A ATUAÇÃO BRASILEIRA NA COMISSÃO DE CONSOLIDAÇÃO DA PAZ

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5º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais De 29 a 31 de julho de 2015 – Belo Horizonte

A ATUAÇÃO BRASILEIRA NA COMISSÃO DE CONSOLIDAÇÃO DA PAZ

Área Temática: SI - Segurança Internacional Modalidade do Trabalho: Painel (avulso)

Tadeu Morato Maciel Universidade Federal do ABC (UFABC) Faculdade Santa Marcelina (FASM)

Belo Horizonte 2015

A atuação brasileira na Comissão de Consolidação da Paz Resumo Na última década houve a potencialização da participação dos países emergentes, dentre os quais o Brasil, nas reflexões e ações sobre segurança e desenvolvimento internacionais. Dentre os exemplos desta presença mais ativa constam as atuações em processos de construção da paz e transformação pós-conflito em países considerados “frágeis” pela comunidade internacional. A partir de uma atuação que procura mesclar o uso “robusto” das forças militares com projetos de cooperação para o desenvolvimento, cria-se a expectativa de que esteja sendo desenvolvido um "paradigma brasileiro" de operações de paz. Esta

tentativa

de

compreender

paz

e

desenvolvimento

como

elementos

indissociáveis habilitaria o Brasil a participar de missões de peacekeeping e peacebuilding. Além das atuações no Haiti, no Líbano e no Congo, é possível destacar o papel ativo do Brasil nos esforços das Nações Unidas para a estabilização da Guiné-Bissau, especialmente quando o país assumiu, em 2007, a presidência da Configuração da Comissão de Consolidação da Paz (Peacebuilding Comission) naquele país. Como corolário, o Brasil também assumiu, em janeiro de 2014, a presidência anual da Comissão de Consolidação da Paz, em um momento de desafios e oportunidades para esta Comissão, tendo em vista, por exemplo, o adensamento dos conflitos na República Centro-Africana e no Sudão do Sul, além do surgimento da epidemia de ebola na Guiné, na Libéria e em Serra Leoa. Diante deste cenário, no qual o Brasil ampliou sua participação nos processos de governança global relacionados às missões de paz, este artigo visa a compreender as possíveis contribuições brasileiras à Comissão de Consolidação da Paz. Pretende-se verificar como o país compreende a intersecção entre segurança e desenvolvimento e como essa percepção pode influenciar sua atuação em processos de peacekeeping e peacebuilding. Palavras-chave: Comissão de Consolidação da Paz (Peacebuilding Comission); segurança; desenvolvimento; peacekeeping e peacebuilding.

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Introdução Diante do cenário internacional que ascendeu desde os primeiros anos do pósGuerra Fria, cresceram os debates e ações acerca da concepção de segurança internacional, a qual não deveria se resumir a fatores militares e ao equilíbrio de poder entre as potências. Se a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS anunciavam a superação do medo de um conflito militar direto entre as duas principais potências do século XX, no decorrer das décadas seguintes outros temas adquiriram proeminência nas agendas dos governos e organismos internacionais. A reformulação do conceito de segurança internacional estava inserida na potencialização de novas ameaças à chamada governança global,1 tais como os terrorismos (especialmente aqueles vinculados aos fundamentalismos religiosos), os tráficos transnacionais (drogas, armamentos, pessoas), os conflitos internos e transnacionais (tais como guerras civis e genocídios), a pobreza extrema, as epidemias em larga escala, os deslocamentos massivos de populações, as violações dos direitos humanos e a degradação do meio ambiente. Em consonância com esse processo, a preocupação com o desenvolvimento socioeconômico recebeu novos contornos, visto que os debates sobre a sua promoção deixam de se limitar à promoção do desenvolvimento estatal como processo de modernização pelo crescimento econômico, crescendo a ideia do desenvolvimento em bases mais sustentáveis, centrado nos indivíduos (desenvolvimento humano): “o conceito de desenvolvimento sustentável tem desagregado o foco original do desenvolvimento, o Estado como unidade integral, enfatizando, em vez disso, aspectos específicos do espaço público estatal, tais como a saúde, a educação, a inclusão social ou o próprio meio ambiente” (HOFFMANN, 2010, p. 258). O redimensionamento dos conceitos e ações que envolvem os temas de segurança e desenvolvimento também gerou mudanças no próprio vínculo entre essas questões. O nexo entre segurança e desenvolvimento possui procedências antigas, vide, por exemplo, o quanto os programas de cooperação e os financiamentos das principais potências no decorrer da Guerra Fria estavam intimamente vinculados aos interesses e debates sobre segurança. Embora não seja uma novidade a ideia de que segurança e desenvolvimento estejam ligados, com o final da Guerra Fria e, especialmente, após os ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos, os governos doadores (com destaque para aqueles vinculados à OCDE) e as instituições multilaterais começaram a destacar a necessidade de uma abordagem mais abrangente, na qual as duas dimensões se reforçariam mutuamente. 1

A ideia de governança global pode ser definida como “o conjunto de instituições e normativas, composto pelos Estados e baseado em valores universais, voltadas à gestão de problemas que governo isolado algum, mesmo os mais poderosos, podem dar conta sós” (RODRIGUES, 2012, p. 31-2).

