A Arte de Ensinar dos Orientais

June 6, 2017 | Autor: André Bueno | Categoria: Education, Teaching History, History Teaching, Orientalism, Teaching & Learning of History
Share Embed


Descrição do Produto

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

A ARTE DE ENSINAR DOS ORIENTAIS André Bueno

Antes de começar, já faço aquela velha ressalva: não gosto de usar o termo ‘Oriental’ para definir a vasta Ásia como se fosse uma coisa só. Mas eu também não gosto de títulos enormes, que tentam explicar tudo e acabam ficando com mais de três linhas. Usei o termo ‘Orientais’ para convocar o leitor. O que faremos aqui, nesse breve texto, é uma rápida visita a três formas de pensar o ato de educar nesse amplo e tão multifacetado ‘Oriente’. Colhemos três experiências distintas: uma da Índia, uma da China e uma do Sufismo Turco medieval, que apresentaremos de forma comentada. E o que poderia nos interessar ler sobre três fragmentos tão antigos, distantes quase três mil anos no tempo, como no caso de Indianos e Chineses? Como exercício sobre a História do Ensino, isso já valeria uma olhadela. Mas devemos fazer uma consideração mais profunda: estamos falando de três modos de pensar a educação que são

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

milenares, e que continuam a existir. Talvez nenhuma teoria ou sistema educacional ocidental tenha alcançado tanto sucesso e tanta durabilidade. O Confucionismo, por exemplo, inspira até os dias de hoje o funcionamento da educação chinesa, no que concerne aos seus principais valores e princípios. Alguém pode objetar: são teorias milenares, mas e daí? Ser tradicional não significa necessariamente ser bom. O fato de essas propostas educacionais continuarem a existir pode significar que essas civilizações são antiquadas, reacionárias e atrasadas. Afinal, Aristóteles não salvou a Grécia do caos econômico – e são poucos os que se atrevem a citar Aristóteles numa conversa contemporânea. Só que a questão se complica quando olhamos para a China, a Índia e a Turquia de hoje: civilizações poderosas, desenvolvidas, cujas culturas milenares alicerçam um desenvolvimento econômico e político renovado, que resistiu e superou as mais duras crises em suas histórias. Talvez, por isso, seria interessante tentar entender o que foi tão bem sucedido em suas histórias educacionais. Outra questão será considerada aqui: por se tratar de um texto aberto ao debate, não nos ateremos exaustivamente às origens históricas de cada fragmento. Isso seria um trabalho demasiadamente longo, e que não daria conta de cobrir todas as possibilidades de abordagem existentes. O que buscaremos, pois, é discutir o que de ‘atual’ essas teorias poderiam nos apresentar, revelando-nos o quanto os antigos ‘orientais’ já sabiam sobre o ato de ensinar e aprender. Conselhos a um estudante no Taittiriya Upanishad A um Estudante Leigo; Permiti que vossa conduta seja marcada pela ação correta, inclusive o vosso estudo e o ensinamento das escrituras; através da verdade na palavra, na ação e no pensamento; através da auto-abnegação e da prática da austeridade; através do equilíbrio e do autocontrole; através da execução das tarefas diárias da vida com um coração alegre e uma mente desapegada. Falai a verdade. Cumpri vosso dever. Não negligencieis o estudo das escrituras.

