A arquitetura de Sérgio Bernardes no cenário dos governos brasileiros de 1964 a 1985.

July 18, 2017 | Autor: Taísa Andrade | Categoria: Arquitetura Brasileira, Arquitetos
Share Embed


Descrição do Produto

A arquitetura de Sérgio Bernardes no cenário dos governos brasileiros de 1964 a 1985.

Taísa de Andrade12

“Sérgio não estava atrelado ao pensamento dominante da esquerda da época. Era um arquiteto independente e com uma visão clara de seu país. Democrata convicto, suas propostas tinham endereço certo, qual seja a de produzir melhoria na qualidade de vida do brasileiro. Exerceu sua arquitetura com sinceridade e dedicação. O que diferenciava o arquiteto Sérgio Bernardes é que foi capaz de produzir arquitetura com muita inventividade e acima de tudo com enorme bom humor.”3

Sérgio Bernarde, arquiteto modernista, é tomado nesta breve análise como um agente atuante no cenário político dos governos militares. Até meados da década de 60, sua obra é designada, de forma geral, ao tema da residência unifamiliar. A partir de então sua arquitetura é fortemente influenciada pelos seus ideais humanistas e, como democrata nem de esquerda e nem de direita, ele passa a direcionar seu trabalho a obras de carater institucional. Através de alguns projetos arquiteônicos de Sérgio, executados ou não, aborda-se então a relação intrínseca dos governos da ditadura com o objeto arquitetônico como forma de legitimação de seu poder. Contexto: o cenário dos governos de 1964 a 1985 Na ocasião da derrubada do governo de Jango o país atravessava uma intensa crise política e econômica. Para a população brasileira ou parte dela, a ameaça comunista justificava uma ação militar como medida para o ideal de paz e ordem estabelecer-se de forma definitiva. Junto a esta ordem viria o equilíbio econômico. Em inúmeras esferas da sociedade, a população precisava sentir-se segura. Segura em relação à ameaça comunista, segura em relação às ocilações de mercado, segura quanto ao suprimento se suas necessidades básicas como educação, saúde e moradia. Em

um

primeiro

momento

estabeleceram-se

as

políticas

de

1 Taísa de Andrade é acadêmica de arquitetura do 8º semestre da Faculdade de Arquitetura da UFRGS.

2 Artigo produzido para a disciplina de Planejamento e Gestão Urbana da Faculdade de Arquitetura da UFRGS sob orientação da professora Wrana Panizzi em abril de 2015. 3 Antonio Claudio Pinto da Fonseca é arquiteto, professor das Faculdades de Arquitetura de Santos e Mackenzie

1

Castelo Branco de corte de gastos através de uma reforma tributária (1966). Privou-se a população de investimentos nos setores básicos que a privilegiasse. Na sequência, os militares ampliaram o controle do Estado sobre a economia e como promessa havia a perspectiva de um país solidamente desenvolvido para daí as benesses voltarem-se à população. Os brasileiros assim seguiam a esperar. De fato, o país estabeleceu suas contas mesmo que com o incentivo Norte Americano. Dentre as políticas reformistas está, por exemplo, no setor habitacional, a criação do BNH cujo conceito embasador está calcado em experimentos e modelos dos governs getulistas na tenetativa de promover uma política habitacional através da FCP (Fundação da Casa Popular). Enquanto o país caminhava para o “milagre econômico” com um crescimento do PIB entre 1967 e 1973 de cerca de 10,2% ao ano, a população de assalariados experimentou o que chamou-se de arrocho salarial. Embora houvesse o arrocho e intensa desigualdade, a média da renda dos brasileiro aumentou neste período. A conjuntura onde o milagre econômico teve seu ápice foi a mesma em que os governos foram mais centralizadores de seu poder e, assim, mais autoritários. O “milagre” ajudou, no entanto, os governos militares a legitimizare-se. “Com a economia internacional em expansão, os resultados apareceram logo. O aumento da renda fez explodir o consumo, e com ele a popularidade do governo. Entre 1968 e 1973, o número de domicílios com televisão e um automóvel na garagem mais do que duplicou. Em 1970, uma de cada quatro famílias brasileiras tinha um aparelho paraassistir em casa à vitória do Brasil na Copa do Mundo.4