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Longe de ser uma simples ou mera virada retórica, é preciso compreender que a ênfase no nexo entre segurança e desenvolvimento tem provocado mudanças concretas para muitos atores vinculados à promoção do desenvolvimento, tais como os doadores bilaterais e organizações

multilaterais,

fazendo

com

que

estes

se

ocupem

de

atividades

tradicionalmente associadas com a segurança, ocorrendo o contrário com os atores mais vinculados aos temas de segurança, os quais se ocupam mais com as questões de desenvolvimento (ABDENUR; NETO, 2014). O nexo entre segurança e desenvolvimento também está envolto a críticas, especialmente daqueles que o percebem como uma legitimação excessiva das prioridades próprias de segurança de alguns atores, em detrimento das questões de desenvolvimento socioeconômico que inicialmente justificariam algumas ações. Neste processo de “securitização do desenvolvimento”, alguns interesses próprios sobre o tema da segurança acabam por determinar as prioridades em relação aos projetos de desenvolvimento, gerando uma relação complexa entre os interesses supostamente principais e a função derivada de muitas ações em prol do desenvolvimento, especialmente em Estados afetados por conflitos, considerados uma ameaça à governança global. Muitas atuações produzidas a partir da argumentação do nexo entre segurança e desenvolvimento poderiam se travestir de práticas intervencionistas, fornecendo uma aura de “progressividade” a políticas e ações que poderiam ser menos palatáveis. Não obstante, se o nexo entre segurança e desenvolvimento se tornou um lugar comum para políticas nacionais e globais, pode-se considerar que há diferentes empregos em relação a esse vínculo? (STERN; OJENDAL, 2010). Por exemplo, diante do aumento da presença dos países emergentes em algumas instâncias das relações internacionais, inclusive em missões de paz e de transformação pós-conflito, é possível verificar se esses Estados possuem uma compreensão diferenciada do vínculo entre segurança e desenvolvimento? As mudanças de paradigmas sobre as ideias de segurança e desenvolvimento forneceram novos enfoques para os programas de promoção, manutenção e construção da paz como instrumentos das ações de securitização em nível global. Em meio a esse processo, é preciso reconhecer que os países do Sul deixaram de ser considerados apenas alvos das ações de construção ou reconstrução de Estados classificados como fracos, falidos ou débeis, mas também passaram a ter uma atuação mais efetiva como colaboradores em processos de estabilização e transformação pós-conflito. Diante deste panorama, torna-se essencial compreender o crescente papel assumido pelos países chamados emergentes no processo de governança global. Demanda-se uma gestão globalmente articulada das ameaças que afetam as populações do Sul, tais como os terrorismos, os tráficos transnacionais, os genocídios, as migrações forçadas, a pobreza 3

extrema, as violações massivas dos direitos humanos e as questões climáticas e ambientais. Tais problemas não poderiam ser considerados como questões que afetam apenas

aos

Estados do Sul,

mas

à estabilidade do sistema internacional e,

consequentemente, à governança global como um todo. Nesse sentido, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) destaca que “todos os processos intergovernamentais ganhariam robustez com uma maior participação do Sul, que pode contribuir com recursos financeiros, tecnológicos e humanos substanciais, bem como apresentar boas soluções para os problemas mundiais prementes” (PNUD, 2013, p. 7). A partir deste panorama, identifica-se a necessidade de verificar como o Brasil (um dos mais destacáveis representantes dos países considerados emergentes) se inseriu de forma mais ativa nos processos de governança global e qual a posição do país em relação à intersecção entre segurança e desenvolvimento para o estabelecimento de sociedades mais estáveis e pacíficas. A partir da análise mais focada da atuação brasileira na Comissão de Consolidação da Paz, pretende-se verificar se o país busca se firmar como global player tanto

na

questão

do

desenvolvimento

quanto

da

segurança,

influenciando

no

estabelecimento de normas sobre questões que vão além da sua vizinhança imediata, mas que podem ter um efeito direto sobre as suas ambições de política externa. O estabelecimento da Comissão de Consolidação da Paz A Comissão de Consolidação da Paz (CCP), que em inglês é denominada Peacebuilding Comission (PBC), é um órgão consultivo intergovernamental da ONU criado em 20 de dezembro de 2005, por meio das resoluções 60/180 e 1645 (2005), após sugestão efetuada pelo “Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças” (2004). A CCP teria sido criada no contexto de uma reforma institucional mais ampla da ONU (conforme proposta do então Secretário-Geral, Kofi Annan). Também se destaca que, apesar de a consolidação da paz ter ganhado força nos debates da ONU desde a década de 1990, ainda não havia discussões mais sistematizadas e ações efetivas sobre o estabelecimento de capacidade institucional dedicada ao tratamento desta questão no âmbito daquela organização. Segundo o ex-Ministro das Relações Exteriores e diplomata brasileiro, Antonio Patriota, a CCP surgiu em um cenário no qual verificava-se que “a ausência de acompanhamento

por

parte

da

comunidade

internacional

acabava

favorecendo

indiretamente a reincidência de violência em países ainda frágeis”.2

2

PATRIOTA, Antônio de Aguiar. O Brasil e a consolidação da paz. Folha de S. Paulo, Opinião – Tendências/Debates. 28/01/2015. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2015.