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

Não interrompais a linha da descendência. Não vos desvieis do caminho do bem. Reverenciai a grandeza. Permiti que vossa mãe seja um deus para vós; permiti que vosso pai seja um deus para vós; permiti que vosso mestre seja um deus para vós; permiti que vosso hóspede também seja um deus para vós. Executai somente ações irrepreensíveis. Mostrai sempre respeito pelos grandes. Qualquer coisa que deis aos outros, dai-a com amor e respeito. Presentes devem ser dados em abundância, com alegria, humildade e compaixão. Se em qualquer ocasião houver qualquer dúvida com relação à conduta correta, segui a prática das grandes almas, que são sinceras, possuem bom julgamento e são dedicadas a verdade. Conduzi-vos sempre assim. Este é o preceito, esse é o ensinamento, e essa é a ordem das escrituras. Em algum momento entre os séculos 8 a 6 AEC, os indianos estavam revisando toda a sua literatura religiosa, contestando-a, discutindo e aprofundando suas investigações metafísicas. Desse movimento emergiriam os Upanishads, vasto conjunto de textos que buscava apresentar as elaborações filosóficas dos pensadores hindus. Essa questão era fundamental para a continuidade de sua civilização: os indianos conseguiram habilmente, ao longo dos séculos, substituir a preocupação com o registro histórico dos eventos pela manutenção dos princípios religiosos e devocionais. A Índia é uma civilização construída pelos seus valores espirituais, que se mantêm os mesmos desde a sua mais remonta antiguidade. Disso resultou a dificuldade perene que temos em estudar a história da Índia pelo viés ‘ocidental’: sem a arqueologia, seria praticamente impossível saber o que, quando ou onde aconteceu alguma coisa. Isso pouco importava, porém, no senso indiano tradicional. O fundamental era a fazer viver a tradição, os valores que agregavam a existência da sociedade. Isso fez com que os indianos conseguissem uma unidade surpreendente de redação em seus textos fundadores, largamente difundidos por meios orais antes de serem fixados pela escrita. E os Upanishads

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

sintetizavam muito dessa busca de uma unidade no pensamento indiano. Bem, e o que lemos no Taittiriya Upanishad de relevante para nosso pequeno estudo? Nesse trecho, apresentam-se conselhos para um aprendizado ideal do saber. Se hoje eles nos parecem óbvios, devemos ter em mente que eles foram escritos há praticamente três mil anos atrás. Os redatores do texto já estavam preocupados em tornar a aprendizagem uma atividade sagrada, regida por valores éticos claros e definidos. O momento educativo não importava, somente, a aprendizagem dos textos, mas todo um conjunto de valores que abrangiam a família, os mestres e a vida em sociedade. A experiência indiana, pode-se dizer, transformou a educação numa atividade espiritualizada. Obviamente, ela estava imbuída da necessidade de manter os princípios sagrados do ‘Sanatana Dharma’ [nome indiano para o que chamamos de ‘Hinduísmo’], tornando-se igualmente um processo de intenso mergulho nas concepções religiosas presentes na cultura da Índia Antiga. No entanto, é a sua prática que aqui nos interessa: o estudante era levado a experiências diversas de aprendizagem, tanto no domínio dos textos, da escrita, como de atividades físicas e mentais, tais como a meditação, que faziam toda a diferença em seu desenvolvimento. A ênfase no autocontrole, na conduta correta, no desprendimento, e na ação calma e raciocinada constituía o alicerce de um bom aprendizado. Isso orientava os pais a cuidar do comportamento de seus filhos, bem como incutia o respeito nos alunos por seus professores. Os exercícios físico-espirituais davam um contributo significativo à questão da disciplina. Experiências levadas a cabo, no Brasil, mostram que a meditação pode contribuir significativamente para a melhoria da qualidade de vida dentro da escola, tanto para docentes quanto discentes.1 Os métodos apresentados nesse fragmento podem ser criticados por serem fortemente marcados pela questão religiosa, que permeia o cerne do pensamento indiano. Todavia, foi essa mesma postura que Veja Revista da Educação, n.221; revista Mente e Cérebro Julho/2015 e a reportagem sobre as escolas públicas, no estado do Espírito Santo, que usam a meditação: http://g1.globo.com/espirito-santo/educacao/noticia/2015/09/meditacao-e-usadacomo-aliada-no-ensino-nas-escolas-estaduais-do-es.html 1

