A Assistência Jurídica Recíproca no Combate ao Crime Transnacional

June 28, 2017 | Autor: Fabiana Ramos | Categoria: International Law, International Criminal Procedure
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A ASSISTÊNCIA JURÍDICA RECÍPROCA NO COMBATE AO CRIME TRANSNACIONAL

A ASSISTÊNCIA JURÍDICA RECÍPROCA NO COMBATE AO CRIME TRANSNACIONAL Revista de Processo | vol. 216/2013 | p. 189 | Fev / 2013 DTR\2013\391 Fabiana D'andrea Ramos Doutora em Direito pela UERJ. Mestre em Direito pela Universidade de Heidelberg/ Alemanha. Professora da Universidade Federal Fluminense. Área do Direito: Internacional; Penal; Processual Resumo: O presente texto tem por objetivo tratar de alguns aspectos relativos à assistência jurídica recíproca nos três Tratados mencionados relacionando-os com a jurisprudência brasileira, sobretudo no que se refere à sua coexistência com outras modalidades de cooperação, notadamente a carta rogatória. Traz informações sobre pressupostos conceituais necessários para a melhor compreensão da cooperação jurídica internacional em matéria penal, além de breve análise específica sobre o procedimento da assistência jurídica recíproca, conforme previsto em tratados internacionais e na legislação e jurisprudência brasileiras. Palavras-chave: Cooperação internacional - Assistência recíproca - Crime transnacional. Riassunto: II presente testo ha come obiettivo analizzare taluni aspetti relativi all'assistenza giuridica reciproca nei tre trattati menzionati, relazionandoli alla giurisprudenza brasiliana, soprattutto per quanto concerne la sua coesistenza con altre modalità di cooperazione, con particolare riferimento alla rogatoria internazionale. Fornisce informazioni riguardo a presupposti concettuali necessari per una migliore comprensione della cooperazione giuridica internazionale in meteria penale, oltre a una concisa analisi specifica in merito al procedimento di assistenza giuridica reciproca, secondo quanto disposto da trattati internazionali e da legislazione e giurisprudenza brasiliana. Parole chiave: Cooperazione internazionale - Assistenza reciproca - Crimine transnazionale. Sumário: - 1.INTRODUÇÃO - 2.PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS DA COOPERAÇÃO JURÍDICA EM MATÉRIA PENAL - 3.ASSISTÊNCIA JURÍDICA RECÍPROCA - 4.CONCLUSÃO - 5.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 18.09.2012 Aprovado em: 25.10.2012 1. INTRODUÇÃO A assistência jurídica internacional1 se insere hoje como um dos mais importantes instrumentos de cooperação jurídica internacional.2 Esta última, por sua vez, é certamente o tópico mais relevante do direito internacional privado atual, tanto em matéria penal, quanto cível. Em matéria penal, a cooperação jurídica internacional tem sido fundamental para o combate à criminalidade transnacional. Geralmente associada ao crime organizado,3 a criminalidade transnacional se constitui em um conceito genérico, que engloba uma multiplicidade de diferentes tipos de atividades criminais, cujos efeitos, atuais ou potenciais, ultrapassam as fronteiras territoriais de um único país.4 Neste contexto, a assistência recíproca, também conhecida como assistência direta, auxílio mútuo ou, mais comumente, como auxílio direto, se apresenta como um procedimento de cooperação compatível com a celeridade e informalidade necessárias para um efetivo combate a esta sofisticada forma de criminalidade. Não obstante seu caráter internacional, trata-se de procedimento integralmente interno, suscitado a partir de solicitação de autoridade estrangeira, a fim de obter a realização de ato administrativo ou jurisdicional em outra jurisdição. Seu trâmite se dá por meio de Autoridade Central e, no caso de Página 1 necessidade de ato jurisdicional, a decisão judicial é provocada por intervenção de autoridade

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nacional, que, no Brasil, seriam o Ministério Público Federal (nos casos penais) e a Advocacia Geral de União (nos casos cíveis). Trata-se de procedimento geralmente previsto em tratados, mas contamos também com uma regra geral a respeito no art. 10 da Res. STJ 9/2005. No que se refere ao combate à criminalidade transnacional, tal modalidade de cooperação está prevista nos três grandes marcos internacionais relativos a esse tema: a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo),5 a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida)6 e, ainda, a Convenção de Viena, das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas,7 todas em vigor no Brasil. O presente texto tem por objetivo tratar de alguns aspectos relativos à assistência jurídica recíproca nos três Tratados mencionados relacionando-os com a jurisprudência brasileira, sobretudo no que se refere à sua coexistência com outras modalidades de cooperação, notadamente a carta rogatória. Para tanto, trataremos em uma primeira parte de alguns pressupostos conceituais necessários para a melhor compreensão da cooperação jurídica internacional em matéria penal. Após, em um segundo momento, analisaremos especificamente o procedimento da assistência jurídica recíproca, conforme previsto nos Tratados internacionais citados e na legislação e jurisprudência brasileiras. 2. PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS DA COOPERAÇÃO JURÍDICA EM MATÉRIA PENAL 2.1 Transposição do princípio da territorialidade A intensificação das relações privadas internacionais alterou definitivamente a realidade dos ordenamentos jurídicos nacionais, até então voltados quase que exclusivamente para as relações domésticas, que ocorrem dentro de seus limites territoriais. Esta visão territorial é bastante marcante no direito penal dos Estados, tradicionalmente destinado a ser aplicado somente aos delitos que ocorram nos seus respectivos territórios. O princípio de que o direito penal é essencialmente local e que o direito penal estrangeiro é indiferente para a ordem local se encontra ameaçado pela realidade dos crimes transnacionais.8 Todavia, é ainda comum limitar a jurisdição penal estatal aos delitos cometidos no seu território. Assim é no direito brasileiro, que, adotando a teoria mista, diz ser aplicável a lei penal brasileira quando a ação ou omissão criminosa, ou seu resultado for produzido no território nacional.9 É importante destacar neste caso que a aplicação da lei penal material implica na confirmação da jurisdição (competência internacional), relação que não existe no âmbito civil, onde pode haver jurisdição brasileira sem aplicação do direito privado nacional. Deste modo, será competente também o juiz nacional quando e somente se for aplicada a lei penal brasileira. Como consequência, a aplicação da lei penal estrangeira no Brasil não é possível e esta regra se faz visível no dispositivo da lei brasileira que nega efeitos às sentenças penais estrangeiras, salvo para finalidades excepcionais, como para os efeitos civis, de reparação, por exemplo, e, ainda, desde e somente que a lei estrangeira tenha produzido as mesmas consequências que teria produzido a lei brasileira.10 Esta estreita relação entre jurisdição e aplicação da lei penal deve ser, e é, levada em consideração nos casos de cooperação. A cooperação atua eminentemente no âmbito processual. É verdade que, sobretudo na esfera penal, a cooperação administrativa é importante, mas não se pode negar que, tradicionalmente, a cooperação é vinculada ao processo. E sendo o processo o instrumento por meio do qual se materializa o exercício da jurisdição e se, esta por sua vez, depende da aplicação da lei penal, a cooperação depende intimamente de uma mínima harmonia legislativa, especialmente quanto à tipificação de algumas condutas, sem o que a cooperação se torna inviável. Não por outra razão temos na Convenção de Palermo, um dos instrumentos internacionais mais importantes no combate aos delitos transnacionais, a tipificação de pelos menos quatro delitos (participação no crime organizado; branqueamento de capitais; corrupção e obstrução à Justiça), que deve ser incorporada aos ordenamentos jurídicos dos Estados parte da convenção. Estes são dois pontos que devem ser levados em consideração quando se trata de cooperação jurídica internacional. Primeiro, a estreita relação entre lei material penal e jurisdição e, segundo, a transposição do princípio da territorialidade estrita, por meio da adoção de tipos penais internacionalmente harmonizados. 2.2 Superação dos princípios da reciprocidade e da cortesia internacional Página 2

