A ascensão imperialista - século XIX

June 23, 2017 | Autor: S. Semíramis Sutil | Categoria: Contemporary History
Share Embed


Descrição do Produto

1

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. In: A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 56-78 Séfora Semíramis Sutil Moreira1 Hobsbawm trata, em A Era dos Impérios, a questão da descontinuidade do que se entendia por império/ imperialismo. Ele afirma que há uma relação da expansão imperialista com a expansão econômica, no entanto, ressalta que não se pode simplificar a explicação dizendo que foi somente uma conseqüência econômica, neste sentido o fator cultural também colaborou em muito para a expansão do imperialismo2. O imperialismo que se percebeu entre 1875 -1914 foi um tipo diferente, colonial. ―Foi provavelmente o período da história mundial moderna em que chegou ao máximo o número de governantes que se autodenominavam ‗imperadores‘...‖.3 Expansão colonial: ocorre desde o final do século XVI (promovida, principalmente, por Portugal e Espanha). No séc. XVII outras nações começam a participar da expansão ultramarina (Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Portugal, entre outros).

Até o séc. XVII a expansão e conquista se deram pelas costas marítimas. Já no séc. XVIII estas potências começaram a disputar regiões interioranas além das costas. As Américas e a Ásia foram as principais regiões disputadas. As independências das colônias americanas (crise do mundo colonial) na transição dos séculos XVIII para XIX trouxe uma reconfiguração do mundo colonial. Neste período (XIX), a Inglaterra conquistou a Índia. Passou a controlar diretamente sua economia, que antes estava sob domínio da Companhia das Índias. Para a nova economia (capitalista), que tinha novas exigências, era fundamental o controle indiano por parte da Inglaterra. A Índia representava uma área produtiva muito importante para a economia capitalista (produção de algodão) – foi esta região que segurou a economia 1

Graduando em licenciatura/ bacharelado em História pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) 2 Sobre outros aspectos que colaboraram na expansão do imperialismo, vide Hannah Arendt mais a seguir. 3 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. In: A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 56

2

britânica. Ao longo do século XIX a Índia foi se tornando cada vez mais dependente da Inglaterra. Enquanto a região de colônia americana se tornava independente outras regiões passaram a ser dominadas (tornar-se colônia) por potências capitalistas – na transição do séc. XVIII para o XIX (fins do XVII e início do XIX). No séc. XIX quase todo continente africano foi conquistado por potências européias (Inglaterra, Alemanha, França, Bélgica, Portugal, Holanda, EUA e até Japão) – excetuando-se o Reino da Etiópia que lutou bravamente por seus territórios. As conquistas e formações de colônias foram dinâmicas na passagem do séc. XIX para o XX – ora estando sob domínio de uma nação ora doutra. O mundo, cada vez mais, estava dividido entre os evoluídos, os que dominavam, e os atrasados, os que eram dominados. Para Hobsbawm esta divisão era, fundamentalmente, econômica. Ele não descarta os outros pontos, mas ressalta a importância dos fatores econômicos para esta divisão Em finais do séc. XIX, uma crise nas classes proletárias, em organizações socialistas e sindicais, ameaçava as estruturas econômicas das potências capitalistas (impérios coloniais). Além disso, havia a necessidade da manutenção do padrão de vida industrializado, com suas novas máquinas e equipamentos que demandavam de matérias-primas para seu funcionamento. A resolução destes problemas, do desemprego da população européia e da manutenção do padrão industrializado, era o aumento do colonialismo. Com mais regiões sob domínio dos impérios, mais mão-de-obra disponível e mais regiões para suprir as necessidades produtoras e consumidoras destes impérios. A expansão imperialista, portanto, se justificava nos problemas eminentes da expansão capitalista que aumentou o desemprego, a fome, as doenças, e demais mazelas da população pobre européia.  Havia a pretensão também de enviar o excedente humano europeu que passava necessidades para as colônias. No entanto, isto ocorreu em menor medida;  O colonialismo, no pensamento dos imperialistas, não era nenhum mal para nenhuma das partes – visto que era uma forma de resolver os problemas econômicos dos impérios e também uma forma de levar a civilização às regiões consideradas primitivas. Em outras palavras, não se considerava um absurdo submeter estes povos em condição sub-humana para a realização da salvação da economia dos civilizados. Portanto, o desenvolvimento do capitalismo foi fundamental para o imperialismo e desenvolvimento do colonialismo, em sua nova forma, do século XIX. O colonato chegou a outras regiões outrora impenetráveis permitindo sua exploração (de seus recursos naturais e de sua mão-de-obra). Como abordado, a exploração da África e da Ásia, na óptica imperialista, possibilitou um novo formado ao comércio:

3

 Momento de crescimento comercial, com estabelecimento de economia integrada, porém, cada vez mais competitiva;  As potências imperiais tornaram-se concorrentes;  Em 1873-5 houve uma crise do desenvolvimento capitalista – isto foi, responsável pela nova configuração que se deu a partir deste período. Entretanto, a produção não parou. Outros problemas decorrentes: >> Desemprego; >> Revoltas sociais (devido aos problemas sociais); >> Concorrências. Estes países com desenvolvimento capitalista que se viram em crise voltaram-se para o colonialismo para sanar seus problemas. Nova etapa do desenvolvimento capitalista Houve um aumento das tecnologias, a necessidade de matéria-prima para esta nova fase tecnológica fez com que se buscassem fontes alternativas. Dois produtos foram essenciais para esta nova fase:  Borracha;  Petróleo. O surgimento da bicicleta na década de 1890 e sua consecutiva popularização entre os trabalhadores assalariados da Europa (principal meio de transporte) fez com que a necessidade de borracha, para fabricação dos pneus, aumentasse. Além da bicicleta que necessita de borracha para sua fabricação outros produtos também demandavam da borracha – como o calçado (solados passaram a ser feitos de borracha). Os produtores de borracha rapidamente se enriqueceram na América do Sul. Também houve a exploração do látex nas selvas africanas (Congo) e, posteriormente, na Indonésia. A necessidade desta matéria-prima fez aumentar a disputa pelas áreas de exploração. O petróleo passou a ser usado para iluminação (através do querosene), além de lubrificante e combustor (como antes era utilizado). A propagação do querosene como fonte de iluminação pública e doméstica aumentou sua procura. Os motores de propulsão precisavam de gasolina (derivada do petróleo) para funcionar, e posterior com a invenção do automóvel (séc. XX) fez crescer ainda mais a necessidade desta matériaprima. O petróleo ainda vinha predominantemente dos EUA e da Europa (da Rússia e, muito atrás, da Romênia) mas os campos petrolíferos do Oriente Médio já eram objeto de intenso confronto e conchavo diplomático.4 4

Idem, p. 61

4

As potências capitalistas se voltaram para a Turquia e regiões próximas (até este momento indiferente), pois nestes locais havia (e ainda há) ricas fontes de petróleo. A busca destas regiões ocasionou sérios problemas que serão percebidos durante o séc. XX. Outras matérias-prima que aumentaram sua procura:  Cobre (utilizado como condutor elétrico);  Metais não ferrosos (utilizado para fabricação de ligas metálicas)5. Além destas matérias-prima, alguns produtos que antes não eram muito consumidos passaram a ser consumidos em grande escala, como:  Chá  Café  Açúcar  Cacau Estes são produtos de regiões tropicais e, por exemplo, foi responsável pelo equilíbrio econômico brasileiro neste período. O chocolate, na segunda metade do século XIX, passou a ser mais consumido (como bebida). Todavia, o chocolate em barras (uma novidade para a época) foi o responsável por sua popularização, devido a mobilidade que ele permitia (passível de ser transportado no bolso pelo consumidor). As áreas onde havia o cacau, zonas tropicais como a Ásia equatorial; África; Brasil, viraram alvo para o comércio exportador. O Brasil, Venezuela e Colômbia eram áreas onde já se produziam estes produtos (açúcar, cacau, café, chá), mas o aumento do consumo fez com que outras áreas passassem a ser buscadas para exploração – como Ásia e África. Os britânicos, que haviam consumido 700 gramas de chá per capita nos anos 1840 e 1,5 kg nos anos 1860, estavam consumindo 2,6 kg nos anos 1890 (...). Enquanto os britânicos abandonavam as poucas xícaras de café que bebiam, para encher seus bules com chá da Índia e do Ceilão (Sri Lanka), os americanos e alemães importavam café em quantidades cada vez mais espetaculares, notadamente da América Latina. No início dos anos 1900, as famílias de Nova Iorque consumiam meio quilo de café por semana.6

Até a banana, antes ignorada, passou a ser consumida na América do Norte e na Europa.