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A Assembleia Geral e o Conselho de Segurança da ONU estabeleceram que a referida Comissão deveria reunir todos os intervenientes relevantes (dentro e fora das Nações Unidas), mobilizar recursos, coordenar esforços, aconselhar e propor estratégias integradas no sentido de promover a construção da paz e o desenvolvimento sustentável em cenários pós-conflito. Dentre os principais desafios da CCP consta a proposta de superar algumas dificuldades da ONU na área de consolidação da paz em países que emergem de conflitos, além da missão de preencher a “lacuna institucional entre o Conselho de Segurança (CSNU), em seu papel de garantidor da paz e segurança internacionais, e o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), que se dedica ao progresso econômico e desenvolvimento social das nações” (NEVES, 2009, p. 9). Uma das funções mais destacáveis da CCP é sua capacidade de conectar diversos atores relevantes, tais como os doadores internacionais, as instituições financeiras internacionais, os governos nacionais e as agências e organismos do Sistema ONU. As organizações da sociedade civil são encorajadas a participar nas reuniões da Comissão e podem contribuir informalmente com os trabalhos realizados, fornecendo observações por escrito aos membros do CCP e do Gabinete de Apoio à Consolidação da Paz. A CCP opera por meio de três configurações principais, sendo estas: a Comissão Organizadora (Organizational Committee), as Configurações Específicas de cada país (Country-Specific Configurations) e, por fim, o Grupo de Trabalho sobre Lições Aprendidas (Working Group on Lessons Learned). O Comitê Organizacional é formado por 31 EstadosMembros, sendo 7 representantes do Conselho de Segurança, 7 do ECOSOC, 5 entre os maiores contribuintes da ONU, 5 entre os países mais atuantes em operações de paz e 7 eleitos pela Assembleia Geral. Uma oficina de apoio (Peacebuilding Support Office) foi estabelecida em Nova York, como forma de estabelecer uma estrutura administrativa mínima para a condução dos trabalhos da Comissão. Um país apenas é incluído na agenda permanente da Comissão após um processo de consulta dos países membros junto à CCP e da requisição formal do país interessado. O passo inicial é a eleição de um país que presida a Configuração Específica, destinada a fazer o vínculo entre o país beneficiário e a Comissão. Os países que atualmente recebem o auxílio da CCP são Burundi, Serra Leoa, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria e República Centro-Africana. As tentativas de construção da estrutura e das possibilidades de atuação da CCP podem ser um exemplo de como se desenvolvem algumas relações de interesse no âmbito da ONU. Países como os Estados Unidos (EUA) defendem o vínculo mais intenso desta instituição com o Conselho de Segurança, enquanto nações com relações de poder menos favoráveis no sistema internacional buscam atrelar a atuação desta Comissão à Assembleia

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Geral.3 Também há um terceiro grupo principal de países, que possui o Brasil como um dos principais representantes, para o qual deve haver um maior protagonismo do ECOSOC na estrutura da CCP, como forma de valorizar o tema do desenvolvimento como elemento central no processo de transformação pós-conflito. Gilda Neves (2009, p. 129) afirma que no processo de estruturação da CCP, a diplomacia brasileira destacava que na localização funcional da Comissão (linha de subordinação) o ECOSOC, apesar da necessidade de reforma e revitalização de seus procedimentos, deveria ter papel tão relevante quanto o Conselho de Segurança. A compreensão da forma como a percepção brasileira se diferencia em relação àquela defendida por outros Estados pode ser exemplificada por meio da diferenciação estabelecida pelo ex-Ministro Antonio Patriota entre o papel do Conselho de Segurança e o da Comissão de Consolidação da Paz: O Conselho de Segurança pode ser equiparado à UTI de um hospital – que atua em casos de emergência, em crises que ameaçam a paz internacional – e a Comissão de Consolidação da Paz funciona como uma espécie de centro de reabilitação, focada não apenas em aspectos de segurança, mas também atenta ao desenvolvimento institucional, social e econômico dos 4 países em situações de pós-conflito.

Destaca-se, por exemplo, o fato de o Brasil ter optado, enquanto membro não permanente do Conselho de Segurança em 2005, pela abstenção durante a votação da Resolução 1645, a qual estabeleceu a participação deste órgão na CCP e definiu a presença contínua dos membros permanente do Conselho de Segurança no Comitê Organizacional desta Comissão. Outro fato a ser ressaltado é que o Brasil foi eleito, por aclamação em maio de 2006, para integrar a CCP como um dos sete membros que representam o ECOSOC. “A presença brasileira na CCP, por meio do ECOSOC, revela a ênfase do Brasil no tema do desenvolvimento na CCP” (RODRIGUES, 2008, p. 104; 108109). Nesse sentido, entende-se como profícua a reflexão mais específica da relação do Brasil com a Comissão de Consolidação da Paz, com a atenção especial voltada para a compreensão brasileira sobre o nexo entre segurança, paz e desenvolvimento como elemento essencial para esta análise.

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Destaca-se a preocupação de alguns países para que a CCP não seja utilizada como instrumento de intervencionismo da ONU nos países beneficiários. Apesar da necessidade de solicitação dos próprios governos dos países beneficiários para que eles se tornem receptores do auxílio da CCP, entende-se que o princípio da soberania estaria mais garantido na medida em que este órgão estivesse envolto por uma estrutura mais transparente e democrática. 4 PATRIOTA, Antônio de Aguiar. O Brasil e a consolidação da paz. Folha de S. Paulo, Opinião – Tendências/Debates. 28/01/2015. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2015.