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Há ainda dois outros princípios que devem ser superados que são os princípios da reciprocidade e da cortesia internacional (comitas gentium). A comitas gentium é um conceito comum no direito internacional público que transmite a ideia de “cortesia entre os povos” e que se utiliza como fundamento de normas não jurídicas de relações internacionais entre Estados.11 As saudações de cortesia no mar, a prática de isentar os veículos diplomáticos de proibições de estacionamento e até mesmo a salva de 21 tiros de canhão na recepção de um Chefe de Estado são mencionadas como exemplos de comitas gentium.12 No direito internacional privado, o conceito foi utilizado pela escola estatutária holandesa como fundamento para aplicação do direito estrangeiro.13 Na cooperação jurídica internacional, a cortesia foi utilizada como um de seus primeiros fundamentos, caracterizando a primeira fase da cooperação no cenário internacional.14 Atualmente, a doutrina já reconhece amplamente que a cortesia não é mais fundamento para a cooperação,15 que se converte em uma obrigação entre os Estados-parte de uma convenção internacional para este fim.16 O fundamento da reciprocidade é característico da segunda fase da cooperação jurídica internacional.17 A reciprocidade é também um princípio clássico do direito internacional público, aplicado desde os seus primórdios. Própria de um direito internacional fundado basicamente em um sistema de normas bilaterais, a reciprocidade vem perdendo seu significado desde o final da Segunda Guerra Mundial e da criação das Nações Unidas e da instituição de um sistema cada vez mais multilateral. O direito internacional hoje, muito mais do que regular relações horizontais e bilaterais, busca favorecer a ação coletiva para a realização de objetivos comuns.18 O multilateralismo acarreta, assim, o surgimento de interesses comunitários globais. Tais interesses podem ser descritos como: “O consenso de um grupo de Estados da necessidade de se respeitar e velar por certos valores fundamentais, que, devido a sua importância, seu tratamento não pode ser deixado a cargo dos Estados individualmente, devendo esses interesses ser reconhecidos por todos os envolvidos e sancionados por lei internacional.”19 O combate à criminalidade transnacional e efetivo acesso à Justiça certamente configuram-se como interesses comunitários globais.20 Além disso, também não se pode mais vincular a cooperação à confirmação de reciprocidade, sob pena de se sacrificar o direito dos indivíduos, cujo Estado não oferece esta garantia. O Código Modelo de Cooperação para Ibero-América enfatiza esta independência entre cooperação e reciprocidade, afirmando a não dependência como um dos princípios gerais da cooperação interjurisdicional. Da mesma forma, a lei portuguesa de cooperação judiciária em matéria penal afirma, ainda que com algumas restrições, que a falta de reciprocidade não deve impedir a satisfação de um pedido de cooperação.21 Assim, chegamos hoje à chamada terceira fase, em que a cooperação surge como um “imperativo à globalização”, revelando-se como premissa indispensável ao acesso à Justiça.22 3. ASSISTÊNCIA JURÍDICA RECÍPROCA 3.1 Previsão convencional Todas as três convenções mencionadas (Palermo, Mérida e Viena) preveem a assistência jurídica recíproca23 como forma de cooperação internacional para combate aos delitos que tipificam.24 A denominação, no entanto, é diferente em cada uma: a Convenção de Palermo utiliza o termo “assistência judiciária recíproca”; a de Mérida, por sua vez, faz uso da expressão “assistência judicial recíproca”; a Convenção de Viena, por sua vez, refere-se à “assistência jurídica recíproca”.25 Os diferentes termos não afetam o significado do instrumento de cooperação. Não obstante se possa fazer distinções entre o significado de “judiciária”, “judicial” e “jurídica”,26 no contexto das convenções em estudo não há diferença significativa entre eles. Em todos os casos se trata de instrumento de cooperação que se presta tanto à realização de atos administrativos (mormente ao tratar de atos investigatórios) como judiciais. Também é comum às três Convenções que tal forma de cooperação deve ocorrer desde Páginaas 3

