por M.ª Paz GarciaBellido (1994-1995) não nos parecem pertinentes, por serem feitas com praetoria de grandes fortes e, para mais, da época imperial. 2) O EDIFÍCIO CENTRAL Levanta-se, no mais alto (relativamente aos outros edifícios), um bloco de cerca de 23,5 20m, cujo estudo metrológico, feito por Ch. Ewert (in WAHL, 1985), nos parece inútil repetir aqui. Aliás, tendo sido quase nula a nossa intervenção neste edifício, que encontrámos já escavado, e tendo sido ele objecto de estudo de J. Wahl, remetemos para este autor e dispensamo-nos de reproduzir observações já feitas e publicadas. Diremos, todavia, que foram cumpridas com muito rigor as medidas em pés romanos. Se o edifício não se inscreve num perfeito quadrado com diagonais de 100 pés, e se, no sentido do eixo ocidente-oriente, excede essa medida, isso poderá dever-se ao facto de o arquitecto ter sentido necessidade de lhe acrescentar 10 pés 38

nesse sentido para dar, ao compartimento [F], a dimensão que a sua dignidade exigiria. Na hipótese de se tratar de residência civil, esse compartimento seria o tablinum. Na descrição do conjunto edificado, resolvemos manter a identificação dos compartimentos (Fig. 2 e Desenho 3 – Anexo I) através das letras que J. Wahl lhes deu: de [A] a [X]. Na descrição das divisões escavadas no decurso dos trabalhos de 1997 a 2002, mantivemos os números árabes que lhes foram atribuídos nas escavações promovidas pela ARKHAIOS (Desenhos 6, 8, 11 e 13 – Anexo I). Pareceu-nos isso preferível a realizar uma renumeração para efeitos da apresentação final do estudo que agora se publica.

Fig. 2 – Planta do Castelo da Lousa publicada em WAHL, 1985: Abb.3.

No canto sudeste deste edifício, uma escada obriga-nos a restituir um edifício com dois pisos. Conservam-se 6 degraus, com 0,23m de altura e 0,38 de profundidade, em média. Os fortíssimos muros, com cerca de 2m de espessura, feitos de lajes (e, nalguns casos, de verdadeiros silhares) de xisto que foram assentes com terra e sem argamassa de cal, apoiam-se directamente no xisto que constitui a rocha-mãe. Não havendo calcário na área, a cal teria de ser trazida de longe. O arquitecto julgou que a terra argilosa do local seria ligante suficiente – e, efectivamente, os muros do edifício central conservaram-se durante dois milénios. Em alguns pontos, a rocha foi talhada a pique para formar a parede exterior do edifício. A altura máxima subsistente é de 5,70m no canto noroeste. A entrada, única, abre-se do lado nascente. A reconstituição dela proposta por J. Wahl (1985: 154 e fig. 4) é provavelmente correcta: a entrada teria 1,80m de largura e uma porta de madeira com duas folhas. Apenas nos parece mais que duvidoso que por ela passassem, como J. Wahl imaginou, animais de carga ou que estes subissem (e descessem) a escada exterior que, desta entrada, conduz à plataforma situada mais abaixo e na qual se vêem os compartimentos [Q] a [T]. 39

Quem chegava a este lugar não vinha, porém, de nascente, visto que a encosta, com bastante declive sobre o barranco hoje chamado do Castelo, não permitia, por aí, fácil acesso. A aproximação, para quem vinha a pé, far-se-ia pelo sul. Quem chegava contornaria a esquina sudeste da casa e entraria pelo canto nordeste. É manifesta, deste lado, a existência de uma entrada que podia cerrar-se com porta de madeira, de duas folhas. Na soleira são visíveis os buracos para as cavilhas das couceiras da porta (Foto 10). Um patamar mostra que os batentes se abriam para o interior – o que, aliás, era a solução mais normal, permitindo uma tranca. Do lado esquerdo de quem entrava, a rocha, cortada a pique, constituía a ilharga da passagem. Do lado direito foi construída uma parede (Desenho 9 – Anexo I).

Foto 10 – Pormenores da soleira onde são visíveis os buracos para a porta.

Subindo quatro degraus, atingia-se um novo patamar, donde, por comprida escada, se alcançava a entrada do edifício principal (Foto 11). O compartimento [A] corresponde ao vestibulum da casa romana de átrio (Foto 12). O centro da casa é um átrio cujo muro desenha quatro perfeitos esquadros e que, em lugar de impluvium, tem uma cisterna talhada na rocha, quadrada, com 2m de lado e 8m de fundo, capaz de armazenar, no máximo 3. 200 litros de água. É duvidoso se esses esquadros subiam até à altura do andar superior ou se apenas haveria, nos seus cantos, pilares que sustentariam a galeria-varanda de madeira desse piso. O certo é que havia, entre os esquadros, quatro vãos que permitiam o acesso à cisterna, pelos quatro lados. Cada vão tinha cerca de 1,30m de largura. Devemos imaginar, por questões de segurança, alguma forma de protecção ou cobertura da cisterna. Se havia uma amurada, seria feita de adobe? É também duvidoso se alguma armação de madeira, com instalação de roldana, facilitaria o içamento do balde com o qual se retiraria a água da cisterna. Do lado oposto à entrada, o compartimento [F] corresponde ao tablinum da casa de átrio típica. Dos dois compartimentos à esquerda do tablinum, [D] e [E], e dos outros dois, similares, à direita da mesma sala, [G] e [H], um deles poderia servir de cozinha – embora, nos relatórios de Afonso do Paço e J. Bação Leal, se não encontre notícia de quaisquer dados que permitam confirmar a hipótese. O compartimento [H] tem, todavia, no canto noroeste, um escoamento para o exterior [PAÇO e LEAL, 1966: 181 e fig. 17). As alae da casa são reconhecíveis entre as salas [C] e [D] e, do outro lado, entre [H] e [I]. Numa delas estaria o lararium – do qual, todavia, se não encontrou edícula ou altar confirmativo da função. No total, incluindo o tablinum mas excluindo vestibulum, alae e os espaços de simples passagem, temos nove compartimentos.

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Foto 11 – Entrada para o edifício central pelo canto nordeste.

Iluminação e ventilação eram asseguradas por frestas abertas no muro exterior (Fotos 13 e 14) e das quais se encontram claros vestígios nas paredes setentrional e ocidental do edifício – isto é, onde os muros se conservaram a altura suficiente.

Foto 12 – Vista geral do Edifício Central.

