A ARTE MODERNA E PROCESSO DO MODERNISMO EM SÃO PAULO

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A ARTE MODERNA E PROCESSO DO MODERNISMO EM SÃO PAULO

Nerize Portela M. Leoncio1 Docente: Marcelo Lacombe

INTRODUÇÃO As várias teorias da sociologia da arte convergem em vários aspectos ou ressaltam pontos importantes no entendimento de como se deu o estabelecimento da arte moderna, levando em consideração a Europa que se constitui precursora deste processo. Para isso utilizaremos os conceitos principais ou os pontos-chaves destas teorias, com o objetivo de compreender este processo, também no Brasil. Os autores diversos que se empenharam na abordagem sociológica da arte ressaltaram aspectos diversos de maneira contributiva e enriquecedora, como Walter Benjamim, Theodore Adorno, Raymond Wiliams, os brasileiros Sérgio Miceli e Maria Arminda - que utilizaremos para entender o modernismo em São Paulo na década de 20 algumas vezes, influenciados por Marx, Bourdieu entre outros, mas principalmente elaborando cada um a sua maneira considerações valiosas seja através da ênfase em algum processo específico, seja através de uma analise mais geral.

1. AS TEORIAS DA ARTE MODERNA A influência marxista está presente na teoria da arte moderna de Walter Benjamim, em Magia e Técnica, Arte e Política,

segundo o qual a superestrutura, o setor cultural e

artístico evolui lentamente a partir de mudanças na infra-estrutura (condições produtivas e econômicas), provocando mudanças na forma de conceber a arte e sua função. Seu enfoque básico está na evolução das técnicas de reprodução, que ele denomina ‘reprodutibilidade técnica’, como a xilogravura, litografia e fotografia, no séc. XIX, culminando na indústria cinematográfica. A substituição da unicidade obra de arte pela produção em série, destitui o caráter aurático e ritual, em favor do ajuste e aperfeiçoamento:

“No momento em que o

critério da autenticidade deixa de aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se transforma. Em vez de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se em outra práxis: a 1

Estudante do II semestre do curso de Artes Visuais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira,

2010.

política.” (BENJAMIN, 1994, p.172). Este violento abalo da tradição culmina numa nova concepção da arte na modernidade, a politização da estética, que encontra seu tipo mais adequado no cinema, cuja produção atende as exigências de um mercado internacionalizado e que requer um aparato técnico. Esta especialização, voltada para distribuição em massa, está associada a esta nova forma de percepção da sociedade cuja associação se faz ao desejo de posse e aproximação do objeto. Outro enfoque baseado na teoria do reflexo é o de Theodor Adorno e Max Horkheimer, em Dialética do Esclarecimento, que se apóia, principalmente, numa crítica à produção da cultura, ao capitalismo, ao caráter utilitarista da indústria cultural e à racionalidade técnica acima da racionalidade meditante, que provoca gradativamente uma regressão da consciência. Trata-se do processo de mistificação das massas, que passam a compactuar com a produção padronizada da indústria cultural de massa. A busca pelo lucro e produtividade está sempre acima da função de estimular através da capacidade reflexiva, passando, também, a produzir os indivíduos que se constituem meros fantoches a serviço de um mercado elitizado. Estas relações constituem-se, portanto, num paradoxo

: “Apesar de

todo o progresso da técnica de representação, das regras e das especialidades, apesar de toda a atividade trepidante, o pão com que a indústria cultural alimenta os homens continua a ser a pedra da estereotipia.” (ADORNO E HORKHEIMER, 1985, p.139). Acrescenta-se a isto, a questão da adequação dos produtos do entretenimento ao gosto do público, cuja capacidade crítica e avaliativa está atrofiada justamente pela falta de originalidade na produção posta em circulação. As receitas prontas tornam-se, a tal ponto, requisitos para a participação no mercado que “So há duas opções: participar ou omitir-se”. O ponto chave desta teoria encontra-se na exposição por ADORNO, das fragilidades da sociedade, aproveitadas pela indústria cultural, cujo princípio encontra-se na formação da sociedade burguesa e todo o seu falso discurso de uma harmonia universal e particular, para se fundar no desvio de sua conduta, em favor da competitividade. A sociedade burguesa produziu indivíduos, cuja individualidade foi sacrificada pelos fins privados, e que hoje mesmo, encontram nas formas de entretenimento, nos rostos dos heróis do cinema, nas superproduções cinematográficas, o refúgio de uma vida de negócios, e um momento de intimidade e diversão na vida privada. Raymond Wiliams analisa a teoria do reflexo na cultura, propondo um aprofundamento da questão, não realizado por Marx, que segundo ele, funda-se em relações mais complexas do que as positivistas. Sendo mais uma relação dialética entre as instâncias da sociedade, e as estruturas do campo produtivo que são as instituições e formações. Assim, o progresso ocorre através de uma mudança nas relações sociais do artista dentro da

