A arte de servir à mesa e a doçaria de ontem e hoje.

May 28, 2017 | Autor: E. Morelli Abrahão | Categoria: Sociabilidade, História e Cultura da Alimentação, Práticas alimentares
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Mauro Tesi. Escena de banquete. Mediados del siglo XVIII. Museo Del Prado.

A arte de servir à mesa e a doçaria de ontem e hoje. Eliane Morelli Abrahão (Unicamp)

Serviços de mesa A ostentação alimentar, por meio do luxo, exprimia comportamentos de castas desde a Idade Média. Os banquetes de corte, na Idade Moderna, eram servidos à la française.

Serviços de mesa à la française A simetria era uma constante nesse serviço.

Gravura do livro Le cuisinier moderne de Vincent La Chapelle. 1742. p.316.

Os livros de cozinha ilustrados do século XVIII traziam imagens das disposições de mesas de banquete.

Gravura do livro Le cuisinier moderne de Vincent La Chapelle apud STRONG, Roy.

Arte efêmera Pratos montados em formatos variados.

Gravura do livro Le cuisinier parisien de M. Carême. 1828. p.306.

Escolhido o plano de mesa, o mesmo seria rigorosamente respeitado.

Nas palavras de Piero Camporesi “[...] modernas formas do discurso culinário articulavam-se num defilé de louça miúda, aérea e frágil, onde “preciosos molhos”, extratos e sucos substanciosos, consommés e sopas finas, caldos e gelatinas isentavam os finos mangeurs da obrigação trivial de morder, trincar e mastigar, favorecendo colóquios delicados e sutis conversações.”

Objetos do Acervo MRCI-USP

O desenho à mão um ramo de café, representa a cultura agrícola predominante à época (início do século XX).

Imagens de uvas, animais, objetos e o título foram gravados em alto relevo.

A charge feita por A. Martins, de 1902 ilustra a capa do cardápio. Provavelmente, a representação do homenageado, o Dr. Thomaz Alves.

As reuniões entre políticos eram divulgadas pela imprensa e atingiam diversos centros urbanos, entre eles Campinas.

Parte da mesa ocupada pela bancada paulista na Camara Federal. Entre eles Washington Luís.

Sala de Jantar e utensílios

Museu Amparo, SP.

FTSCJ. CMU Museu da Pena, Sintra.

Coleção Baronesa de Loreto. IHGB.

Coleção Washington Luíz. Museu Republicano “Convenção de Itu”.

Tecidos adamascados, candelabros, arranjos de flores completavam a decoração da mesa de jantar arrumada de acordo com o serviço à la russe.

Gravura publicada na revista A Cigarra, ano, 7, n.137, 1/6/1920.

Para o menu: Ostras – para 20 pessoas bastam 3 latas Antonia deve saber das cascas Filet – os 2 lados inteiros, com batatas e cenouras picadas em volta. Se não há cenouras, eu tenho na dispensa uma lata em conserva. Croquetes de carne e pastéis Perna de carneiro com petits pois com ovos – 3 latinhas Peru com farofa – bolo de batata Lombo de porco – salada

MARTINS, Maria Amélia, 1939. p.568.

Na segunda recepção – preparada para recepcionar o então presidente do Estado, Manoel Ferraz de Campos Salles, em 1896 – a Baronesa redigiu o menu em francês, como podemos ver: « Soupe Julienne, Bouchées d’huitres, poison Santos, Sauce crevette, Côtelette de veau, Filet de porc à la Funilense, Gigot, Dinde à la Brésilienne, Jambon d’York, Pure de pommes de terre, Salade de Palmito, Petits-pois, Riz, Dessert assorti, Café, Vins: Sauternes, Pôrto, Chambertin, Bordeaux, Moscatel, Champagne. »

MARTINS, Maria Amélia, 1939. p.568.

Miguel Parra Abril. Plato de dulces. Hacia 1845. Museo Del Prado.

Receitas culinárias O que elas nos revelam?

É

possível

apreender

das

receitas

as

técnicas

de

preparo

empregadas, a modernização dos utensílios domésticos e dos espaços da casa, os ingredientes disponíveis à época deste estudo,

as perpetuações e descontinuidades das iguarias e da vida do lar.

Manuscritos culinários: Cadernos redigidos entre os anos de 1863-1940.

Autoria: Três senhoras pertencentes a elite da sociedade paulista.