5

Produto, anteriormente, irrelevante. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. In: A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 62 6

5

A Nova Zelândia, Argentina e Uruguai cresceram sua economia com o fornecimento de matérias-primas também por terem se estruturado politicamente. Entretanto, continuaram, na divisão do globo, sendo os atrasados. Austrália, Nova Zelândia, Argentina ou Uruguai (...) desenvolveram partidos trabalhistas e radical-democratas, ou mesmo governos, e ambiciosos sistemas públicos de bem-estar e previdência social (...) muito antes dos Estados europeus. Mas o fizeram como complementos da economia industrial européia (...) e, portanto, para eles (...) os interesses vinculados à exportação de produtos primários — não era negócio se industrializar. Não que as metrópoles fossem receber de braços abertos sua industrialização. (...) [Portanto] a função das colônias (...) era complementar as economias metropolitanas e não fazer-lhes concorrência.7

O desenvolvimento do frigorífico (EUA) fomentou o setor da carne e das frutas, também a estrada de ferro e o navio a vapor permitiram o desenvolvimento e estruturação deste setor. Uruguai: carne Chile: cobre/ nitrato

Malaia: borracha e estanho Indonésia: látex

Cuba: açúcar e charuto Colômbia: café/ cacau

O desenvolvimento econômico destas áreas, antes menos desenvolvidas, foi importante para a consolidação do projeto imperialista – a expansão do capitalismo. As potências além de importar estes produtos e permitir o desenvolvimento (mesmo que exploratório) destas regiões também se importavam em estabelecer relações comerciais. Ou seja, além de importar destas regiões vendiam seus produtos para eles. Exemplo desta relação comercial: A Índia consumia 50% do algodão produzido na Inglaterra. Cerca de 70% do algodão britânico era consumido por outras regiões além do Império britânico.

Percebendo a potencialidade de importação de seus produtos, estes impérios buscaram vender para suas colônias, além de somente explorá-las (também comerciar além das colônias). A China, região mais populosa do mundo já no séc. XIX representava, portanto, um importante comprador, assim como a África. Foram regiões visadas pelos impérios. Os impérios, no frenesi comercial, chegaram a impor à força que as zonas alfandegárias se abrissem ao comércio com os impérios. Isto fez com que as potências mergulhassem no sonho colonial – visto a possibilidade comercial que estas regiões populosas permitiam. [O] ponto crucial da situação econômica global foi que um certo número de economias desenvolvidas sentiu simultaneamente a necessidade de novos mercados [...] o ―novo imperialismo‖ foi o subproduto natural de 7

Idem, p. 63

6 uma economia internacional baseada na rivalidade entre várias economias industriais concorrentes, intensificada pela pressão econômica dos anos 1880. Daí não decorre que se esperasse a transformação de qualquer colônia em particular, por si só, no Eldorado, embora isto tenha efetivamente acontecido no caso da África do Sul (...). As colônias podiam propiciar apenas bases adequadas ou trampolins para a penetração na economia da região.8

Mas, e o resultado não foi bem como se esperava. A Inglaterra teve êxito em suas colônias e foi seguida por outras potências, mas, nem todas conseguiram conquistar boas regiões (Como a Itália que só conquistou regiões desérticas e perdeu a disputa na Etiópia em 1896). Aos poucos, as potências, foram percebendo que o domínio de outras regiões não significava a segurança do comércio capitalista, exceto em casos específicos como o indiano e o do Congo Belga9. Todavia o status quo do imperialismo era feito pelo domínio de um maior número de colônias. 1880/90: o capitalismo tem formato diferente, este novo capitalismo é monopolista (antes tinha caráter liberal). O capitalismo deste período monopolizou as áreas com as quais mantinha relações comerciais.

Na Europa até houve uma política liberal, mas esta tinha caráter monopolista nas colônias. Esta estrutura monopolista do capital fez com que mega empresas se estabelecessem. Estas mega empresas foram se tornando mais tecnológicas, vão conseguindo acumular mais riqueza e vão, por conseguinte, conseguindo dominar mais e maiores regiões. O monopólio passa desde as regiões de exploração de matéria-prima até o comércio. Esta capacidade de monopolização por algumas empresas fez com que as empresas menores não conseguissem competir igualmente por não ter tecnologia nem prestígio compatíveis com as mega empresas. A isto chamava (ainda chama) ―livre comércio‖. O ―livre comércio‖ surgiu com o imperialismo e sua lógica de conquista e domínio de outras regiões. Com este domínio conseguiam a exclusividade tanto de exploração quanto de comércio fazendo com que surgissem empresas monopolistas. Os casos mais específicos de setores monopolizados são: setor minerador e petrolífero. Assim sendo, a concorrência era restrita.10 Este controle da concorrência fez com que os preços não caíssem muito visto que a oferta estava limitada a poucas empresas. Ou seja, a ―livre concorrência‖ acontecia entre um número reduzido de empresas. É o mesmo que dizer que o lassezfaire11 teve seu fim. Além da empresa monopolista, sem concorrências, o Estado era o único que tinham capacidade suficiente para manter um monopólio. Na ocorrência da crise de 8

Idem, p. 64-5 Como veremos mais a seguir com o texto de M‘Bokolo. 10 A garantia do monopólio se dava com o controle através do colonialismo, mas também, à força armada. 11 ―é (...) [a] expressão-símbolo do liberalismo econômico, na versão mais pura de capitalismo de que o mercado deve funcionar livremente, sem interferência, apenas com regulamentos suficientes para proteger os direitos de propriedade.‖ Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Laissez-faire acessado em 13 out 2015. 9

7

algumas dessas empresas, que eram responsáveis por um significativo giro monetário, o Estado é que deve assumir suas funções para evitar uma crise econômica. Estes monopólios são as bases da economia capitalistas tal como ela se formou na transição dos séculos XIX para XX. Razões da expansão imperialista

Superioridade

Unidade

Além do pecúlio havia motivações políticas para a expansão do imperialismo capitalista, havia um forte elemento cultura, denominado por Hobsbawm de ―imperialismo social‖12. Basicamente eram dois os elementos políticos, interligado, que movia esta lógica:

12

O imperialismo conseguia oferecer uma sensação de unidade e de glória às potências (este era um horizonte comum entre elas). Esta glória se fortalecia a medida que a desigualdade entre as classes sociais eram mantida, pois só há indivíduos superiores (pela lógica do capital) se houvesse inferiorizados. Ou seja, foi ―... a sensação de superioridade que uniu os brancos ocidentais — ricos, classe média e pobres...‖.13 Uma característica do capitalismo é a grande diferença social. Após 1850 os grupos inferiorizados começaram a se organizar politicamente por meio dos sindicados. Surge também o partido socialista. As classes majoritárias viram-se ameaçadas com esta força contrária que batia de frente com seus preceitos capitalistas (o acúmulo a qualquer custo). Ou seja, havia um embate de forças contrárias no interior das potências econômicas devido à desigualdade social. O imperialismo e sua capacidade de colonização, na visão capitalista, representava a coesão social a qual se necessitava.14 A sensação de superioridade (de indivíduos superiores/ civilizados) legitimava a colonização, nesta perspectiva. Consideravam-se superiores em tudo, culturalmente, socialmente, economicamente, religiosamente15, etc.16 O entendimento de superioridade biológica (raça superior) levava à crença de que podiam, por direito, dominar os inferiores, pois não eram totalmente humanos. A sensação de superioridade funcionou como um ―cimento político‖ 17 para a tão sonhada unidade destas sociedades, assim se executando a supremacia dos mais poderosos. Em outras palavras, justificando o ato colonizador.