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O Brasil e a Comissão de Consolidação da Paz: um olhar diferenciado para a relação entre segurança e desenvolvimento? Para o Brasil, a ausência de bases sociais e econômicas mínimas para o processo de desenvolvimento é um empecilho central para a efetivação da segurança e, em consequência, de uma paz sustentável. O país defende que a consolidação da paz em países que acabaram de sair de situações de conflito armado precisa estar vinculada com o fortalecimento das instituições locais e o restabelecimento das funções essenciais do governo local. Em outras palavras, as ações a serem realizadas em cenários pós-conflito não podem envolver “apenas componentes políticos e de segurança, mas também econômicos e sociais”, os quais são indispensáveis para a resolução dos entraves que se encontram na “base de muitos conflitos – como a pobreza, a ausência de prestação de serviços básicos e a dificuldade de acesso à justiça”.5 Apenas seria possível evitar o reaparecimento de focos de instabilidade quando forem estabelecidas as condições favoráveis à consolidação de uma paz sustentável, com o devido consenso dos países aos quais se destinam essas iniciativas. Diante disto, o Brasil entende que a criação da CCP representa a consolidação do argumento de que há uma interdependência umbilical entre desenvolvimento, segurança e paz, especialmente para aqueles países marcados por processos de transformação pós-conflito (ou com tendência a abrigar conflitos). Esta postura justifica o fato de que o Governo brasileiro participou ativamente da criação desta Comissão desde os seus primórdios. Em termos financeiros, até 2013 o Brasil contribuiu com US$ 600.000,00 para o Fundo de Consolidação da Paz,6 porém, verifica-se que para além de auxílios financeiros, a grande contribuição brasileira tem se construído na consolidação de um debate que potencializa a atuação conjunto de diversos atores internacionais em prol de uma concepção que favoreça as questões de desenvolvimento como basilares para que os países que emergem de conflitos possam transitar para uma paz mais sustentável. Segundo Gilda Neves (2009), os desafios da participação do Brasil na CCP assumiriam duas vertentes: uma, de princípio, e outra, pragmática. A vertente de princípio estaria relacionada com a promoção do desenvolvimento e da segurança como concepções interdependentes

e

com

a

atuação

equilibrada

da

ONU

no

trinômio

segurança/reconciliação/desenvolvimento. A vertente pragmática estaria vinculada com o aumento da participação brasileira em operações de paz multilaterais, em especial nos mandatos com forte componente de consolidação da paz. Sobre a atuação mais pragmática, Neves entende que este é o campo no qual o Brasil pode exercer melhor sua vantagem 5

BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. O Brasil e a consolidação da paz. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2015. 6 Idem.

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comparativa, inclusive por meio de projetos de cooperação internacional, “de um lado, por acreditar na relação de causa e efeito entre desenvolvimento e paz durável e, de outro, pelo reconhecimento de que grandes interesses geopolíticos ou econômicos não são o elemento determinante da participação brasileira” (embora esses interesses possam ser ampliados conforme aumenta a presença do país em missões de paz) (NEVES, 2009, p. 184-5). Destaca-se que alguns dos princípios basilares da CCP foram promovidos pelo Brasil ainda no final da década de 1990. Todavia, é preciso ressaltar que a CCP não foi instituída no formato originalmente sugerido pelo Brasil. Dentre as críticas feitas pelo representante brasileiro, o Embaixador Baena Soares, na Comissão criada pelo Secretário-Geral Kofi Annan para estruturar a CCP, ressalta-se a interação entre a CCP e os órgãos principais da ONU (pois foi fornecido peso maior na relação da CCP com o Conselho de Segurança) e os métodos para composição do Comitê Organizacional da Comissão (deveria ocorrer um modelo de eleições, com uma distribuição geográfica mais equitativa e representativa). Gilda Neves resume em três os pontos principais, preconizados pelo Brasil, que não foram incorporados inicialmente na Comissão: i) o órgão deveria ter função não só reativa, mas também preventiva, com capacidade de identificar ameaças de ruptura da paz e evitar a escalada da violência; ii) a Comissão deveria ter autonomia suficiente para definir sua agenda e para fazer recomendações a qualquer órgão principal das Nações Unidas; e iii) a composição da Comissão deveria atender a princípios rigorosos de representação geográfica e legitimidade. (NEVES, 2009, p. 10).

Dentre as primeiras ações brasileiras como membro da CCP, o país criticou a prerrogativa do Conselho de Segurança de definir a inserção de um país na agenda prioritária da Comissão (Serra Leoa e Burundi foram os dois primeiros indicados). Havia a impressão de que o Brasil estava fazendo esforços para que o Haiti fosse incluído como país beneficiado pela ação da CCP. Tal importância estaria vinculada não apenas à destacável presença brasileira na MINUSTAH, mas também ao fato de que o conhecimento desenvolvido por esta missão de paz traria ganhos efetivos para a experiência a ser desenvolvida pela CCP em outros cenários de transformação pós-conflito. Segundo o então Ministro das Relações Exteriores, o diplomata Celso Amorim: O Brasil tem sustentado que países recém-saídos de conflitos devem continuar a ser acompanhados por alguma instância da ONU, uma vez superada a situação mais emergencial de segurança. Questões como as do Haiti, Serra Leoa, Burundi e tantas outras, nas quais a fragilidade políticoinstitucional soma-se à pobreza e ao subdesenvolvimento, devem ser objeto de atenção integral das Nações Unidas, e não ficar entregues

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exclusivamente a "clubes de doadores". Esse será o papel da nova 7 comissão.