sociedade, que ele explicita, por exemplo, na passagem do mecenato, da Idade Média, cujas atividades artísticas eram institucionalizadas, para o mercato, possível a partir da constituição da sociedade burguesa. Assim as formações, que é a produção artística autônoma, não institucionalizada, ligadas a interesses puramente artísticos, e a construção de demandas estéticas, são para ele o principal veículo de ruptura com uma ordem previamente estabelecida. Porém esta ruptura inicial está ligada também à estrutura de sentimento: “conteúdo de experiência e de pensamento, que histórico em sua natureza, encontra sua formalização mais específica na obra de arte (....). à forma que adquirem as práticas e hábitos sociais e mentais, (...) da intrincada relação entre o que é interno e o que é externo a uma obra de arte quando analisada em confronto com o com seu contexto social.”(WILLIAMS, 1992, p.36).

Assim Wiliams propõe a analise interna – que é captar as estruturas de sentimento cristalizadas na obra de arte – e uma análise externa que são as relações entre as instituições e formações que dão sentido a experiência artística dentro das regras sociais estabelecidas. A transição entre o feudalismo, sociedade guerreira, para a sociedade burguesa, racionalista e civilizada, já estava presente na teoria de Norbert Elias, em

O processo

Civilizatório, através do conceito de figuração e da constituição do homem ao longo do tempo. Em suas obras A Sociedade de Corte , e Mozart Sociologia de um Gênio , Elias atenta para a constituição da sociedade de corte e sua configuração, definido pela centralização do poder nas mãos do rei, e cujas relações sociais se davam entre indivíduos interdependentes. A sociedade é profundamente marcada pelo jogo social, disputa de poder e prestígio, que significava maior ou menor proximidade com o rei. As disciplinas, voltadas ao cumprimento de rigorosa etiqueta, incluindo comportamento, presença em óperas e espetáculos, buscavam status e posição. Neste ponto converge a análise da vida de Mozart, que, como artista instituído no séc. XIX, falha em seu processo civilizatório, pois não conseguiu controlar suas pulsões, justo num momento de transição: “A vida de Mozart, ilustra nitidamente a situação de grupos burgueses outsiders numa economia dominada pela aristocracia de corte, num tempo em que o equilíbrio de forças ainda era muito favorável ao establishment cortesão” (ELIAS, 1995, p.16). Os músicos burgueses, subservientes, considerados criados, estavam sempre vinculando sua produção ao gosto da nobreza. Por não reconhecer seu lugar de subalterno, Mozart não se adapta às regras da corte, tentando impor-lhe sua música na tentativa de passar de sua condição de artesão para a de artista e libertar-se do mecenato: “Não é a menor das razões para a sua tragédia o fato de Mozart haver tentado, pessoalmente e em sua obra, romper as barreiras da estrutura social do poder através de seus próprios esforços individuais” (ELIAS, 1995, p.19). A produção literária na Alemanha do sec. XVIII, contava com uma forma primitiva de uma indústria editorial, e o público burguês instruído e interessado em livros crescia, surgindo a figura do “escritor autônomo”, já no âmbito musical

esse desenvolvimento, estava, na melhor das hipóteses em seu estágio inicial. “Especificamente, faltavam ainda em grande parte as instituições necessárias para que o mercado ultrapassasse o nível local.”

(ELIAS, 1995, p.33) . A própria configuração da

organização dos concertos, ilustra o grande abismo entre a sociedade de corte e a sociedade moderna, feita em sua maioria para um público de convidados e não para um público de pagantes. Para Pierre Bourdieu, a arte não se explica por si só ou por seus termos, ele recusa os princípios dogmáticos da análise externa, a arte deve ser entendida pelos seus princípios geradores e pelas condições impostas pelos campos simbólicos, que constituem a condição sociológica do autor ou artista, do sistema de produção de bens simbólicos e suas relações de produção, circulação e consumo. As transformações ocorridas dentro do campo de produção estão ligadas, portanto, à função que cada elemento ocupa dentro do sistema. A libertação econômica e social do artista, do comando da aristocracia e da Igreja, se deu a partir da constituição de um público consumidor cada vez maior e mais diversificado; da composição de grupos de empresários e produtores cujas técnicas e normas impostas, determinam a participação no meio; e da multiplicação das instâncias de consagração (academias, salões) e de difusão (edições de direções artísticas), que influem na vida intelectual.