Para os críticos o modelo econômico adotado neste período intensificava a desigualdade na medida em que promovia uma distribuição de renda desigual. O economista americano Albert Fishlow em 1972, através de um artigo, aponta o arrocho salarial como a principal medida responsável pela distância entre pobres e ricos. Já para Delfim Neto, o então Ministro da Fazenda entre 1967 e 1974, o que justifica a “distância entre as pessoas” no período é a inserção de uma parcela nova da população no mercado de trabalho. A população já estabelecida no mercado melhorára suas rendas significativamente enquanto esta nova parcela inseria-se no início do ciclo. É bem provável que Delfim estivesse considerando aquela massa populacional vinda de setores rurais. Já para o economista Carlos Langoni havia o problema dos níveis de escolaridade da força de trabalho brasileira que eram muito baixos.

4 Folha de São Paulo: tudo sobre a ditadura: http://goo.gl/jQkjXZ acesso dia 24/04/2015 às 22:41 2

“Embora os estudos dele recomendassem investimentos maciços em educação básica, os militares se preocuparam mais em combater o analfabetismo e dar atenção às universidades, onde estudantes e professores eram fontes permanentes de contestação ao regime. Foi preciso esperar a volta da democracia para que o problema fosse atacado e os níveis de escolaridade da população melhorassem de forma 5 significativa.”

O cenário econômico modifica-se a partir de 1973 com a crise internacional do petróleo que eleva drasticamente o preço do barril. Naquele contexto, o Brasil importava 70% do petróleo levando o país a uma crise de energia. Assim, o país já no governo Geisel, aposta em uma medida arriscada para contornar a crise. Através do ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, opta-se pela captação de recursos financeiros externos para desenvolver a indústria e assim, promover a economia e manter a classe assalariada atendida. Com isso moderniza-se a indústria interna diminuindo a dependência da indústria internacional. O Brasil passa agora a fabricar máquinas e insumos básicos. É neste contexto que as grandes obras de empresas estatais são promovidas tais como a Hidrelétrica de Itaipu, o programa nuclear brasileiro, a Ferrovia do Aço, a rodovia Transamazônica, etc. Para reestabelecer a força do governo mediante a população, é promovida uma redistribuição de renda de forma indireta através de políticas sociais. Dentre elas insere-se o Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos. O programa designado como PNCSU foi implantado de 1975 a 1984. Tem como prerrogativa o repasse de renda através de equipamentos públicos e urbanos que atendessem uma gama de funções que privilegiasse a população. Um número de 500 unidades a serem espalhadas por todo o território brasileiro era a meta. Cerca de 90% foi construído pelos município seguindo uma cartilha de recomendações bastante específica desenvolvida pelos tecnocratas do governo. Para que um município pudesse receber a verba para construir uma unidade de PNCSU, deveria ter uma lista de pré requisitos atendidas. Muitos desses centros foram sucateados e por isso seu insucesso. O programa promovia os equipamentos como solução de problemas sociais em detrimento de promover os serviços ali preconizados. Daí sua falha, pois desta forma espaços eram construídos sem prever pessoal que atuasse nos serviços. O programa afirma a legitimação do poder neste período através das grandes obras como se estivesse no objeto do edifício construído no espaço urbano a solução para os inúmeros problemas de ordem social. Geisel no entanto, considerava que era necessário encerrar o 5 Folha de São Paulo: tudo sobre a ditadura: http://goo.gl/u1XfQ0 acesso dia 24/04/2015 às 22:41 3

envolvimento dos militares com a política. Sua preocupação estava agora direcionada a novos bolsões radicais do exército que haviam entrado em cena e que intensificavam a atuação repressora. Para tanto, Geisel compromete-se através do famoso discurso “Lenta, gradativa e segura distensão”. O objetivo da medida era conter o desgaste das Forças Armadas promovido por uma ruptura interna e evitar que o poder retornasse a civís. Os acontecimentos subsequentes não supriram a expectativa de Geisel na medida em que o movimento democrático crescia através do MDB, único partido de oposição autorizado a atuar depois de 1964.