Porém, a nação caribenha respondeu negativamente ao ser consultada sobre a possibilidade de se tornar um dos países da agenda da CCP. Além disso, um estudo efetuado pela New York University em 2008 (como primeira avaliação dos trabalhos da CCP), sob os auspícios da Representação Permanente da Dinamarca na ONU, sugeriu que os países inseridos na agenda da Comissão deveriam se encontrar em um momento de finalização do mandato do Conselho de Segurança, o que não é o caso da MINUSTAH, tendo em vista que este debate ainda está ativo em meados de 2015 (RODRIGUES, 2008, p. 106; 109-110). Apesar do revés em relação à tentativa de vinculação dos trabalhos da CCP ao processo de reconstrução do Haiti, o Brasil conseguiu demonstrar sua visão em relação ao vínculo entre segurança, paz e desenvolvimento ao ser eleito para presidir a Configuração Específica da Guiné-Bissau, em dezembro de 2007, o qual se tornou o terceiro país a entrar na agenda da CCP. A escolha se seguiu após a indicação daquele próprio país para que o Brasil assumisse essa função. Para além de vínculos históricos mais antigos, o fato de a República da Guiné-Bissau, situada na costa ocidental do continente africano, também fazer parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) indica que já havia uma aproximação entre este país e o Brasil, o que poderia facilitar a execução dos trabalhos da Comissão. A cooperação bilateral (nas áreas de saúde, formação profissional, agricultura, reforma dos setores militares e de segurança,8 administração pública e assistência eleitoral), assim como as contribuições por meio do Fundo IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), demonstram outros meios pelos quais o Brasil busca contribuir para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. Por fim, também é possível citar o fato de que a instabilidade política recente tem permitido a atuação mais efetiva de redes de tráfico de drogas naquele país (um ponto de transição de drogas da América Latina para a Europa), o que também gerou o interesse do Brasil em auxiliar a Guiné-Bissau em recuperar sua estabilidade política.9

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AMORIM, Celso. Missão do sucessor de Kofi Annan é completar reforma das Nações Unidas. Folha de S. Paulo, Caderno Mundo, 17/12/2006. Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2015. 8 Sobre a reforma dos setores militares e de segurança, destaca-se o apoio da Polícia Federal brasileira, através da CPLP, na criação de um Centro de Formação da Polícia. O Brasil também reforçou a cooperação militar com a Guiné-Bissau através de intercâmbios de formação, o fornecimento de equipamentos, pesquisas conjuntas, e o estabelecimento de uma missão militar técnica brasileira naquele país (ABDENUR; NETO, 2014). 9 Embora não haja um interesse comercial significante do Brasil em relação à Guiné-Bissau, destacam-se os ganhos políticos na contribuição brasileira para a estabilidade e o desenvolvimento daquele país. Por exemplo, em janeiro de 2005, logo após o Brasil anunciar que forneceria US$ 500.000 através da CPLP para pagar salários e apoiar a reforma do setor de segurança da Guiné-Bissau, o governo daquele país expressou abertamente o seu apoio à candidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (ABDENUR; NETO, 2014).

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O papel de conduzir os trabalhos na Guiné-Bissau abriu uma janela de oportunidade para que fosse demonstrada a visão brasileira em relação à importância do impulso ao desenvolvimento como elemento central no processo mais amplo de transformação pósconflito. Segundo a Nota 627/2007, do Ministério das Relações Exteriores, o Brasil buscava garantir que a Comissão pudesse oferecer “auxílio efetivo ao processo de reconciliação política e consolidação econômica da Guiné-Bissau, com ênfase em ações voltadas para o desenvolvimento e manutenção da paz”.10 Em debate no Conselho de Segurança sobre a Guiné-Bissau, em 2010, a Embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, Representante Permanente do Brasil junto às Nações Unidas na qualidade de Presidente da Configuração da Guiné-Bissau na CCP, afirmou que “os esforços internacionais para ajudar a consolidar a paz na Guiné-Bissau não devem depender unicamente da cooperação relacionada com a segurança”, havendo a necessidade de solidificar as bases para o desenvolvimento social e econômico sustentável daquele país (VIOTTI et al., 2014, p. 573). A postura brasileira no comando da Configuração Específica da Guiné-Bissau se contrapunha à visão veiculada, desde o início da década de 2000, por atores internacionais (comumente vinculados a países do Norte) que definiam a Guiné-Bissau como um “narcoEstado”.11 Apesar de reconhecer o desafio do combate ao tráfico de drogas, o Brasil entendia que rotulações como “narco-Estado” e a imposição de sanções, que as acompanhavam, não auxiliavam na identificação e resolução dos problemas estruturais que afetavam aquele país. Para o Brasil, o tráfico de drogas deveria ser encarado mais como um sintoma do que como a principal causa da instabilidade na Guiné-Bissau. Destaca-se, porém, que o Brasil enfrenta dificuldades para colocar em prática suas iniciativas através da CCP. As limitações do mandato brasileiro estariam relacionadas desde as possíveis mudanças de prioridades (tendo em vista as recentes dificuldades políticas e econômicas internas no Brasil) até as limitações do próprio mandato e de falhas no projeto no âmbito da Comissão. Por exemplo, houve a produção escassa de indicadores sobre o trabalho produzido, a ausência de metas mais claras e a falta de uma estrutura de monitoramento. Os resultados insuficientes produzidos pelo trabalho da Comissão podem ser verificados por meio dos revezes políticos enfrentados pela Guiné-Bissau, o que incluiu o assassinato do presidente Nino Vieira e o surgimento de novas insurreições militares. Diante das limitações da CCP e do momento favorável para a Cooperação Sul-Sul brasileira, os projetos de cooperação bilateral para o desenvolvimento entre os dois países foram ampliados. Em 2010, dos 48 países africanos para os quais o Brasil forneceu 10

BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Brasil coordenará trabalhos da Comissão de Construção da Paz da ONU sobre Guiné-Bissau. Nota nº 627, 20/12/2007. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2015. 11 AGÊNCIA LUSA, Guiné-Bissau apontada como “narco-Estado emergente”. DN Globo, 26/12/2010. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2014.

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cooperação, Guiné-Bissau ficou em segundo lugar em termos de recursos alocados, atrás apenas de Cabo Verde (naquele ano foram gastos cerca de US$ 6,3 milhões, em mais de 20 projetos de cooperação técnica) (ABDENUR; NETO, 2014).12 Não obstante, verifica-se que a amplitude das ações desenvolvidas pelo Brasil na Guiné-Bissau foi menor do que a daquelas realizadas junto às missões de paz do Timor Leste e do Haiti.13 Apesar das limitações, verifica-se que o Brasil busca, tanto por meio das ações da CCP quanto através dos programas de cooperação bilateral, reafirmar o entendimento de que a identificação das questões que limitam o desenvolvimento da Guiné-Bissau aparece como elemento essencial para a estabilização daquele país, demonstrando como o Brasil compreende o nexo entre segurança e desenvolvimento em processos de estabilização e transformação pós-conflito. Além de dirigir os trabalhos da Configuração Específica para a Guiné-Bissau, o Brasil também foi eleito, por aclamação, para a presidência da CCP no início de 2014. Em seu mandato, o qual durou até janeiro de 2015, o Governo brasileiro buscou promover “maior participação de países em desenvolvimento, organizações regionais e sub-regionais africanas e da sociedade civil nas atividades da CCP”, bem como procurou estabelecer um “engajamento produtivo com o Conselho de Segurança das Nações Unidas”.14 Também esteve em pauta durante o mandato do país a “reflexão sobre a interdependência entre segurança e desenvolvimento e sobre a importância da apropriação nacional e da capacitação de quadros locais para o êxito das políticas de ajuda a países egressos de conflito”.15 O Brasil manteve a defesa em relação à essencialidade dos vínculos da CCP com outros órgãos da ONU – inclusive o Conselho de Segurança e o ECOSOC – e procurou viabilizar a participação de especialistas civis em missões da CCP, em áreas como segurança pública, educação, controle de fronteira, saúde pública, combate ao tráfico de drogas, sistemas eleitorais, saneamento básico e administração pública. O país busca, desta forma, valorizar “a perspectiva abrangente relativa às causas subjacentes dos conflitos e dos desafios vividos pelos países recém-egressos desses cenários”.16 O mandato do Brasil à frente da CCP esteve inserido em um momento repleto de desafios e oportunidades para esta Comissão. Segundo o ex-Ministro Antonio Patriota, os 12

Ressalta-se, contudo, que em decorrência de um novo golpe militar na Guiné-Bissau em 2012, o Brasil suspendeu os seus programas de cooperação bilateral com aquele país. Todavia, depois de eleições bem sucedidas em 2014, o governo brasileiro começou a reconsiderar a retomada da cooperação, tanto bilateral como através da Comissão (destacando que o Brasil era o presidente da CCP naquele momento). O Governo brasileiro contribuiu para a realização das eleições de 2014, com a cessão de técnicos da Justiça Eleitoral, e acompanhou o processo por intermédio da Missão de Observação Eleitoral da CPLP.. 13 A política externa brasileira buscou uma posição de complementaridade (ao invés de oposição) em relação às ações desenvolvidas pelos países do Norte junto à Guiné-Bissau (o que demonstra, inclusive, as limitações do país em implementar uma atuação mais ampla e custosa em processos de construção e manutenção da paz. 14 Cf.: BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. O Brasil e a consolidação da paz. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2015. 15 Idem. 16 Idem.

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desafios estiveram vinculados a temas como a reincidência de conflitos na República Centro-Africana e no Sudão do Sul e o surgimento da epidemia de ebola na Guiné, na Libéria e em Serra Leoa, países que estão sob atuação da CCP.17 Entre as oportunidades, Patriota ressalta a iniciativa, considerada inovadora, de organizar uma sessão dedicada ao tema da geração de receita em países recém-saídos de conflitos, com atenção especial ao combate de fluxos financeiros ilícitos. Dentre outros debates organizados pelo Brasil no âmbito da Comissão no decorrer de 2014, destaca-se a ênfase nos debates sobre a questão da igualdade de gênero e nos impactos da crise do ebola nos países atendidos pela CCP. Por fim, embora possam ter ocorrido avanços consideráveis,18 Antonio Patriota ressalta que os esforços brasileiros ainda são modestos, diante da permanência dos conflitos internacionais e das dificuldades que há em efetivar ações mais concretas, que se caracterizem como estratégias de longo prazo: Impactos concretos demoram a amadurecer e a serem perceptíveis, ainda mais quando se trata de estratégias de longo prazo. No entanto, tem sido uma experiência gratificante para o Brasil colaborar para que essa nova e relevante instância se afirme na estrutura institucional das Nações Unidas, em contexto internacional ainda marcado pela persistência de conflitos em 19 diversas regiões do mundo.

