A articulação empresarial-militar na cidade de Volta Redonda: violações aos direitos humanos da classe trabalhadora

July 6, 2017 | Autor: Alejandra Estevez | Categoria: Sindicalismo, Ditadura Civil-Militar, Repressão Política
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ESTEVEZ, Alejandra e LIMA, Raphael J. da C. “A articulação empresarial-militar na cidade de Volta Redonda: violações aos direitos humanos da classe trabalhadora” in CARRARA, Ozanan (org). Direitos Humanos na América Latina. Nova Petrópolis: Nova Harmonia/São Leopoldo: Karywa, 2015.

A articulação empresarial-militar na cidade de Volta Redonda: violações aos direitos humanos da classe trabalhadora

Alejandra M. Estevez Raphael J. da C. Lima

Introdução O objetivo deste artigo é apresentar a participação do Exército na morte de três operários dentro da Usina Presidente Vargas (UPV) a partir da recuperação da relação entre esta instituição militar e a própria gestão da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A análise se compromete a realizar um histórico do envolvimento entre empresa e Exército, cujas principais evidências seriam a atuação de militares de diversas patentes como gestores na Companhia e, por fim, a desastrosa participação de soldados comandados pelo general José Luiz Lopes na repressão à greve de novembro de 1988, a qual, de certa forma, foi fundamental para imprimir ao movimento sindical da cidade de Volta Redonda um protagonismo no contexto do sindicalismo brasileiro da década de 1980. Diferentemente de apresentar uma trajetória linear do Sindicato dos Metalúrgicos, bem como de variadas e importantes lideranças, a proposta é situar as mortes (e os ferimentos) dos operários no contexto de intervenção do Exército no cotidiano das empresas estatais brasileiras. Notadamente, assinalar-se-á a presença contínua de tropas militares de duas unidades do Exército: o Batalhão de Infantaria Blindada (BIB) de Barra Mansa e a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), localizada em Resende. A primeira foi extinta em 1973 e a segunda ainda encontra-se em plena atividade, e é considerada um centro de referência na formação de cadetes e jovens oficiais do Exército. Nesse sentido, o evento ocorrido em Volta Redonda foi de enorme simbolismo. De outra parte, analisar-se-á o caráter de classe das ações militares no controle, monitoramento e repressão da classe trabalhadora, do período anterior ao Golpe de 1964 até a instalação e domínio do regime militar na região.

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O Massacre de Volta Redonda

Volta Redonda, 07 de novembro de 1988, quarta feira, Usina Presidente Vargas. Vinte e três mil trabalhadores da CSN, diante da deliberação da assembleia geral do dia 04 de novembro, decidem entrar em greve, exigindo a implantação do turno de seis horas, a reposição de salários usurpados por planos econômicos e a reintegração dos demitidos por atuação sindical, entre outras reivindicações (SANTANA, 2006). Segundo consta do Relatório elaborado pela Gerência de Segurança da Usina, há registro de que às 8hs a referida gerência fez “contato com a Polícia Militar, na pessoa do Capitão Garcia solicitando reforços para a Passagem Superior da CSN”. Tal reforço chegaria, segundo informações do citado relatório, às 13hs, quando a Polícia Militar da região dirigiu-se para a passagem superior. Sua presença, no entanto, não impediu os grevistas de darem prosseguimento às suas mobilizações. Como a gerência de segurança da CSN trancou o portão que dá acesso à passagem superior da usina e colocou uma caminhonete veraneio bloqueando o caminho, Marcelo Felício, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda à época, em cima do carro de som da entidade, orientou os trabalhadores a retirarem a caminhonete do caminho que bloqueava a entrada para a usina. Após enfrentamento entre policiais e trabalhadores, estes lograram desobstruir a passagem e ingressar na siderúrgica. Três mil operários ocuparam a CSN sob a orientação de Juarez Antunes, presidente do sindicato eleito e licenciado para assumir o cargo de deputado estadual. Às 19hs, cerca de 600 soldados do Exército e da PM desceram a avenida Ipiranga (localizada em frente à CSN) atirando bombas de gás lacrimogêneo, com o intuito de dispersar a multidão que aglomerava-se fora da usina, perto do Escritório Central da empresa. Segundo relato da Agência Rio de Janeiro do Serviço Nacional de Informações (SNI), o clima era de tensão entre trabalhadores e agentes da repressão. Há denúncias de agressões a jornalistas e à população local que se solidarizava com os grevistas1.

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Relatório da Agência Rio de Janeiro (ARJ) do SNI sobre a greve na Companhia Siderúrgica Nacional, de 07 de novembro de 1988. Arquivo Nacional ARJ_ACE_16820_88.

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No dia seguinte, houve novo registro de entrada das tropas do 22° BIMtz para reprimir os grevistas. A direção da empresa solicitou então à Justiça a manutenção de posse e Juarez Antunes, ex-presidente do Sindicato, foi impedido de entrar na usina, por um Oficial do Exército, que apresentou um mandado judicial, expedido pelo Juiz da 3ª Vara Civil da Comarca de Volta Redonda 2. A intervenção do Exército se deu sob pretexto de proteção do patrimônio da empresa e sob o comando do General José Luiz Lopes. Cerca de dois mil homens de vários destacamentos do Rio de Janeiro dirigiramse a Volta Redonda e protagonizaram cenas de violências por toda a cidade 3. Como se tornaria habitual, a presença do 22° BIMtz e da PM foi sentida de forma mais dramática no dia 09 de novembro, quando as tropas do Exército e da Polícia Militar (PM) protagonizaram evento traumático no interior da aciaria da usina, dando lugar a mais um caso de grave violação dos direitos humanos ocorrido na região contra os trabalhadores. As forças repressivas, visando conter a ação dos grevistas, deram início a uma “operação pente fino”, onde registrou-se a participação de dois mil homens do Exército e da PM em frente à rampa de entrada da passagem superior, novamente atirando gás lacrimogêneo e protagonizando agressões de diversos tipos. A ação dos agentes públicos da repressão seria responsável pela morte de três operários, todos com menos de 30 anos: dois deles assassinados por tiros de fuzil no peito e outro com o crânio esmagado por pancadas. Além disso, houve registros de mais nove trabalhadores com ferimentos graves4. A greve durou ainda mais 15 dias, porém na manhã do dia seguinte à morte de Carlos Augusto Barroso, Walmir Freitas Monteiro e Wiliam Fernandes Leite, teve termo a operação militar “pente fino”, após negociação entre o governo e a direção do Sindicato. No entanto, no decorrer de todo o período de manutenção da greve observase a presença das forças do 22° BIMtz e da PM em diferentes setores da usina. Diariamente eram convocadas assembleias, às vezes mais de uma vez no mesmo dia, e que chegavam a reunir doze mil pessoas. Vale registrar, ainda, que o movimento no interior da fábrica se beneficiou do apoio extra-fabril, sobretudo da ação das associações de moradores e das esposas que diariamente levavam refeições aos maridos, operários 2