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

conseguiu transformar a Índia de Gandhi [1869 -1948] na primeira nação a obter sua independência pós-colonial por meio de um movimento pacífico. Essa ação espiritualizada inspirou o pastor Martin Luther King [1929-1968] a realizar um processo de resistência semelhante nos Estados Unidos, quando da luta pelos direitos civis. No Brasil atual, está em curso um processo de discussão sobre a presença da religiosidade dentro da escola. Assim sendo, a experiência indiana nos mostra que, se estamos a falar de um ensino espiritualizado, que ensine valores éticos e preza pela coexistência pacífica, pelo respeito ao próximo e pela difusão de um sentimento saudável de amor ao próximo, então, a religiosidade não seria um problema. Contudo, muitas das visões exclusivistas envolvidas nesse processo propõem justamente o contrário: a incitação ao ódio, ao preconceito e ao obscurantismo, que só exacerbam as tensões sociais, levando a exclusão e ao desrespeito humano. Quando isso acontece, os pilares básicos da aprendizagem são enfraquecidos na nascente, e fenece inexoravelmente o projeto de continuidade de uma civilização. O Bom Educador no Liji [Registros Culturais] Ao ensinar, o homem superior orienta seus discípulos sem arrastá-los; convida-os a avançar, mas não os coage; abre-lhes os caminhos, mas não os força a caminhar. Orientando sem arrastar, torna o aprendizado agradável; convidando sem coagir, torna o aprendizado fácil; abrindo o caminho sem forçar à caminhada, faz com que os alunos pensem por si mesmos. Ora, uma pessoa que torna agradável e fácil o aprendizado e faz com que os estudantes pensem por si mesmos será o que se pode chamar um bom mestre. Há na educação quatro inconvenientes muito comuns, contra os quais deve precaver-se o professor. Certos estudantes procuram aprender demais ou demasiados assuntos, outros aprendem pouco ou poucos assuntos, alguns aprendem com demasiada facilidade, outros facilmente perdem o ânimo. Essas coisas demonstram que os

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

indivíduos diferem quanto aos dotes mentais, e só mediante o conhecimento desses dotes o professor poderá corrigir as respectivas falhas: o professor não é senão alguém que faz por incrementar o que há de bom e remediar o que há de mau em seus pupilos. Um bom cantor leva os circunstantes a seguirem- lhe o canto, um bom educador leva os circunstantes a seguirem-lhe o ideal: sua palavra é concisa, mas expressiva, ocasional, mas rica de sentido, e ele tem ainda a habilidade de esboçar engenhosos exemplos que o façam melhor compreendido pelos demais. Assim, pode-se dizer um bom educador aquele que faz com que outros lhe sigam o ideal. A educação chinesa é hoje reconhecida como uma das melhores do mundo. Ela consegue a façanha, no Brasil, de reunir positivamente as opiniões de grupos divergentes2, e tem alcançado os melhores resultados em testes internacionais promovidos para aferir a qualidade da educação ao redor do mundo. Não é exagero dizer que o fundamento da educação chinesa é milenar. Ela está calcada na disciplina, na dedicação e no empenho árduo. Os chineses da antiguidade tinham dois desafios pela frente, com os quais teriam que lidar pelo resto de suas vidas: cuidar de uma terra difícil para se alimentarem, e [quando podiam] aprender uma escrita ideográfica que tinha que ser praticada para sempre, exigindo um enorme esforço de memorização. Não que a vida dos chineses fosse simplesmente mais complicada ou mais fácil do que em outras partes do mundo: mas desde cedo eles aprenderam a valorizar o trabalho e o estudo, concomitantemente. Por essa razão, o trabalho do professor – que conjuga ambas as necessidades – é valorizado e destacado nessa sociedade. Somente em épocas difíceis na História Chinesa [como foi a Revolução Cultural de 1966], os professores foram desrespeitados e perseguidos. Na época, o regime político Maoísta apostava que para criar uma nova cultura, era http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/o-sistema-educacional-que-fez-da-chinauma-potencia/ e http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=4486 2