A obra de Sérgio Bernardes a partir da ruptura de 64. Com o cenário onde o arquiteto Sérgio Bernardes atua no período das ditaduras militares brevemente descrito, é possível uma compreensão mais abrangente de sua obra onde dispensa-se uma análise estrita do ponto de vista da forma arquitetônica. Sérgio Bernardes nasce em 1919 e atua desde a década de 40 como arquiteto. Está enquadrado no que se chama 'uma segunda geração modernista carioca'. Sua geração é posterior à da de Lúcio Costa e expressa uma arquitetura de carater formalista. A naturesa sempre foi protagonista em sua obra. Um arquiteto que valoriza a paisagem e a sustentabilidade. Ele tem uma larga produção no tema residencial elaborando o objeto arquitetônico sempre do interior para o exterior. Sérgio parece viver no fluxo tal qual seu país. Em finais da década de 50 até meados dos anos 60, quando o Brasil se vê em uma forte crise, sua vida pessoal também vivencia uma crise de valores. Em uma ocasião onde viaja para contatar novas tecnologias e novas formas de ver a arquitetura, encontra Buckminster Fuller. O princípio geral de Fuller soou como música aos ouvidos de Bernardes: “alcançar a melhora do ser humano através de mudanças no meio ambiente e não no homem em si”. Sua visão de mundo torna-se intensamente idealizada no humanismo e no valor do homem em seu ambiente social. Sérgio vê nos governos subsequentes oportunidades de pôr suas ideias em prática não havendo nenhuma recusa em estabelecer uma relação com as políticas autoritaristas. Era como se ele quisesse estar para o Estado assim como Oscar Nyemeier esteve para Jucelino. Ele quis promover um bem social através da arquitetura e o cenário era um único possível, era o cenário das políticas das ditaduras militares. Assim, Sérgio tem encomendado no governo de Médici o projeto do Mastro da Bandeira contíguo à Praça dos Três Poderes em Brasília construído em 1972. Repleto de simbologia, foi projetado para afirmar o diálogo e convergência de todas as unidades 4

federativas. “O diálogo é representado pela disposição, em círculo, das hastes metálicas que o compõem. A convergência é representada pelo feixe de hastes que, nascendo do cerrado agreste, avança para o infinito do céu, no símbolo único da bandeira.”6

FOTO: Autor desconhecido. Disponível em Acesso: 25/04/2015

Esta foi uma obra que evidenciou claramente a atuação de um governo centralizador demonstrando que todos os Estados da Federação convergem para o alto onde estabelece-se a soberania do poder. Bernardes embora denotado como politicamente neutro, tomou a tarefa de desenhar o monumento cujo intuito era afirmar o poder e soberania de um governo ditatorial sobre as unidades federativas. Já o Mausoléu Castelo Branco, projetado por Bernardes e inaugurado em 1972 faz uma homenagem ao presidente do golpe militar. Foi construído em Fortaleza logo após o falecimento do político homenageado. A obra chama a atenção pelo balanço de 30 metros elevado sobre um espelho d`água e com seu entorno pavimentado com dormentes.