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investigações, bem como nos julgamentos, processos, ações judiciais ou em quaisquer outros atos judiciais relativos aos respectivos delitos. Da mesma forma, as três convenções estipulam que tal assistência deverá ocorrer por meio das denominadas Autoridades Centrais, que deverão ser designadas pelos Estados-membros e serão encarregadas de receber solicitações de cooperação, seja para executá-las diretamente ou encaminhá-las para execução pelas autoridades competentes no país requerido.27 A intervenção das Autoridades Centrais, superando a antiga via diplomática, visa conferir celeridade ao trâmite dos pedidos. No Brasil, a Autoridade Central indicada é o Ministério da Justiça, que atua por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI e do Departamento de Estrangeiros – DEEST. Quanto ao objeto da assistência jurídica, as convenções incluem, entre outros: fornecimento de informações, elementos de prova e pareceres de peritos; efetivação de buscas, apreensões e embargos; fornecimento de documentos judiciais, administrativos ou comerciais; receber testemunhos, depoimentos ou declarações de pessoas; examinar objetos e locais; notificação de atos judiciais; identificação ou localização de produtos do crime, bens, instrumentos ou outros elementos para fins probatórios; recuperação de ativos.28 As Convenções ainda são convergentes quantos aos elementos que deverão estar contidos nos pedidos de assistência, quais sejam: identificação da autoridade emissora do pedido; objeto e natureza da investigação, processo ou ato judicial a que se refere o pedido, bem como nome e função das autoridades encarregadas; resumo dos fatos relevantes; descrição da assistência pretendida; quando possível, identidade, nacionalidade e endereço de todas as pessoas envolvidas; finalidade do pedido.29 Quanto à descrição da assistência pretendida, é recomendável que o pedido não se restrinja a um tipo de procedimento específico, pois isso pode confundir ou limitar o pedido. Melhor é fazer uma simples descrição do tipo de ato que se requer e de modo a permitir que a Autoridade Central do Estado requerente encaminhe o pedido conforme a natureza do objeto e não limitado a um procedimento. Este cuidado muitas vezes facilita enormemente o trâmite dos pedidos de assistência. Esta forma de cooperação é submetida às leis de cada Estado-parte, que podem estipular diferentes procedimentos para seu cumprimento. É neste ponto que há ainda certa divergência no Brasil, pois entre os possíveis objetos das solicitações de cooperação, se encontram atos para os quais se exige provimento jurisdicional e atos para os quais não se exige. As modalidades de cooperação são distintas em cada caso. 3.2 Código Modelo de Cooperação Interjurisdicional para Ibero-América O Código Modelo de Cooperação Interjurisdicional para Ibero-América é bastante esclarecedor neste aspecto. Formulado por iniciativa do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, o Código Modelo tem caráter doutrinário importante, na medida em que, sem pretender ter eficácia legislativa direta, tem por finalidade a “compilação dos princípios fundamentais e regras gerais inerentes à jurisdição transnacional que, com as adaptações necessárias a cada Estado, sejam passíveis de aplicação em todos os sistemas jurídicos que consagrem o Estado de Direito”.30 Assim, o Código Modelo, no que se refere à cooperação em matéria penal, estipula uma série de modalidades de cooperação, que em parte são compatíveis com os objetos da assistência judiciária recíproca, previstas nas convenções. Dentre estas modalidades, pode-se mencionar: a realização de provas e obtenção de informações, a investigação conjunta e as medidas judiciais penais de urgência. Além disso, estabelece diferentes procedimentos para cumprimento destas modalidades, dos quais destacaria o auxílio mútuo e a carta rogatória. A respeito dos procedimentos de cooperação, diz a exposição de motivos do Código Modelo: “Os procedimentos da cooperação interjurisdicional consideram, primeiramente, a natureza – administrativa ou jurisdicional – do ato objeto do intercâmbio; se reclama ou não uma medida jurisdicional perante o Estado requerido e, consequentemente, se necessita ou não de um juízo de delibação. Não reclamando jurisdição ou delibação no Estado requerido, o procedimento Entre tribunais será um procedimento judicial de jurisdição voluntária; nos demais casos, um procedimento Página 4

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administrativo, de acordo com a legislação administrativa do Estado requerido. Trata-se do auxílio mútuo judicial e do auxílio mútuo administrativo (art. 34). Segundo o Código, estão compreendidas no procedimento do auxílio mútuo as seguintes modalidades de cooperação (art. 35): 1. citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial, quando não for possível ou recomendável a utilização do correio; 2. informação sobre direito estrangeiro; 3. informação sobre processo administrativo ou judicial em curso no Estado requerido, salvo no caso de sigilo; 4. investigação conjunta entre autoridades policiais e órgãos de persecução penal, salvo se a medida reclamar jurisdição no Estado requerido, a qual deverá ser objeto de medida judicial de urgência; 5. realização de provas. Em um segundo plano, exigindo-se jurisdição ou delibação do Estado requerido, os procedimentos – necessariamente contenciosos de cognição exauriente – levam em consideração a quem compete a iniciativa pela cooperação interjurisdicional. Tratando-se de iniciativa direta dos tribunais, adota-se a carta rogatória; porém, quando for a cooperação interjurisdicional de iniciativa e responsabilidade das partes, os procedimentos variam de acordo com a pretensão a ser deduzida no Estado requerido (medida de urgência, ação e incidente de impugnação de decisão estrangeira, execução de decisão estrangeira, extradição). O que distingue basicamente a carta rogatória desses procedimentos diversos é o seu caráter ex officio. A carta rogatória é procedimento que se presta também para o cumprimento das modalidades de ‘informação sobre processo administrativo ou judicial’ e de ‘realização de provas’, desde que reclamem atos jurisdicionais no Estado requerido, bem como para as modalidades ‘transferência temporária de pessoas’, a ‘transferência de processo penal e de execução penal’, e a ‘execução de medidas judiciais de urgência’, decretadas por tribunal do Estado requerente (art. 41).” Assim, de acordo com o Código Modelo, as modalidades de informação sobre processos administrativos e judiciais bem como a realização de provas, podem ser cumpridas pelos procedimentos de auxílio mútuo e carta rogatória, conforme exijam ou não juízo de delibação do Estado requerido e ambos os procedimentos se caracterizam como assistência judicial recíproca, nos termos das Convenções citadas. As medidas judiciais de urgência, por sua vez, seriam modalidade que se cumpriria somente por meio da carta rogatória. 3.3 Legislação e jurisprudência brasileiras A legislação brasileira tem uma configuração semelhante. A Res. STJ 9, que trata dos procedimentos de cooperação interjurisdicional, prevê tanto a carta rogatória (procedimento tradicional), como o auxílio mútuo, ali chamado auxílio direto,31 para os casos em que não se exija juízo de delibação.32 A convivência entre os dois procedimentos, no entanto, não é pacífica, tendo em vista que o auxílio direto é previsto somente na Res. STJ 9, que é norma emanada do próprio Tribunal e, embora aplicada como lei, tem hierarquia infralegal. A carta rogatória, por sua vez, como procedimento tradicional que é, está prevista na Constituição Federal (LGL\1988\3), onde se prevê competência originária do STJ para concessão do exequatur. O processamento do auxílio direto, por sua vez, seria de competência dos juízes federais de 1.ª instância. Distinguir quando se está diante de modalidade que deve ou pode ser submetida por meio do auxílio direto ou da carta rogatória tem sido uma questão tormentosa no direito brasileiro. Alguns casos podem ilustrar melhor tal controvérsia. O cumprimento de medidas de urgência tem tido um trâmite mais pacífico por meio das cartas rogatórias, tendo em vista que, no Brasil, exigem provimento jurisdicional, todavia, mesmo nestes casos, se o pedido tem procedência direta do juiz estrangeiro, deve inevitavelmente ser cumprido por meio de carta rogatória, mas, se procedente de outra autoridade estrangeira (em geral polícia ou Ministério Público), poderia, em tese, ser solicitado ao juiz brasileiro por meio da intervenção (em cooperação) de uma autoridade brasileira competente, normalmente o Ministério Público Federal ou a Advocacia da União. Esta forma alternativa, no entanto, não tem sido aceita pelo STJ, competente para concessão de exequatur às cartas rogatórias. Tal posicionamento fica bastante claro no julgamento do HC 114.743, de dezembro de 2008,33 onde restou decidido que a execução de atos constritivos, como em geral são as medidas de urgência, tais como busca e apreensão, quebra de sigilo bancário e fiscal, sequestro de bens e bloqueio de ativos financeiros, somente é possível por meio do exercício do juízo de delibação do STJ, via carta rogatória. Tal posicionamento encontra respaldo também na jurisprudência da Corte Constitucional brasileira, o STF.34 No que se refere às modalidades de informações sobre processos e produção de provas, Página em um 5