Uma tentativa de resolver os problemas sociais internos da Europa: desemprego, fome, etc. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. In: A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 68 (grifos meu) 14 A exaltação, o orgulho do imperialismo, foi tamanha que na Grã-Bretanha foi instituído o Dia do Império (1902). 15 Os movimentos missionários foram reavivados neste período, agora contanto com a expansão do protestantismo, além, do catolicismo. 16 O sentimento de superioridade dos povos europeus cresce muito durante este período. Este sentimento foi reforçado porque havia a necessidade de se justificar ações desumanas que eram adotadas no tratamento aos indivíduos das nações colonizadas. Este que a princípio serviu apenas como um pretexto deslavado passou a fazer parte da estrutura mental dos colonizadores e, posteriormente, dos indivíduos comuns. Ou seja, as pessoas passaram a reconhecer a existência de diferenças, mesmo biológicas, entre eles e os ditos selvagens. O foco aqui é dizer que o racismo se iniciou como uma tentativa de justificar a dominação de outros povos para a sua exploração (de sua mão-de-obra), bem como de sua região (extração de bens minerais) – em outras palavras, o racismo é produto do capitalismo. Ou seja, o conceito de raça superior e inferior não foi um delírio de Hitler, de Stalin e de alguns outros – foi um consenso geral entre os europeus. 17 MIRANDA, Luiz Francisco de Albuquerque. Conteúdo de sala de aula. UFSJ: São João del Rei, 24 de setembro de 2015. 13

8

Se outrora (séc. XV/ XVI) o argumento fundante era somente a cristianização agora era a civilização, cristianização e aculturação. Era legítimo colonizar estes povos bárbaros por que os europeus eram homens civilizados, cristãos, e mais, biologicamente superiores (raça superior). Destarte, após a civilização e cristianização destes indivíduos atrasados ainda seria justo sua dominação, pois biologicamente ainda seriam inferiores aos europeus. Eles tinham nascidos naturalmente superiores por isso podiam subjugar os demais. Segundo esta lógica sempre seria justificada a submissão, pois mesmo que evoluíssem sempre estariam passos atrás dos europeus. Este pretexto foi se encorpando no início do século XX e resulta em graves problemas futuros.18 Impactos produzidos pelos impérios Produziu um ―mundo extremamente assimétrico‖19: A Europa inseria os países subdesenvolvidos em sua economia mundial, porém com grande dependências destas últimas para com a Europa. As regiões subdesenvolvidas eram exportadoras de poucos produtos, mas consumidoras em grande escala dos produtos europeus. Além de exportar produtos também exportava tendências culturais, principalmente a Grã-Bretanha. A dependência era uma via de mão única – sendo o tráfego livre somente para o sentido europeu. Tinham como comprador de seus produtos especializados somente o império ao qual estavam submetidos e se deixassem de vender para este único mercado arruinariam suas economias. Mas, no caso do império, se estes deixassem de comprar de um destas regiões submetidas não colocava sua economia em risco, pois tinha outras colônias para comerciar. Ou seja, era uma balança desfavorável que pendia para o lado europeu. Exemplo: Extração de látex na Amazônia brasileira para exportação (produção de borracha) surgiu nas décadas de 1880-90, mas decaiu nas décadas de 1910-20 quando seus principais importadores encontraram a matéria-prima mais barata em outras regiões da América do Sul. Isto fez com que a economia amazonense se visse em colapso.

Quando os impérios deixaram de comprar destes países subdesenvolvidos simplesmente quebravam com sua economia, causando decréscimo dos fatores sócioeconômicos e, consecutiva, pobreza para a região. Outro aspecto decorrente da ação imperialista foi a constante marginalização destas regiões ditas inferiores, pois estas estavam sempre a mercê dos império. Ou seja, sua sustentação no mercado mundial ou não dependia diretamente dos impérios. Economia vertical: focada num tipo específico de produção. Na decadência deste produto toda economia é afetada. 18

Como o Apartheid na África; o Nazismo alemão; o Fascismo italiano, etc. MIRANDA, Luiz Francisco de Albuquerque. Conteúdo de sala de aula. UFSJ: São João del Rei, 24 de setembro de 2015. 19

9

Portanto, o capitalismo internacional foi responsável pelos desastres econômicos de regiões de menor desenvolvimento econômico. Vale ressaltar que não entram no mercado mundial em condições de desenvolvimento tecnológico iguais, nem tão-pouco entraram por espontânea vontade. Assim sendo, a situação foi desigual desde o início e ao passar do tempo, como o avanço técnico das potências, a situação foi ficando cada vez mais desigual. Contudo, a Era dos Impérios não foi apenas um fenômeno econômico e político, mas também cultural: a conquista do globo pelas imagens, idéias e aspirações transformadas de sua minoria "desenvolvida", tanto pela força e pelas instituições como por meio do exemplo e da transformação social.20

Impactos nos impérios Império Britânico: conseguiu manter seu comércio algodoeiro devido aos compradores de regiões subdesenvolvidas (o sul da Ásia representava 60% de todo consumo). Indústria do ferro: o desenvolvimento das ferrovias fomentou a indústria siderúrgica e metalúrgica inglesa. A pesar deste equilíbrio econômico o Império Britânico era dependente da Índia e da África do Sul, pois eram as importações feitas por estas regiões que permitia o equilíbrio econômico deste império. Para outros impérios, como o francês, as colônias representavam uma importância setorial já a Inglaterra mantinha uma dependência que iam além da necessidade de alguns tipos de matéria-prima ou produto. Por este motivo a Inglaterra acabou por perder seu posto superior de império. França/ Alemanha/ Itália: a economia capitalista não era muito dependente da economia imperial – das importações das colônias e países subdesenvolvidos. Entretanto, estes impérios tinham grandes empresas (monopolistas) que dependiam destas colônias.

Para alguns setores o império era vital. Estes setores, todavia, a pesar de dependentes, tinham grande capacidade de pressionar o governo, uma vez que a crise de um setor importante acarreta a crise financeira de toda uma nação. A Alemanha tinha se constituído uma potência econômica sem colônias e acreditava que se tivessem colônias poderia se tornar uma potência em nível mundial. Impactos culturais

20

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. In: A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 72

10

O Imperialismo foi fundamental para o mundo colonial e para o processo civilizador. No entanto a cultura européia não conseguiu se instituir em todas as colônias. Exemplo disso foi a expansão do islamismo, um verdadeiro ato contracultural. Representou uma forma de resistência à proposta de hegemonia cultural por parte da Europa.21 Os indivíduos mais pobres, principalmente, lutaram contra a cultura européia. Os pobres se apegaram em seus costumes e lutaram contra a imposição de uma nova forma de vida. Mas, não dá para negar que mesmo em resistência alguns pontos da cultura ocidental acabaram sendo incorporados à cultura nativa. Na Índia houve resistência à cultura imperialista, as populações pobres se apegaram muito a seus elementos culturais e até hoje representam uma cultura que vai contra as tendências mundiais (que o capitalismo globalizante conseguiu impor). Muitos lutaram com armas para defender seus modos de vida tradicional.22 Mahatma Gandhi, indiano, foi um dos maiores exemplos de resistência à cultura ocidental (capitalista industrial), mas mesmo ele também teve influências do ocidente.23 A penetração do império na economia destas colônias criou uma elite nestas sociedades. Estas elites locais se apropriaram de elementos culturais ocidentais; absorveram as práticas tradicionais acidentais (religião; política; literatura; educação (principalmente); etc.). São estas elites que vão, posteriormente, produziu os movimentos descolonizadores (Somente após a Primeira Guerra Mundial e Revolução Russa). A propagação destes elementos ocidentais em choque com os movimentos contra-culturais conseguiram ter visibilidade internacional por que estavam munidos de armas técnicas – assim conseguindo ser mais aceitos do que as demais culturas. Ou seja, eles se armam contra a cultura ocidental com a própria cultura ocidental. Literatura: as literaturas vão fornecer a imaginação de superioridade do europeu – disseminando este sentimento pelo povo em detrimento dos demais indivíduos. E, sobretudo, a Europa era mostrada como a salvadora destas regiões consideradas inferiores.