Também é preciso destacar que o posicionamento do Brasil na CCP é extremamente marcado pelo discurso de que este país possui uma forte tradição em defender soluções diplomáticas para os conflitos internacionais, baseadas na defesa da paz como objetivo precípuo. Este posicionamento da política externa brasileira seria baseado em uma continuidade que remonta ao final do século XIX, desde o período em que o Barão do Rio Branco esteve à frente da diplomacia brasileira, o que teria conferido ao país uma legitimidade diferenciada para tratar do tema de solução pacífica de controvérsias, tornandose uma marca da atuação internacional do Brasil (RODRIGUES, 2008, p. 105). Nas recentes missões de paz em que tem participado, o Brasil tentou equilibrar o seu desejo de se tornar um global player nas áreas de segurança e desenvolvimento com sua ênfase histórica sobre (e compromisso constitucional com) o princípio da não interferência. Como resultado, o Brasil tem denunciado o estilo de intervencionismo militar, em especial dos Estados Unidos e da Organização do Atlântico Norte (OTAN), que ele percebe como sendo 17

PATRIOTA, Antônio de Aguiar. O Brasil e a consolidação da paz. Folha de S. Paulo, Opinião – Tendências/Debates. 28/01/2015. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2015. 18 Patriota afirma que alguns acadêmicos consideram que ocorreram avanços “sem precedentes” durante o mandato brasileiro, como é o caso da professora Elisabeth Lindenmayer da Universidade Columbia, de Nova York. Contudo, o ex-Ministro destaca que a ações implementadas certamente ainda são muito modestas, diante dos desafios ainda existentes. In: Idem. 19 Idem.

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o posicionamento dominante no repertório Ocidental no cenário internacional do pós-Guerra Fria (ABDENUR; NETO, 2014, p. 4).20 Não obstante, vale mencionar que há críticas variadas em relação à inserção do Brasil em ações e debates sobre segurança internacional, especialmente no que tange à atuação militar. Há analistas que apontam para uma possível contradição entre o discurso pacifista e conciliatório do Brasil e o seu interesse por questões de segurança. A presença de tropas brasileiras na invasão da República Dominicana pelos Estados Unidos em 1965 é um fato normalmente retomado como marca negativa dentro do discurso de defesa da paz através de instrumentos diplomáticos. Haveria, inclusive, exemplos recentes de ações que poderiam ser considerados paradoxos entre o discurso e a prática do país em relação ao tema da consolidação da paz. Ao mesmo tempo em que o Brasil exploraria sua vocação diplomática e pacificadora no cenário internacional, verifica-se que o governo tem ajudado a indústria de defesa do país a expandir as exportações (variando de armas de pequeno porte a aviões), inclusive para regiões com extrema instabilidade, onde há graves acusações de violação dos direitos humanos (ABDENUR; NETO, 2014; ALESSI, 2015). De acordo com o relatório “As Armas e o Mundo”, elaborado pela entidade Small Arms Survey, o país seria o quarto maior exportador de armas leves do mundo, sendo o único dentre os quatro maiores exportadores do ranking (também composto por Estados Unidos, Itália e Alemanha) que não divulga à ONU seus recibos e contratos de venda (com quem e quanto comercializa), fazendo com que suas transferências de armamentos não sejam completamente transparentes. 21 Apesar de o Brasil ter assinado o Tratado sobre Comércio de Armas (Arms Trade Treaty - ATT), o qual busca regular este comércio e proibir transferências consideradas irresponsáveis, este documento ainda não foi sancionado internamente. Haveria uma contradição, por exemplo, no fato de o país ser extremamente ativo na missão de paz da ONU no Haiti, mas ter aumentado as exportações de armas para a ilha caribenha no mesmo período?22 Esse “jogo duplo” efetivamente se constitui como um contrassenso? Para além das diversas possibilidades de entendimento sobre os interesses do Brasil em relação às questões de segurança internacional, é possível depreender, da análise 20

Essa tensão pôde ser vista no Haiti logo após o terremoto de 2010, quando os Estados Unidos enviaram um número significativo de tropas e intensificaram o controle sobre o espaço aéreo daquele país (ELIZONDO, 2010). Havia, portanto, não apenas o conflito sobre quem daria ordens ao contingente militar norte-americano (para o Brasil, o seu posto na MINUSTAH não deveria deixar dúvidas sobre seu papel de liderança em relação às ações militares de tropas estrangeiras naquele território), mas também uma tensão entre visões diferentes sobre como efetivar o processo de estabilização no Haiti. Segundo Mônica Hirst (2012, p. 10), a presença brasileira no Haiti é estabelecida “num contexto de intervenção multilateral que pretende substituir intromissões externas indesejáveis (especialmente a dos Estados Unidos)”. 21 ALESSI, Gil. Brasil, entre a diplomacia da paz e o destaque na exportação de armas. El País - Brasil, 01/06/2015. Disponível em: . Acesso em: 03 jun. 2015. 22 De acordo com Reginaldo Nasser, “houve um aumento nas exportações de armas brasileiras para o Haiti, onde as tropas do país participam de uma operação de pacificação”. In: ALESSI, Gil. Brasil, entre a diplomacia da paz e o destaque na exportação de armas. El País - Brasil, 01/06/2015. Disponível em: . Acesso em: 03 jun. 2015.