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Cada compartimento teria uma fresta; no tablinum, porém, reconhecem-se duas – as quais foram, aliás, em data incerta, fechadas com grosseira alvenaria de xisto (WAHL, 1985: Est. 25). O compartimento [H] tem também duas, mas uma em cada parede. Afonso do Paço e J. Bação Leal não se referiram a vestígios de pavimentos senão nas divisões que na planta de J. Wahl levam as letras H e K, as quais teriam um chão de lajes cobertas por ténue camada de terra batida (PAÇO e LEAL, 1966: 181). É possível, pois, que os pavimentos tenham sido térreos; mas não menos possível se nos afigura que os compartimentos tenham sido pavimentados de madeira. Num clima seco como o da região, pranchas de madeira não apodreceriam facilmente. A leitura de Paládio, Opus agriculturae, I, IX mostra que se usavam pavimentos de madeira, eventualmente revestidos de uma camada de areia, cinza e cal. Seja como for, devemos imaginar um enchimento de terra que cobriria as irregularidades da rocha-mãe e, por isso, uma pavimentação (ou nível de circulação) à cota de 130,65m. O parapeito das frestas ficaria a 1,65m do chão. Devemos conjugar esta cota com as dimensões das frestas, em profundidade: abertas no espessíssimo muro exterior, têm 0,90 de largura no lado interno e estreitecem para o exterior, onde se reduzem a 0,15. Com estas dimensões e a esta altura, as frestas não permitiriam, a um adulto (excepto quando de invulgar estatura), ver, através delas, senão o céu e os longes. Não descortinaria o imediato arredor da casa, isto é, não teria visão sobre os edifícios das plataformas inferiores nem sobre o rio. Não podemos deixar de observar este pormenor, por nos parecer relevante na discussão das funções do edifício: se ele alojasse uma guarnição militar, não se teriam aberto vãos que permitissem visibilidade para baixo e sobre o rio? As frestas não teriam outra função para além do arejamento e da iluminação. E quanto a este último ponto, se projectarmos a luz que entraria pelas frestas, tendo em atenção o ângulo de obliquidade das suas paredes laterais, não seriam grandes as áreas de sombra. As duas frestas do tablinum e as duas do compartimento [H] – estas duas, como dissemos, em duas diferentes paredes – iluminariam razoavelmente as respectivas salas. No lado sudeste, seis degraus de pedra, com altura média de 0,23m, sobem a um patamar à cota de 132m. Deste último, a escada, agora feita de madeira, retomaria a subida ao piso superior. Não temos elementos para determinar com segurança a altura a que se acharia este piso – e, por consequência, a que teriam os aposentos do piso inferior. A altura proposta por J. Wahl para o piso inferior foi de 2,70m. Talvez pudesse ser ligeiramente superior e andar entre os 2,80 e 3,00m. Não nos parece convincente a proposta de M.ª Paz Garcia-Bellido (1994-1995: 211), que imagina o edifício só com um piso, coberto por terraço. Não podemos, todavia, excluir inteiramente a hipótese, pois as açoteias estão literariamente atestadas (Bellum Hispaniense, 8, 3). Em tal caso, a cobertura poderia ser de placas de xisto assentes numa camada de argamassa (GINOUVÉS, 1992: 169). Os muros exteriores do piso superior poderão ter sido feitos de taipa – material que foi, no Alentejo, até há poucas décadas, usado tanto na construção de prédios modestos como de casas de gente remediada ou mesmo rica. Parece-nos que devemos imaginar paredes exteriores de cerca de 0,50m de espessura, alinhadas pelo plano vertical exterior dos robustíssimos muros do rés-do-chão. Sendo assim, e dando aos compartimentos do piso superior uma profundidade de cerca de 4m – o que os tornaria espaçosos –, facilmente podemos imaginar uma galeria ou varanda de circulação pela qual teriam acesso directo todos os compartimentos desse piso. A terra argilosa e com muita palha que Afonso do Paço e J. Bação Leal declararam ter encontrado a entulhar o castelo, quando fizeram a escavação, terá resultado, exactamente, desses muros de taipa? Ou o que foi designado por “palha” seria vestígio de uma cobertura de giesta? A cobertura seria de duas águas. Temos de imaginar, talvez com idêntica vertente, a cobertura da galeria do átrio encaminhando as águas pluviais para a cisterna.

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Foto 13 – Pormenor de uma fresta desentaipada e registada no decurso dos trabalhos arqueológicos.

Foto 14 – Fresta fechada com alvenaria de xisto, existente na parede exterior da sala [I].

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Fig. 3 - Reconstituição do corte S – N do edifício central e construções adjacentes até à Plataforma Norte.

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Melhor do que qualquer descrição, o nosso desenho (Fig. 3) ilustra o aspecto que a casa poderia ter tido. Diremos apenas que as paredes divisórias dos cubicula do piso superior, bem como as de fachada desses mesmos compartimentos, poderiam ser de madeira e barro, adoptando uma qualquer das várias técnicas de construção documentadas para a época romana ou usadas até há pouco na arquitectura tradicional. Afonso do Paço e J. Bação Leal, nos relatórios apresentados, não falam de tegulae ou imbrices. Nos relatórios das campanhas de 1968 e 1969, dirigidas por J. Bação Leal e M. Farinha dos Santos (relatórios apresentados à Junta Nacional de Educação e à Fundação Calouste Gulbenkian), fala-se de “telhas de dois tipos” e de “cerâmicas de construção” – mas tais referências deixam crer em escasso material e “cerâmicas de construção” é termo ambíguo que pode designar também tijolos e tijoleiras. Também foram escassos os fragmentos de telhas de barro encontrados nas escavações de 1997 a 2002. É possível, pois, que o edifício tivesse sido coberto com colmo ou giesta. Uma cobertura de placas de xisto é, porém, admissível – se bem que o xisto da área não fracture facilmente em planos pouco espessos mas de dimensões e resistência prestáveis para coberturas. Os relatórios de Afonso do Paço e J. Bação Leal inclinam-se para a cobertura de lajes de xisto, mas não são claros quanto à frequência, abundância e forma dessas lajes. Cobririam toda a superfície dos telhados? Constituiriam apenas um beirado? As próprias (escassas) tegulae e imbrices poderiam ter igualmente servido só de beirado. 3) UMA AMPLA ÁREA EDIFICADA PARA ALÉM DO CASTELO Do nível de entrada do edifício principal, que se acharia a uma cota em torno de 130,65m, uma escada de 18 a 20 degraus (dela subsistem 18) descia a um patamar inferior e a uma passagem não coberta que se encontra a um nível 3,80m abaixo. Dava esta passagem acesso a um outro corpo de quatro compartimentos [Q] a [T] (Fig. 2 e Desenho 3 – Anexo I), dois de cada lado de um espaço estreito e comprido que nos parece dever interpretar-se como vão para uma escada de madeira. Os muros da parede setentrional destes compartimentos, assentes na borda de uma plataforma rochosa que cai quase a pique sobre uma outra passagem, [17] – a qual se encontra cerca de 3m abaixo – ruíram e desapareceram. Não temos, porém, razão para supor que o muro traseiro (isto é, setentrional) deste corpo não era rigorosamente paralelo ao da fachada. Temos aqui, pois, um corpo construído ainda com bastante geometria. E se os compartimentos eram quadrados, teriam cerca de 16m2 – o que faz deles compartimentos espaçosos. Se o estreito espaço central se interpretar como vão de escada (e não vemos que outra função possa ter tido), este corpo teria um piso superior cuja compartimentação é duvidosa. A hipótese de uma escada dando acesso a uma galeria–varanda do lado do rio é possível. Neste caso, quatro compartimentos de cima, correspondentes aos quatro de baixo, teriam, todos eles, acesso directo através da suposta galeria. Mas tal varanda, por estreita que fosse, reduziria a área dos compartimentos (a menos que se projectasse para fora da parede). Se, mesmo assim, as divisões ficariam com áreas folgadas (ainda que inferiores às dos compartimentos de baixo), não podemos deixar de considerar a hipótese de, através da escada, se ter acesso directo apenas a divisões que, no piso superior, corresponderiam aos compartimentos [R] e [S] do piso baixo. Em tal caso, haveria acesso indirecto ou interno às divisões que se achariam nos extremos (isto é, sobre os compartimentos [Q] e [T] do piso baixo). Noutras hipóteses ainda, o piso superior não seria subdividido ou teria apenas dois grandes compartimentos, um de cada lado do vão da escada.