O contato com o mundo europeu propiciou o estudo destas sociedades. Na transição dos séculos XIX para XX cresceu o interesse por estas regiões. A antropologia surgiu neste momento e expandiu muito seus estudos. Outras áreas também se desenvolveram como a História, Filosofia, Filologia, etc. Ou seja, é o imperialismo que propiciou o crescimento destes estudos.

21

A expansão o islã como forma de resistência à hegemonia cultural européia decorreu nos problemas atuais são – do impacto que o império causou. 22 Outro exemplo foi a resistência dos vietcongues. 23 Estudou direito em Londres e utilizava técnicas tradicionais para mobilizações sociais contra o tradicionalismo (Hobsbawm, p. 73).

11

As artes também se desenvolveram muito devido à expansão imperialista. As artes visuais e a música se expandem devido a estes contatos (entre europeus e não europeus). Enfim, o império admitia uma dualidade, pois ao mesmo tempo que estabelecia condições extremamente desiguais também propiciava o fomento literário, artístico, educacional etc. Entretanto, a questão mais significativa foi um outro paradoxo, agora político. Ao mesmo tempo que o Estado imperialista se aproximava da democracia (internamente) permitindo maior liberdade às pessoas reprimia (externamente) e subjugava outras regiões e pessoas. Este paradoxo do campo político causou um grande problema: o aparecimento e desenvolvimento, no século XX, o racismo.24 ARENDT, Hannah. Raça e Burocracia. In: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras. 1973, p. 170Introdução: características do totalitarismo Hannah Arendt diz que o totalitarismo se aparenta como o nacionalismo. Mas, em verdade, não têm relação direta com o papel que o Estado deveria exercer. Os regimes totalitaristas desrespeitam os elementos fundamentais do Estado, tais como os direitos individuais; humanos; elementos que propiciam a expansão da liberdade individual; entre outros. O totalitarismo não impõe limites à sua expansão, assim sendo, não respeita limites jurídicos/ legais e humanos para a acumulação de poder e riqueza. As guerras, nesta óptica, são levadas até as últimas conseqüências, pois o que importa é a sobreposição de um povo, considerado racialmente superior (raça pura), sobre outro, considerado racialmente inferior. Nesta visão, portanto, a condição humana das raças consideradas inferiores é diminuída, ou seja, sua submissão; maltrato; ou mesmo morte não tem a mesma importância que a de seres humanos da raça pura. Não há medidas para o uso da violência desde que o resultado final seja a ascensão do império dos superiores. Esta ideologia política se apropria de elementos nacionalistas, socialista, fascista, entre outros, mas não as representa. Esta ideologia foge a todas as outras ideologias, pois não interessa a formação de um Estado unificado, fortalecido e rico. A eles, o território e o domínio de outras nações não era o fim último de suas guerras – seu fim último era a supremacia racial. Neste texto Arendt vai tentar desvendar as complexidades destes movimentos totalitaristas; busca entender o motivo do surgimento destes regimes. Tenta compreender, sem incorrer à simplificações. Como, por exemplo, explicar o surgimento do Nazismo como uma simples decepção com a perda da Primeira Guerra Mundial. 24

Hobsbawm não aprofunda muito sobre a consideração de superioridade dos europeus sob os africanos e demais povos, tão-pouco aborda o surgimento do racismo. Entretanto, como bom marxista, deixa muito evidente as questões econômicas e políticas em torno deste fenômeno de expansão dos impérios. A justificativa da superioridade européia e os fatos que ocasionaram o surgimento do racismo ficaram mais claros no texto da Hannah Arendt.

12

 Hannah Arendt propõe como primeiro ponto explicativo o encontro do antissemitismo25 com o racismo tendo como resultado um movimento de cunho totalitarista;  Um segundo elemento apontado pela autora é a nova configuração imperial que surgiu na transição dos séculos XIX para XX. Esta possibilitou a formação de formas políticas totalitárias. O imperialismo fermentou idéias que chegaram ao pensamento totalitarista – o anseio de englobar o máximo possível de territórios ao seu domínio. O império, com este tipo de desejo, tinha dificuldades de estabelecer relações de troca, pois queria sempre levar vantagem. E quem deseja conquistar sem perder; sem dar nada em troca, acaba por mover suas ações de conquista à base da violência. Ou seja, ou se dava o que a potência imperialista requeria ou se sofreria as conseqüências, violentas, de um não. Entretanto, não havia somente uma potência imperial – havia várias e estas começam a disputar territórios e povos entre si e isto é que desencadeou as grandes guerras no séc. XX. Os Estados europeus estavam até então, antes das Grandes Guerras, acordados dentro de seus limites territoriais. Havia certa harmonia dada pelo acordo entre as potências. Então, como surgiu o totalitarismo? A resposta para o surgimento do totalitarismo é complexa e tentaremos descrever os fatos que culminaram nesta ideologia política. Dois novos mecanismos de organização política e de domínio dos povos estrangeiros foram descobertos durante as primeiras décadas do imperialismo. Um foi a raça como princípio da estrutura política; o outro, a burocracia como princípio do domínio no exterior.26

Bases do totalitarismo:  Raça  Burocracia Para Arendt a raça e a burocracia são os dois pilares fundamentais para o surgimento do totalitarismo, permitindo a execução do poder imperialista. RAÇA: a raça justifica o imperialismo, a idéia de raça deu as bases ao imperialismo. A raça orienta a ação imperial, além de ser a chave ao entendimento de uma ação totalitarista. Acreditar-se pertencente a uma raça superior legitima as ações violentas sobre outros povos. 25

“Antissemitismo é o preconceito ou hostilidade contra judeus baseada em ódio contra seu histórico étnico, cultural e/ou religioso.‖ Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Antissemitismo acessado em 14 out 2015 26 ARENDT, Hannah. Raça e Burocracia. In: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras. 1973, p. 170 (grifos meu)

13 BUROCRACIA: a burocracia imperialista tem semelhança com a burocracia do Estado nacional, mas tem suas características próprias. Ela dá ordenação ao movimento administrativo dos Estados. A democracia, portanto, tem que ter caráter racional. A burocracia dá o ordenamento ao Estado para que este continue tendo funcionalidade. Será mais detalhado à frente27.

No entanto, Arendt diz que a burocracia imperial não tem mediação tal como tem a burocracia não imperial (os burocratas são controlados pela democracia e por outros burocratas e isto faz com que esta base do Estado não seja rompida, assim, mantendo o que chamamos de funcionalidades). Os burocratas totalitaristas não têm o mesmo controle sobre suas ações que têm os não totalitaristas – assim têm a liberdade de executar ações conforme bem entenderem. O que dá sentido ao totalitarismo é a raça e o que o ordena é sua forma particular de burocracia. As bases do totalitarismo: surgimento do racismo

Aventureiros

A autora diz que a raiz do racismo se deu na África do Sul com o encontro de três raças. A colonização da África do Sul não reproduzia a cultura européia como foi o caso das colônias da América, por exemplo.28 Não repetiam o modo de vida do homem europeu, tão-pouco os indivíduos africanos continuaram com seu modo de vida peculiar. Hannah Arendt, também, diz que a África do Sul não era somente um entreposto comercial – era mais que isso. Na África do Sul, deste período (fins do séc. XIX e início do XX), havia dois tipos de europeus convivendo com os povos nativos: o aventureiro (também chamados pela autora de Homens Supérfluos)29 e os Boers.