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caso julgado em 2007 (AgRg na Carta Rogatória 2.484/ RU)35 pelo STJ decidiu-se que pedido de realização de diligências de oitivas de testemunhas e apreensão de documento, requerido pela autoridade estrangeira, deveriam ser objeto de carta rogatória e não de auxílio direto. O caso dizia respeito a nacional russo, investigado pela prática de tráfico de entorpecentes no seu país de origem e durante sua passagem pelo Brasil. A solicitação, feita por meio de carta rogatória pela Direção de Investigações do Serviço Federal de Segurança da Federação Russa, incluía diligências referentes à oitiva de testemunhas, apreensão de documentos que certificassem sua chegada e circulação no Brasil, informações sobre a renovação do seu visto de permanência, bem como sobre a participação de uma empresa brasileira no tráfico de entorpecentes. Solicitava-se, ainda a presença de agentes da Direção de Investigações do Serviço Federal de Segurança da Federação Russa na realização das diligências. O Ministério Público Federal impugnou o pedido, afirmando que se tratava de simples diligências policiais, configurando caso de cooperação policial de mera investigação, onde não se fazia necessária a concessão do exequatur. O STJ, por sua vez, decidiu que “a única via admissível para a solicitação de diligência proveniente do exterior é a carta rogatória”, a qual, por determinação constitucional, deve se submeter ao crivo do daquele Tribunal Superior. Além disso, afirmou que havia “necessidade de juízo de delibação, (…) não só em razão do pedido de oitiva de testemunhas, mas porque se objetiva a presença de agentes” estrangeiros na execução das diligências. A decisão reflete entendimento tradicional das Cortes Superiores brasileiras, no sentido de que, independente do órgão rogante (se judicial ou administrativo), e independente se os atos a serem executados são de mera investigação e não de instrução criminal, a competência para sua apreciação é original e exclusiva por força do dispositivo constitucional (art. 105, I, i, da CF/1988 (LGL\1988\3)) que confere ao STJ competência para processar e julgar originariamente a concessão de exequatur às cartas rogatórias. Não obstante venha sendo este o posicionamento tradicional do STJ, decisões mais recentes demonstram a possibilidade de se, finalmente, admitir o auxílio direto como procedimento de cooperação para diligências relacionadas à investigação criminal. Em julgado de novembro de 2009 (Rcl 2.645/SP),36 o STJ decidiu pela possibilidade de compartilhamento de prova entre autoridade brasileira e estrangeira, por meio de cooperação direta. O caso tratava mais uma vez de cidadão russo, foragido na Inglaterra e investigado no Brasil por atos relacionados ao crime de quadrilha e lavagem de dinheiro. Além disso, o investigado entrou no Brasil usando nome falso e estaria incluído na “Difusão Vermelha” (red notice), expedida pela Interpol. O caso teve grande repercussão, pois o sistema de lavagem de dinheiro se valeu de uma parceria comercial entre uma das empresas do magnata russo (Media Sports Investiment) e o Sport Club Corinthians Paulista. Dentre as várias diligências investigatórias executadas pelas autoridades brasileiras, uma delas incluiu a apreensão de computadores e seus respectivos hard disks em posse do investigado. Durante as investigações feitas pelo Ministério Público Federal brasileiro, o procurador responsável viajou para Moscou, na Rússia, onde também se realizavam investigações contra o mesmo russo, de nome Berezovsky. O procurador brasileiro retornou ao Brasil trazendo ofícios do Vice-Procurador Geral da Federação Russa, dirigidos ao Procurador Geral da República no Brasil. Um destes ofícios pedia que se remetessem à Procuradoria Geral da Federação Russa, cópia dos hard disks apreendidos, que estariam sob a guarda do Ministério Público Federal brasileiro. O pedido da autoridade russa foi apresentado pelo procurador brasileiro ao juiz federal de 1.ª instância junto com a denúncia que ofereceu contra Boris Abravomich Berezovsky. O juiz deferiu o pedido. O russo interpôs uma Reclamação junto ao STJ alegando que houvera usurpação da competência do STJ, pois o pedido deveria ser processado por meio de carta rogatória. O STJ entendeu que a Reclamação era improcedente, pois se tratava de caso de cooperação jurídica internacional direta entre autoridades não judiciais, relativa a atos de investigação criminal, consistente no compartilhamento de provas, o que estaria amparado pela Convenção de Palermo e de Mérida, ambas em vigor no Brasil e na Federação Russa e que fundamentariam tanto o pedido, quanto o procedimento. A decisão, todavia, não foi unânime, o que demonstra a existência de divergência dentro do próprio Tribunal. Dois argumentos da decisão devem ser destacados, o primeiro, a respeito da competência do Tribunal, fixada na Constituição Federal (LGL\1988\3). Segundo o rel. Min. Teori Albino Zavascki, o dispositivo constitucional “simplesmente fixa a competência do STJ para intervir numa forma peculiar de cooperação internacional, estabelecida entre órgãos jurisdicionais e com objeto específico de viabilizar Página 6a