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Voltando ao piso inferior, são visíveis as entradas dos compartimentos dos dois extremos – oriental e ocidental (Desenho 8 – Anexo I). As dos outros dois não se reconhecem; mas porque, dada a altura dos muros conservados, se deveriam observar as soleiras ou os vãos das portas, se estas tivessem existido, parece-nos que devemos imaginar os compartimentos R e S sem acesso directo ao exterior: a divisão R teria acesso por Q, e o compartimento S, por T. As incertezas sobre a função deste corpo são muitas. Uma função residencial é possível. Dado, porém, o espaço habitável do edifício que anteriormente descrevemos, poderia alojar-se nela uma família de grandes dimensões (no caso de se tratar de estabelecimento civil e não militar). Que necessidade haveria de mais cubicula para dormida de membros da família ou de visitantes que o proprietário quisesse tratar com favor e respeito? Agravando as dificuldades de interpretação deste corpo edificado, um altar de xisto foi encontrado in situ no canto exterior sudeste do mesmo corpo (Foto 15). Mas a que divindade poderia ser esse altar consagrado? Não parece muito credível interpretá-lo como larário, visto que a posição a este mais adequada seria, como vimos, uma das alae da casa de átrio.

Foto 15 - Altar de xisto encontrado in situ no canto exterior sudeste do corpo edificado [Q] a [T].

Este corpo edificado parece, por outro lado, ter tido acesso “reservado”. Do lado poente, um forte e largo muro, se não impedia, pelo menos dificultava a passagem à “Plataforma Superior”. Tanto quanto podemos julgar, esse muro, onde se mediu a cota de 128,12m, ficava a cerca de 0,74m acima da passagem entre o edifício central e o bloco de Q-T e a pouco mais de 1m sobre o nível da Plataforma Superior. Se é certo que as cotas medidas não serão exactamente as de circulação na época romana (tendo sido impossível determinar estas com rigor), parece devermos reconhecer o obstáculo à comunicação. Neste obstáculo assenta a qualificação de “reservado” que demos ao bloco Q-T. Do lado nascente, entre o corpo edificado que estamos a considerar e um outro que integra as divisões [U] a [W], existe também uma passagem, mas muito estreita, por onde se fazia a comunicação com a parte modestamente edificada das plataformas Norte e Noroeste – parte que, quanto a nós, servia de alojamento dos criados (Desenhos 4 e 6 – Anexo I). 46

Sem nenhuma segurança, e mesmo com muitas dúvidas, mas recordando a actividade comercial a que o proprietário desta villa (na nossa hipótese) se dedicaria, atrevemo-nos a pensar que o corpo de [Q] a [T] poderia servir de armazém de produtos. Mas não deixaremos de sublinhar que o acesso difícil tornaria penoso o transporte de pesadas ânforas de vinho, azeite ou garum. Seria armazém de louças e artefactos metálicos? Mas seria tão grande o comércio de louças e metais que requeresse tanto espaço para armazenamento? Uma das objecções (sem dúvida pertinente) que pode fazer-se à hipótese de o nosso suposto colono negociante se dedicar à importação e revenda de cerâmicas finas é a reduzida quantidade de campaniense, sigilata itálica, cerâmica de paredes finas e lucernas recolhida nas escavações. O volume recolhido corresponde razoavelmente ao que poderia ser usado no castelo. Mas um negócio de louças implicaria grandes quantidades cujo manuseamento, por muito cuidado que houvesse, conduziria a quebras. Deveríamos, pois, esperar muitos mais fragmentos do que aqueles que foram recolhidos. Será que o nosso suposto mercador negociava com vinhos (ou outros produtos trazidos nas ânforas) mas não com louças finas? Será que viviam, no piso inferior deste bloco, com suas famílias, quatro criados a quem seria dado tratamento especial porque seriam eles os “comandantes” das “caravanas” que o proprietário da (suposta) villa enviaria aos castros e granjas da região? Ou estaria este corpo reservado aos criados domésticos? Um armazém de múltiplos usos, também para acomodação de produtos alimentares, é hipótese que não pode rejeitar-se. No caso de o Castelo da Lousa ter sido posto militar, ficariam aqui alojados alguns soldados? Tal hipótese apenas acrescenta as nossas dúvidas: se nos parece estranho ter sido dada a forma de casa de átrio ao edifício central de um suposto estabelecimento militar de uma pequena guarnição (não falamos de um acampamento legionário), não nos surpreendemos menos pela forma dada ao que seria uma caserna de soldados. Não sabemos que achados foram feitos nestes compartimentos. Mas não queremos lançar a suspeita de que os responsáveis pela escavação deste corpo não observaram o que teria permitido identificarlhe a função que teve. Veremos, na continuação deste capítulo, que são muitas as dúvidas sobre a função dos diversos compartimentos cuja escavação foi da nossa responsabilidade. Voltando ao problema do acesso para quem vinha, não pelo rio, mas pelo lado da terra, parece ter existido, do lado nascente, um caminho afeiçoado na rocha. Tal caminho faria, a norte, um cotovelo. Depois de um largo patamar, à cota de 125,28m, subiam-se três degraus e alcançava-se um outro patamar, no canto sudeste do edifício que acabámos de considerar. Ganha, talvez, assim, algum sentido o “altar” aqui situado (Foto 16) – pois poderia realizar-se nela alguma cerimónia de agradecimento ao(s) deus(es) que haviam protegido os viajantes. Por este caminho viriam alguns produtos de natureza diferente (ou de origem diferente) daqueles que chegavam pelo rio? O edifício que integra, na planta de J. Wahl (Fig. 2), as divisões [U] a [X] poderia não ter exactamente a configuração que o autor lhe deu. Desaparecidos os muros a sudeste e nordeste, o autor fez uma restituição hipotética. Os muros que na planta de J. Wahl se apresentam a tracejado acomodam-se ao contorno actual da plataforma em que o edifício foi implantado. Mas tendo havido erosão das vertentes (aliás responsável pelo desaparecimento dos muros a oriente e nordeste), o contorno original da plataforma poderia ter acomodado edifício de planta mais regular. A reconstituição que apresentamos na Fig. 4 deve considerar-se altamente hipotética. Mas se pensarmos que, elevando os muros do lado sudoeste (os que formam cotovelos), encontramos grandes dificuldades na restituição da cobertura do edifício, sugerimos um corpo coberto pentagonal (eventualmente menos regular que o do nosso desenho), antecedido de dois pequenos pátios murados descobertos (ou cobertos num plano inferior ao do corpo pentagonal).

