A articulação político-institucional de um monarca constitucional para o Império do Brasil (1826-1831)

July 4, 2017 | Autor: Luís Rechdan | Categoria: Brazilian History, Historia política y social siglos XIX y XX, Historia Política
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A ARTICULAÇÃO POLÍTICO-INSTITUCIONAL DE UM MONARCA CONSTITUCIONAL PARA O IMPÉRIO DO BRASIL (1826-1831)

Luís Henrique Junqueira de Almeida Rechdan (USP)

Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar alguns aspectos teórico-metodológicos da pesquisa de doutorado, em andamento, sobre a construção político-institucional do papel a ser desempenhado pelo imperador à frente dos poderes moderador e executivo, de 1826 (abertura dos trabalhos da Assembleia Geral, com o início da Primeira Legislatura) a 1831 (abdicação de dom Pedro I, antes do início da segunda sessão anual legislativa da Segunda Legislatura), a partir do diálogo estabelecido entre os representantes desses poderes estatais e os do poder legislativo. Apesar do amplo rol de atribuições conferidas, em abstrato, ao imperador – delegado privativo do poder moderador, enquanto Chefe Supremo da Nação e Seu Primeiro Representante, e chefe do poder executivo – a Carta por ele outorgada e jurada no dia 25 de março de 1824 não conteve, desde a primeira década da Independência, o papel desempenhado pela Assembleia Geral por meio de suas duas câmaras. Palavras-chave: Primeiro Reinado; História Política; Discurso Parlamentar. Abstract:

This paper presents the preliminary results of a PhD research in progress on the politicalinstitutional construction of the role to be played by the emperor in front of regulating power [o poder moderador] and as head of the executive power, from 1826 (opening of the General Assembly, with the beginning of the First Legislature) to 1831 (abdication of dom Pedro I before the beginning of the second annual session of Second Legislature), by the dialogue between the government and the legislators. The Constitution - promulgated and sworn by dom Pedro I on 25 March 1824, and despite the broad list of attributions conferred, in the abstract, to the emperor - did not restrain, since the first decade of Independence, the role played by the General Assembly through its two chambers. Keywords: Primeiro Reinado; History of the political; Parliamentary discourse. 1

Assim terminaram de improviso as sessões da primeira Câmara dos Deputados, fraca e vacilante em 1826, inquieta em 1827, exigente em 1828, e finalmente aventurando-se a opor uma barreira contra as agressões do poder em 1829.1 (ARMITAGE, 1981, p.194)

O balanço feito por John Armitage2 sobre o caráter da Câmara dos Deputados, em sua História do Brasil, publicada em 1836, foi de tal forma convincente que ainda hoje, em pleno século XXI, encontram-se ecos de suas palavras em muitas das reflexões feitas sobre o papel desempenhado pela Câmara dos Deputados no decorrer do Primeiro Reinado, desde a abertura dos trabalhos legislativos no dia 06 de maio de 1826 até o encerramento da sessão

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Em outro trecho, específico sobre os trabalhos legislativos em 1826, o historiador inglês foi mais contundente ao afirmar: “A câmara eletiva no Rio de Janeiro prosseguia timidamente em seus trabalhos: desconfiava da estabilidade da nova ordem de coisas: e muitos deputados consideravam a sua convocação como um passo adotado para iludir o povo, e sujeito sempre a terminar por outra dissolução semelhante à da Câmara Constituinte: incertos a respeito do grau de apoio com que deveriam contar da parte do povo, não ousavam entrar em lide com a autoridade suprema, e procediam com receios” (ARMITAGE, 1981, p.130). 2 John Armitage (Failsworth, Inglaterra, 1807 – Manchester, Inglaterra, 1856) foi um negociante inglês que residiu no Rio de Janeiro, como representante de uma firma ligada ao comércio de têxteis, de 1828 a 1835, onde foi admitido na Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional (1831-1835) e se tornou amigo de Evaristo Ferreira da Veiga (deputado na segunda legislatura pela província de Minas Gerais, redator do periódico Aurora Fluminense e, durante o século XIX, considerado o “verdadeiro” autor do livro), fatos que, segundo Flávia Florentino Varella (VARELLA, 2011), justificam a preponderância da interpretação liberal moderada da independência e do primeiro reinado em sua obra. Ou seja, a História do Brasil de Armitage se insere no contexto político da Regência, no qual se alia aos denominados liberais moderados (escrita em inglês, publicada na Inglaterra em 1836, foi traduzida e publicada no Brasil no ano seguinte), e sublinha o grande passo dado pelo Império do Brasil, naquele momento, rumo aos ideais de comércio e de civilização pregados pelo Império Britânico, em meados da década de 1830. Sobre Armitage, as características, a autoria e a recepção de sua obra no século XIX, ver OLIVEIRA, 1999. Em nossa análise dos Anais da Câmara dos Deputados, verificamos o quanto a interpretação dada por Armitage, sobre o papel desempenhado pela câmara temporária, é tributária dos argumentos utilizados pelos deputados liberais através de discursos proferidos no decorrer da primeira legislatura. Neste sentido, Francisco de Paula Souza e Melo, deputado pela província de São Paulo, ressaltou, durante a discussão do voto de graças de maio de 1828, o quão longe eles estavam do posicionamento adotado pelos deputados dois anos antes: “Em 1826 a discussão da resposta à fala do trono não passou de mera formalidade; em 1827 ganhou-se alguma coisa, contudo ainda havia reserva, era preciso ir contra armas muito poderosas. Em 1828 como se discute? Uma ampla liberdade nacional aparece contra as opiniões anticonstitucionais! Se eu estivesse em minha casa, e visse nos diários as discussões que tem aparecido, eu me admiraria” (Anais do Parlamento Brasileiro: Câmara dos Srs. Deputados, 1828, tomo primeiro, p.58).