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Além disso, o

processo de constituição do campo artístico relativamente autônomo é concomitante às transformações das relações dos artistas com outros, enquanto grupo intelectual livre de influências externas e deles com os não artistas, elaborando “uma nova definição da função do artista e de sua arte” (BOURDIEU, 2007, p.101). Esta autonomia realizou-se em ritmos diferentes, tendo a Revolução Industrial acelerado este processo brutalmente, através do desenvolvimento da indústria cultural, coincidindo com o acesso maior das novas classes ao consumo, através do ensino elementar. “A ruptura dos vínculos de dependência em relação a um patrão ou a um mecenas (...) propicia ao escritor e ao artista uma liberdade que logo se lhes revela formal, sendo apenas condição de sua submissão às leis de mercado de bens simbólicos.” (BOURDIEU, 2007, p.103).

2. O MODERNISMO BRASILEIRO Podemos mobilizar estas teorias para entender no caso brasileiro, mais precisamente em São Paulo, quais forças foram capitais no processo de modernização. A sociedade paulista era ainda, no inicio do séc. XX, provinciana e profundamente marcada pela oligarquia dos fazendeiros e cafeicultores, cujos gostos, a maneira dos cânones clássicos, já passavam a ser 2

BOURDIEU, Pierre. Economia das Trocas Simbólicas, 2007, p.99.

criticados pelos intelectuais em meados da década de XX. Os jovens promotores da cultura, que emergiram das universidades, juntamente com a grande diversidade de correntes migratórias, e artistas munidos do espírito vanguardista Europeu, patrocinados pelo novo mecenato – colecionadores de elite perrepistas e setores emergentes da sociedade industrial – treinados no exterior, especialmente na Europa, formam grande “caldo cultural”, decisivo na proliferação e incorporação de novas idéias acerca da arte. Alia-se a isto, o crescente processo de urbanização e industrialização, a crescente complexidade da vida social, a afirmação do progresso, o avanço da ciência e tecnologia, tornando urgente necessidade da construção de um princípio identitário no país e o empenho na elaboração de novas linguagens expressivas, lançando fora os grilhões da história. Movimentos como A Semana de Arte Moderna de 1922, e a proliferação de Bienais, e inclusive a participação de artistas imigrantes como Lasar Segall e John Graaz, com expressiva formação técnica, foram decisivos neste processo, no sentido da construção de novos códigos estéticos, de formas de pensar. Porém neste âmbito, alguns artistas, ainda estavam parcialmente ligados aos mecenas, poucos foram os que escaparam aos ditames estéticos dos mesmos, como Tarsila do Amaral, proveniente de família abastada, e havia aqueles atrelados à nova classe industrial estrangeira emergente. Para Maria Arminda Arruda, mas do que simplesmente trazerem inovações no campo artístico, “Os intelectuais de 22, ao transformarem a cultura numa questão essencialmente urbana, retrataram a vida que se modernizava, mas sobretudo, construíram nova ordem de percepções.” (ARRUDA, 2001, p.32). Porém este novo modo de percepção foi construído lentamente, através da introdução de novos elementos, a influência cubista

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, a antropofagia, de Tarsila do Amaral, que não

significava imitação da vanguarda Européia, mas, a assimilação do modernismo, no sentido de criar uma arte nacional. Estes movimentos iniciais foram decisivos, pois, a partir de 1930, com a derrocada da sociedade oligárquica e os intensos projetos modernizantes, a introdução dessas novas estruturas de percepção acabou por preparar o terreno. Podemos entender este processo a partir de BOURDIEU, que dá especial atenção a este tema em O Amor pela Arte: “A transformação dos instrumentos de produção artística precede necessariamente a transformação dos instrumentos de percepção artística; ora, a transformação dos modos de percepção só pode ser operada de forma lenta, já que se trata de desenraizar um tipo de competência artística para ser substituído por outro, por um novo processo de interiorização, necessariamente longo e difícil.” (BOURDIEU, 2003,p.77)

A Partir daí entendemos que os movimentos na década de 50, o concretismo em São Paulo, relacionado à racionalidade das Ciências e Tecnicismo, representam, e mais ainda, objetivam uma total negação ao legado anterior. A este espírito, aliam-se a constituição de famílias emergentes estrangeiras, como dos Matarazzo, que se tornam patronos das artes, 3

MICELLI, Sérgio. Nacional Estrageiro, 2003, p.132.

construindo o MAM de São Paulo, o MASP, que contribuem decisivamente na incorporação das novas linguagens plásticas, através das diversas Bienais e exposições.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADORNO E HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985. ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e Cultura. Bauru,SP: EDUSC, 2001. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1994. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007. ________________ O amor pela Arte. São Paulo, Zouk, 2003. ELIAS, Norbert. Mozart Sociologia de um Gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995. _____________ A sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. MICELLI, Sérgio. Nacional estrangeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. ___________________ Tragédia Moderna. Cosac & Naify, 2002.

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