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Foto 16 – Pormenores do altar de xisto encontrado in situ.

Os dois muros paralelos da divisão [V] parecem definir um vão de escada – e, nesse caso, o edifício teria dois pisos. Temos dificuldades em imaginar a função que este edifício poderia ter tido.

Fig. 4 - Reconstituição do edifício que integra as divisões [U] a [X].

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Entre os dois corpos anteriormente analisados (isto é, o que integra as divisões [Q] a [T] e o que compreende os compartimentos [U] a [X], há uma estreita passagem de cerca de 1m de largura e 5m de comprimento que desce a uma plataforma inferior – aquela que designámos por “plataforma norte” (Vid. adiante Figs. 8 e 9). Corre por essa passagem um esgoto cuja cobertura se encontra, a sul, à cota de 126,15m e a norte, à de 125,63, de modo que o declive seria de 0,42m em 5m de comprimento. A passagem conduziria a um patamar, sensivelmente rectangular, à cota de 124,95m e alguns degraus desciam a uma longa passagem, irregular pelo piso e pelo contorno [17] (Foto 17). As cotas que se mediram em diversos pontos do percurso (e vão assinaladas nos Desenhos 4 e 19 – Anexo I), são da própria rocha. Havia, talvez, um enchimento de terra que nivelasse algumas das irregularidades e tornasse menos incómodo o andar. Poderia mesmo existir alguma camada de giestas ou de mato.

Edifício Central

Acesso à Plataforma Norte pela passagem [17]

Foto 17 – Acesso à Plataforma Norte desde o edifício central, através da passagem [17].

No ponto mais oriental desta longa passagem [17], a cota é de 123,37m. Talhados na rocha, alguns degraus dão acesso a um espaço triangular [23] que seria, talvez, apenas parcialmente coberto (Foto 18). Aqui, a irregularidade da rocha seria disfarçada por um piso térreo, à cota de 121 ou 122m – sem prejuízo de algum afloramento rochoso. É possível que o muro nordeste não subisse muito acima da cota mais alta que hoje nele se observa, isto é, 122,30m. A ser assim, o muro daria pelo peito de um adulto que poderia

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contemplar o rio com inteira segurança. O achado de numerosos pesos de tear neste espaço torna credível que aqui tenha(m) funcionado tear(es). Mas o seu número (recolheram-se 23 pesos) não sugere qualquer actividade de produção superior às necessidades dos habitantes do castelo. Nem mesmo o(s) tear(es) aqui instalado(s) supriria(m) tais necessidades – e, de facto, recolheram-se também pesos noutros locais.

Foto 18 – Acesso ao espaço [23], através de degraus talhados na rocha, desde a passagem [17].

Segue-se, ao longo da passagem [17], um outro corpo edificado no qual distinguimos os compartimentos [19] a [22] (Desenho 4 – Anexo I). A parede traseira deste corpo, voltada ao rio, ruiu; mas o mais provável é que tenha sido sensivelmente paralela à da fachada (esta, voltada à passagem [17]). Um maciço de alvenaria de xisto encostado ao muro sul do compartimento [23] poderá ter servido de banco. As portas de acesso aos compartimentos [22] e [21] são ainda perfeitamente identificáveis. Talvez o muro de separação de [20] e [21] se deva interpretar como parede interna que distinguiria dois compartimentos de um mesmo alojamento. A porta ficava no canto sudeste do compartimento [21]. Uma abertura no muro de separação entre [21] e [22] tornava esses compartimentos intercomunicantes, ainda que os respectivos pavimentos térreos não estivessem ao mesmo nível. Numa fase posterior, porém, a porta do compartimento [21] para o exterior foi entaipada. É possível que a área de [20] e [21] tenha sido anexada a [19] ou [22] e que só através de um destes tivesse agora acesso. A destruição dos muros, ainda que parcial, fez desaparecer qualquer vestígio de vão ou soleira de porta que poderia ajudar-nos a resolver o

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problema. Se [20] e [21] tivessem constituído, no início, uma unidade habitacional per se, a sua ligação posterior a [19] ou a [22] teria obrigado à abertura de porta de comunicação em parede anteriormente fechada. Do ponto de vista técnico, isso não se nos afigura, porém, impossível ou, sequer, difícil. O compartimento [19], por seu turno, não teria entrada pela passagem [17], mas pelo lado ocidental. Nenhuma evidência estratigráfica permite atribuir o muro oblíquo a época anterior ou posterior à do corpo [19] a [22]. Talvez esse muro se deva interpretar como simples suporte de um aterro destinado a criar uma pequena plataforma que tornaria mais cómoda a entrada no compartimento [19]. Mas ainda supondo, ao contrário do que propomos, que a entrada deste compartimento se não achava desse lado, a hipótese de existência dessa plataforma trapezoidal não fica prejudicada. Apenas teríamos de imaginar, para ela, outra função. Entre o corpo ou bloco que integra os compartimentos [19] a [22] e o conjunto edificado na Plataforma Noroeste observa-se um comprido muro de cerca de 68m de extensão. Dificilmente podemos imaginálo como fachada de outro bloco de compartimentos. Com efeito, não se observam muros perpendiculares que, arrancando dele para norte (isto é, para o lado do rio), possam ter dividido o espaço, criando compartimentos cobertos e habitáveis. Mesmo admitindo derrocadas e erosão, ter-se-iam mantido, do lado norte do muro, os arranques (ou as cicatrizes dos arranques) de paredes perpendiculares, se acaso tivessem existido. Mas no muro são visíveis aberturas de “portas” que, em determinada altura, foram entaipadas, aliás de modo grosseiro, com alvenaria muito mais irregular que a do próprio muro. As duas observações são, aparentemente, contraditórias: as “portas” parecem exigir compartimentos que, todavia, não existiram. A contradição poderá resolver-se admitindo um recinto descoberto, subdividido, não por paredes de alvenaria, mas por qualquer outro processo que não tenha deixado vestígios (uma paliçada, por exemplo). Que função poderia ter este hipotético cercado ou quinchouso, cuja reconstituição imaginamos esquematicamente na Fig. 5? Nesta figura, reconstituímos um muro de traseira que o aluimento da encosta terá feito desaparecer.