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anual legislativa de 18303. De tal forma que se tornou corrente, na historiografia dedicada a este período, vislumbrar, nas primeiras sessões da Assembleia Geral Legislativa, deputados fracos e vacilantes que temiam um desfecho igual ao da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa de 1823 (SOUSA, 1988, p.211; HOLANDA, 1997, p.399; CERVO, 1981, p.3132. PEREIRA, 2010, p.171, 203)4. Contudo, nota-se que, se por um lado eram cautelosos (RIBEIRO; PEREIRA, 2009, p.154), na medida em que evitavam ferir os brios de dom Pedro I, por outro, souberam, com muita habilidade, conduzir os trabalhos legislativos de forma a elaborar uma crítica severa e ininterrupta aos rumos tomados e aos objetivos traçados pela política imperial brasileira até aquele momento (LOPES, 2003, p.208; DOLHNIKOFF, 2005; DANTAS, 2008, p.9-67) e propor estratégias para se construir, a partir do texto constitucional, um papel viável ao imperador de acordo com os anseios das diversas províncias brasileiras. Na Constituição Política do Império do Brasil, outorgada por dom Pedro I no dia 25 de março de 1824, ao imperador foram conferidas diversas atribuições em abstrato, quer em virtude dele ser o chefe supremo da nação e seu primeiro representante, quer enquanto chefe do poder executivo, de acordo, respectivamente, com o disposto nos artigos 98 e 102 do texto constitucional. Contudo, dada a não convocação da Assembleia Geral Legislativa e, deste modo, pendentes de serem regulamentadas diversas inovações político-institucionais previstas na carta de 1824 – tais como a (re)organização dos poderes judiciário, provinciais e municipais, a regulamentação da responsabilidade dos empregados públicos em geral, a

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A renúncia de dom Pedro I, no dia 07 de abril, ocorreu antes da abertura da sessão anual legislativa de 1831. Verifica-se, a partir da leitura dos Anais da Câmara dos Deputados e dos periódicos da corte que, desde o início, a Câmara dos Deputados se posicionou firme na crítica ao governo. Ora, se os membros da Câmara dos Deputados tivessem realmente adotado uma postura fraca e vacilante, como justificar as acirradas discussões ocorridas e as aprovações de projetos de lei como o da responsabilidade dos ministros e conselheiros e estado em 21 de julho de 1826 (do projeto elaborado por Vasconcelos, na Câmara dos Deputados, para ser enviado ao Senado e ser nele discutido e, caso aprovado, encaminhado ao imperador para sanção – Anais do Parlamento Brasileiro: Câmara dos Srs. Deputados 1826, tomo terceiro, p.262); e as reiteradas solicitações de informações e de esclarecimentos encaminhadas aos ministros no decorrer de toda a sessão de 1826. 4

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proteção dos direitos e garantias individuais previstos no texto constitucional dentre inúmeros outros temas5 –, não estava claramente delimitado como monarca agiria à frente de cada uma das atribuições a ele conferidas, ou mesmo quais os limites e as responsabilidades de seus ministros e/ou conselheiros de Estado, por eventuais abusos, excessos e desvios na execução dos atos praticados à frente dos poderes que lhe foram delegados pela nação. No entanto, apesar de o imperador em diversas ocasiões se contrapor ao texto constitucional, por ele mesmo outorgado à nação, não havia mais a possibilidade de se governar como no período anterior: ser um monarca constitucional era-lhe uma obrigação, mais do que uma livre opção (BARATA, 2009, p.49-70; MOREL, 2005). Na leitura dos Anais do Parlamento Brasileiro: Câmara dos Srs. Deputados e dos Anais do Senado do Império do Brasil6, perscrutam-se os meandros pelos quais o papel a ser exercido pelo Imperador foi tecido através do discurso legislativo, muito mais do que prédeterminado pelo texto constitucional. 7 A criação de um poder moderador (aliado ao