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execução de ato jurisdicional estrangeiro (…). Não se pode ver nesse dispositivo a instituição de um monopólio universal do STJ na área de cooperação jurídica, razão pela qual a competência nele estabelecida não impede nem é incompatível com outras formas de cooperação jurídica internacional, que prescindem da intermediação ou da participação do STJ”. Diz ainda que, nos casos de auxílio direto: “o Estado requerido atua em regime semelhante ao da substituição processual: requer em nome próprio para atender solicitação de outro Estado”. E completa dizendo que: “as relações internacionais de cooperação e assistência mútua na área jurídica, vão muito além das estabelecidas entre órgãos jurisdicionais dos Estados, sujeitas a regime de exequatur e, portanto, à intermediação do STJ. Segundo decorre do sistema previsto nos diversos acordos internacionais firmados pelo Brasil, as relações de cooperação e assistência são estabelecidas também entre autoridades não judiciais, integrantes do Poder Executivo, competentes para atuar nas áreas de prevenção e de investigação de ilícitos civis e penais de caráter transnacional, como é o caso das autoridades de fiscalização, das polícias e do Ministério Público”., A posição divergente sustentava, em resumo que, tendo-se instaurado processos penais no Brasil e na Rússia, as medidas solicitadas extrapolavam a simples investigação criminal e constituíam verdadeiros atos probatórios para instrução criminal, demandando, portanto, apreciação pelo Tribunal Superior. E, independente da autoridade rogante ser judicial ou não, o único caminho que a ordem constitucional ofereceria para a cooperação seria o da carta rogatória. 4. CONCLUSÃO Este breve resumo de algumas decisões importantes expõe o ainda frágil ambiente de cooperação penal existente no Brasil. Se por um lado há um forte movimento de intensificação e desburocratização da cooperação, o que se revela por meio da incorporação de diversos tratados multilaterais e bilaterais e da atividade da Autoridade Central brasileira, por outro, os Tribunais Superiores resistem ainda a formas diretas de cooperação, as quais tem se demonstrado não somente como mais eficazes, mas realmente necessárias para efetivo combate aos crimes transnacionais. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABADE, Denise Neves. A cooperação judiciária penal na Alca e em seus esquemas de integração. In: CASELLA, Paulo Borba; SANCHEZ, Rodrigo Elian (coords.). Quem tem medo da Alca? Desafios e perspectivas para o Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. ARAUJO, Nadia (coord.). Cooperação jurídica internacional no Superior Tribunal de Justiça: comentários à Resolução n. 9/2005. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. BOISTER, Neil. Transnational Criminal Law? European Journal of International Law. vol. 14, n. 5. p. 953-976. 2003. CERVINI, Raúl; TAVARES, Juarez. Princípios de cooperação judicial penal internacion al no Protocolo do Mercosul. São Paulo: Ed. RT, 2000. Código Modelo de Cooperação Interjurisdicional para Iberoamérica. Exposição de Motivos. Revista Eletrônica de Direito Processual – Redep. vol. IV. p. 76. Rio de Janeiro: UERJ, jul.-dez. 2009. FIRSCHING, Karl; HOFFMANN, Bernd von. Internationales Privatrecht. 5. ed. Munique: Beck, 1997. GOMES, Rodrigo Carneiro. O crime organizado na visão da Convenção de Palermo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. MCLEAN, David. International co-operation in civil and criminal matters. Oxford: Oxford University Press, 2002. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. Página 7

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1 O texto é resultado da palestra proferida no Seminário Internacional Delitos Transnacionales y sus efectos colaterales, promovido pela Universidad Libre, na Faculdade de Direito, nos dias 31.08.2011 e 01.09.2011, em Bogotá/Colômbia. 2 O termo “cooperação jurídica internacional” é utilizado aqui no mesmo sentido descrito por SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Cooperação jurídica internacional e auxílio direto. Revista CEJ 32/76: “A preferência pela expressão “cooperação jurídica internacional” decorre da ideia de que a efetividade da jurisdição, nacional ou estrangeira, pode depender do intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos, ou, ainda, entre órgãos judiciais e administrativos, de Estados distintos”. Desta forma pode-se diferenciar a cooperação jurídica internacional, que compreende atos jurisdicionais e administrativos, da cooperação jurisdicional, que compreenderia somente os atos que requerem prestação jurisdicional. Em outro texto, do mesmo autor, temos a esclarecedora distinção entre os termos: “A cooperação jurídica internacional deve ser compreendida como um intercâmbio amplo entre Estados soberanos, de atos públicos – legislativos, administrativos e judiciais –, e destinada à segurança e estabilidade das relações transnacionais. A denominada cooperação interjurisdicional, típica entre tribunais de Estados diversos, alcança os atos judiciais jurisdicionais propriamente ditos e os atos judiciais não decisórios, os de mera comunicação processual (citação, notificação e intimação) e os de instrução probatória”; em: SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Reconhecimento de decisão judicial estrangeira no Brasil e o controle da ordem pública internacional no Regulamento (CE) 44: análise comparativa. RePro 118/173 (DTR\2004\672). 3 Não obstante o estreito vínculo entre criminalidade transnacional e crime organizado, este último pode apresentar elementos puramente domésticos, desvinculados do contexto internacional. De acordo com a Lei 9.034/1995, para configuração do crime organizado, seria dispensável a execução ou produção de resultado da ação criminosa fora do território nacional. Neste sentido, ver GOMES, Rodrigo Carneiro. O crime organizado na visão da Convenção de Palermo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 20. 4 BOISTER, Neil. Transnational Criminal Law? European Journal of International Law, vol. 14, n. 5, p. 954. 5 Promulgada no Brasil pelo Dec. 5.015/2004. Adiante denominada Convenção de Palermo. 6 Promulgada no Brasil pelo Dec. 5.687/2006. Adiante denominada Convenção de Mérida. 7 Promulgada no Brasil pelo Dec. 154/1991. Adiante denominada Convenção de Viena. 8 MCLEAN, David. International co-operation in civil and criminal matters. Oxford: Oxford University