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

necessário eliminar os seus tradicionais transmissores [os professores]. O resultado foi o que se viu: fome, pestes e calamidades que pareciam não ter fim. A dignidade da docência foi recuperada, nos dias de hoje, a níveis que desconhecemos em nosso país. Para se ter uma ideia da valorização do estudo na China, é comum que os pais ofereceram dinheiro aos professores para que eles cobrem mais de seus filhos na escola. Sim, é isso mesmo: uma espécie de suborno passivo não para facilitar, mas para exigir empenho!3 Os chineses sabem que, sem esforço, não vamos a lugar nenhum. Era o que Confúcio já sabia ao resgatar esse fragmento que vimos há pouco. No século 6 AEC, o sábio mestre chinês estava preocupado em salvar a sua civilização de uma tremenda crise social e política pelo qual ela passava. Para ele, a solução seria recuperar o sistema educacional chinês, estimulando o pensamento e a consciência crítica. No livro Liji [Registros Culturais], Confúcio apresenta um capítulo inteiro dedicado à questão da Educação na China Antiga, propondo detalhes metodológicos e estruturais. Ali, já está presente a concepção do esforço e do aprendizado intensivo. Contudo, Confúcio sabia de outra coisa importante, que nos apresenta nesse trecho: apenas o estudo intenso e cansativo não torna ninguém melhor. É preciso reconhecer as aptidões e tendências dos alunos. É preciso fazer com que o caminho do estudo seja uma via de felicidade e auto-realização do ser humano. Sem isso, ela se torna apenas um preparador profissional. Confúcio defendia que a educação deveria proporcionar uma identificação libertadora: seus alunos eram estimulados a aprender artes diversas, de modo a se realizarem naquelas com as quais encontrassem maior afinidade. Por isso o mestre ideal dá o exemplo: ele conduz, não arrasta; ele chama, e não ordena; ele vivencia o que faz, e não faz apenas por dinheiro. A docência é a medicina preventiva da alma, cuidando da saúde plena do indivíduo por meio de sua preparação libertadora e consciente. Como dizia o próprio Confúcio: ‘encontre um trabalho que você gosta, e nunca precisará trabalhar’. Por essa razão, As implicações dessa prática podem ser vistas aqui: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,professor-chines-ganha-mais-queuma-maca,1557888 3

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

trabalhos como o recente livro de Amy Chua sobre a ‘Mãe Tigre’, que reprime os filhos a exaustão em busca de resultados, é uma excrescência, uma degradação do espírito tradicional de educação confucionista [ou mesmo, chinesa]. Os chineses sabiam – e sabem – que sem disciplina e dedicação, a educação não frutifica; mas estão a colher o resultado de realizarem suas aspirações pessoais, trazendo ao mundo artistas, músicos, intelectuais, cientistas; e todos eles prestam o seu tributo ao professor, esse pilar inexorável na sobrevivência da humanidade. Nasrudin Nasrudin estava sendo esperado em uma cidade. Praticamente toda a população estava reunida na praça para ver o Mullá falar. Nasrudin olhou para aquelas pessoas e perguntou: — Vocês sabem sobre o que vou falar hoje? Todos responderam ao mesmo tempo: — Não! — Se vocês não sabem o que eu vim falar, eu me retiro — e foi embora. Tempos depois a população conseguiu que Nasrudin voltasse à cidade para falar. Mas combinaram que se ele perguntasse novamente se sabiam o que ele ia falar, eles diriam que sim. Quando Nasrudin chegou, ele lhes perguntou novamente: — Vocês sabem sobre o que vou falar hoje? — Sim! Nasrudin disse então: — Se vocês já sabem, eu não preciso falar nada! — e se retirou. Conseguiram então que ele voltasse lá mais uma vez para falar. Dessa vez combinaram que metade diria que sim, e metade que não. Nasrudin então veio, e perguntou mais uma vez: — Vocês sabem sobre o que vou falar hoje? Metade gritou: Sim! E a outra metade: Não!