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A novidade do sistema de governo implantada pela constituição de 1824 foi sintetizada por Justiniano José da Rocha, contemporâneo dos acontecimentos, ao analisar, anos depois, este conturbado período da história do Império do Brasil, ao qual denominou Primeiro Período – 1822-1831 Ação: Luta: “tudo estava por fazer, tudo por criar, pois não só era nova a forma constitucional, novas as instituições, como novo o país até na sua organização administrativa. (ROCHA, 2009, p.165). Diante deste quadro, logo no início dos trabalhos legislativos, no Senado, os senadores Visconde de Nazaré, Carneiro de Campos e Rodrigues de Carvalho elaboraram uma tabela das leis regulamentares indicadas na constituição, na qual elencaram vinte e seis dispositivos constitucionais pendentes de regulamentação na Constituição Política do Império do Brasil de 1824 – os artigos 6, §5; 20; 89; 97; 131; 134; 150; 153; 156; 162; 163 e 164; 168; 169; 179; 179, §§ 4, 6 a 10, 17, 22, 26 a 28, 33 e 35 (Anais do Senado do Império do Brasil, 1826, tomo primeiro, p.143). 6 Os Anais do Parlamento Brasileiro: Câmara dos Srs. Deputados foram digitalizados e estão disponíveis para consulta no sítio www2.camara.leg.br, e os Anais do Senado do Império do Brasil (ASIB), no sítio www.senado.gov.br. 7 Ao se analisar o texto da Carta, em comparação com os elaborados pelas experiências constitucionais de Cádis (1812) e de Lisboa (1822), constata-se uma tentativa de se fortalecer o poder régio, frente aos demais poderes, em especial, o legislativo. No entanto, a necessidade de legitimação do poder do imperador, no recémemancipado Império do Brasil, fez com que o diálogo com os senadores e os deputados gerais (representantes da Nação, tal como o próprio imperador, de acordo com o art.11, porém com a diferença de que eram eleitos para exercerem cargos vitalícios – caso dos senadores –, ou temporários – caso dos deputados) se tornasse central na política pós-independência. Ou seja, a despeito do texto da Carta, o legislativo rapidamente assumiu um papel de destaque no jogo político em construção. Em um momento delicado, no qual o espectro das revoluções

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executivo), de forma a limitar a atuação do legislativo (forte nas experiências constitucionais de Cádis e de Lisboa – de acordo com HESPANHA, 2004, p.102, “o poder real [moderador] visava, antes de mais, a contenção do legislativo”), não impediu os deputados (representantes da Nação, eleitos e temporários) e os senadores (representantes da Nação, eleitos e vitalícios) de questionarem as medidas adotadas pelo imperador à frente dos poderes que lhe foram reservados. Cumpre lembrar que, na arquitetura constitucional do Império do Brasil, destacam-se dois grandes títulos 8 : o quarto, dedicado ao poder legislativo, e o quinto, consagrado ao imperador – no qual foram instituídos os poderes moderador e executivo. Foi do diálogo estabelecido entre os representantes desses três poderes – legislativo, moderador e executivo –, no espaço da Assembleia Geral Legislativa que, a partir do texto constitucional, mas nele não se esgotando, construiu-se a arquitetura político-institucional do Estado recémemancipado. Nas câmaras do corpo legislativo se canalizavam os anseios, as dúvidas, os questionamentos e as expectativas da Nação soberana em torno de qual seria o melhor governo e a melhor administração do Império em construção. Tratava-se, portanto, de um fórum de debate privilegiado, no qual afloravam as diversas concepções de monarquia constitucional em curso naquele momento.

permeava a política, era fundamental ao imperador obter o reconhecimento de sua legitimidade pela Nação soberana. Não lhe bastava o texto constitucional para ser reconhecido imperador, era-lhe necessário a legitimação pelos “povos” do Império do Brasil que teimavam em permanecer um mosaico, apesar da nova ordem que se lhe propunha (JANCSÓ; PIMENTA, 2000). A Confederação do Equador (1824) mostrara o quanto era frágil o Império articulado na América a partir do legado lusitano (LEITE, 1989; MELLO, 2004; BERNARDES, 2003). Além disso, o temor de uma possível união das Coroas Brasileira e Portuguesa pairava sobre a política e dificultava a empreitada imperial, sobretudo após a morte de D.João VI em 1826 e a questão da sucessão do trono português (LIMA, 2008; SOUSA, 1988; MACAULAY, 1993). Nos Anais, esses aspectos afloram e permitem ao historiador desvendar a articulação de um Império do Brasil a partir dos diversos anseios defendidos pelas províncias ora unidas sob um mesmo governo. 8 A Constituição Política do Império do Brasil possui cento e setenta e nove artigos distribuídos em oito títulos: I - Do Império do Brasil, seu Território, Governo, Dinastia, e Religião (com cinco artigos); II - Dos Cidadãos Brasileiros (com três artigos); III - Dos Poderes e Representação Nacional (com quatro artigos); IV - Do Poder Legislativo (com oitenta e cinco artigos); V - Do Imperador (com cinquenta e três artigos); VI - Do Poder Judicial (com quatorze artigos); VII - Da Administração e Economia das Províncias (com oito artigos); VIII Das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros (com sete artigos).