São elas:

Custódia Leopoldina de Oliveira (1835-1889) Herdeira dos Quirino dos Santos e Simões, legou aos seus descendentes quatro cadernos de receitas, escritos entre os anos de c.1863-1873, totalizando 144 páginas de registros de comida.

Acervo Maria Luiza Pinto de Moura. Coleção Família Quirino dos Santos e Simões (CFQSS). Centro de Memória-Unicamp

Anna Henriqueta de Albuquerque Pinheiro (1871-1950) Autora de três receituários de cozinha. Necessitou de 124 páginas para registrar suas escolhas, entre os anos de c.1900-1940.

Acervo Centro de Memória – Unicamp.

Fundo Theodoro José de Sousa Campos Junior (FTJSCJ. Centro de Memória-Unicamp

Barbara do Amaral Camargo Penteado (1875-1963) Deixou à filha Iraídes um único manuscrito com receitas de comida, de medicamentos, de higiene e conservação de alimentos anotadas em 195 páginas, durante os anos de c.1895-1940.

Acervo Maria Aparecida Alvim de Camargo Penteado.

Coleção Barbara do Amaral Camargo Penteado (CBACP). Centro de Memória – Unicamp

Redação das receitas

Operações do cozinhar Manipulação dos ingredientes – pilar, misturar, peneirar, amassar, coar, ralar, descascar, desossar, temperar Cocção – assar, cozer, fritar “[...] assa-se sobre brasas”. “Colorau (pó de pimentão)” (sic) deveria secar em “[...] fogo morto”.

Para aprontar o “Bolo Theodorinho”, necessitava-se de um fogão equipado com estufa e de uma balança para pesar os ovos, além de peneira e tabuleiro para biscoitos. O “Creme de cosinha”(sic) levava como ingredientes: gemas de ovos, açúcar refinado (indicado em gramas), leite cru e baunilha. Para preparálo eram imprescindíveis utensílios como o batedor de ovos e o de massa, o “pano de Escócia” para coar o creme e a panela adequada para cozer o creme. E para dourar o creme, cobria-se a panela com um cesto com

brasas.

Ingredientes – Ovos, farinhas de trigo, de milho, de arroz, açúcar, mel, carnes, peixes, aves, frutas, legumes e verduras

Pesos e Medidas – porção, mão, xícara, prato, pires, arroba, libra, quilograma, vintém, tostão “[...] uma porção de gordura de porco”. “[...] quatro vinténs de aipim” para preparar o “Bolo de cores diferentes”.

Utensílios – peneira, pilão, formas, taboleiro, batedor de ovos

Produtos finais A apresentação do produto final da receita, ou seja, o prato na mesa, envolvia uma produção estética, detalhe esse comum às três mulheres que servem de personagens a guiar nossa investigação. Artefatos – compoteiras, baixelas, pratos guarnecidos com papel rendado, papel recortado para embalar balas e doces “Bala de amêndoas (amanteigados)” “Corta-se palhinhas em papel de seda de duas cores, umas menores, outras maiores, coloca-se uma bala em cada uma e amarra-se com tirinhas, em forma de saco ou em forma de cesta para as mais pequenas”. Cadernos de receitas de Anna Henriqueta de Albuquerque Pinheiro. Livro 1.

Barbara foi explícita quanto à importância da cremeira ao servir o “Creme de canequinhas”. Ao final da receita a autora escreveu: “[...] Cremeiras são umas canequinhas de asa como xícara e tem tampa; que se compra no armazém de louças e chama-se mesmo Cremeiras (sic)”.

Caderno de receitas de Barbara do Amaral Camargo Penteado. Livro 1.

Nomenclatura “Beijinho de moça corriqueira”, “Baba de moça”, “Sonhos”, “Bolo de noiva”, “Suspiros do coração”, “Beijos”, “Beijo de frade”, “Beijo de moça”, “Espera marido”, “Fatias do céu” e “Puding coração de donzela”, entre outros. Terminologias que estimulam o amor e remetem à fecundidade, como nos apontam as palavras de Gilberto Freyre: “Mesmo nos nomes de doces e bolos de convento, fabricados por mãos seráficas, de freiras, sente-se às vezes a intenção afrodisíaca, o toque feminino a confundir-se com o místico: suspiros de freira, toucinho do céu, barriga de freira, manjar do céu, papos de anjo. Eram os bolos e doces porque suspiravam os freiráticos à portaria dos conventos. Não podendo entregar-se em carne a todos os seus adoradores, muitas

freiras davam-se a eles nos bolos e caramelos”. (FREYRE, s.d. p.275)

Oito manuscritos, 1013 instruções culinárias. Comparação da quantidade de receitas entre os cadernos de receitas de três mulheres da elite cafeicultora (1860-1940), em números de absolutos e percentuais

Fonte: Livros de Receitas depositados no Centro de Memória-Unicamp. CFQSS, FTSCJ e CBAC.