Relatório da Gerência de Segurança da CSN. Arquivo Nacional. Fundo da Polícia Militar. Relatório da Agência Rio de Janeiro (ARJ) do SNI sobre a greve na Companhia Siderúrgica Nacional, de 07 de novembro de 1988. Arquivo Nacional ARJ_ACE_16820_88. 4 Relatório da Gerência de Segurança da CSN. Arquivo Nacional. Fundo da Polícia Militar. 3

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em greve na usina (SANTANA, 2006). O relato de um sindicalista ilustra a natureza das ações repressivas praticadas pelo Exército dentro e fora da companhia: E o exército atacou a cidade, então nós estávamos no enfrentamento fora. Ali naquela vila. Os conflitos tiveram reflexos por toda a cidade. A memória da força bruta utilizada pelos militares é muito vívida. [O exército...] Nossa! Espancou brutalmente a população. Por exemplo, meu carro foi perfurado de bala, eles tentaram nos acertar. Nós tivemos que sair correndo, tacando pedra e correndo. Teve muito. Eles enfrentaram em duas frentes. Lá dentro [da Usina], né, mas lá dentro, no primeiro momento, lá dentro basicamente não houve enfrentamento. Houve assim, os trabalhadores entravam na aciaria eles não entravam lá. Aí o enfrentamento houve na rua, porque eles tentaram isolar a população pra não dar apoio, certamente pensando que fosse desocupar fácil. Não conseguiram, porque a greve durou dezessete dias. (Retirado de SANTANA, 2006)

Apenas no dia 23 de novembro de 1988, em assembleia que reuniu cerca de vinte mil pessoas, segundo o relatório da gerência de segurança da usina, os trabalhadores aceitaram a proposta da empresa, mas sob a condição de voltarem ao trabalho após a retirada das tropas do interior da usina. As três mortes ofuscariam o saldo positivo conquistado com a greve: a CSN concordou em conceder 85% de aumento salarial, reincorporar os demitidos e adotar, em curto prazo, o turno de seis horas. O abraço à usina, a 21 de novembro de 1988, resume perfeitamente o que Graciolli (2007)

entendeu

por

uma greve

com resultados econômicos

e,

fundamentalmente, políticos, na qual a intervenção militar – por ele definida como uma manifestação autocrática da Nova República – foi respondida à altura por meio de uma manifestação cívica, heterogênea e democrática sob o nome de Frente Sindical-Popular de Volta Redonda, reunindo 60 mil pessoas ao redor da CSN. Tratou-se, sem dúvida, de uma demonstração do grau de sinergia existente entre trabalhadores e moradores, em grande parte justificada por relações familiares. As violações cometidas contra os trabalhadores e a população local até hoje não foram verdadeiramente elucidadas, uma vez que a documentação referente a esta greve teria sido destruída, segundo resposta oficial do Comando do Exército Brasileiro à Folha de São Paulo em matéria de 11 de agosto de 2012. Desde então, alguns órgãos de informação têm publicado notícias que acusam o então Presidente da República e Chefe das Forças Armadas, José Sarney, de ter sido o autor da ordem de invasão da usina 4

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naquele fatídico dia 09 de novembro de 1988. Mesmo sob a vigência da Constituição promulgada no mês anterior, a relação de colaboração entre a Companhia Siderúrgica e as Forças Armadas expressava um longo histórico de autoritarismo e intervencionismo na CSN, como exposto a seguir.

Quando tudo começou... e então o Golpe O Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense foi fundado sob o nome de Associação Profissional dos Metalúrgicos de Barra Mansa, no município homônimo, nos idos de 1943, por conta da relativa presença de operários na Siderúrgica Barra Mansa, a qual compunha o parque siderúrgico do município, juntamente com a Metalúrgica Barbará, inaugurada em 1937. De acordo com Veiga e Fonseca (1990), com uma diretoria composta por getulistas que participaram posteriormente da fundação do Partido Social Democrático (PSD), a entidade teve seu nome convertido para Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Barra Mansa, em 1946, e teve a sua sede transferida para o então distrito de Santo Antônio de Volta Redonda, em 1947, onde funcionou provisoriamente num barracão da CSN, no bairro Laranjal. Como apontam os estudos de Monteiro (1995) e Pessanha e Morel (1991), o Sindicato dos Metalúrgicos apresentou três fases distintas que acompanharam as modificações no meio sindical brasileiro. A primeira, no pré-1964, quando se define como uma entidade colaborativa com o governo e conciliadora na relação capitaltrabalho, exercendo um papel decisivo no disciplinamento da força de trabalho que ingressou na Companhia. De acordo com esses estudos, desde a eleição da primeira diretoria, em 1951, estabeleceu-se “uma relação quase institucional entre Sindicato e empresa com frequentes reuniões de conciliação de interesses, com a breve substituição da opção pelo entendimento por outra pelo conflito, entre os anos de 1984 e 1991” (Monteiro, 1995, p.23). A transferência da sede da entidade de Barra Mansa para Volta Redonda ocorreu, possivelmente, em função da crescente centralidade da produção da CSN, planejada pelo governo brasileiro para sobrepujar em volume de produção todas as plantas siderúrgicas privadas do país. Assim sendo, o que se enfatiza é o alinhamento da

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entidade ao governo Vargas, sem a existência de um histórico de contestação ao Estado. A tutela estatal para com o sindicato teria fim apenas em 1955, quando os trabalhadores puderam, pela primeira vez, escolher seus dirigentes através do voto, rendendo a vitória da chapa comunista. A presença de membros do PCB na diretoria, no entanto, serviu como pretexto para o governo buscar intervir no Sindicato, tentativa frustrada devido ao apoio das bases. Após breve período em que os trabalhistas lograram voltar à direção da entidade pelas vias eleitorais, em 1963, os comunistas reconquistaram o controle do sindicato mas, desta vez, não chegariam ao fim de seu mandato devido à intervenção militar ocorrida logo em abril de 1964. De outra parte, a ligação entre CSN e Forças Armadas pode ser comprovada por meio de diversos Inquéritos Policiais Militares (IPMs) movidos ao longo do regime militar. A relação orgânica entre ambas estabeleceu-se desde a formulação e a implementação do Plano Siderúrgico Nacional, ainda sob o Estado Novo, e da formação de um complexo militar estatal nas décadas de 1950 e 1960. Os militares exerciam, portanto, influência não apenas simbólica, como também sobre as gerências e a vida política da usina. A pretexto da segurança e do desenvolvimento nacional, essa articulação empresarial-militar cria, já em 1942, nos primórdios da Companhia Siderúrgica, uma “polícia secreta”, comandada pelo Capitão Edgard Magalhães. A “gestapo” da CSN, como foi rapidamente apelidada pelos operários, estaria presente em cada seção da usina, nas reuniões e assembleias do sindicato, segundo relatos dos trabalhadores. Um exemplo dessa conexão com as Forças Armadas ocorreu quando, no dia do Golpe de 1964, as principais lideranças que se destacavam no cenário de Volta Redonda já estavam devidamente identificadas, facilitando o posterior trabalho de perseguição e prisão dos trabalhadores. Inclusive, as informações reunidas pela “gestapo” da siderúrgica, teria papel central no fornecimento de informações para os IPMs movidos ao longo do regime militar (BEDÊ, 2004). O posicionamento favorável ao Golpe Militar por parte da direção da empresa pode ser ilustrado pelo papel ativo do Diretor Industrial Mauro Mariano. Coordenado com o Comando Militar da região, os dois teriam estabelecido com antecedência o Plano de Segurança da usina. Vale registrar que esta ação ocorreu à revelia do então presidente da CSN, Almirante Lúcio Meira, demonstrando uma clara cisão entre parte