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No debate legislativo, o papel a ser desempenhado pelo imperador, em um sistema de governo monárquico hereditário constitucional representativo, era questionado não apenas no início de cada sessão anual, por ocasião da elaboração da resposta à fala do trono 9 , mas diuturnamente ao serem analisados quer os projetos de lei, quer as petições encaminhadas pelos cidadãos (analisados por PEREIRA, 2010), os ofícios e os relatórios encaminhados pelos ministros às câmaras da Assembleia Geral Legislativa, ou mesmo, o debate da lei de orçamento discutida a partir do relatório apresentado no início de cada sessão anual à Câmara dos Deputados pelo ministro da fazenda (de acordo com o disposto no artigo 172 da Constituição Política do Império do Brasil).10 A abertura dos trabalhos da Assembleia Geral do Império do Brasil, em maio de 1826, trouxe de volta à cena pública e política, ainda em construção, inúmeros deputados constituintes de 1823. A princípio contidos11 em suas falas relacionadas diretamente ao papel exercido pelo imperador, rapidamente os ânimos se acirraram, tanto frente a assuntos polêmicos, relacionados à política externa do nascente Império12, tais como o Tratado de Paz e Amizade entre Brasil e Portugal (firmado em 29 de agosto de 1825, mas discutido no Parlamento entre 1826 e 1827), a Guerra Cisplatina e o tratado antitráfico de escravos (FERREIRA, 2006; PEREIRA, 2007, 2012; PARRON, 2011); quanto aos relacionados às demais atribuições reservadas ao imperador, à frente quer do poder moderador quer do poder 9

Na fala do trono, o imperador elaborava tanto um balanço do governo do Estado no ano anterior quanto um projeto para o que se iniciava. Desse modo, tratava-se de um momento privilegiado para os deputados, reunidos em câmara, elaborarem um questionamento à política adotada pelo imperador, na medida em que, face à fala do trono era elaborada uma resposta ou voto de graças debatido em plenário pelos representantes eleitos da nação. 10 Na primeira década da independência, a tradição do “como governar” não mais atendia aos anseios da Nação soberana, mas ainda não se estabelecera um novo procedimento de governo e de administração no novo Estado, fruto da emancipação política frente a Portugal. 11 Ser contido não implica em ser fraco ou, mesmo, vacilante como afirmava John Armitage em seu História do Brasil (ARMITAGE, 1981, p.194). 12 De acordo com a Carta de 1824, a condução de política externa era atribuição do poder executivo (artigo 102, §§ 6 a 9, com a consulta obrigatória ao Conselho de Estado, de acordo com o artigo 142), cabendo ao legislativo um papel secundário, pois sua manifestação apenas era solicitada quando a segurança e o interesse do Estado o permitissem. Ainda assim, a despeito do texto constitucional, o debate legislativo sobre as relações estabelecidas entre o Império do Brasil e os demais Estados soberanos foi intenso durante todo o período a ser investigado.

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executivo, por meio de seus ministros13 (OLIVEIRA, 2006, 2012, 2012; LYNCH, 2007). A partir das fontes consultadas, verifica-se que, apesar dos preceitos constitucionais, na prática político-institucional não estava claramente definido o que cabia a quem: atribuições eram (com)partilhadas e se disputavam os limites de ação e a(s) (ir)reponsabilidade(s) de cada um dos poderes estatais 14 . De acordo com o contexto da época, outorgou-se uma carta constitucional, a qual, em abstrato, delimitava as atribuições de cada poder político – poderes legislativo, executivo, moderador e judicial –, estabelecendo-se igualmente um sistema de controle entre eles (check and balances), mas na prática político-institucional debatia-se a extensão e as (ir)responsabilidade(s)

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dos representantes de cada um dos poderes

constitucionais. Ao assim procederem no decorrer dos debates legislativos travados durante o reinado de dom Pedro I, e obtidas diversas conquistas legais, em 1831 vislumbrou-se na abdicação do imperador – no dia 07 de abril – a possibilidade de se manter o sistema de governo monárquico hereditário constitucional representativo instituído pela Constituição Política do

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Por um lado, os poderes exercidos pelo imperador nunca deixaram de ser objeto de preocupação pelos representantes de ambas as câmaras, sobretudo no que se refere à natureza e aos limites a sua atuação. Por outro, a necessidade de legitimação do poder régio pela Assembleia Geral impunha ao imperador submeter suas decisões – mais do que meramente informar – à avaliação dos representantes eleitos pela Nação reunidos quer na Câmara dos Deputados, quer no Senado. Dessa forma, as atribuições que lhe foram conferidas pela Carta de 1824, não lhe garantiam liberdade de ação, na medida em que sempre estava a depender da avaliação das câmaras da Assembleia Geral. De certa forma, frustrara-se o objetivo de se construir um Imperador supra partes, neutro e acima dos conflitos políticos; o qual se declarava “POR GRAÇA DE DEUS, e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brasil” no preâmbulo da Carta por ele outorgada aos Brasis recém-emancipados. 14 Nesse momento, aos deputados gerais e aos senadores cabia não apenas o processo legislativo – atribuição típica do poder legislativo –, mas também diversas outras atribuições hoje consideradas típicas quer do judiciário (tal como o papel de Corte Constitucional) quer do executivo (como a concessão de aposentadorias e a contratação de funcionários para a administração). 15 No tratamento da (ir)responsabilidade, a Constituição Política do Império do Brasil de 1824 estabeleceu: (1) a irresponsabilidade do imperador, em seu artigo 99; (2) a irresponsabilidade dos senadores e dos deputados, nos termos dos artigos 26 a 28; (3) a responsabilidade dos ministros e conselheiros de estado, de acordo, respectivamente, com os artigos 133 a 135 e 143; bem como, seu julgamento pelo Senado, de acordo com o artigo 47, II; (4) a responsabilidade dos juízes de direito e oficiais de justiça, nos termos dos artigos 156 e 157; e (5) a responsabilidade dos empregados públicos em geral, de acordo com o artigo 179, §§ 29, 30 e 35.