Por que tantos doces? Não temos uma resposta precisa à esta indagação. O açúcar desde os séculos XVI, XVII e XVIII estava solidamente implantado nas refeições das elites sociais da Europa ocidental e com o avanço da fabricação do açúcar de cana, o consumo de doces nos dois

séculos seguintes (XIX e XX) atingiu a alimentação das camadas populares.

Outra possível resposta à questão poderia ater-se ao mercado editorial. No Brasil, durante o século XIX, como acontecia em países europeus, as obras culinárias começam a se especializar por temas, doçaria, confecção de pães, dentre outras.

Ou porque preparar um doce de memória seja mais difícil ou permite menos improvisações do que uma receita salgada. Ou ainda, porque, o doce compõe o cotidiano do brasileiro. Nas palavras de Inna von Binzer: “Uma coisa importante aqui é a sobremesa – os doces – em cuja preparação os brasileiros têm fama de mestres, como também na sua consumação, o que se patenteou ontem plenamente para mim: senhores e senhoras absorveram quantidades incríveis de frutas em compota, balas de chocolate e de ovos, comendo-os juntos com grandes pichações de queijo.” (BINZER, 1982. p.25)

Doçaria Meiguice da sinhá

Doces e biscoitos

Beijo de amêndoas

Sequilhos ou vaidosas

Manjar de Pêra “Põe-se a cozer me meia medida de leite, seis peras grandes e limpas, (...), depois de cozido põe-se água de flor.” (Custódia Leopoldina de Oliveira)

Bolos

Bolo da Imperatriz

Fitas de Coco “Nos casamentos das famílias

ricas era comum o oferecimento de jantar e baile. Durante as valsas, polcas, marchinhas as pajens

(...)

traziam

grandes

bandejas com biscoitos e finos sequilhos de várias qualidades. Essas

bandejas

eram

guarnecidas de ramos de flores feitas de finas fitas de coco coloridas (...)”. (Maria Paes de Barros, 1998, p.124.)

Bibliografia Arquivos Históricos-CMU. CFQSS. Caderno de receitas de Custodia Leopoldina de Oliveira. Livros 13. Arquivos Históricos-CMU. FTSCJ. Cadernos de receitas de Anna Henriqueta de Albuquerque Pinheiro. Livros 1-3. Arquivos Históricos-CMU. CBACP. Caderno de receitas de Barbara do Amaral Camargo Penteado. Livro 1. ABRAHÃO, Fernando A. (org.). Delícias das sinhás. História e receitas culinárias da segunda metade do século XIX e início do século XX. Campinas: CMU, Arte Escrita, 2007. BARROS, Maria Paes de. No tempo de dantes, 2.ed. São Paulo, Paz e Terra, 1998., CLESER, Vera. O lar doméstico. Conselhos para boa direção de uma casa. 3. ed. Rio de Janeiro: Laemmert & C.; São Paulo: Livreiros Editores, 1906. FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Círculo do Livro, s.d. p.275. (1933). GIARD, Luce. “Sequência de gestos”. In: CERTEAU; GIARD; MAYOL, CERTEAU, Michel; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano. 3.ed. Tradução de Ephraim F. Alves e Lúcia Endlich Orth. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. V.2: Morar e cozinhar. LELLIS, Francisco; BOCCATO, André. Os banquetes do Imperador. São Paulo: Editora Senac-SP, Boccato, 2013. R.C.M. Cozinheiro Imperial. Ou nova arte do cozinheiro ou do copeiro em todos os seus ramos. 7.ed. Rio de Janeiro, Eduardo & Henrique Laemmert, 1877. RODRIGUES, Domingues. Arte de cozinha. Leitura, apresentação, notas e glossário por Maria da Graça Pericão e Maria Isabel Faria, Lisboa, Imprensa Nacional, 1987. (1680). STRONG, Roy. Banquete – uma história ilustrada da culinária, dos costumes e da forma à mesa. Tradução de Sergio Goes de Paula com colaboração de Viviane De Lamare. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004.

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