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da diretoria e a presidência pró-janguista. Tal plano consistia em uma estratégia antigrevista, na qual era previsto um esquema de alerta de todas as superintendências e chefias centrais da empresa em caso de ameaça grevista, conforme exposto no ofício expedido pelo diretor industrial para o Tenente-Coronel Luciano Salgado Campos, responsável pela posterior instalação do IPM-CSN. De acordo com o desenrolar dos acontecimentos e dentro das normas estabelecidas em Volta Redonda pelos responsáveis por essa segurança da Usina Presidente Vargas, as notícias que iam sendo recebidas em Volta Redonda pelos responsáveis por essa segurança eram checadas, confirmadas, examinadas e feita a correlação necessária com as providências a serem tomadas. Assim, em torno de 24 horas do dia 31 de março foram alertados os superintendentes e assistentes da Direção Industrial para que mantivessem em estado de alerta seus subordinados – chefes do grupo e departamentos e, estes, o restante da supervisão – para a possibilidade de perturbação da ordem da Usina. Em torno de 4 horas da manhã do dia 1° de abril, com a ordem de deflagração do plano dado pelo Diretor Industrial, seguindo as instruções previamente dadas em reuniões com supervisão de cada área, toda a supervisão presente em Volta Redonda foi convocada a ocupar, até 6 horas da manhã, os seus postos na Usina. Não houve comunicação à supervisão do plano de que tenha faltado algum elemento necessário a sua execução5.

Tal planejamento não apenas comprova que o Golpe de 1° de abril de 1964 já vinha sendo arquitetado, como evidencia a organização das empresas estatais estratégicas para a contenção de uma eventual reação às forças golpistas, oferecendo claras instruções aos supervisores e chefes de departamentos em caso de “perturbação da ordem”. Quando Lima Neto, então presidente do sindicato, no dia 1° de abril, organizou um piquete na entrada Leste da usina – por volta das 7 horas da manhã, exatamente no momento de mudança de turno dos trabalhadores –, além de acionar a cadeia hierárquica da empresa, o diretor industrial ordenou que sinais de rádio, TV e telefone fossem interrompidos. O objetivo era impedir a entrada de conhecidas lideranças sindicais à usina e assim evitar a comunicação do movimento grevista com os trabalhadores. As tropas do 1° BIB e da AMAN invadiram a passarela por volta das 7:30hs, dispersando os líderes grevistas, que decidiram entrar na usina na tentativa de mobilizar seus companheiros desde seu interior. Só então se deram conta que os 5

Boletim de Serviço n° 71, da Companhia Siderúrgica Nacional, de 16/04/1964. Acervo pessoal de Genival Luís da Silva. O material encontra-se sob os cuidados de pesquisadores da Comissão Municipal da Verdade, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que estão trabalhando na construção do Centro de Memória de Volta Redonda.

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telefones internos haviam sido cortados e que a mobilização teria que ser feita pessoalmente, recorrendo os departamentos e seções. Às 10 horas da manhã, como era de se esperar, João Alves dos Santos Lima Neto, presidente do Sindicato, foi preso no interior da usina e levado ao 1° BIB (BEDÊ, 2010). A notícia da prisão de Lima Neto se espalhou rapidamente dentro da usina, causando grande indignação dos operários e resultando na maior adesão à paralisação após o almoço. De acordo com o IPM-CSN instalado dias depois, 99 operários de diferentes departamentos, em sua maioria do Departamento de Recuperação Material (DRM), encerraram o ponto após o almoço, entre 10:50hs e 12:45hs, alegando receio da corrida aos armazéns, provocada em decorrência da situação de instabilidade em que o país se encontrava. Além desses trabalhadores, outros 60 seriam punidos através de demissões e prisões no 1° BIB e na AMAN. A repressão atingiu inclusive escalões mais altos da direção da empresa: um grupo de trabalhadores encerrou o ponto às 9:20hs, provocando a demissão dos dois chefes responsáveis da Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM) (BEDÊ, 2010). Concomitante à iniciativa de Lima Neto de mobilizar a categoria no interior da usina, o trabalhista Othon Reis, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos derrotado na eleição sindical de 1963, decidiu ocupar a Rádio Siderúrgica6 para informar à categoria a necessidade de resistência à ameaça de Golpe contra o governo Goulart. Às 6 horas da manhã, tropas do 1° BIB foram enviadas para a rádio, a pedido do diretor industrial da CSN. Em demorada disputa com as forças repressivas, a rádio ainda chegou a transmitir, em cadeia com a Rádio Nacional, a segunda “Cadeia da Legalidade”7 até as 16hs sob ordens, segundo relatos, do próprio presidente da CSN, o general Lúcio Meira. Às 16:20hs, a Rádio foi posta totalmente sob controle militar (BEDÊ, 2010).

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A Rádio Siderúrgica Nacional foi criada em 9 de abril de 1955, por ocasião da celebração dos 14 anos da CSN, nasce subordinada Departamento de Comunicação. A rádio cumpria, de um lado, um papel na integração dos trabalhadores da usina em prol da disseminação de um projeto nacional-estatista, de base trabalhista, e, de outro, funcionou como mecanismo de enriquecimento cultural (GONÇALVES, 2012). 7 Com a intenção de uma vez mais protelar a chegada dos militares ao poder, tal qual havia ocorrido em 1961 com a primeira Cadeia da Legalidade, a partir da Prefeitura de Porto Alegre (RS) planejou-se a reedição da Cadeia da Legalidade, transmitindo pronunciamentos com o objetivo de garantir a permanência de João Goulart no governo.