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Império do Brasil outorgada pelo monarca em 1824, a despeito da revolução em curso naquele ano. De um lado, ao mesmo tempo em que o primeiro imperador – português de nascimento – retornava para Portugal, deixava seu filho – nascido no Brasil – como elo de continuidade dinástico-institucional. De outro, possibilitava às câmaras da Assembleia Geral Legislativa concluírem o trabalho interrompido por ocasião da dissolução da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa de 1823: o texto constitucional de 1824 tornar-se-ia, de certa forma – pela aprovação do Ato Adicional de 1834 e pela lei de interpretação de 1840 –, representativo da Nação representada nas duas câmaras do corpo legislativo. Ao assim procederem, legitimou-se, perante os Brasis, o texto outorgado em 1824. 16 E, frente aos diversos horizontes de expectativas de uma monarquia constitucional possível, articuladas no período em análise, um pacto político-institucional foi tecido de forma a possibilitar a manutenção desse sistema de governo até a instituição da República em 1889 (DOLHNIKOFF, 2005). Por um lado, pela Carta de 1824, almejava-se a construção de um Estado nacional sob um governo Monárquico Hereditário, Constitucional e Representativo (artigo 3 da Constituição Política do Império do Brasil), o que era uma novidade política para a época (NEVES, 2003). Desse modo, os representantes da Nação – o imperador e a Assembleia Geral Legislativa – se questionavam sobre o alcance das disposições contidas no texto constitucional. Quais as atribuições de um imperador, sob um sistema de governo monárquico hereditário constitucional representativo, quer enquanto delegado privativo do poder moderador quer enquanto chefe do poder executivo? Como as exercer e quais seus limites e responsabilidades? Proclamadas a irresponsabilidade e inviolabilidade do imperador, quem seria responsável pelos atos por ele praticados? E, quem e como seriam julgados e 16

Ao invés de afirmar peremptoriamente que o texto outorgado em 1824 era centralista ou mesmo absolutista (MIRANDA, 2001; BONAVIDES, ANDRADE, 2008, p.106), pela simples previsão de um poder moderador delegado privativamente ao imperador (o que não significava um “poder pessoal”, na medida em que era obrigatória a consulta ao Conselho de Estado), investiga-se o aprendizado da política (ROSANVALLON, 1994) proporcionado pelo debate político-institucional entre os poderes estatais de 1826 a 1831.

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responsabilizados os responsáveis pelos desvios eventualmente cometidos? Quais condutas deveriam ser punidas? Quais as relações possíveis entre os representantes dos poderes executivo, moderador e legislativo, de forma a se manter o equilíbrio entre eles? Instituíra-se o sistema de governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo, mas a grande questão era articular um regime de governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo, possível e viável, frente às especificidades políticas, econômicas e sociais do Estado nacional em construção naquele momento. Por outro, no plano jurídico, era igualmente uma novidade o ensino do Direito Nacional (Pátrio) (LOPES, 2004, p.124-125; p.148). Nesse momento, ao passo em que se afirmava uma nova ideia de soberania, relacionada à Nação, articulava-se uma nova concepção de Direito tendo em vista os Estados nacionais em construção no século XIX. Desse modo, não apenas novas concepções de lei, legitimidade e legalidade estavam em construção no debate legislativo (FERNÁNDEZ SEBASTIÁN; FRANCISCO FUENTES, 2002), como também, no início do século XIX, o Direito Público, o qual abarca tanto o Direito Constitucional quanto o Administrativo, ainda estava em fase de delimitação teóricoconceitual (ROSANVALLON, 1994; LOPES, 2004; SLEMIAN, 2006). Além disso, para perscrutar o debate politico no Império do Brasil em sua primeira década, deve-se considerar, além da transformação no saber jurídico supramencionado, o fato de os cursos jurídicos terem sido criados, nesse Estado nacional em construção, apenas em 1827 (as aulas tiveram início em 1828). Ou seja, há uma particularidade no debate travado, durante o Primeiro Reinado, nas duas câmaras da Assembleia Geral do Império do Brasil: a presença de uma geração formada, sobretudo em Coimbra, dentro dos valores iluministas e intimamente vinculada ao espaço atlântico (VARGUES, 1997; MAIA, 2002; ARAÚJO, 2003; NEVES, 2003). No entanto, deve-se sublinhar que a unidade político-territorial brasileira foi, antes, fruto da negociação entre as diversas elites brasileiras, representadas ou não nas Cortes gerais, extraordinárias e constituintes, da Nação Portuguesa (1821-22), na Assembleia Geral 9