27

Os aventureiros eram homens que migraram para o continente africano por que não estavam bem estabilizados ou adequados aos seus territórios natais, ou seja, não tinham raízes com o mundo europeu. Estes desgarrados, em geral, não tinham o que perder em seus locais de origem (sem família; sem filhos; esposa; ou qualquer outro vínculos parental de relevância) ou eram pessoas que tinham se decepcionado com sua sociedade (sociedade burguesa) e rumaram para outro lugar em busca de aventura. Não tendo nem mesmo vínculo com seus locais de origem, também, não o tinha no local de migração, portanto, geralmente, aceitavam qualquer tipo de trabalha (sujo ou não) em troca de dinheiro.30

Vide página 14. Assim concordando com Hobsbawm em sua afirmativa de que nem todos os povos submetidos aculturavam-se. 29 Sujeito fruto do capitalismo, assim como este sistema gerava capital supérfluo, também, gerava, na visão da autora, homens supérfluos. (ARENDT, p. 173) 30 Vide página 16 sobre o surgimento do Agente Secreto que tem boa parte destes traços do aventureiro. 28

Boers

14 Os boers eram colonos instalados em regiões portuárias específicas para que produzissem alimentos e subsídios aos viajantes europeus que giravam pelos portos africanos para efetuar seus comércios. Tinham estas regiões como pontos de apoio onde iriam reabastecer seus navios para continuar as navegações. Nos séculos XVII e XVIII a Holanda foi quem manteve estas zonas em funcionamento, mas deixou seus colonos viverem conforme desejassem, ou seja, sem o rigor da estrutura política; jurídica; econômica; e mesmo social de matriz européia. Assim desenvolveram sua forma própria de vida – sendo dependente da Holanda, mas não estando sob seu governo.

Com a tomada da África do Sul pela Inglaterra a Holanda perdeu o controle sob a região onde se localizavam os boers e a nova conquistadora permitiu que eles por lá vivessem. No entanto, a Holanda, antes mesmo da perda do território para a Inglaterra já tinha abandonado a região. Mas, tudo mudou quando foram entradas jazidas de ouro e diamante nesta região e inicia-se a exploração. A vida dos boers muda, sai dos padrões que eles mesmos tinham estabelecido e iniciam-se os primeiros conflitos. Foi o encontro dos boers com os aventureiros nesta condição conflituosa que fez surgir o racismo sul-africano. Entendendo quem eram os boers Os boers eram de origem holandesa, de religiosidade calvinistas. Ficaram sob seu próprio governo durante o tempo em que ficaram sem metrópole. Antes de descobertas as jazidas de ouro e diamante o choque não foi tão intenso, mas assim que descobertas foram os ingleses para lá migraram e tentaram submetê-los ao seu regime – o conflito intenso aí teve início. Este conflito mais intensificado foi piorando no decorrer do século XIX com a chegada também de outros povos europeus, além dos ingleses. Sobre a organização dos boers: Tinha uma organização política peculiar. Não contavam com instituições estatais – se organizavam em clãs patriarcais aonde o escravismo de povos autóctones fazia parte de sua lógica trabalhista. Sua economia era à base da pecuária e era para subsistência. A escravidão empreendida pelos boers era também peculiar, pois não tinham organizadas redes de comércio, tão-pouco produtividade que justificasse a escravização dos africanos para mão-de-obra. Os boers eram por essência resistentes. Resistiram o quanto puderam ao encontro com os ingleses. Num primeiro momento fugiram com seus

15

gados vacum para o deserto do Kalahari; depois entraram em combate contra os ingleses. Os boers se consideravam superiores, destacando seu caráter calvinista, perante os africanos. Acreditavam que Deus tinha lhes oferecido aquela região da África e seu povo para que eles estabelecessem seu governo de forma despótica. Eles formavam um grupo que se considerava ―... escolhido por Deus para ser o deus do homem negro.‖ 31. Os povos africanos, nesta visão calvinista dos boers, estavam ali simplesmente para servi-los e, também, por considerá-los não totalmente humanos. Sendo este o “... núcleo do argumento racial.‖ 32 O que mais chocava os boers era fato dos ingleses estarem lutando contra o ―direito divino‖ que eles consideravam ter. O a mera tentativa de fazê-los parar de escravizar estes autóctones, que na visão calvinista foi lhes dado exatamente para isso, era absurda. Pareciam tão amalgamados com a natureza que careciam de caráter especificamente humano, de realidade especificamente humana; de sorte que, quando os europeus os massacravam, de certa forma não sentiam que estivessem cometendo um crime contra homens.33

ARGUMENTOS: A sociedade dos boers se baseava na discriminação do trabalho; na diferenciação da raça (eles acreditavam que os negros eram biologicamente inferiores34); e na crença de povo escolhido. Estes argumentos faziam dos boers um povo desgarrado da terra, não brigavam pela permanência e suas terras, mas sim pela manutenção de suas crenças. Sua luta era racial e não territorial. A superioridade racial, para eles, era o ponto específico que justificava suas ações para com os africanos. Consideravam-se naturalmente superiores, destarte, consideravam-se insuperáveis. Neste entendimento, os escolhidos (os puros) tinham de mandar nos não escolhidos para o bem mundial. Quando os bôeres (...) decidiram usar esses selvagens como se eles fossem apenas uma forma de vida animal como qualquer outra, deram início a um processo que só podia terminar fazendo-os degenerar num grupo racial branco que vivia ao lado (...) com as raças negras, das quais finalmente iriam diferir apenas na cor da pele.35

31

ARENDT, Hannah. Raça e Burocracia. In: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras. 1973, p. 178 32 MIRANDA, Luiz Francisco de Albuquerque. Conteúdo de sala de aula. UFSJ: São João del Rei, 01 de Outubro de 2015, grifos meu. 33 ARENDT, Hannah. Raça e Burocracia. In: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras. 1973, p. 176 (grifos meu) 34 Nota-se não eram considerados, com os primeiros conquistadores europeus acreditavam, simplesmente atrasados (primitivos) e sim inferiores biologicamente. Ou seja, quase não humanos. 35 ARENDT, Hannah. Raça e Burocracia. In: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras. 1973, p. 177 (grifos meu)

16

Hannah Arendt: a autora argumenta que os boers em contato com os africanos (os quais não tinham modificado sua natureza física, não promovendo avanços tecnológicos; não produzindo cultura) acreditavam que estes seres não eram humanos.36 O mais intrigante foi que os ingleses quando, finalmente, assimilaram os boers acabaram por adotar este conceito de superioridade dos brancos em detrimento dos africanos. O que é, ainda, mais espantoso é que a Inglaterra era uma potência imperial que se aproximava cada vez mais de condições democráticas e liberais. Eles admitiram a superioridade dos boers e até permitiram que eles estabelecessem leis que garantissem sua superioridade, além de institucionalizar a descriminação dos africanos com medidas tais como:    

Não podiam, os negros, trabalhar nas ferrovias; Não podiam votar; Não podiam trabalhar em instituições públicas. Entre outras.