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Press, 2002. p. 153-154. 9 Art. 6.º do CP (LGL\1940\2) brasileiro: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. 10 Art. 9.º do CP (LGL\1940\2) brasileiro: “A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser homologada no Brasil para: I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; II – sujeitá-lo a medida de segurança”. 11 Mello é categórico ao afirmar: “A cortesia internacional não é uma norma jurídica internacional”. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 85. 12 WENDPAP, Friedmann; KOLOTELO, Rosane. Direito internacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 86-87. 13 Ulrich Huber (1636-1694), professor e juiz holandês, foi quem estabeleceu a ligação entre soberania (e a consequente ideia da territorialidade das leis, também defendida pela escola holandesa e, antes dela, pela francesa) e a ideia de comitas. Foi o terceiro, dentre os seus três famosos axiomas, que afirmou ser a aplicação do direito estrangeiro decorrente da cortesia internacional, desde que respeitada a soberania. Assim o conflito de leis foi colocado no plano do direito internacional público, através de seu fundamento clássico do consentimento. A teoria de Huber teve grande repercussão nos Estados Unidos, através de Story, bem como na Inglaterra, a partir da decisão de Lord Mansfield, no caso Robinson v. Bland. Até mesmo Savigny, tempos depois, utilizou o pensamento de Huber. FIRSCHING, Karl; HOFFMANN, Bernd von. Internationales Privatrecht. 5. ed. Munique: Beck, 1997. p. 48-51. Ver também: VALLADÃO, Haroldo. Direito internacional privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Ed., 1970. p. 114-115. 14 ABADE, Denise Neves. A cooperação judiciária penal na Alca e em seus esquemas de integração. In: CASELLA, Paulo Borba; SANCHEZ, Rodrigo Elian (coords.). Quan tem medo da Alca? Desafios e perspectivas para o Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 6. 15 Na jurisprudência ainda é possível encontrar certos resquícios da presença destes antigos princípios como se observa na decisão monocrática proferida pelo Min. Luiz Fux na Carta Rogatória 226/2005: “A carta rogatória é um meio de cooperação judicial entre Nações, fundamentada no direito internacional, sendo meio de intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais provenientes de outra Nação. Baseia-se, outrossim, no princípio da reciprocidade, denominado pela doutrina de “Teoria da Cortesia Internacional”. 16 CERVINI, Raúl; TAVARES, Juarez. Princípios de cooperação judicial penal internacional no Protocolo do Mercosul. São Paulo: Ed. RT, 2000. p. 53, nota 25. 17 ABADE, Denise Neves, op. cit., p. 6. 18 PORTO, Valéria. A aplicação do princípio da reciprocidade no direito internacional público: do bilateralismo à supranacionalidade. Revista Direito Público 26/87-88. 19 Idem, p. 88. 20 Vejam-se as palavras de Trotta e Ferreira: “A verdade é que a ausência de barreiras no exercício da atividade criminosa fez com que a persecução penal de certos agentes seja um interesse partilhado por toda a comunidade internacional. Hoje, já se encontra estabelecido que existe um dever internacional na prestação de assistência penal”. TROTTA, Sandro Brescovit; FERREIRA, Luciano Vaz. Da obrigatoriedade de cooperar e os recursos cabíveis em casos de descumprimento de tratado internacional. In: BALTAZAR JR., José Paulo; LIMA, Luciano Flores de (orgs.). Cooperação jurídica internacional em matéria penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010. p. 105-106. Página 9

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21 Art. 4.ª da Lei 144/1999 portuguesa: “Art. 4.º Princípio da reciprocidade. 1 – A cooperação internacional em matéria penal regulada no presente diploma releva do princípio da reciprocidade. 2 – O Ministério da Justiça solicita uma garantia de reciprocidade se as circunstâncias o exigirem e pode prestá-la a outros Estados, nos limites deste diploma. 3 – A falta de reciprocidade não impede a satisfação de um pedido de cooperação desde que essa cooperação: a) Se mostre aconselhável em razão da natureza do facto ou da necessidade de lutar contra certas formas graves de criminalidade; b) Possa contribuir para melhorar a situação do arguido ou para a sua reinserção social; c) Sirva para esclarecer factos imputados a um cidadão português”. 22 ABADE, Denise Neves, op. cit., p. 6. 23 Art. 18 da Convenção de Palermo; art. 46 da Convenção de Mérida; art. 7 da Convenção de Viena. 24 A Convenção de Palermo obriga os Estados-partes à caracterizar como infração penal as seguintes atividades: participação em grupo criminoso organizado (art. 5); lavagem de produto do crime (art. 6); corrupção (art. 8) e obstrução à justiça (art. 23). A Convenção de Mérida, entre outras medidas, obriga o Estado-parte a qualificar como delito: o suborno de funcionários públicos nacionais (art. 15); o suborno de funcionários públicos estrangeiros e de funcionários de organizações internacionais públicas (art. 16); malversação ou peculato, apropriação indébita ou outras formas de desvio de bens por um funcionário público (art. 17); tráfico de influências (art. 18); abuso de funções (art. 19); enriquecimento ilícito (art. 20); suborno no setor privado (art. 21); malversação ou peculato de bens no setor privado (art. 22); lavagem de produto do delito (art. 23); encobrimento (art. 24); obstrução da Justiça (art. 25). A Convenção de Viena obriga os Estados-parte a caracterizar como delito todas as atividades previstas no art. 3, itens 1 e 2, descritos da seguinte forma: a) i) a produção, a fabricação, a extração, a preparação, a oferta para venda, a distribuição, a venda, a entrega em quaisquer condições, a corretagem, o envio, o envio em trânsito, o transporte, a importação ou a exportação de qualquer entorpecente ou substância psicotrópica, contra o disposto na Convenção de 1961 em sua forma emendada, ou na Convenção de 1971; ii) o cultivo de sementes de ópio, do arbusto da coca ou da planta de cannabis, com o objetivo de produzir entorpecentes, contra o disposto na Convenção de 1961 em sua forma emendada; iii) a posse ou aquisição de qualquer entorpecente ou substância psicotrópica com o objetivo de realizar qualquer uma das atividades enumeradas no item i) acima; iv) a fabricação, o transporte ou a distribuição de equipamento, material ou das substâncias enumeradas no Quadro I e no Quadro II, sabendo que serão utilizados para o cultivo, a produção ou a fabricação ilícita de entorpecentes ou substâncias psicotrópicas; v) a organização, a gestão ou o financiamento de um dos delitos enumerados nos itens i), ii), iii) ou iv); b) i) a conversão ou a transferência de bens, com conhecimento de que tais bens são procedentes de algum ou alguns dos delitos estabelecidos no inc. a) deste parágrafo, ou da prática do delito ou delitos em questão, com o objetivo de ocultar ou encobrir a origem ilícita dos bens, ou de ajudar a qualquer pessoa que participe na prática do delito ou delitos em questão, para fugir das consequências jurídicas de seus atos; ii) a ocultação ou o encobrimento, da natureza, origem, localização, destino, movimentação ou propriedade verdadeira dos bens, sabendo que procedem de algum ou alguns dos delitos mencionados no inc. a) deste parágrafo ou de participação no delito ou delitos em questão; c) de acordo com seus princípios constitucionais e com os conceitos fundamentais de seu ordenamento jurídico; i) a aquisição, posse ou utilização de bens, tendo conhecimento, no momento em que os recebe, de que tais bens procedem de algum ou alguns delitos mencionados no inc. a) deste parágrafo ou de ato de participação no delito ou delitos em questão; ii) a posse de Página 10