Fig. 5 - Reconstituição do cercado, entre o bloco que integra os compartimentos [19] a [22] na Plataforma Norte e o conjunto edificado na Plataforma Noroeste.

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Parte do cercado poderia ser redil de ovelhas e cabras. Da análise dos ossos recolhidos no decurso das escavações de 1997-2002 (Cap. 9, Quadro 24) conclui-se que 19% correspondem a ovicaprinos. Pode argumentar-se que um rebanho de ovelhas e de cabras não seria recolhido em redil no interior da área habitada. Mas comparações etnográficas sustentam a hipótese. Devemos também pensar que, na região e na época, haveria lobos e que, portanto, seria conveniente recolher o gado junto dos homens. Ossos de galináceos, se bem que não muito numerosos (apenas 1%), sugerem a existência de uma capoeira. Ossos de porco doméstico (16%) demonstram uma criação que, todavia, pode ter sido feita não em pocilga mas em campo livre, fora da área habitada: no Alentejo era (ou viria a ser?) tradicional andarem as varas de porcos pelos montados. Parte do cercado podia ser dedicada a horta, se acaso o solo era suficientemente fundo e produtivo. Noutra parte podia guardar-se lenha ou palha. Também é admissível (por razões que já veremos) a existência de uma lixeira. Enfim, não podendo ter certezas quanto à utilização da área, a hipótese que formulamos não se nos afigura insensata ou carecida de razoabilidade. Em tal caso, o muro conservado não necessitaria de ser muito alto para cumprir a função requerida de cerca ou vedação. E isso explicaria a sua construção irregular, pouco compatível com a hipótese de fachada de um bloco de habitações ou de armazenamento, coberto. O entaipamento das “portas” (que, no caso de cercado, mais correctamente designaríamos por passagens ou aberturas) carece, todavia, de explicação. A instabilidade das encostas do castelo provocou, a certa altura, a ruína, pelo menos, da Plataforma Superior. No capítulo 6 justificaremos a afirmação, baseada também nas observações de Diego Angelucci (Cap. 8). Ignoramos se se deu um colapso que surpreendeu os habitantes ou se sinais de derrocada previsível terão levado a um abandono e demolição do bloco dessa plataforma. Podemos admitir que a derrocada arrastou consigo a destruição do bloco de compartimentos [19] a [22] e o abandono do cercado. Como se verá no capítulo dedicado à Estratigrafia (Cap. 6), uma mesma camada muito espessa de areia, trazida das margens do rio, cobre os muros daquele bloco e do cercado. Manifestamente, houve um abandono e um recobrimento intencional, que parece dever datar-se dos últimos anos do séc. I a.C. Se a espessa camada de areia se detivesse na fachada sul do bloco [19] a [22] e no muro sul do cercado, poderíamos pensar que essa fachada (parcialmente demolida e diminuída na sua altura) e esse muro passaram a servir de parede que continha a dita camada. As aberturas teriam sido entaipadas para fazer um muro contínuo de contenção. Na realidade, o problema é mais complexo. Como o desenho planimétrico nº 5 (Anexo I) mostra, a camada de areia ultrapassa, no sentido norte (o do rio), a fachada do bloco [19] a [22] e o muro meridional do suposto cercado. O limite da camada aparenta ter sido roído por posteriores desabamentos da vertente (eventualmente muito posteriores ao abandono do castelo). Se alguma parede antiga serviu de muro de contenção, terá sido a das traseiras do bloco [19] a [22] e a das traseiras do cercado. Uma e outra foram levadas pela erosão e não se observaram vestígios delas. É possível que, logo após a derrocada da Plataforma Superior (que terá arrastado a destruição do bloco [19] a [22]), se tenham tapado as aberturas do edificado na Plataforma Norte. Só algum tempo depois, num segundo pensamento ou projecto, e eventualmente por razões que classificaríamos de “estéticas”, se teria decidido cobrir o todo de areia. (Observaremos, entre parêntesis, que, no decurso da escavação, se verificou que alguns muros afloravam acima da superfície de areia; mas é admissível que essa camada tenha coberto tudo e que só por efeito da erosão ou de fenómenos post-deposicionais alguns muros tenham posteriormente reaparecido).

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A espessa camada que, depois da derrocada, alteou e regularizou a antiga passagem [17] compreende um nível (ou estrato) espesso que, pela abundância de cerâmicas fragmentadas e de ossos, nos parece corresponder a material retirado de uma lixeira próxima. Nela, estaria amontoado; agora, foi aproveitado como entulho para criar um novo nível, mais alto, de circulação. Também podemos considerar a hipótese de estes materiais terem procedido da Plataforma Noroeste, que foi, como já veremos, objecto de remodelação a seguir à derrocada. Poderá ter sido feita uma limpeza e os materiais terão sido trazidos para a passagem [17]. Não conseguimos encontrar explicação para um maciço quadrado de alvenaria no canto exterior sudoeste do compartimento [19] – maciço que, aliás, parece duplicado por outro, menor e fronteiro, no canto sudeste do que acabámos de interpretar como quinchouso. O espaço a que demos o n.º [25] poderá explicar-se como muro de contenção para garantir o acesso à última abertura ou passagem para o quinchouso. A passagem [17], neste ponto, subiria de nível na sua continuação para ocidente; mas, no mesmo ponto, desceria para aceder ao quinchouso. O desnível terá obrigado à construção de um muro de suporte das terras – muro em L. As construções da Plataforma Noroeste (Vid. adiante Fig. 8) sofreram, em algum momento, profunda remodelação. Conjugando observações estratigráficas com a análise de como os muros se entrecruzam uns com outros ou se encostam, e ainda como se apoiam no solo, julgamos poder reconstituir duas fases essenciais (Fig. 6 e 7) – ainda que a nossa reconstituição deva ser considerada hipotética: verosímil, mas não inteiramente segura. A área serviu primeiramente de pedreira donde terão sido retiradas muitas das lajes de xisto com que se terão construído o edifício central do Castelo da Lousa e, eventualmente, outras partes do conjunto edificado. Dois pequenos muros que parecem ser os mais antigos desta plataforma poderão corresponder a estruturas modestas e precárias (simples abrigos) contemporâneas da fase de edificação do corpo central do castelo. A primeira fase relevante (Fig. 6) apresenta um edifício sobre o quadrado, que, então indiviso, viria a ser posteriormente subdividido em três compartimentos [13], [14] e [15] (Foto 19). No interior, a cota máxima da rocha é de 122,14m. Na entrada, onde se não encontrou pedra de soleira, mediu-se a cota de 122,23m. No muro ocidental, uma abertura acha-se à cota de 121,17m. É possível admitir um pavimento de madeira e, sob ele, uma caixa-de-ar. O arejamento seria garantido por aberturas que se observam na parede ocidental (Foto 20). Com este dispositivo, podemos admitir, para o edifício, a função de celeiro ou, mais genericamente, de armazém de produtos alimentares. Infelizmente, nenhuns achados permitem confirmar ou desmentir a hipótese. Apenas o forno [30], do outro lado da passagem [17] mas perto deste bloco, pode constituir um argumento. Argumento débil, na verdade, pois nada confirma que se trate de forno de pão. Mas a sua posição, tão perto de área(s) suposta(s) de alojamento, torna menos verosímil a interpretação como forno de cozedura de cerâmica ou de fundição de metal ou redução de minério. Nada, aliás, permite supor que este forno tinha uma câmara de combustão e uma câmara de cozedura – que seriam necessárias num forno cerâmico. Nem, na escavação das camadas que enchiam o forno, se observou fosse o que fosse que nos incline a supô-lo forno metalúrgico. Um forno cerâmico exigiria também que algum dos compartimentos vizinhos funcionasse como área onde se acumulasse barro e se manufacturassem e se secassem as peças obradas. Um forno de fundição ou redução de metais ou minérios exigiria instalações próximas onde trabalhos prévios ou subsequentes pudessem ter lugar. Nada sugere que tais funções se exerceriam nesta área. Na escavação do forno, pelo contrário, observou-se um nível de seixos do rio; sobre ele, duas camadas de argila com sinais de terem sofrido a acção do fogo, tendo a camada inferior sido feita também com numerosos fragmentos cerâmicos. Isto é, exactamente, o que se pode supor num forno de pão. Tais fornos