A discriminação foi, portanto, institucionalizada na África do Sul e a Inglaterra permitiu o estabelecimento desta institucionalização – o racismo tornou-se legal. Quando a Inglaterra assimila a óptica dos boers ela permitia a criação de uma sociedade descriminalizadora, ou seja, trata-se da organização institucional e legal do racismo. Para Arendt, a Inglaterra fez isto por que queria manter a paz e, posteriormente, para garantir seus investimentos. Para garantir a exploração das minas de ouro e diamante, a Inglaterra permitiu que a perspectiva de vida dos boers fosse assimilada à ordem social de toda África do Sul. Em outras palavras o capitalismo criou o racismo. No entanto, os investimentos ingleses eram cirúrgicos e não permitiam o desenvolvimento e crescimento econômico da região africana explorada37. A mão-deobra escrava (de baixo custo) não faz com que este tipo de trabalhador se torne um consumidor em potencial, conforme a lógica capitalista, assim sendo, não houve fomento econômico produzido pelos europeus em solos africanos. A população africana, mesmo com estes investimentos europeus, continuou marginalizada e sem capacidade de ingressas na lógica do capital. O que estou querendo explicitar é que a crença de superioridade e inferioridade foi tamanha e ganhou tamanha proporção que mesmo a lógica capitalista, de acúmulo a qualquer custo, foi deixada de lado para fortalecimento da diferenciação entre os de raça pura e os biologicamente inferiores, uma vez que não se permitia que os africanos (mão-de-obra de baixíssimo custo) exercessem uma série de atividades. Em outras palavras, o viés capitalista foi relegado, somente neste aspecto, quando podia-se lucras muito mais, para dar lugar, lugar de destaque diga-se de passagem, ao racismo (à 36

Visão da autora soa tanto quanto preconceituosa e, mesmo, racista quando diz que os africanos não modificaram sua natureza física nem produziram cultura. Para professor o MIRANDA este argumento não explica os fatos, além de ignorar o caso norte americano. 37 Esta parte é mais bem explicada por Eric Hobsbawm (vide primeiro texto)

17

superioridade e inferioridade). Dizendo assim, parece mais que foi um delírio conjunto que atacou toda população européia, mas a explicação não poderia ser reduzida a tal ponto. Todavia, a sensação de superioridade; ou se ser escolhido causou grandes problemas, problemas estes que se refletem, quase de modo cegante, na atualidade e que são de difícil resolução (se é que conseguiremos resolver isto pela hora deste século). Enfim, o que de fato quero dizer é que, de algum modo, esta crença de superioridade passou a fazer parte das estruturas mentais dos europeus e eles38 e em nome desta considerada pureza de raça o abuso; a desumanidade; e a violência foram justificados. As bases do totalitarismo: burocracia imperial A burocracia imperial, como dito anteriormente39, se assemelhava com a do Estado Nacional, entretanto, era baseada em uma lenda – a ―lenda dos matadores de dragões‖. Nesta lenda os europeus são mostrados como os grandes salvadores do mundo colonial; salvando os povos atrasados do 3º Mundo dos perigos que lá existiam. Neste sentido, os colonizadores não se apresentavam como exploradores, que de fato eram, e sim com os bons moços. No último parágrafo do tópico anterior abordei que o sentimento de superioridade passou a fazer parte das estruturas mentais dos europeus. Como se originou este pensamento já sabemos, foi pelo contato dos ingleses com os aventureiros e os boers que se consideravam superiores, mas como este pensamento se disseminou por toda Europa. Como visto em Vovelle a opinião pública exercia grande influência, e ainda hoje exerce, sobre as ações sociais e políticas, conseguindo moldar comportamentos e ações. Lembremos, a opinião pública, portanto, tem grande poder sobre os indivíduos sociais. E foi exatamente pela opinião pública que correu o pensamento de superioridade dos europeus; de inferioridade dos povos africanos, americanos, orientais; e de necessidade de dominação dos inferiores pelos ditos puros. Note o teor da idéia: pensavam, realmente, que a única e melhor forma era a submissão destes povos, pois era o meio de levar a eles o que eles próprios não conseguiram desenvolver pra si (as tecnologias, a cultura européia)40. O império, então, era uma forma de viabilizar este plano. A burocracia imperialista, portanto, era fundamental para efetivação do progresso desta gente atrasada e que não conseguia modificar sua natureza, como disse Hannah Arendt. Este argumento pressupõe a incapacidade de autogestão destes povos, estando fadados à submissão. 38

Quando digo eles; os europeus, obviamente, digo de forma não generalizada. Vide página 10. 40 O que é totalmente relativo, pois de um ponto de vista que é próprio de seu povo, a cultura, o desenvolvimento alheio sempre soará como o imperfeito ou o incorreto. Sendo assim, esta não é uma justificativa cabível para a submissão de ninguém. Este pensamento positivista não pode continuar a cegar gerações completas com sua afirmação de que o que é mais desenvolvido tecnologicamente é melhor. Não dá para diminuir a cultura alheia, por simplesmente considerar que ela é atrasada e que a sua é mais evoluída, e quer impor outra. Realmente, não podemos perder nossa humanidade para os filtros o ofício e deixar de se indignar com a submissão e com o racismo. 39

18

Muitos dos burocratas (funcionários do governo imperialista) que foram para as colônias eram bons funcionários; homens honestos. Foram estes homens bons os responsáveis pelos maiores prejuízos às colônias juntamente por sua eficiência da execução de suas atividades para o império. Um governo sigiloso: a execução do plano imperial sem grandes dificuldades O governo das colônias pelo império tinha caráter não institucionalizado, ou seja, não seguia a matriz institucional de sua metrópole. Além disto, também, tinha caráter sigiloso – não permitindo que as fronteiras os limites do império fossem claros aos povos submetidos. Estas duas características faziam com que se pudesse agir conforme desejasse, uma vez que não havia instituições e legislação bem estabelecidas que delimitassem as ações imperialistas, e sempre tendo o fator surpresa como uma ―carta na manga‖, visto que os limites de sua ação eram opacos aos povos inferiores. A política mal definida permitia que as ―regras do jogo‖ pudessem ser alteradas quando conveniente fosse. Esta foi um tipo de estratégia utilizada pelos governos totalitários para legitimar suas ações desmedidas. Para execução deste plano sem delimitações era preciso funcionários altamente eficientes que conseguissem agir por si próprios obtendo as finalidades desejadas – não o progresso das sociedades submetidas, mas sim a máxima extração de seus recursos humanos41 e naturais. Estes funcionários especialistas também não estavam muito dependentes do governo metropolitano, nem este último poderia saber, ao certo, o que se passava em solo estrangeiro. Era uma forma de não causar alardes e possíveis intervenções. Estes funcionários também não podiam ser homens totalmente vaidosos ao ponto de ostentar suas riquezas e poder e vir a despertar o interesse da opinião pública. Destarte, para execução deste plano era necessário pessoas disciplinadas e os burocratas eram os melhores neste quesito. O Agente secreto: o modelo de funcionário do governo imperial No império nasceu o agente secreto que trabalhava a serviço do governo. As organizações que institucionalizaram tal tipo de serviço ficaram conhecidas como Serviço de Inteligência (SI). Esta instituição (SI) é composta de funcionários (os agentes secretos), mantidos pelo governo, que agem sem que outrem tenha ciência de suas ações. A sociedade não sabe o que os agentes secretos de fato fazem, mas sabemos que suas ações são conforme o modelo que os criou – é imperialista (desmedidas). O que é mais impressionante é que a sociedade se curva ao agente secreto, não questiona suas ações desmedidas, muito das vezes ilegais, e, sobretudo, enaltece sua imagem. Como isso foi possível? Isto foi possível porque instiga a capacidade humana da existência de um ser que tudo pode – em alguma medida todos nós gostaríamos, mesmo que por 41

Palavra humanos em itálico para evidenciar que não consideravam que eram bem humanos estes povos ditos inferiores e atrasados – para que compreendamos a lógica das medidas imperiais. Para nós hoje, ou para maioria pelo menos, absurdas, mas que tinha argumentos e justificativas para os europeus da época.