Constituinte e Legislativa do Império do Brasil (1823) e nas duas câmaras da Assembleia Geral do Império do Brasil – a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Senadores ou Senado (instituídas pela Carta de 1824, em seu artigo 14, e em funcionamento desde 1826), do que resultado do esforço homogeneizador conduzido pelo Estado português, por meio da atuação de sua elite política formada em Coimbra, desde fins do século XVIII. Em um momento no qual não havia a concepção moderna de partidos políticos ou programas partidários bem definidos – pois, na prática político-parlamentar havia facções políticas com fluidas fronteiras entre elas, o que exclui a ideia de fidelidade partidária –, os atores se posicionavam frente a cada questão que lhes era colocada pelo debate legislativo, muitas vezes de forma contrária à da facção que os havia conduzido quer à Câmara dos Deputados, quer ao Senado (DOLHNIKOFF, 2012, p.13). De modo que, a maior liberdade nas intervenções em plenário, característica desse período, gerou um amplo leque de ideias para cada questão discutida, o que fornece, em certa medida, um amplo painel das ideias em circulação naquele momento histórico. Cumpre ressaltar que a permanência em vigor da Constituição Política do Império do Brasil, ao longo de quase todo o século XIX 17 , fornece um indício tanto da habilidade técnico-jurídica de seus redatores (dentre os quais alguns historiadores incluem o próprio imperador) quanto da viabilidade político-institucional do sistema de governo monárquico hereditário constitucional representativo nela proposto. Ou seja, apesar de não ter apresentado uma solução definitiva para as questões da separação dos poderes e do equilíbrio entre eles, o

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A Carta de 1824 sofreu apenas duas alterações, as quais não interferiram diretamente em seu texto original: o Ato Adicional de 1834, a partir das Bases da Reforma Constitucional aprovadas em 1832; e a Lei de Interpretação de 1840.

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texto constitucional outorgado em 1824 construiu uma base para o amplo diálogo que se lhe seguiu.18 Apesar da importância do tema da construção de um papel viável para o imperador, tendo em vista as aspirações dos diversos segmentos sociais das províncias representados na Assembleia Geral Legislativa, e do grande acervo documental disponível (parte do qual se encontra publicado e/ou digitalizado) a ser investigado pelo pesquisador interessado na compreensão da forma pela qual se articulou o papel político de um imperador, sob o sistema de governo monárquico-constitucional, para o nascente Império do Brasil, há poucos trabalhos a ele dedicados. No decorrer da última década, foram desenvolvidas pesquisas relacionadas às origens e ao funcionamento do poder moderador, as quais ampliaram a reflexão sobre esses temas em nossa historiografia (BARBOSA, 2001; AMBROSINI, 2004; OLIVEIRA, 2006 e 2009; LYNCH, 2007). No entanto, não houve interesse direto da historiografia tanto em relação ao papel desempenhado pelo monarca enquanto chefe do poder executivo – competência por ele exercida juntamente com a de delegado privativo do poder moderador19, quanto às relações estabelecidas entre ambos os poderes exercidos sob a chefia

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O fato de a carta de 1824 ter vigorado até 1889 não significa a ausência de conflitos no interior do Império do Brasil (DANTAS, 2011), mas a plasticidade do texto e a habilidade de seus intérpretes tendo em vista a construção de um novo Estado nacional na América. Cumpre notar que na década de 1830, houve uma instabilidade político-institucional em ambas as margens do Atlântico, o que reforça a ideia do quanto as ideias circulavam por esse espaço construído historicamente (TOMICH, 2004, p.238). Num momento em que múltiplas eram as experiências constitucionais e parlamentares, a experiência brasileira impactava e era impactada pelas demais. Vislumbrar na Carta de 1824 – no que se refere à construção político-institucional do papel a ser desempenhado pelo imperador à frente dos poderes moderador e executivo – a simples adoção da teoria política de Benjamin Constant e/ou Jeremy Bentham é desconsiderar o rico debate político-institucional travado no decorrer da primeira década da Independência. 19 O foco dos pesquisadores foi dado ao papel desempenhado por cada ministério, ou pelo Conselho de Estado, em temas específicos, tais como a Guerra da Cisplatina (PEREIRA, 2007) e o debate acerca da escravidão (PARRON, 2009). Contudo, não se considerou o fato de que os ministros atuavam sob a chefia e dentro do rol de atribuições conferidas em abstrato ao imperador, ou seja, ao decidirem, exercitavam um poder delegado ao imperador pelo texto constitucional e, deste modo, seriam responsabilizados por eventuais faltas cometidas (artigos 132 a 135 da Carta de 1824), de forma a preservar a inviolabilidade e a sacralidade, que possibilitavam a irresponsabilidade do monarca (artigo 99 da Carta de 1824) pelos atos praticados à frente quer do poder moderador, quer do poder executivo. A questão da responsabilidade pelos atos praticados pelos ministros, quer no âmbito do poder executivo (para o qual havia expressa menção na Carta de 1824), quer na referenda do ato