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equipamentos ou materiais ou substâncias, enumeradas no Quadro I e no Quadro II, tendo conhecimento prévio de que são utilizados, ou serão utilizados, no cultivo, produção ou fabricação ilícitos de entorpecentes ou de substâncias psicotrópicas; iii) instigar ou induzir publicamente outrem, por qualquer meio, a cometer alguns dos delitos mencionados neste artigo ou a utilizar ilicitamente entorpecentes ou de substâncias psicotrópicas; iv) a participação em qualquer dos delitos mencionados neste Artigo, a associação e a confabulação para cometê-los, a tentativa de cometê-los e a assistência, a incitação, a facilitação ou o assessoramento para a prática do delito. 2 – Reservados os princípios constitucionais e os conceitos fundamentais de seu ordenamento jurídico, cada Parte adotará as medidas necessárias para caracterizar como delito penal, de acordo com seu direito interno, quando configurar a posse, à aquisição ou o cultivo intencionais de entorpecentes ou de substâncias psicotrópicas para consumo pessoal, contra o disposto na Convenção de 1961, na Convenção de 1961 em sua forma emendada, ou na Convenção de 1971. 25 Assim pelo menos nas traduções publicadas nos respectivos Decretos de promulgação no Brasil. 26 Vide nota 2, sobre a distinção entre os termos cooperação jurídica internacional e cooperação interjurisdicional internacional. Os mesmos fundamentos justificam a escolha, neste trabalho, do termo “assistência jurídica recíproca” ao invés de qualquer outro. 27 Vide art. 18, item 13, da Convenção de Palermo; art. 46, item 13, da Convenção de Mérida; e art. 7, item 8, da Convenção de Viena. 28 Ver arts. 18, item 3, da Convenção de Palermo; 46, item 3, da Convenção de Mérida; e 7, item 2, da Convenção de Viena. 29 Ver arts. 18, item 15, da Convenção de Palermo; 46, item 15, da Convenção de Mérida; e 7, item 10, da Convenção de Viena. 30 Código Modelo de Cooperação Interjurisdicional para Iberoamérica. Exposição de Motivos. Revista Eletrônica de Direito Processual – Redep IV/80-81. 31 Sobre o auxílio direto em matéria civil, ver LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio direto: novo instrumento de cooperação jurídica internacional civil. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 32 Sobre cooperação interjurisdicional e auxílio direto ver SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Cooperação jurídica… cit., p. 75-79. 33 “Constitucional – Processual penal – Habeas corpus – Prática de atos constritivos oriundos de carta rogatória – Ausência de exequatur – Alegação de serem os atos decorrentes de mera cooperação jurídica internacional – Insubsistência – Necessidade de concessão de exequatur para a execução de qualquer ato decorrente de pedido estrangeiro – Precedentes – Ordem concedida. 1. A prática de atos constritivos decorrentes de pedidos de autoridades estrangeiras, ainda que enquadrados como cooperação jurídica internacional, dependem da prévia concessão de exequatur pela autoridade constitucionalmente competente. Precedentes do STF e do STJ. 2. Como deliberado pela E. Corte Especial desta Casa (AgRg na CR 2.484/RU), ‘a execução de diligências solicitadas por autoridade estrangeira deve ocorrer via carta rogatória’, não obstante a dispensa do exequatur pelo art. 7.º, parágrafo único, da Res. 9/2005, da Presidência deste Tribunal, ‘a qual – à evidência – não pode prevalecer diante do texto constitucional’. 3. Ordem concedida para anular os atos constritivos praticados contra os pacientes por ausência de exequatur” (HC 114.743/RJ, 6.ª T., j. 11.12.2008, rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJMG), DJe 02.02.2009). 34 Veja-se, por exemplo: “Crime. Cooperação internacional. Combate. Diligências. Território nacional. Meio. A prática de atos decorrentes de pronunciamento de autoridade judicial estrangeira, em território nacional, objetivando o combate ao crime, pressupõe carta rogatória a ser submetida, sob o ângulo da execução, ao crivo Página 11