19

alguns instantes da vida, estar livres para fazer o que bem quisermos, sem nos importarmos com a opinião de pais, conjugues, filhos ou parentes e sem sermos limitados pela legalidade– assim como fazem os agentes secretos. Ou seja, a imagem do agente secreto é muito atraente. Mas, obviamente houve toda uma construção desta personagem, fortalecido pelos romances de aventura, pelos quadrinho, e pela mídia num âmbito geral. Enfim, o que devemos atentar é que este ser, o agente secreto, é o resultado da junção do burocrata altamente habilidoso e disciplinado com o aventureiro42 (o ser sem origens) de posse de uma autorização de infringir a lei e que possuí em si a crença de superioridade racial. E toda sua ação está embasada no conceito dos boers de superioridade. Então, para o agente secreto que invade outro país; infringe suas leis; mata todo e qualquer um que à sua supremacia se opõe, suas ações são legítimas e, acima disto, são para o bem daquela nação atrasada que não consegue resolver seus problemas sem intervenção externa. AGENTE SECRETO: Sujeito desenraizado que age fora da lei. Não tem laços familiares, não tem relações conjugais; não tem filhos; não tem identidade. Tem a total liberdade de ação e torna-se cativante ao sujeito comum. Ele é a representação de um outro paradoxo43 no mundo contemporâneo, agora do ponto de vista social. A mesma sociedade que depreda e condena os ―fora da lei‖ vangloria o agente secreto que também é um ―fora da lei‖.

É um criminoso; infrator de leis; que não tem uma identidade privada, portanto, cometendo o crime de falsidade ideológica; etc., e porque ainda assim enaltecemos sua imagem? Por que é atraente. Retomando: o totalitarismo, o racismo e seus agentes Portanto, na visão de Hannah Arendt o totalitarismo tem suas bases fundantes na burocracia imperialista, como vimos que se baseia na ―Lenda dos matadores de dragões‖, ou seja, na crença de que os europeus deveriam levar a civilidade e o desenvolvimento às regiões consideradas atrasadas; e no conceito de raça, ou seja, da superioridade da raça pura dos europeus (preceito este que surgiu com o contato dos ingleses com os boers, calvinistas que se julgavam escolhidos divinos e que acreditavam que os africanos e seu continente havia sido lhes reservado para que eles fizessem com eles o que bem desejassem). E este totalitarismo, que em sua forma política se expressa como Império, tem como agente consagrador do plano imperial o agente secreto – este é o sujeito que vai colocar em prática o racismo legitimado. M‘BOKOLO, Elikia. África Central: O tempo dos massacres. In: FERRO, Marc (org.). O livro negro do colonialismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 502-21 42

Para relembras as características do aventureiro vide pág. 11. Lembrando o outro paradoxo diz respeito à ação retrógrada do império quando implementa ações, em suas colônias, que distancia ao direito humano e à democracia quando, internamente, tenta se aproximar da humanização e da democracia. 43

20

Imagens do imperialismo no século XIX: o caso do Congo Belga A região do Congo localiza-se no sudoeste africano, era uma área muito populosa composta de vários grupos étnicos. Era uma região visada pelos caçadores de escravos, suali (caçadores de escravos de origem africana). Os cativos neste local caçados eram, normalmente, vendidos nos entrepostos comerciais, que até meados do século XIX eram costeiros. Apesar de contribuir para o tráfico escravista, o Congo, era uma região ainda desconhecida dos europeus, uma vez que as caças de cativos eram realizadas pelos sualis. Porém, na segunda metade do século XIX os europeus, pela figura dos aventureiros, começam a penetrar nas regiões centrais da África. À porção central da África, até o momento das primeiras penetrações, ainda não se sabia o que fazer, mas o Vale do Congo tornou-se um local muito visado pelos europeus. Leopoldo promoveu encontros científicos em Bruxelas para discutir formas de estudar as populações (etnias) e a geografia africana. A intenção destas reuniões científicas era traças metas para se colher informações sobre o continente africano, pelo menos era o que afirmava seu organizador (Leopoldo). Com a organização destes eventos, Leopoldo criou uma áurea de homem preocupação com seus não tão semelhantes irmãos africanos. Umas das discussões levantadas por Leopoldo foi sobre a escravização dos povos africanos – assim ele criou uma imagem de bom moço. Em 23 de fevereiro de 1885, em Berlim, uma conferência da Associação Internacional do Congo (criada por Leopoldo II em 1879) foi realizada entre os Estados europeus para decidir o que fazer com esta região.44 Chegaram num acordo, em 29 de maio de 1885, de que o Congo seria a Associação Internacional do Congo se tornaria Estado Independente do Congo e que este seria governado por Leopoldo da Bélgica (ou Leopoldo II).

44

Note que há nesta frase todo teor do racismo, se reuniram para decidir o que fazer com uma região que era habitada por outros povos, portanto, que era deles por direito. Esta é a pura exemplificação do sentimento de superioridade do europeu e da consideração de inferioridade e atraso dos povos não puros, como se fossem incapazes de se governarem, assim, precisando da intervenção externa. Mas, lembre-se isto era somente para levar a ―civilidade‖ e o ―progresso‖ para esta gente.

21

O Congo não era uma colônia belga e sim de responsabilidade de um belga, o bondoso Leopoldo. É o mesmo que dizer que no Estado Independente do Congo não seria reproduzida a estrutura política (democrática), social (hierarquizada, porém humanizada), institucional e nem jurídica da Bélgica, ou seja, executando seu caráter imperial de Estado Sigiloso onde tudo é permitido aos europeus. Em outras palavras, Leopoldo tinha total liberdade de ação sobre o Congo. Leopoldo organizou outro encontro, desta vez para discutir formas de acabar com a escravidão africana. Ele contratou o americano de origem inglesa Henry Morton Stanley45, um conquistador (aventureiro) mundialmente famoso, que havia percorrido o território africano com ajuda dos suali. Stanley era um homem multifuncional (uma espécie de jornalista, geógrafo, antropólogo e catalogador de informações com diversas influências profícuas) que adentrou pelas bacias congolesas e foi catalogando e mapeando as regiões e as populações entre 1869 e 1871. Por este trabalha de antropólogo e geógrafo que executou é que ficou mundialmente conhecido. Só que o contrato com Leopoldo tinha como intuito o extermínio aos escravistas, ou seja, aos suali que haviam o ajudado. Stanley fechou o contrato, assim demonstrando sua característica de aventureiro (o sujeito desenraizado que aceita qualquer serviço bem pago). Sua primeira missão era catalogar a região do Congo e reprimir e acabar com a escravidão (a escravidão impetrada pelos suali). E o fez com êxito, acabou com o poder que tinham estes caçadores na região. Assim, Stanley deixou o caminho aberto para que Leopoldo pudesse exercer seu governo no Estado Independente do Congo sem maiores complicações. Em outras palavras, tomou o poder de submissão das mãos dos suali e colocou nas mãos belgas de Leopoldo – isto não significa acabar com a escravidão e sim transferir o direito de escravização, mas na época, para os europeus que não podiam interferir neste Estado independente que havia sido criado, soou como, de fato, a libertação dos congoleses da escravidão. Mais uma vez a imagem de bondoso deste governador foi reforçada. A execução do plano imperial: a exploração cirúrgica

Esta limpeza do Congo permitiu a execução de um projeto de exploração, digamos, memorável, se não fosse trágico e desumano, por parte dos belgas. Este projeto teve alto custo, mas seu resultado foi tão rentável que valeu todo investimento

45

Stanley foi um herói burguês. Tinha as características do aventureiro e do agente secreto, possivelmente inspirou romances de aventura.