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acima sobre a atuação brasileira na CCP, a tentativa do país em associar segurança e desenvolvimento em cenários de construção da paz e transformação pós-conflito. Ao atuar na CCP, o Brasil pode fazer o que os países desenvolvidos têm feito desde sempre: atuar na reconstrução de conflitos com a expertise, a assistência e o trabalho de suas empresas e dos recursos humanos governamentais (RODRIGUES, 2008, p. 105). Não obstante, para além de replicar o perfil de atuação de outras nações, o Brasil busca sublinhar a existência de um discurso diferenciado, que ressalta o vínculo entre segurança e desenvolvimento a partir de outros termos. Ao destacar o combate à pobreza, a promoção do desenvolvimento e o fortalecimento das instituições como elementos essenciais para o estabelecimento da segurança e da paz sustentável em cenários de transformação pós-conflito, o Brasil busca fornecer destaque às questões de desenvolvimento como pré-requisitos para abordar as raízes de turbulência e conflitos em diversos países. Considerações Finais O início do século XXI tem sido marcado pela presença mais ativa de alguns países considerados emergentes em processos de governança global. Em consonância com essa dinâmica, há a ampliação dos interesses brasileiros pelos debates e ações vinculados aos temas de segurança, paz e desenvolvimento internacionais. Dentre os exemplos desta participação mais ativa constam as atuações em processos de construção da paz e transformação pós-conflito. Verifica-se a tentativa brasileira de ampliar a presença do país em missões de paz a partir de uma perspectiva entendida como diferenciada, a qual procura demonstrar como o uso das forças militares deve estar associado com ações de promoção do desenvolvimento, tido como elemento central para a construção de instituições mais estáveis e, consequentemente, de uma paz mais sustentável. A atuação brasileira na Comissão de Consolidação da Paz teria absorvido essa postura brasileira em missões de paz, no sentido de compreender paz e desenvolvimento como elementos indissociáveis. A participação do Brasil no processo de criação da CCP, como responsável dos trabalhos da Configuração Específica para a Guiné-Bissau e na presidência da Comissão (entre 2014 e 2015) demonstram como o país busca destacar o desenvolvimento no nexo entre esse elemento e o estabelecimento da segurança e da paz. A postura brasileira em relação aos processos de construção e manutenção da paz (peacekeeping e peacebuilding) demonstra, inclusive, a existência de um campo fértil para a aplicação do know-how adquirido pelo país no campo da cooperação para o desenvolvimento.

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A atuação brasileira na CCP pode ser considerada como um exemplo de como o país evita uma atuação que supervalorize o foco em uma perspectiva extremamente militarizada, em prol da valorização de projetos de cooperação para o desenvolvimento como elemento central para reconstrução pós-conflito. Porém, destaca-se que a ênfase fornecida pelo Brasil às questões de desenvolvimento não significa que o país não esteja preocupado com as questões de segurança. Há, inclusive, um crescente debate sobre o processo de securitização da cooperação brasileira para o desenvolvimento, ou seja, como os projetos de cooperação do país se associam às questões de segurança. Para a política externa brasileira, a CCP se mostra como uma instância de vital importância para a comunidade internacional, por possibilitar que uma ampla gama de atores participe das reuniões da Comissão, o que não é possível no âmbito do Conselho de Segurança, tendo em vista as limitações de sua composição. Diante dos 70 anos de criação da Organização das Nações Unidas e do décimo aniversário de existência da Comissão de Consolidação da Paz, é possível verificar a valorização do Brasil em relação aos espaços multilaterais, nos quais o país busca defender um debate mais intenso sobre as raízes dos problemas que geram instabilidades e conflitos em diversos países. Referências bibliográficas ABDENUR, Adriana Erthal; NETO, Danilo Marcondes de Souza. Rising Powers and the Security-Development Nexus: Brazil’s Engagement with Guinea-Bissau. Journal of Peacebuilding & Development, Vol. 9, No 2, 2014. AGÊNCIA LUSA, Guiné-Bissau apontada como “narco-Estado emergente”. DN Globo, 26/12/2010. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2014. ALESSI, Gil. Brasil, entre a diplomacia da paz e o destaque na exportação de armas. El País - Brasil, 01/06/2015. Disponível em: . Acesso em: 03 jun. 2015. AMORIM, Celso. Missão do sucessor de Kofi Annan é completar reforma das Nações Unidas. Folha de S. Paulo, Caderno Mundo, 17/12/2006. Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2015. BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Resenha de Política Exterior do Brasil. Número 100, Ano 34, 1o semestre de 2007. ______, Ministério das Relações Exteriores. Brasil coordenará trabalhos da Comissão de Construção da Paz da ONU sobre Guiné-Bissau. Nota nº 627, 20/12/2007. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2015. 15

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