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do imperador, com ou sem o referendo ministerial. No que se refere à utilização do discurso parlamentar como fonte de pesquisa, no decorrer da última década, foram desenvolvidos trabalhos que propuseram uma metodologia para a abordagem desse discurso político. Dentre os temas tratados por essa nova historiografia, a qual utiliza o discurso parlamentar como fonte, destacam-se questões da política externa (PEREIRA, 2007); da construção e exercício da cidadania (RIBEIRO, 2002; PEREIRA, 2010); da Constituição (SLEMIAN, 2006), e do contrabando e da escravidão (RODRIGUES, 2000; PARRON, 2009). Cumpre salientar que, após o desenvolvimento do contextualismo linguístico (SKINNER, 1969; POCOCK, 2003), da história conceitual do político (ROSANVALLON, 1994, 1995, 2003 20 ), da história dos conceitos (KOSELLECK, 1990, 1997) e da história

praticado pelo imperador à frente do poder moderador, suscitou amplo debate no Parlamento e na imprensa no decorrer do século XIX e, no qual, participaram os principais publicistas do oitocentos. 20 As reflexões de Pierre Rosanvallon voltadas tanto à elaboração de uma metodologia para a história conceitual do político quanto à compreensão do regime político francês de 1814 a 1848, a partir da análise dos textos constitucionais de 1814 e 1830 (ROSANVALLON, 1985, 1994), fornecem instrumentos para uma nova abordagem da construção político-institucional do papel a ser desempenhado pelo imperador à frente dos poderes moderador e executivo, a partir do diálogo estabelecido entre os representantes desses poderes estatais e os do legislativo. Dentre os aspectos abordados pelo autor, destaca-se a aprendizagem da política em curso nas décadas de 1820 e 1830 (no decorrer desses anos se buscava a construção do novo representado pela prática política de um sistema constitucional, base do Estado nacional a ser consolidado). Além disso, a partir da leitura desse autor, verifica-se o quanto a historiografia brasileira tradicional buscou interpretar o Primeiro Reinado a partir dos modelos interpretativos elaborados pela historiografia francesa para a compreensão da França entre anos de 1814 e 1848. A contribuição do pensamento de Pierre Rosanvallon está presente na pesquisa desenvolvida pelo cientista político Christian Edward Cyril Lynch, sob a co-orientação daquele autor. Lynch propõe a análise da recepção do discurso monarquiano pela “direita”, em confronto com o liberalismo vintista defendido pela “esquerda” brasileira do século XIX, no “contexto das revoluções ibero-americanas” e do ingresso do Brasil na modernidade política (LYNCH, 2007, p.6). Suas reflexões fornecem não apenas um percurso metodológico, como também uma minuciosa análise teórico-conceitual do poder moderador – seu objeto de pesquisa – tanto na França quanto no Brasil. No entanto, ao invés de se focalizar a fidelidade ou não do que aqui se construiu com a teoria e a práxis política francesa, ressaltando as ambiguidades presentes no pensamento político brasileiro do século XIX, tal como faz o autor em sua tese, propõe-se nessa investigação desemaranhar os fios que teceram um imperador, sob um sistema de governo monárquico-constitucional possível, para o nascente Império do Brasil. No diálogo travado entre os representantes dos poderes estatais na tribuna parlamentar, encontram-se ecos não apenas das experiências constitucionais e parlamentares francesas, como defende Lynch, mas também, e, sobretudo, das ibéricas, as quais não se resumem ao liberalismo vintista de “esquerda” (forma através da qual o autor se refere à experiência constitucional portuguesa de 1820 a 1822). Os conceitos provenientes das experiências constitucionais e parlamentares atlânticas foram apropriados, e não meramente recepcionados, pela heterogênea

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atlântica (BAILYN, 1996, 2005; TOMICH, 2004; MORELLI, 2006; ELLIOTT, 2006; MARZAGALLI, 2008; LANGUE, 2011), um amplo instrumental teórico-metodológico foi disponibilizado aos historiadores de forma a elaborar novas abordagens de temas tradicionais na historiografia, questionando-os e redefinindo-os. Desse modo, frente às periodizações e às classificações consagradas, novas abordagens permitem tanto um questionamento, quanto uma problematização da historiografia tradicional referente ao tema. Parte da nova historiografia brasileira dedicada ao Primeiro Reinado, valendo-se tanto das perspectivas abertas pela nova história política quanto dos questionamentos trazidos pela história cultural, voltou-se à compreensão do vocabulário político da independência, a partir das reflexões metodológicas articuladas por Quentin Skinner, John Pocock e Reinhart Koselleck (NEVES, 2003, p.16). Ao se utilizarem não apenas da documentação de caráter oficial, mas também dos periódicos, folhetos e panfletos como fontes para a história, buscaram desvendar os múltiplos e cambiantes significados que os conceitos assumiam num período em rápida transformação político-social; e, dessa forma, questionaram as interpretações clássicas dadas aos acontecimentos considerados fundadores do Estado e da Nação brasileiros desde José da Silva Lisboa (LISBOA, 1827-1830). Dentro dessa vertente historiográfica, a historiadora Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (2003), antes de desemaranhar a trama dos acontecimentos políticos ocorridos entre 1820 e 1822 – ao analisar folhetos e panfletos publicados nesses anos no Brasil e em Portugal –, elabora um minucioso

