A arte de ler: uma análise da importância da leitura na perspectiva de hugo de Saint-Victor

October 7, 2017 | Autor: Terezinha Oliveira | Categoria: Reading, Leitura
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A ARTE DE LER: UMA ANÁLISE DA IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA PERSPECTIVA DE HUGO DE SAINT-VICTOR Ana Paula dos Santos Viana 1 Terezinha Oliveira 2 Analisar a importância da leitura e da escrita requer reflexão porque cada uma delas tem sua pertinência para o desenvolvimento cognitivo e, como decorrência, um tema vivenciado pelos educadores, pais e sociedade, de modo geral, de forma preocupante 3. Nesse sentido, quando nos propomos a fazer essa análise, objetivamos explicitar que a leitura e escrita cumprem papéis preponderantes na sociedade para comunicação e interpretação e que ambas são fundamentais para a organização do pensamento. Dito de outro modo, a leitura e a escrita são elementos essenciais na formação intelectual 4 humana. Expressar por meio da oralidade, da leitura e da escrita o que está no pensamento é apresentar uma ordenação de ideias que, por sua vez, está em consonância com o sentido (significado) das palavras e da formação de frases que conduz a pessoa à interpretação. Pode parecer comum ou natural aprender a ler e comunicar-se, no entanto ainda presenciamos alunos, desde o ensino fundamental e até mesmo na graduação, com muita dificuldade nesses três requisitos básicos de alfabetização: leitura, escrita e interpretação. Ao nos depararmos com essa problemática procuramos compreendê-la nesse texto. Desse modo, apresentaremos nesse trabalho que a preocupação com a leitura, a escrita e, por assim dizer, o método de ensino com a finalidade de se atingir a sabedoria foi objeto de inquietação em tempos históricos anteriores. Para alguns autores da Idade Média, por exemplo, aprender a usar as palavras, a arte de ler e a arte de escrever, condizia com a forma de pensar e de refletir sobre suas próprias ações. Este é o aspecto central a ser considerado neste texto para compreendermos que o pensamento, para esses autores, deveria ser ordenado com vistas a organizar a existência da vida 5. Nesse sentido, ao analisarmos a importância da leitura para a formação intelectiva da pessoa o faremos baseando-nos na perspectiva do mestre Hugo de Saint-Victor, do século 1

Mestre em Educação e graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); Maringá, Paraná. E-mail: [email protected]. 2 Pós-Doutora em Filosofia e História da Educação na FEUSP. Professora do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); Maringá, Paraná. E-mail: [email protected] 3 O que chamamos de preocupante é a constante dificuldade de leitura, de escrita e a complexidade em interpretar textos que presenciamos em nossos alunos. Sobre esta temática recomenda-se a leitura do artigo de OLIVEIRA, T.; VIANA, A.P.S.; BOVETO, L.; SARACHE, M. V. Escola, conhecimento e formação de pessoas: considerações históricas. Políticas Educativas, Porto Alegre, v.6, n.2, p. 145-160, 2013. 4 Cabe esclarecer que estamos nos referindo à formação das pessoas, de modo geral, e não à figura do intelectual. 5 Acerca dessa questão, o mestre afirma que: “Somos reerguidos pelo estudo, para que conheçamos a nossa natureza e aprendamos a não procurar fora de nós aquilo que podemos encontrar dentro de nós. A procura da Sapiência é [...] ‘um grande conforto na vida’.” (HUGO DE SAINT-VICTOR, L.I, c. 1, §5).

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XII. Autores como Le Goff (2007), Verger (2001), Oliveira (2008), nos mostram que Hugo de Saint-Victor usou, para ensinar os estudantes da Escola de Saint-Victor, em Paris, um currículo medieval fundamentado nas sete artes liberais (compostas pelas disciplinas do trívio e quadrívio). Suas formulações se pautam na ideia de que a origem “[...] De todas as coisas a serem buscadas, a primeira é a Sapiência, na qual reside a forma do bem perfeito. (HUGO DE SAINT-VICTOR, L. I, c. 1, § 1). A fim de ensinar aos homens (remete-se especialmente a seus estudantes) que a vida terrena deveria se pautar na sabedoria divina (perfeita), porque acreditava que o conhecimento e a boa conduta levá-los-ia ao entendimento supremo, à uma vida melhor. O mestre Vitorino evidencia que a Mente Divina 6 é o significado de Sapiência. Aquele que lê, interpreta e segue os princípios e mandamentos cristãos, conseguiria desenvolver o intelecto e, potencialmente, entenderia Deus e suas criações. Hugo de Saint-Victor fundamentou, filosoficamente, o entendimento sobre a sabedoria, mas sempre mostrando que Deus era e continuava sendo o ponto de explicação e que os homens deveriam ler tudo e todos, para saberem distinguir o que é bom do que é ruim, isto é, ter a capacidade de discernimento, chegando assim a um pensamento reflexivo. O estudante prudente, portanto, ouve todos com prazer, lê tudo, não despreza escrito algum, pessoa alguma, [...]. Pede indiferentemente de todos aquilo que vê estar-lhe faltando, nem leva em conta quanto sabe, mas quanto ignora. [...] Por que, então, você se envergonha de aprender, e não se envergonha de ser ignorante? [...]. Avança bem, quem avança ordenadamente. [...]. Deste modo você chegará mais cedo para a Sabedoria. Aprenda de todos com prazer aquilo que você não conhece, porque a humildade pode tornar comum para você aquilo que a natureza fez próprio para cada um. (HUGO DE SAINTVICTOR, L. III, c. 13, §5-6).