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

Nasrudin respondeu: — Muito bem. Então a metade que sabe ensina para a metade que não sabe — e se retirou. Nasrudin foi um sábio sufi do século 13 EC, que passou sua vida no que hoje é a Turquia. Seus ensinamentos destacam-se por uma ‘sabedoria oculta’: Nasrudin sempre se faz de idiota ou bobo em suas histórias, que contém um fundo moral e filosófico a ser desvendado. O objetivo era estimular a reflexão daquele que a lê, em busca de um sentido mais profundo. Obviamente, aqueles que só leem superficialmente as histórias de Nasrudin pensam tratar-se de piadas. O Sufismo, porém, é um exigente movimento filosóficoreligioso dentro do Islamismo, cujo acesso e entendimento exigem bastante estudo por parte dos seus praticantes. A atribuição de Nasrudin como um mestre sufi é, portanto, um título que implica seriedade e espiritualidade desenvolvidas. Demos um longo salto histórico até aqui, partindo dos indianos e chineses; do mesmo modo, não podemos afirmar que Nasrudin representa a todo o Islã. Contudo, o resgate do fragmento de Nasrudin, presente em nossa conferência, tem um objetivo claro: a valorização da autonomia no aprendizado. A postura aparentemente insana e preguiçosa do sábio sufi tinha um propósito: o que sabemos, de fato? O que não sabemos? E o que sabemos que podemos ensinar? E o que não sabemos, que podemos aprender com os outros que estão próximos de nós? Obviamente, não estamos a banalizar a questão do aprendizado. É muito comum hoje, principalmente no Brasil, a desvalorização do docente. As pessoas esquecem que passaram por uma escola e por diversos professores. Agem como se tivessem nascido com habilidade de ler, escrever, fazer contas. Quando erram em qualquer coisa, culpam seus mestres, e não buscam em si mesmo a razão de seus erros. Entendem que desrespeitar seus professores é quase um rito de passagem, da adolescência desgovernada para uma fase cuja denominação está longe de ser adequadamente classificada como ‘adulta’. Assim, quando se atinge o ápice do conflito dentro da escola e na sociedade, as soluções são extremas: abandonar tudo, e fazer

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

um ensino descompromissado e indiferente, ou, impor um ensino rígido, disciplinador e autoritário. Nasrudin nos chama a atenção para a responsabilidade individual na construção do conhecimento. Quando assumimos, para nós mesmos, a tarefa de educar-nos, encontramos naturalmente a disciplina e o esforço necessário para aprendermos. Artistas, músicos, atletas, cientistas, intelectuais – todos aqueles que foram ou são bem sucedidos sabem que, para alcançarem uma posição de destaque [ou simplesmente, encontrarem a satisfação pessoal], é indispensável o estudo curioso e prazeroso, para além do trivial e exigido na escola. Nesse momento é que encontramos a autonomia do aprendizado, libertadora e consciente, que nos torna seres responsáveis, éticos e plenos. Se achamos isso impossível, é que estamos tão viciados em transferir a culpa de nosso problemas para os outros, que não acreditamos ser possível educar as crianças sem violentá-las ou comprá-las [métodos que, também sabemos, não funcionam]. Algumas experiências, no entanto, nos mostram o contrário. No século 19, Joseph Jacotot, colocado diante da difícil situação de ter que lecionar fora de seu país, em um idioma que lhe era estranho, conduziu uma nova experiência pedagógica –a panecástica – em que os indivíduos atuavam de forma autônoma no aprendizado, obtendo um sucesso significativo. [veja o magnífico texto de Jacques Ranciére, O Mestre Ignorante. Autêntica, 2007]. Mais recentemente, a Escola da Ponte, em Portugal, organizou-se de forma revolucionária: não dispõem de turmas, propõe que os alunos se auto-organizem, se regulem, troquem experiências e conhecimentos, e seu regime de estudo é feito por orientação, quebrando a rigidez do sistema de disciplinas. 4 Seus índices de aprovação são excelentes dentro do país, e a escola sofre muito menos problemas de disciplina do que outras. Por fim, a experiência da Finlândia – notável no quadro mundial da educação – se encaminha para uma integração dos saberes, estimulando o Veja aqui: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/jose-pacheco-escola-ponte479055.shtml e também: http://educacaointegral.org.br/experiencias-internacionais/escola-da-ponteradicaliza-ideia-de-autonomia-dos-estudantes/ 4