elite política imperial, a qual, habilmente, soube articular um regime de governo monárquico-constitucional possível, para o nascente Império do Brasil, o qual permaneceria em vigor ao longo de quase todo o século XIX, mantida praticamente inalterada a Carta outorgada em 1824. Cumpre notar que, por discurso monarquiano, Cyril Lynch se refere ao pensamento conservador, originário do pensamento político revolucionário francês, que possibilitou a veiculação de um liberalismo possível “numa terra cuja fragilidade social impunha ao Estado forjar a nova ordem como condição das reformas preconizadas pelo espírito da ilustração” (LYNCH, 2007, p.11). Para o autor, o denominado tempo saquarema (concepção defendida pelo historiador Ilmar Rohloff Mattos; MATTOS, 2004) representou o triunfo dessa concepção política, a qual persistiria ao longo de todo o Império e seria resgatada nas décadas de 1920 e 1930 pelos tenentes e pela burocracia estatal, tendo em vista a centralização do Estado e a democratização pelo alto da sociedade brasileira (LYNCH, 2007, p.12).

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estudo acerca do vocabulário político dos anos da independência, o qual constitui uma importante contribuição teórico-metodológico-conceitual à presente investigação 21. Em sua interpretação dos acontecimentos daqueles anos, a autora mostra o quanto apenas a partir da ação e da prática política é que se compreende a dinâmica de uma sociedade em transformação. Outro aspecto importante de sua pesquisa é a preocupação em entender a política, a partir do que ocorria em ambos os lados do Atlântico, tendo em vista o mundo lusobrasileiro comum por ela abordado. No entanto, em sua obra, deve-se relativizar a interpretação por ela dada em relação às permanências do Antigo Regime na cultura política da independência (NEVES, 2003, p.414-418), de forma a sublinhar em demasia a conjuntura política da Restauração (e da ideia política de um Império Luso-brasileiro) no curso dos acontecimentos. A articulação político-institucional de um imperador, sob o sistema de governo monárquico hereditário constitucional representativo, para o nascente Império do Brasil demonstra a ousadia daqueles homens que, apesar de formados no espírito do reformismo ilustrado ibérico, buscaram, a partir tanto das experiências constitucionais e parlamentares atlânticas, quanto do aprendizado da política no espaço da Assembleia Geral, construir o novo e, não simplesmente, reproduzir em terras americanas modelos políticos alhures concebidos. Conheciam a especificidade do Império a ser construído e se articularam de forma a conceber um regime de governo monárquico-constitucional possível, o qual foi tão habilmente tecido que durou até quase o final do século. Nesse sentido, a historiadora Cecília Helena de Salles Oliveira – ao analisar as origens, o funcionamento e os limites do poder moderador –, fornece elementos para a melhor compreensão da articulação político-institucional em curso nos primeiros anos do nascente

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No campo do vocabulário político, destaca-se o dicionário coordenado por Javier Fernández Sebastián e Juan Francisco Fuentes (2002), o qual, ao abordar a Espanha, fornece elementos para a melhor compreensão daqueles anos “revolucionários”, nos quais o radicalmente novo estava a ser construído.

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Império do Brasil e alerta sobre o perigo de se abordar o poder moderador “em separado dos demais poderes e mecanismos estatais” (OLIVEIRA, 2006, p.46). A produção teórica da autora quer sobre o processo de independência do Brasil (OLIVEIRA, 1999) quer sobre a consolidação do sistema de governo monárquico-constitucional no Segundo Reinado (OLIVEIRA, 2006, 2009, 2010), traz reflexões fundamentais tanto aqueles que se dedicam ao período por ela estudado – o Segundo Reinado – quanto aos que buscam compreender a articulação político-institucional de um imperador viável, sob o sistema de governo monárquico hereditário constitucional, para o Império do Brasil, durante o Primeiro Reinado. A Aclamação de D. Pedro I, como “Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil” (12 de outubro de 1822); a outorga da Carta Constitucional pelo mesmo Monarca (25 de março de 1824); a abertura da Assembleia Geral Legislativa (em 06 de maio de 1826); a sanção imperial da lei da responsabilidade dos ministros e conselheiros de Estado (em 15 de outubro de 1827); a nomeação de um ministério composto por três deputados, dito parlamentar (em 20 de novembro de 1827); a demissão do denominado ministério clementino e nomeação de um ministério conciliador articulado pelo marquês de Barbacena (em 04 de dezembro de 1829); e, a abdicação do imperador (em 07 de abril de 1831) constituem atos de um movimento mais amplo de consolidação do sistema de governo monárquico hereditário, constitucional e representativo implantado pela Carta de 1824: não se queria mais ser um mosaico (JANCSÓ; PIMENTA, 2000), mas como conciliar os diversos interesses em conflito de forma a reordenar as peças do jogo?

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