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Foto 19 – Edifício da Fase I (Plataforma Noroeste), então indiviso, que viria a ser posteriormente subdividido em três compartimentos [13], [14] e [15].

Foto 20 – Aberturas na parede ocidental do compartimento [13] para arejamento.

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aquecem-se com lenha sobre o “lar” e não em câmara de combustão distinta de uma câmara de cozedura. Quando a lenha se consome e o forno atinge temperatura suficiente, as cinzas (e brasas) são removidas, o “lar” é varrido e sobre ele se colocam os pães que o calor acumulado vai cozendo. No nosso caso, o suposto “lar” (isto é, as camadas de argila sobre a dos seixos) está cerca de 0,60m acima do nível exterior. Esperaríamos maior altura (cerca de 0,80m) para um cómodo trabalho de quem realizasse a cozedura – mas não será por isso que a hipótese deve ser rejeitada. Neste caso do forno [30] e do bloco que integra as divisões [13] a [15], é óbvia a falta de dados para uma interpretação funcional inteiramente convincente. Estamos reduzidos à condição de intérpretes que imaginam o que pode ter sido, aduzindo argumentos a favor de uma hipótese, mas sem esquecer que outras hipóteses podem ser sugeridas. Não temos outra mais convincente ou passível de menos dúvidas. Mas não deixaremos de observar ainda que, na hipótese de utilização do compartimento [13], [14] e [15] como armazém de víveres, com sua caixa-de-ar para reduzir as humidades que trariam bolores e bicharada, a construção de [10] e [11] numa segunda fase (Fig. 7) terá inutilizado a caixa-de-ar e a ventilação, alterando a suposta função original de [13], [14] e [15]. A própria subdivisão interna de um bloco inicialmente indiviso sugere alteração de funções.

Fig. 6 - Reconstituição da Fase I edificada na Plataforma Noroeste.

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Fig. 7 - Reconstituição da Fase II edificada na Plataforma Noroeste.

Foto 21 – Troço da passagem [8], onde são visíveis duas fases construtivas, correspondendo às divisões [6] e [7].

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A passagem [17] é continuada, para noroeste, por uma outra, [8], que dá acesso às divisões [6], [7] e [24]. Também aqui se nos afigura possível a existência de duas fases construtivas. Na primeira, existiriam apenas os compartimentos [6] e [24], correspondendo o espaço [7] a uma área descoberta e não construída. Na segunda fase, teria sido acrescentada a divisão [7]. Talvez esta transformação se tenha dado ao mesmo tempo que se dividiu o espaço do suposto celeiro em três compartimentos [13], [14] e [15] e se acrescentaram, a este bloco, as divisões [10] e [11]. A função que, na segunda fase, tiveram o bloco de [10], [11], [13], [14] e [15] e o que integra os compartimentos [6], [7] e [24] não é fácil de determinar. Se o primeiro pode ter tido função residencial, esta afigura-se-nos menos provável para o segundo. Os compartimentos [6] e [7], se bem que ambos tivessem acesso directo ao exterior, eram também intercomunicantes, através de uma porta que, aliás, foi posteriormente fechada (Foto 22). O remate, em abside (Foto 23), do compartimento [7] não nos sugere qualquer função específica, mas antes nos perturba (excluídas, como devem sêlo, quaisquer hipóteses de sala de aparato ou de termas). No canto sudeste, o espaço a que demos o número [29] configura-se como lareira, mas é duvidoso que o compartimento [7] tenha funcionado como cozinha. A tê-lo sido, seria, pelas suas dimensões, uma cozinha onde se preparariam as refeições para todo o pessoal do Castelo da Lousa (excluídos os habitantes do edifício principal). Se isso se coaduna com a interpretação do Castelo da Lousa como villa, não pode ser tomado como argumento, visto que a função de cozinha é altamente hipotética.

Foto 22 – Vão fechado entre compartimentos [6] - [7].

Foto 24 – Vão entaipado entre compartimentos [7] e [4].

Foto 23 – Compartimento [7], com remate do lado Noroeste, em abside.

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Do compartimento [7] podia aceder-se a [4] através de uma porta que também foi posteriormente entaipada (Foto 24). O compartimento [4] comunicava com [3], que tinha acesso directo ao exterior. A sigilata recolhida no compartimento [4], em nível contemporâneo da sua construção, sugere que foi edificado ao mesmo tempo que se abandonou o bloco de [19] a [22]. É possível, pois, que a profunda remodelação da Plataforma Noroeste tenha sido realizada para realojar quem, pelo abandono daquele bloco, tinha de encontrar novo tecto. O espaço [24], que nos parece ter existido já na primeira fase desta plataforma, fica a um nível ligeiramente inferior. Alguns degraus na passagem [8] davam-lhe acesso. Mas a sua função é para nós uma dúvida – e nem sequer sabemos se se trata de espaço coberto ou de simples cercado.

Foto 25 – Degraus na passagem [5] que davam acesso à divisão [2] a Sudoeste.