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Além da resistência na usina e na Rádio, reprimidas pela presença das forças militares em articulação com a direção da companhia, outro grupo de trabalhadores ainda se reuniria na sede do Sindicato e na Avenida Amaral Peixoto, importante centro comercial de Volta Redonda. Na saída do turno de 17:15hs, os trabalhadores encheram um caminhão

e dirigiram-se para o Sindicato, onde as tropas militares já se

encontravam concentradas no entorno. Os trabalhadores haviam feito um cordão de isolamento, mas a certa altura os soldados forçaram o cordão e invadiram a sede. Alguns líderes conseguiram fugir, outros foram presos ali mesmo. Com a invasão da sede, a documentação do sindicato desapareceu e este teve seu patrimônio depredado pela ação do 1° BIB. Nestas alturas, a gente não tinha notícias se o governo tinha renunciado ou não e a gente ficou assim, vamos dizer, numa briga com os militares, eles querendo entrar e a massa não deixando o pessoal tomar o Sindicato. Isto foi até por volta de 19 horas; inclusive eu e outro companheiro demos sugestão para o pessoal fazer um outro cordão de isolamento porque os caras estavam pressionando cada vez mais, o Comandante da tropa tentava passar, ele ia, tentava passar, o pessoal empurrava, ele voltava... Isto aí todos com a bandeira do Brasil: “Queremos o Lima Neto”, “Enquanto não sair o Lima Neto não vamos sair daqui”. (...) Eles só invadiram por volta das 19:45hs, (...) quando invadiram, foi um pânico total, um massacre mesmo. Os caras chegaram com baioneta, os tanques, aí tomaram o sindicato e prenderam todo mundo que estava lá em cima, tomaram a aparelhagem de som, abafou tudo, e quando foi 20:30, mais ou menos, já não podia circular mais de três pessoas pela Amaral Peixoto; isto aí ficou deserto, foi um caos total (...) Aí tem o dia seguinte: o dia seguinte é que é o mais triste, porque além da repressão militar, o interior da Usina foi todo ocupado (...), quem chegava no interior da Usina via um verdadeiro quartel. (Militante sindical ligado à JOC. Retirado de MOREL, 1989).

Após este episódio, sob a alegação do sindicato de haver ficado “acéfalo”, obviamente em consequência da prisão arbitrária ou fuga forçada de suas lideranças, o novo governo designou uma junta interventora. Chama a atenção que este último episódio não conste do posterior IPM instaurado para apurar os acontecimentos do 1° de abril na CSN, sendo apenas registrado através dos depoimentos orais daqueles que os vivenciaram. O Golpe, já no seu primeiro dia, teve um impacto arrasador para a vida política e sindical da região. A diretoria do sindicato e parte da diretoria da CSN foram afastadas. Jesus Soares Pereira, político experiente que exerceu diferentes tipos de assessoria desde o governo Vargas e ocupava o cargo de Diretor de Venda da CSN, teve seus 9

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direitos políticos cassados pelo AI-1; o Alm. Lucio Meira demitiu-se e retirou-se para a reserva; o Diretor-secretário Wandir de Carvalho e o Diretor de Serviços Sociais, Othon Reis, foram presos na AMAN. Volta Redonda foi cercada pelo 1° BIB, o sindicato invadido e Lima Neto preso dentro da usina. Ainda em abril, a CSN abriria um IPM para apurar atividades subversivas realizadas no âmbito da empresa, realizando dezenas de interrogatórios com indiciados e testemunhas.

As violações aos trabalhadores e a colaboração entre CSN, Forças Armadas e poderes públicos estatais O resultado da ação grevista foi a demissão, a prisão e, em alguns poucos casos, a fuga das principais lideranças operárias da região, fossem elas de orientação trabalhista ou comunista. A prisão em massa foi a estratégia adotada pelo novo diretor industrial da CSN em consonância com as forças militares lideradas pelo Comandante Militar do Golpe na região. O saldo final da repressão aos trabalhadores foi a prisão de 58 líderes envolvidos direta ou indiretamente no movimento grevista de 1° de abril no decorrer dos dois primeiros meses de vigência do regime militar, conforme consta no IPM-CSN, de 16 de abril de 1964. As datas das detenções demonstram como o alvo primordial do Comando Militar na região foram os trabalhadores, sejam aquelas lideranças que reconhecidamente atuaram na organização da resistência ao Golpe, sejam aqueles funcionários que apenas simpatizavam com o governo Goulart e sustentavam o trabalho da diretoria do Sindicato. Nesse contexto, o interventor Orlando Alvisse assumiu a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos, dando início a uma nova fase da história política para a região. Ainda como resultado do IPM-CSN, 77 trabalhadores foram demitidos, muitos dos quais foram presos e/ou atingidos pelo AI-1. Outros onze funcionários da CSN foram punidos com aposentadoria compulsória, também de acordo com o AI-1, conforme consta no Diário Oficial da União de 06 de outubro de 1964. Nessa verdadeira “caça às bruxas”, três diretores, identificados logo abaixo, destacaram-se por atuarem ao lado das forças repressivas, participando da delação de diretores alinhados ao governo que sofria o Golpe e fornecendo, junto à “gestapo” da

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CSN, listas de trabalhadores8 que participaram da ação grevista, como pode-se observar logo adiante (quadro 1). A nova composição da diretoria da empresa, além da substituição da maioria de seus atores, extinguiu alguns cargos que, desde os anos 1950, expressavam a influência do sindicato no interior da usina, como é o caso do cargo de diretor secretário. No caso da direção de serviços sociais, a CSN passava a designar diretamente seu responsável, sem passar pelo crivo do sindicato já sob intervenção9. Vejamos: Quadro 1 Diretoria da CSN em 1964 Em 31 de

Presidente

Alm. Lúcio Martins Meira

março

Vice-Presidente

Gal. Mário Gomes da Silva

Diretor Industrial

Eng° Mauro Mariano da Silva

Diretor de Matérias Primas

Mauro Ramos

Diretor de Vendas

Jesus Soares Pereira

Diretor de Compras

Joaquim Mendes de Souza

Diretor de Transportes

Moacir Araújo Pereira

Diretor Tesoureiro

Cmt. Benvindo Taques Horta

Diretor Secretário

Wandyr de Carvalho

Diretor de Serviços Sociais

Othon Reis Fernandes

Em 25 de

Presidente

Eng° Oswaldo Pinto da Veiga

abril

Presidente

Eng° Antônio Carlos Gonçalves Penna

Diretor Industrial

Eng° Mauro Mariano da Silva

Diretor de Matérias Primas

Mauro Ramos

Diretor Comercial

Eng° Arnaldo Claro São Thiago Filho

Diretor Tesoureiro

Cmt. Benvindo Taques Horta

Diretor de Pessoal e Serviços Sociais

João de Castro Moreira (até 26/04/1965) Eng° Newton Coimbra de Bittencourt Cotrim

FONTE: PEREIRA, 2007: 81. 8

Vale destacar que a demissão em massa ou aposentadoria compulsória dos operários por razões políticas teve um impacto significativo na vida pessoal desses trabalhadores e suas famílias, que representou quase sempre uma situação de pauperização. A elaboração de listas de trabalhadores considerados subversivos, as chamadas “listas negras” ou “listas sujas”, implicava no desemprego crônico e tinha como consequência a necessidade de deslocamento para outras regiões em busca de trabalho, bem como, em muitos casos, a desestruturação da vida familiar. 9 Os cargos de diretor secretário e diretor de serviços sociais foram criados por pressão dos trabalhistas que assumiram o sindicato em 1955 e se transformaram em um canal direto de comunicação entre sindicato e empresa.