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do STJ, não cabendo potencializar a cooperação internacional a ponto de colocar em segundo plano formalidade essencial à valia dos atos a serem realizados” (STF, HC 85.588/RJ, 1.ª T., rel. Min. Marco Aurélio, DJ 15.12.2006, p. 95). 35 “Carta rogatória. Agravo regimental. Assistência direta. Necessidade de exequatur. – Ante o disposto no art. 105, I, i, da Lei Maior, a Suprema Corte considerou que a única via admissível para a solicitação de diligência proveniente do exterior é a Carta rogatória, que deve submeter-se previamente ao crivo do STJ. – Assim, a despeito do disposto no art. 7.º, parágrafo único, da Res. 9, da Presidência do STJ, de 04.05.2005, a qual – à evidência – não pode prevalecer diante do texto constitucional, a execução de diligências solicitadas por autoridade estrangeira deve ocorrer via carta rogatória. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg na Carta Rogatória 2.484/RU, Corte Especial, j. 29.06.2007, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 13.08.2007, p. 281). 36 “Constitucional. Competência do STJ. Exequatur. Carta rogatória. Conceito e limites. Cooperação jurídica internacional. Tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Brasil. Constitucionalidade. Hierarquia, eficácia e autoridade de lei ordinária. 1. Em nosso regime constitucional, a competência da União para ‘manter relações com Estados estrangeiros’ (art. 21,I), é, em regra, exercida pelo Presidente da República (CF (LGL\1988\3), art. 84, VII), ‘auxiliado pelos Ministros de Estado’ (CF (LGL\1988\3), art. 76). A intervenção dos outros Poderes só é exigida em situações especiais e restritas. No que se refere ao Poder Judiciário, sua participação está prevista em pedidos de extradição e de execução de sentenças e de cartas rogatórias estrangeiras: ‘Compete ao Supremo Tribunal Federal (…) processar e julgar, originariamente (…) a extradição solicitada por Estado estrangeiro’ (CF (LGL\1988\3), art. 102, I, g); ‘Compete ao Superior Tribunal de Justiça (…) processar e julgar originariamente (…) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias’ (CF (LGL\1988\3), art. 105, I, i); e ‘Aos juízes federais compete processar e julgar (…) a execução de carta rogatória, após o exequatur, e de sentença estrangeira, após a homologação’ (CF (LGL\1988\3), art. 109, X). 2. As relações entre Estados soberanos que têm por objeto a execução de sentenças e de cartas rogatórias representam, portanto, uma classe peculiar de relações internacionais, que se estabelecem em razão da atividade dos respectivos órgãos judiciários e decorrem do princípio da territorialidade da jurisdição, inerente ao princípio da soberania, segundo o qual a autoridade dos juízes (e, portanto, das suas decisões) não pode extrapolar os limites territoriais do seu próprio País. Ao atribuir ao STJ a competência para a ‘concessão de exequatur às cartas rogatórias’ (art. 105, I, i), a Constituição está se referindo, especificamente, ao juízo de delibação consistente em aprovar ou não o pedido feito por autoridade judiciária estrangeira para cumprimento, em nosso país, de diligência processual requisitada por decisão do juiz rogante. É com esse sentido e nesse limite, portanto, que deve ser compreendida a referida competência constitucional. 3. Preocupados com o fenômeno da criminalidade organizada e transnacional, a comunidade das Nações e os Organismos Internacionais aprovaram e estão executando, nos últimos anos, medidas de cooperação mútua para a prevenção, a investigação e a punição efetiva de delitos dessa espécie, o que tem como pressuposto essencial e básico um sistema eficiente de comunicação, de troca de informações, de compartilhamento de provas e de tomada de decisões e de execução de medidas preventivas, investigatórias, instrutórias ou acautelatórias, de natureza extrajudicial. O sistema de cooperação, estabelecido em acordos internacionais bilaterais e plurilaterais, não exclui, evidentemente, as relações que se estabelecem entre os órgãos judiciários, pelo regime das cartas precatórias, em processos já submetidos à esfera jurisdicional. Mas, além delas, engloba outras muitas providências, afetas, no âmbito interno de cada Estado, não ao Poder Judiciário, mas a autoridades policiais ou do Ministério Público, vinculadas ao Poder Executivo. 4. As providências de cooperação dessa natureza, dirigidas à autoridade central do Estado requerido (que, no Brasil, é o Ministério da Justiça), serão atendidas pelas autoridades nacionais com observância dos mesmos padrões, inclusive dos de natureza processual, que devem ser observados Página 12

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para as providências semelhantes no âmbito interno (e, portanto, sujeitas a controle pelo Poder Judiciário, por provocação de qualquer interessado). Caso a medida solicitada dependa, segundo o direito interno, de prévia autorização judicial, cabe aos agentes competentes do Estado requerido atuar judicialmente visando a obtê-la. Para esse efeito, tem significativa importância, no Brasil, o papel do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União, órgãos com capacidade postulatória para requerer, perante o Judiciário, essas especiais medidas de cooperação jurídica. 5. Conforme reiterada jurisprudência do STF, os tratados e convenções internacionais de caráter normativo, ‘(…) uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias’ (STF, ADIn-MC 1.480-3, Min. Celso de Mello, DJ 18.05.2001), ficando sujeitos a controle de constitucionalidade e produzindo, se for o caso, eficácia revogatória de normas anteriores de mesma hierarquia com eles incompatíveis (lex posterior derrogat priori). Portanto, relativamente aos tratados e convenções sobre cooperação jurídica internacional, ou se adota o sistema neles estabelecido, ou, se inconstitucionais, não se adota, caso em que será indispensável também denunciá-los no foro próprio. O que não se admite, porque então sim haverá ofensa à Constituição, é que os órgãos do Poder Judiciário pura a simplesmente neguem aplicação aos referidos preceitos normativos, sem antes declarar formalmente a sua inconstitucionalidade (Súmula vinculante 10 (MIX\2010\2931)/STF). 6. Não são inconstitucionais as cláusulas dos tratados e convenções sobre cooperação jurídica internacional (v.g. art. 46 da Convenção de Mérida – ‘Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção’ e art. 18 da Convenção de Palermo – ‘Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnational’) que estabelecem formas de cooperação entre autoridades vinculadas ao Poder Executivo, encarregadas da prevenção ou da investigação penal, no exercício das suas funções típicas. A norma constitucional do art. 105, I, i, não instituiu o monopólio universal do STJ de intermediar essas relações. A competência ali estabelecida – de conceder exequatur a cartas rogatórias –, diz respeito, exclusivamente, a relações entre os órgãos do Poder Judiciário, não impedindo nem sendo incompatível comas outras formas de cooperação jurídica previstas nas referidas fontes normativas internacionais. 7. No caso concreto, o que se tem é pedido de cooperação jurídica consistente em compartilhamento de prova, formulado por autoridade estrangeira (Procuradoria Geral da Federação da Rússia) no exercício de atividade investigatória, dirigido à congênere autoridade brasileira (Procuradoria Geral da República), que obteve a referida prova também no exercício de atividade investigatória extrajudicial. O compartilhamento de prova é uma das mais características medidas de cooperação jurídica internacional, prevista nos acordos bilaterais e multilaterais que disciplinam a matéria, inclusive na ‘Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnational’ (Convenção de Palermo), promulgada no Brasil pelo Dec. 5.015, de 12.03.2004, e na ‘Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção’ (Convenção de Mérida), de 31.10.2003, promulgada pelo Dec. 5.687, de 31.01.2006, de que a Federação da Rússia também é signatária. Consideradas essas circunstâncias, bem como o conteúdo e os limites próprios da competência prevista no art. 105, I, i, da Constituição, a cooperação jurídica requerida não dependia de expedição de carta rogatória por autoridade judiciária da Federação da Rússia e, portanto, nem de exequatur ou de outra forma de intermediação do STJ, cuja competência, consequentemente, não foi usurpada. 8. Reclamação improcedente” (Rcl 2.645/SP, Corte Especial, j. 18.11.2009, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 16.12.2009).

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