22

(na óptica capitalista). O plano era extrair o máximo possível de marfim com a mão-deobra escrava dos carregadores congoleses.46 Os carregadores africanos extraíam o marfim de elefantes já mortos (25%) ou os caçavam e matavam (75%) para retirada de suas presas. Após a retirada do marfim, o carregavam no ombro pelas picadas da floresta até os portos (andando uma média de 200 km mais ou menos). Como disse, o resultado deste investimento foi muito rentável primeiro por que a mão-de-obra era de baixíssimo custo (escrava), segundo por que o marfim era um produto de grande valor devido à sua resistência e beleza. Em doze anos de exploração houve um crescimento vertiginoso que passou de cinco mil quilos (5mil Kg) de marfim extraído para trezentos e trinta mil quilos (330mil kg). O látex para fabricação de borracha também foi outra matéria-prima muito explorada. Extração de borracha (XIX)

Extração de Marfim (XIX) 6.000.000 5.000.000 4.000.000 3.000.000 2.000.000 1.000.000 0

350.000 300.000 250.000 200.000 150.000 100.000 50.000 0 1888

1889

1895

1900

1887

1889

1895

1900

Fonte: M‘BOKOLO, 2004, p. 509-10

Com estas explorações e com a mão-de-obra escrava num prazo de quinze anos o Congo se projetou à economia mundial. No entanto, sua população não pode desfrutar dos louros desta projeção capitalista. A demografia congolesa caiu vertiginosamente fora as mutilações e o excessivo usa da violência para que o plano imperial leopoldino continuasse sendo efetuado. Para acumulação de riquezas a vida humana africana foi subjugada, explorada, mutilada e massacrada. E se não fosse o racismo para legitimá-lo talvez não tivesse sido como foi, mas este é um mal irremediável. Características da exploração Como é de característica dos governos imperialistas totalitaristas, a exploração das riquezas ocorreu de forma específica – em alguns setores. A intenção não era, como a princípio se dizia, de promover o desenvolvimento do local submetido (foi só mais um pretexto para justificar a ação imperialista). O governo leopoldino, assim sendo, não promoveu o ―desenvolvimento global‖; não levou a civilização.47

46

Note o tipo de exploração, setorial, típica dos impérios totalitaristas conforme afirmou Eric Hobsbawm. Destarte o investimento era cirúrgico, num setor, ou em poucos setores, específico. 47 Das regiões exploradas pelas potências imperiais somente a Índia tornou-se uma colônia, no caso colônia inglesa. As demais só foram sugadas sem que nenhum benefício lhes fosse ofertado.

23

Leopoldo II se propôs a abrir o comércio (livre iniciativa), mas o que ele implementou foi a monopolização das áreas de melhor exploração do Congo Belga. A justificativa deste regente era que o monopólio era uma forma de arrecadar recursos para o combate ao tráfico negreiro dos suali, o argumento foi aceito. Mas, Leopoldo era velhaco e esta, sem sombra de dúvidas, não era a finalidade última dos monopólios. Três empresas ficaram sob controle dos monopólios. Uma das empresas era do próprio auto intitulado rei do Congo48, na outra ele era acionista e na última tinha fortes influências.49 As empresas tinham uma ligação entre si, tinham que pagar 5% de importo. Estas empresas, propositalmente, foram criadas no Congo, no Estado Independente do Congo que possuía a característica de Estado Sigiloso, para que não sofre as fiscalizações das instituições belgas. Era um verdadeiro paraíso fiscal, uma vez que o Congo não contava com um aparato jurídico que inibisse as ações monopolistas e criminosas de Leopoldo. Os rendimentos destes monopólios foram grandes, mas o custo humano foi alto. As populações locais trabalhavam obrigadas sob coerção física. Além disso, eram obrigados a trocar seus produtos com os Belgas, estabelecendo uma espécie de comércio. Também tinham que fornecer alimento gratuitamente para os belgas. Ou seja, a relação não era dialógica, nada disso, desde o princípio, foi permitido pelos africanos do Congo, lhes foi importo a base da violência. A extração do marfim e do látex não era um roubo praticamente, visto que havia um comércio entre as partes. Trocavam-se tecidos baratos, pequenos objetos metálicos (facas, facões, etc.) e pérolas em contra do marfim e do látex. Mas, em pouco tempo o interesse dos congoleses com estes produtos foi se esgarçando visto à má qualidade destes e a inicial falta de interesse de estabelecer acordos comerciais (lembrando que o comércio foi imposto). Depois as recusas, os belgas começaram a forçar o comércio por meio das coerções, mutilações50; espancamentos; e com algumas outras técnicas de tortura específicas51. Sobre a violência: Era exercida pelos comissários das empresas, estes eram também africanos. Eram escolhidos entre grupos étnicos rivais. Eles se diferenciavam socialmente, pois eram uniformizados, armados e a eles era permitido a constituição de haréns o que lhes rendiam grande prestígio social.

Desfecho: as denúncias

48

Leopoldo II. Veja que novamente é expressa a característica totalitarista. Leopoldo II praticamente tinha total controle sobre o monopólio. Como governador e rei do Congo, garantidor do bem-estar dos congoleses, não é ético que ele fosse o proprietário de parte de uma das empresas, nem que tivessem influências com as demais. 50 Geralmente, mutilava-se a mão direita de familiares (filhos, esposa) do sujeito que estava se recusando a comerciar. 51 Como, por exemplo, lambuzar a cabeça do sujeito com um tipo de resina vegetal inflamável e atear fogo; cozimento dos pés por meio do contato ao fogo. Enfim, técnicas de tortura dolorosas que não eram fatais. 49

24

Depois de várias denúncias a Bélgica tentou punir os culpados pelo excesso de violência. As justificativas destes criminosos eram que o uso exagerado da força física era que o clima tropical e a vegetação florestal tinham os deixado loucos. E neste estado de demência acabaram por cometer excessos. O autor, M‘Bokolo, diz que não se trata de uma loucura e sim de um meio racional, muito racional por sinal, de viabilizar o plano imperial. Não teve demência alguma, foi tudo realizado com plenas faculdades psíquicas e a falta de humanidade retrata tão-somente que estes eram homens racistas, ou seja, homens que de fato acreditavam da pouco, ou nenhuma, humanidade da raça africana.52 Animalizando estes seres, tudo passava a ser permitido contra eles para o lucro fosse garantido, mas o que os europeus não sabiam é que mesmo os animais sentem (estavam duplamente equivocados). O racismo fez dos europeus seres mais impiedosos. Mas, o que vale dizer é que o choque não foi sempre pacífico, como, por vezes, se deseja pintar, houve confronto. É certo que não foram consultados para a implementação de um Estado, ainda menos para a implantação de um comércio, mas não podemos diminuir este povo ao ponto de dizer que aceitaram pacificamente todas as repressões européias – não, eles lutaram. Entretanto, foram, verdadeiramente, massacrados ou obrigados a fugir.

Referências Bibliográficas

ARENDT, Hannah. Raça e Burocracia. In: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia das Letras. 1973

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. In: A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988

M‘BOKOLO, Elikia. África Central: O tempo dos massacres. In: FERRO, Marc (org.). O livro negro do colonialismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004 52

A inferioridade da raça africana era expressa fisicamente, acreditavam que sentiam menos dor.

25

Referências de imagens http://arquivo.geledes.org.br/areas-de-atuacao/educacao/planos-de-aula/planos-maislidos/17526-plano-de-aula-desertos-africanos-saara-kalahari-e-namib acessado em 14 de out 2014 http://www.infoescola.com/historia/partilha-da-africa/ acessado em 14 out 2015 http://publicdomainreview.org/2012/11/29/henry-morton-stanley-and-the-pygmies-ofdarkest-africa/ acessado em 15 out 2015 http://www.momentosdehistoria.com/MH_07_08_08_Internacional.htm acessado em 15 out 2015 https://pt.wikipedia.org/wiki/Leopoldo_II_da_B%C3%A9lgica acessado em 15 out 2015 http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/cultura/filhos-de-gandhi-o-pacifismosob-a-otica-de-orwell/ acessado em 16 out 2015 http://fineartamerica.com/featured/boers-and-natives-james-edwin-mcconnell.html acessado em 16 out 2015

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.