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ESTEVEZ, Alejandra e LIMA, Raphael J. da C. “A articulação empresarial-militar na cidade de Volta Redonda: violações aos direitos humanos da classe trabalhadora” in CARRARA, Ozanan (org). Direitos Humanos na América Latina. Nova Petrópolis: Nova Harmonia/São Leopoldo: Karywa, 2015.

Compondo este quadro, constata-se o estreitamento dos canais de comunicação entre a direção da CSN e os militares, conforme revela uma carta enviada por um dos diretores da companhia ao alto comando do Exército. Nela, destaca-se a importância do 1° BIB no controle e na segurança de Volta Redonda, que sai do âmbito da usina siderúrgica para estender-se por toda a cidade. O documento expõe ainda que o novo presidente, General Oswaldo Pinto da Veiga, antigo vice-presidente de matérias- primas em 1962, teria pedido para que os oficiais de alta patente se mudassem para Volta Redonda, de maneira a conhecer mais profundamente os hábitos e o modo de vida da população, contribuindo assim para o mais efetivo controle dos habitantes. Esta correspondência traz ainda a revelação de que a direção da companhia teria oferecido 16 casas a esses militares na Vila Santa Cecília, bairro destinado a engenheiros e técnicos da CSN, como atrativo para a sua transferência10. Seriam doados pela empresa, ainda, 10 veículos utilitários Rural Willis “em reconhecimento pelos serviços prestados em defesa da democracia e da Companhia Siderúrgica Nacional” (BEDÊ, 2004: 234). Já em julho de 1964 veio o primeiro decreto que garantiu a política de arrocho salarial implementada pelos governos militares dali por diante. De acordo com o Decreto n° 54.018, de 14 de julho de 1964, o Conselho Nacional de Política Salarial, criado em 1963, passava a estabelecer normas sobre a política salarial do governo. Este decreto se caracterizava por um maior controle do Estado na política salarial, condicionando qualquer reajuste, revisão ou acordo salarial do serviço público federal à prévia audiência do referido Conselho. Assim, além das violações aos direitos dos trabalhadores presos, cassados, aposentados compulsoriamente, etc., uma das primeiras consequências à repressão e intervenção dos sindicatos consistiu na deterioração salarial, evidenciando os interesses dos setores empresariais e o caráter de classe da ditadura, que visava atingir não apenas direitos políticos, como o direito de manifestação, de expressão, de ir e vir, mas atingia também direitos básicos, como o direito à subsistência, à saúde e à moradia. A política de desenvolvimento econômico estabelecida pelo regime militar modificou a estruturação das relações sociais no interior da usina. Em 1964, a CSN 10

Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ). Coleção Companhia Siderúrgica Nacional. Caixa 1.

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ESTEVEZ, Alejandra e LIMA, Raphael J. da C. “A articulação empresarial-militar na cidade de Volta Redonda: violações aos direitos humanos da classe trabalhadora” in CARRARA, Ozanan (org). Direitos Humanos na América Latina. Nova Petrópolis: Nova Harmonia/São Leopoldo: Karywa, 2015.

passou a estabelecer nova política de admissão dos trabalhadores, organizando concursos públicos através do Centro de Treinamento e Seleção, criado especialmente com esta finalidade. Havia uma maior demanda por mão de obra qualificada, contribuindo para a segregação social no interior da usina entre esta nova categoria e os trabalhadores de chão de fábrica. O Plano de Cargos e Salários, criado pela empresa em 1966, só reforça a distância entre os trabalhadores qualificados e os demais. Junto a isso, estabelece-se um método de avaliação meritocrático, o Sistema de Avaliação e Desempenho, reforçando o mérito individual como critério de promoção, em lugar da antiguidade e experiência do trabalhador. Esta hierarquização do espaço fabril amplia o poder dos chefes de unidade, contribuindo para o assédio moral nos locais de trabalho, além de atingir a constituição dos laços identitários e de solidariedade entre os trabalhadores (PEREIRA, 2007: 60). Ainda no contexto da década de 1960, diversos líderes sindicais atuantes foram vítimas de perseguição pela empresa. Um caso que se tornou notório foi o de Genival Luís da Silva, sindicalista que teve cassado o seu mandato como diretor do Sindicato dos Metalúrgicos , por ocasião do AI-5 e, em seguida, foi demitido da empresa, juntamente com os também dirigentes sindicais Isnard Coutinho e Wilton Meira, conforme o Diário Oficial de 08 de agosto de 1969. Um relatório acerca das atividades ligadas ao sindicato revela a participação direta da direção da CSN na identificação dos “metalúrgicos subversivos”. O documento, assinado pelo comandante do 1° BIB, coronel Armênio Pereira, atesta que o general Alfredo Américo da Silva, então presidente da CSN, ao lado do diretor de Pessoal e Serviços Sociais, Dr. Jorge da Silva Mafra Filho, “solicitaram audiência ao Sr. Ministro do Trabalho, a quem entregaram cópia de uma documentação, já enviada ao SNI, afirmando a periculosdade dos dirigentes sindicais”11. (...) era cinco e meia da tarde quando o Congresso lá promulgou e tal aí o Costa e Silva falou: Ai, o Ato 5. Aí sete e meia da noite encostou um carro do Exército aqui no sindicato, na porta do sindicato. Entrou no sindicato e o pessoal falou: O Exército, o Exército. E tal. Aí começou a pular gente lá pela janela, lá pelos fundos do sindicato lá pra Gustavo Lira e foi um corre corre medonho e diretor de lá só tinha o Ilton, o Isnard. Não! É! O Ilton, o Isnard e 11

Relatório das atividades ligadas ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Barra Mansa, Volta Redonda, Resende e Barra do Piraí, assinado pelo Cel. Armênio Pereira, em 15 de maio de 1969, p. 103.