6 Secretaria de Estado e Cultura do Distrito Federal: http://www.cultura.df.gov.br/mastro-e-pavilhao-nacional.html acesso 25/04/2015 às 19:32 5

Mausoléu Castelo Branco. FOTO: José Alberto Cabral

“A concepção do projeto...leva-me a crer que Sérgio Bernandes buscou incorporar a perspicácia de um dos militares que mais se destacaram no cenário nacional. Além disso, a construção arrebata o observador com a lembrança de um dos comandantes da nação, ainda que em período da Ditadura. O tipo, no que se refere a uma obra arrojada, busca comunicar uma linguagem arquitetônica irônica. Sua intenção, particularmente, exprime o conceito de poder e robustêz dignos de um Mausoléu para um Marechal. Isso ressalta a idéia arqueótipa formando a idéia inteligível consciente ou inconsciente para cada observador. Através da sua essência, Bernardes transforma isso em uma elegante estrutura de 30 metros em balanço que intriga qualquer observador por mais entendido no assunto que seja.”7

É atribuida a toda a obra de Sèrgio Bernardes um evidente refinamento estético. Ao contextualizar sua produção no período a partir da década de 60 do século XX no ambito político, é possível estabelecer então o caráter dos governos militares quanto à 7 Rafael Fernando Giaretta, Estudante de Arquitetura e Urbanismo na UFSC, gerente do Portal Arquitetônico FONTE: http://portalarquitetonico.com.br/o-mausoleu-castelo-branco/ acesso 26/04/2015 às 20:30 6

legitimação de seu poder através da arquitetura, das obras grandiosas. Para Bernardes as encomendas do governo eram oportunidades de promover a arquitetura e imprimir seu ideal estético. Esta atuação o fez estigmatizado como um arquiteto que se valeu da promoção de um governo opressor e cabe nisso sua maior contradição. Em ocasião de ter uma obra criticada, mais precisamente o projeto de sua casa onde construiu pequenas fenestrações nos dormitórios, cuja parede de pedra voltava-se para a paisagem vasta do mar, ele rebate:

“Não fiz com essa intenção militar. Eu fiz com a intenção de fazer um muro de pedra e botar uma janelinha para você poder ter o foco através de cada uma das janelas, eram quatro janelas basicamente, e essas quatro janelas davam para posições focais que eu queria que meus meninos vissem. (...) Isso é que eu quis fazer. (...) Quando você tem uma vista muito ampla é bonito você dar um foco só. Essas fenestrações são umas frestas de luz que entram e dão uma luminosidade extremamente mística no interior, não abre no exagero de luminosidade”8

Ao avaliar uma personalidade tão sensivelmente e intrinsecamente relacionada a seu tempo, deve-se ter cautela ao reduzir sua obra a um paradigma político direitista tão somente. Sérgio Bernardes pretende-se um inventor social ao idealizar cidades inteligentes e grandes soluções para as metrópolis e sua população. O ideal estético é, certamente, anterior a qualquer ideal político.

8 BERNARDES, Sergio. Depoimento concedido a João Pedro Backheuser em 03/01/1997. 7

Bibliografia:

BORBA, Sheila Villanova (1991); A Produção de Equipamentos Urbanos como alternativa de política social-O Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos. Revista Ensaios FEE, V. 12, N.2. Disponível em

CAVALCANTI,Lauro (2009); A importância de Sér(gio) Bernardes. Revista Vitruvius. Disponível em Acesso: 23/04/2015.

VIEIRA, Monica Paciello (2007); A provocação sensorial na arquitetura de Sèrgio Bernardes. Revista Vitruvius. Disponível em Acesso: 23/04/2015

GIARETTA, Rafael Fernando (1912); O Mausoléo Castelo Branco. Disponível em Acesso: 26/04/2015

FRACALOSSI, Igor (2013); Clássicos da Arquitetura: Palácio da Abolição/Sérgio Bernardes. Archdaily. Disponível em Acesso: 25/04/2015

FONSECA, Antônio Cláudio (2002); Um breve olhar sobre o arquiteto Sérgio Bernardes. Revista Vitruvius. Disponível em Acesso: 26/04/2015

BALTHAZAR, Ricardo et al (2014); O Golpe e a Ditadura Militar. Jornal A Folha de São Paulo. Disponível em Acesso: 22/04/2015 8

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.