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

empreendedorismo e o conhecimento holístico por parte dos alunos.5 O que Nasrudin sabiamente nos revelara, pois, é que podemos realmente ensinar uns aos outros; não podemos dispensar a orientação dos educadores, cuja experiência e o conhecimento nos conduzem no caminho da auto-descoberta. Contudo, os alunos precisam ser saudavelmente estimulados a buscar conhecimento, sob o risco de tornarem-se eternamente dependentes, alienados e desprovidos de uma consciência autônoma. Conclusão Esse breve passeio por três opiniões tão antigas, quanto distintas, nos conduzem a uma unidade crucial na história do ensino: é necessário, de alguma forma, priorizar o sentido de educar-se. Nessas três experiências duráveis e bem sucedidas, o fator comum é a questão ética – quer seja dita espiritual, ou simplesmente realizante para o indivíduo. Os milênios de história da aprendizagem entre os ‘orientais’ nos mostram que, sem a ênfase positiva no ser humano, nenhuma civilização pode durar e alcançar sucesso. A educação mercantilizada mostra que seus aparentes sucessos têm efeitos curtos e limitados, e os danos posteriores se manifestam claramente na escalada de violência, na dependência externa e no vazio existencial que se cristaliza no consumismo e no desregramento. Hannah Arendt percebera isso na educação norte americana, ícone das práticas mercadológicas de educação [no ensaio ‘Crise na Educação’ in Entre o passado e o futuro. Perspectiva, 2005]. Reportagens mais atuais mostram que os Estados Unidos está sofrendo as terríveis consequências do ‘pragmatismo’ na educação básica; e enquanto isso, tentamos adotar modelos similares [já testados, e fracassados] no Brasil... 6

Ver: http://rescola.com.br/finlandia-sera-o-primeiro-pais-do-mundo-a-abolir-adivisao-do-conteudo-escolar-em-materias/ 6 Ver: http://blogs.edweek.org/edweek/top_performers/2015/04/why_have_american_edu cation_standards_collapsed.html?intc=mvs e também: http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=2553 5

PARA UM NOVO AMANHÃ: Visões em Aprendizagem Histórica. Edições Sobre Ontens. Rio de Janeiro/União da Vitória, 2016, p. 26-36

Ora, se gostamos tanto de pensar a educação a partir de teorias estrangeiras...talvez valha a pena, então, dar uma olhada nas bem sucedidas experiências ‘orientais’. Plenas de sabedoria, e aprovadas no mais exigente teste da história – o tempo – elas nos mostram que apostar na Humanidade ainda é, entre todas, a melhor escolha. Para ler Os Upanishads: http://estudantedavedanta.net/Os-UpanishadsTraduzido-por-Swami-Prabhavananda-Portugues.pdf O texto sobre Educação do Liji: http://chinesclassico.blogspot.com/2007/07/liji-extratos-do-livro-dos-rituais01.html Sobre Nasrudin: http://www.nasrudin.com.br/ E também: Annping Chin Autêntico Confúcio São Paulo: JSN, 2014. André Bueno. EducArte – a educação chinesa numa visão confucionista.2011 Disponível em: https://www.academia.edu/1439632/EducArte__a_Educa%C3%A7%C3%A3o_Chinesa_numa_vis%C3%A3o_confu cionista Contos de Ensinamento do Mestre Sufi Nasrudin. São Paulo: Dervish, 2001. Histórias da Tradição Sufi. São Paulo: Dervish, 1993. Emile Gathier O pensamento Hindu. Rio de Janeiro: Agir, 1996. Heinrich Zimmer Filosofias da Índia. São Paulo: Palas, 1997.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.