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alguns companheiros lá. A direção da suplência que a suplência acompanhava a gente direitinho, os suplentes, nossos suplentes. Pessoal todo cada um tinha uma função, né nas (...). Aí prenderam ali umas 10 ou 15 pessoas naquela noite no dia do Ato 5, dia 13 de dezembro 1968. Aí foram lá em casa. Aí foram lá: Olha, não vai lá pro sindicato não amanhã. Não vai pro sindicato não. Te esconde que já prenderam alguma gente e tão prendendo o pessoal na rua. Aí eles estavam em caravanas, estavam prendendo na casa aas pessoas, companheiros que eram, que já tinham sido presos lá em 1964, né. Lá em 1964. Já tinham sido presos, já tinham procurado, estavam respondendo processo ou não estavam e tal. Saiu da companhia, foi, foi cortado da companhia, foi demitido e tal. Aí eles estavam buscando eles, aqueles que tinha atividade no sindicato, algum lugar político mermo. Até pessoa da direita foi preso também. Conclusão, aí prendeu uma porção de gente e levaram pra lá. (...) Aí, levaram lá pro BIB. Não ia pra delegacia policial não. Encheram os carros e tal e levava pro BIB. Aí, no dia seguinte, pessoal foi lá em casa e falou assim ó: Você não vai, foge, sai fora e tal. Eu falei assim: Eu não, eu não vou sair fora não. Eu vou pro sindicato. Quando foi sete horas da manhã cheguei lá com a minha pastinha na mão e tal, aí o pessoal: Pô, cara, vai embora, some daqui, sai daqui que eles vão. Teus colegas já tão lá, todo mundo já tá preso lá e você. Eu digo assim: Não, eu não vou sair daqui não. Deixa eles vir aí. Aí quando foi dez horas, dez pouca, encostou um carro. A Avenida Amaral Peixoto estava assim ó, todo mundo desesperado, todo mundo dizendo: Mas por que que você fez isso com o sindicato? Qual o problema do sindicato? Não tinha nada, não se fazia nada no sindicato. Fazia nada. O sindicato não funcionava porque não tinha condição. Nós estávamos em plena Ditadura. Volta Redonda é área de segurança nacional. (...) Aí eles fecharam o sindicato. Fecharam o sindicato e mandaram o pessoal ir pra casa. Mas não fui eu que mandei, foi o Exército. Ah, meu camarada mas isso me custou caro à beça. Aí eu fui na carroceria da pick-up, junto com dois sentinelas, junto com os dois soldados armados de baioneta. Cheguei lá já fui direto pro cubículo. Fui direto pro cubículo. Quando cheguei lá, rapaz, tinha mais de 40 pessoas. Tinha um velhinho de 78 anos, aqui do Pinto da Serra, preso porque era simpatizante do partido. Eu conhecia ele12.

De outra parte, a Igreja Católica da região, após a chegada do bispo Dom Waldyr Calheiros de Novaes, em 1966, passa por uma série de transformações de caráter político e teológico. O Concílio Vaticano II, recém-concluído em 1965, havia consolidado a ideia de uma Igreja dos pobres e as experiências de movimentos ligados à Ação Católica deixavam já sua marca na organização coletiva das camadas populares. Dom Waldyr, ordenado bispo no dia 1° de maio de 1964, assumiria uma identidade marcadamente operária, lançando-se em defesa dos direitos dos trabalhadores ao chegar a Volta Redonda. Apesar dos embates entre Igreja e Estado militar terem se dado desde os primeiros dias do bispado de Dom Waldyr, é também no ano de 1969 que o bispo 12

Depoimento de Genival Luís da Silva na Comissão Municipal da Verdade de Volta Redonda, 19/02/2014.

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diocesano passa a se empenhar na denúncia de torturas ocorridas no interior do 1° BIB, primeiramente contra o metalúrgico e sindicalista, Genival Luís da Silva, e, posteriormente, contra o padre Natanael Campos e alguns jovens militantes da JOC, como exposto mais adiante. Neste momento, as forças militares já haviam começado uma campanha de difamação e perseguição ao bispo de Volta Redonda e alguns de seus sacerdotes e leigos, conforme relatório enviado pelo comandante do 1° BIB, Tasso Villar de Aquino, para o presidente da Comissão Geral de Inquérito Policial Militar, datado de 1° de dezembro de 196913. Nos jornais e rádios locais circulavam notícias que disseminavam a imagem de um bispo subversivo, alinhado com os comunistas, legitimando assim a instauração de três IPMs movidos contra membros da diocese e uma série de atos persecutórios ao longo de todo o período militar. No ano de 1970, o Comando da Guarnição Federal de Barra Mansa e Volta Redonda inicia ações mais diretamente voltadas para a perseguição e prisão de militantes da esquerda armada, animados pela desorganização de movimentos da guerrilha armada em nível nacional, marcados pela morte de Marighela, em 1969, e de Joaquim Câmara Ferreira, ambos dirigentes da Ação Libertadora Nacional (ALN), neste mesmo ano. Assim, o 1° BIB assume papel de maior proeminência na ação repressora da região, recebendo o aval das instâncias superiores para a prisão de todos que, direta ou indiretamente, estivessem envolvidos ou comprometidos com ações subversivas. Nessa nova fase de perseguições, foram detidos, no dia 10 de novembro de 1970, os militantes Hélio Medeiros de Oliveira e João Cândido de Oliveira, junto a seu assistente eclesiástico, padre Natanael de Moraes Campos, barbaramente torturado por suas ações consideradas subversivas no âmbito da JOC. Um novo IPM foi então instaurado para investigar as ações de padre Natanael e de uma série de militantes da JOC. Este incidente se insere num contexto mais amplo de prisão de jocistas na região, bem como encontra explicação numa ação orquestrada de perseguição à JOC em nível nacional, cuja invasão ao Ibrades foi o fato mais emblemático e mais amplamente repercutido na grande mídia. Foram detidos 30 militantes, entre jocistas e ex-jocistas, na região Sul Fluminense 14. Após um acidente 13

Ofício n° 233-E/2, de 1°/12/1969. Relatório do IPM de atividades subversivas da Diocese de Volta Redonda. Arquivo Nacional, BR_DFANBSB_AAJ_IPM_0853_d. 14 Conforme relatório parcial da Comissão da Verdade de Volta Redonda, 2014.