Do ponto onde se situa o forno [30], uma passagem a que demos o número [5] toma o rumo do sudoeste (Foto 25) e, curta, desce por três grandes degraus a uma plataforma inferior [2] (Foto 26). Do lado direito de quem descia ficava o compartimento [3], que, por sua vez, dava acesso, como dissemos, a [4]. A parede ocidental destas divisões ruiu e desapareceu por completo. Mas, tendo em atenção o declive da rocha, não é muito aventureira a reconstituição que fazemos do alinhamento dessa parede desaparecida nem infundada a suspeita de que, por este lado, não haveria mais do que estas divisões.

Foto 26 – Pormenores da plataforma [2].

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A partir da plataforma [2], alguns degraus talhados na rocha sobem a um plano que designámos por Plataforma Superior (Vid. adiante Fig. 8). O contorno desta é irregular, mas alguns troços de muros mal conservados (sobretudo do lado norte) deixam-nos pensar que a toda a volta corria uma espécie de parapeito (Foto 27).

Foto 27 – Troço de muro que delimita o exterior da Plataforma Superior.

Do lado sudeste, a esquina forte e alta do edifício principal constituía o limite desta plataforma. Do lado oriental, um robusto paredão que desenha, na sua face ocidental, um ângulo obtuso, impedia, como vimos, qualquer acesso directo da Plataforma Superior à passagem em frente das divisões [Q] a [T]. Perpendicular a este paredão, uma parede parece indicar simples telheiro e não propriamente um compartimento. Nesta plataforma, J. Wahl identificou alguns muros de espaços cobertos que designou com as letras [M] a [P]. Se bem que o nosso levantamento tenha corrigido o de Wahl, os muros que se conservam não permitem nenhuma interpretação funcional do que aqui terá existido. Seriam ainda alojamentos de criados? Ou armazéns? Ou espaços para actividades artesanais? A profunda ruína de uma área que encontrámos já escavada em 1997 e a ausência de qualquer relatório não nos consentem nenhuma proposta minimamente fundamentada quanto a esta plataforma. Voltando ao patamar [2], descia-se daqui a um plano no qual a escavação, infelizmente, ficou incompleta, pois a subida das águas da barragem impediu a continuação dos trabalhos. Temos de lamentar não ter sido possível concluir a escavação da Plataforma Noroeste Inferior (Vid. adiante Fig. 8), onde se registou maior número de fases de ocupação (Foto 28). Situadas à cota de 111-112m, as estruturas descobertas ficam muito próximas da linha de 110m que considerámos como limite provável da área edificada do Castelo da Lousa. Abaixo dessa cota poderia correrse o risco de inundações. Assim, talvez a ocupação da Plataforma Noroeste Inferior não tenha ultrapassado muito, para norte, o limite da área escavada. Por outro lado, o modelado natural do terreno deixa pensar que essa ocupação também não se terá estendido muito mais para oriente e sul. Para ocidente, porém, podemos admitir estruturas que terão ficado por escavar. Na própria área escavada, não foi possível aprofundar sempre até ao nível do solo virgem.

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Foto 28 – Escavação em área na Plataforma Noroeste Inferior, onde se detectaram diversas fases de ocupação1.

Recolheram-se, nesta área, materiais líticos e cerâmicas manuais aparentemente pré-históricos, mas não se observaram vestígios de estruturas construídas da mesma época. Ficamos na dúvida sobre a cronologia, natureza e dimensão da suposta ocupação pré-histórica (Cap. 7.10). A sobreposição de muros e a observação estratigráfica permitiu-nos distinguir quatro fases de ocupação romana – ainda que todas elas integráveis no horizonte cronológico do próprio castelo (Vid. adiante Fig. 11) (Desenhos 10 e 11 – Anexo I). Mas essa mesma observação estratigráfica, conjugada com a análise de materiais, não permite uma datação fina. A destruição, mais ou menos extensa, de uns níveis por outros subsequentes e a erosão que a área sofreu (em parte provavelmente devida a cheias do Guadiana que, ao longo de dois milénios, terão atingido esta plataforma) explicam a dificuldade que sentimos na reconstituição planimétrica dos conjuntos sucessivamente edificados e na determinação cronológica exacta das várias fases. Um muro em L é tudo quanto ficou da fase I. Mais numerosas são as paredes da fase II. Nesta, a planimetria dos muros revela uma considerável regularidade. Se não conseguimos reconstituir o traçado original, parece-nos que terão existido pelo menos dois edifícios independentes. À mesma fase deve atribuir-se um forno que, pela sua forma e dimensões, terá servido para cozedura de louça doméstica. Algumas peças de cerâmica comum achadas em diversos pontos do castelo, defeituosas por excesso de calor da cozedura, harmonizam-se com a hipótese de ter sido cozida louça neste forno. Talvez uma destas fases se possa correlacionar com a própria construção do Castelo da Lousa. Com efeito, parece-nos lógico admitir uma instalação provisória para os trabalhadores que edificaram o castelo e para quem orientava a construção. Mas se esta hipótese parece legítima, temos dificuldade em identificar tal instalação provisória: corresponderá à fase I ou à fase II? O achado de alguns fragmentos de cerâmica cam-

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A area de prensagem foi removida do local original para possibilitar o prosseguimento dos trabalhos.

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paniense e de cerâmica de paredes finas republicana muito antiga em níveis associados à fase I inclina-nos para a primeira hipótese. Mas essa mesma cerâmica sugere também que aqui residiria quem orientava a obra (ou o dono dela) e não os trabalhadores – os quais poderiam alojar-se em choças. Por outro lado, a aparente precariedade do que foi edificado na Fase I sugere também uma instalação algo provisória. Na fase III, demolidas as anteriores construções, cujos muros nem sequer foram aproveitados como alicerces, ergueram-se novos edifícios. No compartimento [28], uma pedra de xisto parece corresponder a uma área de prensagem, pelo que, nesta fase, funcionaria aqui um torcular. A existência de uma fase IV que representamos no Desenho 11 (Anexo I), é algo duvidosa, visto que só identificámos um muro, sobreposto a um outro da fase III. Se a sobreposição é manifesta, a existência de um muro só (e reduzido) não sustenta firmemente a hipótese de uma quarta fase de ocupação romana. Como adiante veremos, há na Plataforma Nordeste indícios de uma eventual ocupação medieval. Poderá a fase IV atribuir-se a esses tempos? Os muros que no mesmo desenho atribuímos a fase indeterminada devem, provavelmente, integrarse na fase II ou III. Dois desses muros parecem, aliás, corresponder apenas aos lados de uma escadaria que, talhada na rocha, desce em diversos lanços até à Plataforma Noroeste Inferior. É possível que, sensivelmente neste lugar, tenha havido também uma ponte de madeira sobre o ribeiro. Antes de abandonarmos os trabalhos, forçados pela subida de nível das águas da albufeira, abrimos ainda algumas valas na Plataforma Norte Inferior (Vid. adiante Fig. 8). Se as que foram escavadas abaixo da cota dos 110m não revelaram quaisquer vestígios, nas três que foram abertas acima dessa cota encontrámos muros, todos, curiosamente, com a mesma orientação. Há-de ter havido, aqui, mais construções. A intervenção foi, porém, insuficiente para podermos julgar se se trata de área habitacional ou de armazéns. Tendo em atenção a proximidade do rio (por onde chegaria o abastecimento de ânforas), a existência de armazéns nesta plataforma parece viável. Nem as prospecções geofísicas realizadas nem a atenta observação da margem do rio permitiram detectar o que provavelmente terá existido: um cais. É possível, porém, que este tenha sido uma estrutura de madeira. As construções que ocuparam a Plataforma Nordeste (Vid. adiante Fig. 8) (Desenho 12 - Anexo I) acharam-se em tal estado de ruína que não se nos afigura possível reconstituir uma planta verosímil. Os muros estavam quase à superfície e a espessura da terra sobre o substrato rochoso era mínima (Foto 29).