O autor instiga seus alunos a conhecer e não desprezar conhecimento algum, posto que cada leitura os ensine muito e o desprezo pelo conhecimento revela um vício: o da vaidade. Diz ele que “[...] este vício da vaidade ocorre a alguns, porque olham com demasiada diligência o próprio conhecimento [...]” (HUGO DE SAINT-VICTOR, L.III, c.13, §9). O mestre Vitorino revela aos seus estudantes regras de estudo para leitura e a importância de um método para organizar este estudo. Ele afirma que a ética é o pressuposto para o conhecimento do bem e indica Três coisas são necessárias aos estudantes: 1) qualidades naturais, 2) o exercício e 3) a disciplina. As qualidades naturais, para que entenda facilmente aquilo que ouve e memorize firmemente aquilo que entendeu. O exercício, para que eduque as qualidades naturais mediante o trabalho e a 6

Ressalta-se que o entendimento de homem no medievo estava associado a Deus (fonte de conhecimento).

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persistência. A disciplina, para que, vivendo em modo louvável, harmonize a conduta com o saber. (HUGO DE SAINT-VICTOR, L. III, c. 6, §1).

Com relação à primeira, podemos dizer que é o talento natural (a parte biológica) que Deus concedeu a cada ser humano. Para desenvolver os três quesitos necessários ao estudo, os estudantes tinham que ter a inteligência e a memória para aprimorar as atividades, pois com a ausência de uma destas, o processo de aprendizagem estaria comprometido. Afinal para o autor a leitura é o início da aprendizagem. O exercício, por seu turno, serve para que eduque este talento por meio do trabalho (intelectual) e da persistência. A disciplina está direcionada para harmonizar a boa conduta com o saber. Desse modo, para que o uso da inteligência e da memória se desenvolvesse, era preciso exercícios e disciplina. O autor ainda se pronuncia sobre: A ordem da exposição do texto A exposição de um texto contém três elementos: 1) a letra, 2) o significado, 3) o pensamento. Em toda narração há letra, pois as próprias vozes são letras, mas o significado e o pensamento não se encontram juntos em todas as narrações. Algumas contêm somente a letra e o significado, outras somente a letra e o pensamento, algumas os três elementos juntos. Toda narração deve ter ao menos dois elementos. (HUGO DE SAINT-VICTOR, L. VI, c. 8, §1-2).

O mestre pontua que deveria haver uma capacidade de abstração para compreender o significado de um texto e, a seu ver, a compreensão desses signos demandava o uso da reflexão. Em consonância aos três propósitos, Hugo de Saint-Victor (L. V, c. 9, §1) indica cinco fases nos estudos para se chegar ao conhecimento, a saber: “[...] 1) a leitura ou instrução, 2) meditação, 3) a oração, 4) a prática, 5) a contemplação”. O primeiro concerne ao entendimento; o segundo propicia o discernimento; o terceiro refere-se a súplica, ou seja, elevar seu pensamento a Deus; o quarto diz respeito à procura e o quinto é o encontro/alcance deste empenho. Para que os cinco estágios sejam realizados, Hugo de Saint-Victor recomenda um caminho a ser seguido que condiz em iniciar pelas coisas singulares (mais conhecidas) para então chegar às mais abrangentes, mais complexas. Vale lembrar que estabelecido o escrito (livro, documento, etc.,) para a leitura, o método e a ordenação são requisitos essenciais para o estudo, no qual Hugo de Saint-Victor enfatiza as regras necessárias do ato de ler: “São três as regras mais necessárias para a leitura: primeiro, saber o que se deve ler; segundo, em que ordem se deve ler, ou seja, o que ler antes, o que depois; terceiro, como se deve ler”. (HUGO DE SAINT-VICTOR, Prefácio). Estabelecer um caminho metodológico é importante porque segundo o mestre Vitorino “[...] aquele [...] que em tão grande multidão de livros não mantém um método e uma ordem de leitura, este, como se vagasse na densidade da floresta, perde o caminho do percurso certo ‘sempre estudando – como se diz – nunca chegando ao saber’”. (HUGO DE SAINTVICTOR, L. V, c. 5, §3).

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Esperamos ter deixado explicito a importância da leitura em Hugo de Saint-Victor para a formação humana e intelectiva. Procuramos evidenciar a essência histórica de suas formulações: a sabedoria é alcançada por meio da leitura, pois somos dotados de intelecto. É justamente este aspecto intelectivo que nos permite aprender e ensinar. Referências HUGO DE SAINT-VICTOR. Didascálicon: Da arte de ler. Petrópolis: Vozes, 2001. LE GOFF, J. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2007. OLIVEIRA, T. O Livro e a leitura no século XII: Didascálicon e o ensino citadino. In: MACHADO, M. C. G.; OLIVEIRA, T. Educação na História. São Luiz do Maranhão: Ed. Da Uema, 2008, p. 17-30. VERGER, Jacques. Cultura, ensino e sociedade no Ocidente nos séculos XII e XIII. Bauru: EDUSC, 2001.

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