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automobilístico com um veículo pertencente à paróquia de Santa Cecília, o padre Natanael Campos e o militante João Cândido foram interrogados, o que teria permitido com que as autoridades militares confirmassem “todas as suspeitas que contra eles pesavam, através de detalhadas confissões e informações sobre a existência de farto material de propaganda subversiva ocultado no barracão onde ambos residiam, na Vila Brasília”15. Da parte da Igreja, segundo as autoridades militares, estavam comprovadamente envolvidos os padres Natanael e Arnaldo Alberti Werlang. Alguns anos depois, mais precisamente em 1973, Volta Redonda foi declarada como Área de Segurança Nacional, através do decreto-lei número 1.273 assinado pelo presidente Emílio Garrastazu Médici (EGALON, 2002). As Áreas de Segurança Nacional foram instituídas pelo governo federal em 1966 com o Ato Institucional número 3 (AI-3), mas apenas passou-se a cogitar a cassação da autonomia de Volta Redonda quando se estabeleceu o Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) pela lei 5.727 de 04 de novembro de 1971, exigindo estabilidade política para a efetivação da última etapa de expansão da CSN, o Plano D. Assim, em janeiro de 1973, muito provavelmente em função da inflexão dos movimentos de contestação de trabalhadores assessorados por uma Igreja Católica cada vez mais simpática às demandas populares, iniciou-se uma intervenção na administração pública municipal, apenas encerrada em 1985. Significava com isso que o Exército exerceria plena influência na definição dos prefeitos municipais. Dom Waldyr Calheiros relata: Na época do regime militar, quem mandava na cidade era o coronel comandante do BIB [Coronel Armênio Pereira], destaque em todas as manifestações públicas. O prefeito, nomeado pelo governo, não passava de figura decorativa. O patrulhamento constante feito pelo Exército dava impressão de que todos nós estávamos prisioneiros, submissos e aplaudindo por onde passavam. Eram ostensivamente arrogantes. As prisões sucessivas e arbitrárias de pessoas suspeitas foram irritando a população e gerando conflitos no seio das famílias (Entrevista de Dom Waldyr Calheiros em COSTA, 2001: 90).

A Oposição Sindical e as greves dos anos 1980 A inclusão de Volta Redonda no conjunto de localidades consideradas como Áreas de Segurança Nacional e, naturalmente, a intensificação da presença local dos militares não impediram, contudo, que os trabalhadores da CSN avançassem no seu 15

Nota à imprensa falada e escrita, de 10.11.1970.

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processo de organização via Sindicato dos Metalúrgicos. Nesse sentido, a entidade vivenciou, entre o início da década de 1970 e a primeira metade da década de 1980, uma plena reconfiguração, abdicando de seu alinhamento ao governo e aglutinando em seu corpo dirigente sindicalistas formados nos movimentos de base da Igreja Católica, provenientes sobretudo das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Em outros termos, os militantes de Volta Redonda participaram ativamente do movimento denominado “Novo Sindicalismo”, no qual a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT) se constituíram. Depois das intervenções sofridas pelo sindicato em 1964 e 1968, os trabalhadores se aglutinaram em torno da figura de Waldemar Lustoza Pinto, oriundo dos quadros da Igreja e apoiado pelo Departamento Trabalhista do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Lustoza foi eleito para a diretoria em 1974 sem, contudo, avançar no atendimento dos interesses da base dos metalúrgicos. A sua gestão apenas reforçava a continuidade do alinhamento entre governo e sindicato, fato constatado pela manutenção do Ministério do Trabalho enquanto provedor do curso de formação sindical da entidade (Monteiro, 1995). A passividade da diretoria do sindicato motivou a composição, no interior do Departamento Trabalhista do MDB, de uma composição de militantes com experiência prévia de atuação na Igreja, nascendo assim a Oposição Sindical, gestada em 1979 como alternativa à “direção pelega” do Sindicato. Essa mobilização não impediu a permanência de Lustoza à frente da entidade por três mandatos consecutivos (1974-77; 1977-80; 1980-83), mas fortaleceu-se a partir dos seguintes fatos: forte repressão aos trabalhadores pelo regime militar; e implementação de uma política econômica de forte arrocho salarial, o que atingiu cruelmente a classe trabalhadora. Em 1983, a Oposição Sindical, imbuída do espírito do Novo Sindicalismo, conquista a direção do Sindicato com a vitória de Juarez Antunes. No mesmo ano, é deflagrada na Siderúrgica Barbará de Barra Mansa a primeira greve registrada na região em reação às difíceis condições de trabalho no processo siderúrgico. E, em 1984, explode a primeira greve de ocupação da CSN com a participação de 22 mil trabalhadores, além de um grande número de mulheres e filhos dos operários que se concentravam do lado de fora da usina ao lado de outros setores populares. Além de

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organizar as greves, o trabalho da Oposição Sindical, segundo Mangabeira (1993), acabou sendo fundamental para a conquista pelos trabalhadores do reconhecimento pela gerência da empresa das “comissões de fábrica” e da implantação e democratização da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), em 1985. No ano seguinte, logo após a reeleição da chapa de Juarez Antunes, uma nova greve eclodiu na CSN, desta vez do lado de fora da empresa.

No dia 1º de outubro, época em que Paulo Brossard era ministro da justiça e Hugo Castelo Branco respondia pelo Ministério da Industria e Comércio, a greve foi feita do lado de fora, com a organização de piquetes, precisamente pela avaliação que os trabalhadores fizeram, com relação a uma provável intervenção do Exército. A avaliação mostrou-se correta. Pela primeira vez, o Exército invadiu a CSN, numa operação antiguerrilha. A repressão levou os operários a retornarem ao trabalho no dia seguinte. (GRACIOLLI, 1997: 80)

Esta greve foi marcada pela primeira invasão do Exército à Usina Presidente Vargas e foi sucedida por outra, em dezembro daquele ano, que novamente contou com a intervenção militar, conforme um depoimento extraído de Veiga & Fonseca (1990). Essa foi a segunda invasão do Exército, e de lá para cá, virou rotina ele entrar dentro da usina com os seus tanques urutus, cascavéis; com metralhadoras, fuzis e soldado. Nesta segunda invasão o operário medrou, a direção do sindicato medrou. Ficamos com medo do Exército dar porrada, mas o movimento não parou. (VEIGA & FONSECA, 1990: 65).

O histórico de greves seria engrossado pela terceira, em decorrência da campanha salarial de 1987. A greve durou cinco dias e contou com a paralisação da produção da CSN e da FEM (GRACIOLLI, 1997: 90). A greve de 1987 demarcou o aumento da repressão política, sobretudo com a intervenção militar, e da pressão sobre os trabalhadores, os quais passavam a ser exigidos a atingir níveis cada vez mais elevados de produtividade, de forma a contrabalançar a crise financeira atravessada pela companhia. Busca de eficiência pelo incremento da produtividade e inflação com arrocho salarial foram fatores que, somados às precárias condições de trabalho e às péssimas condições de preservação dos equipamentos (o que colocava em risco a saúde e integridade dos trabalhadores) potencializaram ainda mais as chances de novas paralisações nos meses seguintes. Graciolli (1997) é enfático ao caracterizar o processo grevista no interior de uma usina siderúrgica do porte da CSN, uma vez que qualquer paralisação no alto-forno 18