Foto 29 – Vista geral dos trabalhos realizados na Plataforma Nordeste.

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Aqui encontraram-se seis inumações. O estudo antropológico, feito por Ana Luísa Santos e Paula Tavares (do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra), foi prejudicado pelo péssimo estado dos restos osteológicos e dentários. A diagnose sexual foi inviável e a determinação das idades à morte, pouco rigorosa. Ainda assim, foi possível reconhecer duas crianças, uma com a idade mínima de 4 anos e outra com máxima de 12, e dois adultos (Cap. 10). Uma análise por radiocarbono proporcionou uma datação de 1260 a 1380 AD (com calibração a 2 sigma). É provável, pois, que no Castelo da Lousa tenha habitado alguma família entre aquelas datas. Mas se ela pode ter residido nesta plataforma, não nos parece que possam atribuir-se à época medieval os (ou todos os) muros da Plataforma Nordeste. Por outro lado, não foram recolhidos nesta plataforma (nem em qualquer outro sítio do Castelo da Lousa) cerâmicas seguramente medievais. Uma estrutura circular, com cerca de 2m de diâmetro, constituída por dois níveis sobrepostos (o inferior, de argila; o superior, de seixos do rio) parece ser vestígio de forno. Achando-se esses níveis à cota do que seria o pavimento do sector, não nos parece que possa ter servido de forno de pão, como o que encontrámos na Plataforma Noroeste. Mas também não tem estrutura que nos leve a identificá-lo como forno para cozedura de cerâmica. 4) CONCLUSÃO Dada a incerteza sobre a função da maior parte dos compartimentos do conjunto edificado do Castelo da Lousa, são inseguras quaisquer propostas sobre o número dos habitantes. O cálculo, em metros quadrados, da área coberta e a sua divisão por 4,5 ou 10 (4,5 ou 10m2 têm sido propostos como área média por habitante ou ocupante, vid. HASSAN, 1982: 231-234) não nos parecem muito seguros – e a aplicação destes parâmetros conduzir-nos-ia, aliás, a uma estimativa que oscilaria entre n e o dobro de n. Apesar de tudo, e excluindo o edifício central, atrevemo-nos a pensar que os moradores não excederiam 30 ou 40. Assumimos, porém, que não eram destinados a habitação: o edifício cujos compartimentos designámos pelas letras [U] a [X]; o conjunto da Plataforma Noroeste na sua primeira fase; o da Plataforma Noroeste Inferior; e o que se não pôde escavar na Plataforma Norte Inferior. Quanto a esta última área, vimos que poderiam ter existido aí, junto ao rio, armazéns. Na hipótese de esta área ter sido também habitacional, o número de moradores poderia eventualmente quase duplicar. Se considerarmos que o Castelo da Lousa correspondia a um posto militar e que, no edifício central, se alojava uma guarnição de cerca de 24 homens (como propôs M.ª Paz García-Bellido), que faremos dos ocupantes da parte mais modesta do conjunto edificado? Tropas indígenas? A hipótese de nesta parte mais modesta ficarem alojadas os soldados romanos e de o edifício central ser a residência do comandante parece-nos pouco sensata. Se a arquitectura tem significado social, o aparato deste edifício e a modéstia do conjunto que ele domina devem corresponder a considerável diferença e distância de estatuto entre os ocupantes daquele e os moradores deste último. Ora o comandante de uma pequena guarnição que não compreenderia 100 militares não estaria, socialmente, em plano tão superior ao dos seus soldados que pudesse ter residido em edifício tão acima, pelo mérito arquitectónico, das “casernas” das suas tropas. E não queremos argumentar com a irregularidade planimétrica do hipotético quartel dos soldados – pois não devemos imaginar os alojamentos de soldados romanos dos meados do séc. I a.C. com a regularidade que depois encontraremos nos acampamentos ou fortes de época imperial.

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Se, pelo contrário, imaginamos o Castelo da Lousa como villa de um colono que tinha os seus criados instalados na parte mais modesta do conjunto edificado, a diferença arquitectónica ganha sentido (ou tem explicação). Regressamos, assim, à proposta primeiramente apresentada por J. Wahl: o Castelo da Lousa seria “casa agrícola fortificada”. Mas, como anteriormente afirmámos, a pobreza dos solos, nesta área, não justificaria um estabelecimento agro-pecuário, cujo rendimento previsível seria escasso. Teremos, de facto, um colono que, embora explorando um fundus, estaria todavia mais interessado (e ocupado) no comércio? O elevado número de ânforas não contraria a hipótese. Mas será que o suposto colono só negociaria vinhos e outros produtos alimentares que poderiam vir nas ânforas? A hipótese de negociar também com cerâmicas importadas parece contraditada pelo reduzido número de peças de cerâmica campaniense, sigilata e cerâmica de paredes finas. Por vezes, há que saber ignorar. A dúvida sobre a função do Castelo da Lousa poderá vir a ser um dia esclarecida. Mas o esclarecimento parece exigir, como anteriormente dissemos, mais profundo conhecimento do contexto histórico regional. Por enquanto, o Castelo da Lousa está demasiadamente só ou é demasiadamente singular para podermos interpretá-lo com segurança. A descrição aqui feita e a análise da estratigrafia que no próximo capítulo apresentamos reduziramse ao que nos parece essencial. A ilustração (plantas, cortes e fotografias) foi também severamente seleccionada. A EDIA ficará depositária de toda a documentação produzida em termos de relatórios de trabalhos de campo, desenhos e fotografias. Poderão recorrer a ela os que julgarem útil ou necessário aprofundar o estudo de um sítio de que tratamos num volume quando, sobre ele, e sem restrições financeiras condicionantes da publicação, se poderiam apresentar vários tomos.

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Castelo da Lousa–Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002 Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho, Ana Gonçalves (Coord.)

PORTADA STVDIA LUSITANA:Maquetación 1

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Castelo da Lousa–Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002 Jorge de Alarcão, Pedro C. Carvalho, Ana Gonçalves (Coord.)

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