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(simplificadamente, é onde o minério de ferro se converte em gusa, dando-se encaminhamento ao processo de produção de aço) por um único dia provocaria o seu resfriamento, o que exigiria um investimento milionário para a sua reforma, algo absolutamente impensável para uma companhia em estado falimentar. Antes de qualquer intervenção militar, respaldada pelo argumento de ameaça à integridade de equipamentos que se constituíam em bens públicos, seria desejável que governo, direção da empresa e sindicato negociassem, o que naturalmente não impediu nem a realização das greves nem a repressão por parte do Exército. O ano de 1988 foi marcado por três paralisações na CSN. A primeira, em janeiro de 1988, tratou-se de uma paralisação de 400 funcionários da Montreal, empreiteira que prestava serviços à Companhia. Pouco depois, em maio, operários da CSN, da FEM e de empreiteiras prestadoras de serviço, após a realização de uma assembleia, se concentraram no pátio da Superintendência de Oficinas Mecânicas (SOM) da usina, paralisando 100% da produção por cerca de 65 horas. O Exército novamente interferiu e pôs fim à greve. Em novembro do mesmo ano, ocorreu uma das mais emblemáticas greves do movimento sindical brasileiro, quando, motivados pela defasagem salarial de 26,06% provocada pelas perdas do Plano Bresser, os operários iniciaram um movimento pautado em quatro eixos: reposição da perda salarial dos funcionários da CSN; aumento real de 17,68% sobre a Unidade Referencial de Preços; a implantação do turno de seis horas; e a readmissão, conforme a nova Constituição, dos que haviam sido demitidos desde 1984 em pequenas paralisações (Costa et al., 2001, p.154). Com o aval da diretoria da empresa, o Exército invadiu a usina e, em um confronto na aciaria, os operários Walmir Freitas Monteiro, de 27 anos, Carlos Augusto Barroso, de 19 anos, e William Fernandes Leite, de 22 anos, foram mortos, no dia 9 de novembro de 1988, conforme iniciamos este artigo. A paralisação durou 23 dias, deixando um saldo de três mortos e quarenta feridos, além de alcançar repercussão internacional. Por outro lado, conforme salienta Graciolli (1997), os operários conseguiram a Unidade de Referência de Preços (URP) de julho/88 (17,68%), a implantação do turno de seis horas e a reintegração de 117 operários demitidos em outras paralisações.

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Nessa conjuntura, ocorreram em 15 de novembro, ou seja, em meio à greve, eleições para a Prefeitura de Volta Redonda, com a vitória do líder sindical José Juarez Antunes, candidato pelo Partido Democrata Trabalhista (PDT). Documentos produzidos pela Assessoria de Segurança e Informação (ASI) da CSN, dirigida pelo general Bismark, ajudam a ilustrar o grau de alerta dos militares e da direção da empresa no que tange à mobilização sindical, notadamente ao papel de liderança da carismática figura de Antunes e do então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda (SMVR), Marcelo Felício. Hoje, dia 07novembro de 1988, às 13 horas, José Juarez Antunes dirigiu-se à entrada do Escritório Central (EC) da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) com a finalidade de convocar os empregados que ali trabalham para a greve que havia sido iniciada no interior da Usina Presidente Vargas (UPV). Durante o seu discurso, Juarez informou que irá realizar um piquete, em dia e horas não divulgados, com o objetivo de paralisar os computadores e os telefones, serviços essenciais que funcionam no interior do EC. Como o carro de som encontrava-se na frente do EC, a gerência de segurança da UPV trancou o portão que dá acesso à passagem superior da usina e, como reforço, colocou uma caminhonete veraneio, que faz parte da frota de veículos da guarda patrimonial, barrando a abertura do referido plantão. O carro de som do SMVR encostou paralelo à cerca e Marcelo Felício, atualmente presidente do SMVR, incitou os trabalhadores a retirarem à força a caminhonete da rua e arrebentarem o cadeado do portão16.

Juarez Antunes elegeu-se prefeito de Volta Redonda, completando uma trajetória que foi de líder sindical a chefe do executivo municipal. Assumiu o governo em 01 de janeiro de 1989 e morreu, pouco depois, em acidente automobilístico a caminho de Brasília. A despeito da tese de assassinato, defendida por pessoas como o influente bispo diocesano Dom Waldyr Calheiros, que assegurava ter recebido pouco antes uma carta anônima que alertava sobre a presença do seu nome e o de Juarez Antunes em uma lista de pessoas “marcadas para morrer”, o laudo de óbito oficial indicou morte por acidente.

No dia 1º de maio de 1989, foi erguido, na hoje chamada Praça Juarez Antunes, um memorial projetado por Oscar Niemeyer, em homenagem aos três operários mortos na greve de 1988. Horas depois da inauguração, a explosão de uma bomba praticamente destruiu o monumento, atentado que foi atribuído ao Exército. Niemeyer foi convocado 16

Arquivo Nacional, ARJ_ACE_16820_88.

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para reconstruir o monumento, mas propôs que, ao invés disso, o monumento fosse mantido em tais condições. Constituiu-se assim em lugar de memória (LE GOFF, 1994), tanto do autoritarismo de Estado quanto dos trabalhadores brutalmente assassinados.

Considerações Finais Conforme procurou-se demonstrar, o tratamento recebido pelos trabalhadores nas greves dos anos 1980 revela um lastro dos tempos ditatoriais, insinuando que a promulgação da Constituição Cidadã parece não ter sido suficiente para evitar a violação dos direitos da classe trabalhadora. Nesse sentido, a repressão aos operários, seguida das mortes de William, Walmir e Barroso, no interior da usina, foram acontecimentos emblemáticos, ao mostrar que o aparato militar típico do período ditatorial manteve-se ativo e atuante em plena democracia. A permanência do autoritarismo do regime militar é marcada pela estruturação de um sistema de controle, monitoramento e repressão que teve início ainda sob a ditadura varguista. A íntima relação estabelecida entre setores das Forças Armadas e as diretorias da CSN datam, como vimos, do período anterior ao Golpe de 1964 e se dão em decorrência de afinidades de interesses de classe. Contudo, a ditadura civil-militar brasileira amplificou os mecanismos de violações dos direitos humanos voltados contra os trabalhadores da companhia e extinguiu os dispositivos de organização do movimento sindical e oposição ao governo. Nos anos 1980, marcados pelas lutas em prol da anistia e da redemocratização do país, assistiu-se a uma profunda articulação entre movimentos sociais (moradia, posseiros, direitos humanos, etc.) e o movimento sindical da região, a ponto de suscitar a criação de um fórum permanente que congregava os movimentos da cidade e reuniase na Cúria Metropolitana. Movimento sindical e religioso, de um lado, empresários e militares, de outro, polarizaram ao longo de mais de duas décadas o debate políticoideológico no Sul Fluminense e disputaram corações e mentes. Dimensionar os elementos presentes desse passado autoritário e refletir sobre a maneira pela qual a democracia contemporânea vem enquadrando seu passado ditatorial e, consequentemente, projetando seu futuro democrático, são aspectos do inconcluso

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processo de justiça de transição brasileira e devem receber a devida atenção tanto do mundo acadêmico, quanto do universo sindical e do Estado brasileiro.

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