A ATUAÇÃO DA OMC, BARREIRAS E POLÍTICAS COMERCIAIS A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO NO PÓS CRISE

May 28, 2017 | Autor: N. Oliveira | Categoria: Development Economics, Political Economy, International Studies
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A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO NO PÓS CRISE

Mirian Beatriz Schneider (Organizadora)

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO NO PÓS CRISE A ATUAÇÃO DA OMC, BARREIRAS E POLÍTICAS COMERCIAIS

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Mirian Beatriz Schneider Braun (Organizadora)

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Curitiba 2014

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Copyright © 2014 by Mirian Beatriz Schneider Braun. COORDENADOR EDITORIAL Rodrigo Michel Ferreira DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO Gisele Skroch REVISÃO DE TEXTO João Ferreira da Luz Jonathan Dias Ferreira Stefan Hubertus Dorner Valdir Antonio Galante

ledzeeditora.com.br [email protected]

A Inserção Internacional do Agronegócio Brasileiro no Pós Crise: A Atuação da OMC, Barreiras e Políticas Comerciais. / Mirian Beatriz Schneider Braun (org.). Curitiba: LedZe Editora, 2014.

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304p.: il; 16x23 cm. ISBN: 978-85-65626-20-0 Inclui bibliografia 1. Economia. 2. Política comercial. 3. Comércio internacional. 4. Mercosul. 5. Mapeamento de produção. 6. OMC - Atuação. 7. Agronegócios - Brasil. I. Braun, Mirian Beatriz Schneider. II. Título. CDD – 338.18 Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Márcia Elaine Bento CRB1/1460 Seção Técnica de Tratamento da Informação

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PREFÁCIO A INSERÇÃO DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO NO PÓS CRISE: A ATUAÇÃO DA OMC, BARREIRAS E POLÍTICAS COMERCIAIS é o resultado de 3 anos de um árduo trabalho realizado junto aos alunos do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Unioeste, Campus de Toledo, no contexto da disciplina: Cidades, regiões e comércio Internacional. A temática central dos trabalhos é relativa ao fato de o comércio ter impacto direto na vida das regiões, mesmo as mais interioranas, e isso em todo o planeta. A partir dessa importância das relações de comércio, queríamos discutir o impacto das mais variadas formas de barreiras ao mesmo, encetadas dentro e fora do país, no contexto da produção ou de políticas comerciais, dentre tantos outros aspectos desse abrangente e interessante tema. O primeiro capítulo POLÍTICAS ECONÔMICAS BRASILEIRAS PÓS-CRISE DE 2008 E INSERÇÃO COMERCIAL, trata especificamente da reação, em termos de políticas econômicas ao contexto que sucedeu à crise de 2008 e buscou mostrar a importância das políticas econômicas implementadas no Brasil para combater ou minimizar os efeitos causados na economia brasileira no período pós-crise financeira que originou-se nos EUA no ano de 2007 e estendeuse para o mundo, atingindo mais especificamente o país no segundo semestre de 2008. Fica claro que o conjunto de políticas econômicas adotadas, mantiveram como foco principal o já antigo tripé de metas seguido desde a década de 1990 que é o regime de metas de inflação; câmbio flutuante e meta de superávit primário. O texto conclui que para o longo prazo, a parceria Estado-mercado seria inquestionável, cabendo ao primeiro a sequência e a manutenção do perfil distributivo criado na economia brasileira, bem como os investimentos necessários em setores, os quais não são interessantes para o setor privado, para alcançarmos um certo nível de sustentabilidade. E ao segundo cabe a obrigação de reverter esses investimentos em produção e geração de renda, buscando dessa forma gerar um ciclo virtuoso na formação de um mercado interno forte, voltado para inovação e competição, afastando a economia brasileira da armadilha de retorno à primário-exportadora e ao fluxo de capitais especulativos que adentram o país “disfarçados” de investimentos produtivos e que influenciam diretamente sobre a taxa de câmbio.

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A terceira parte do material reporta ao: O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE BENS DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO NO CONTEXTO DA CRISE DE 2008, e trata da complexidade e a dimensão que atingiu a crise de 2008, e faz um questionamento em relação aos efeitos da mesma sobre o comércio mundial de bens e serviços. Além disso, investiga, do ponto de vista do comércio exterior, quais as principais estratégias adotadas pelas nações para dirimir os efeitos da crise, e finalmente, avalia se os países menos afetados pela crise têm sido prejudicados pela aplicação de novas barreiras ao comércio exterior, por seus parceiros comerciais. O texto, em termos gerais afirma que, dada a baixa participação do Brasil no comércio internacional (as exportações brasileiras compõem aproximadamente 1% do total exportado mundialmente), o país tem muito a crescer no tocante ao comércio internacional de bens. Portanto, o conjunto de barreiras tarifárias e não tarifárias, impostas por parceiros comerciais, apresenta-se como um tema a ser debatido constantemente, visando uma solução dos possíveis problemas. Deve-se ressaltar também que o Brasil participa ativamente das negociações internacionais por um comércio multilateral mais justo, contudo ainda possui alguns entraves para melhorar suas negociações, tais como: a) a existência de instituições claras e bem definidas que possam direcionar as decisões dos representantes do país; b) a presença de organizações instituídas em bases sólidas e com clareza de objetivos, para que possam atuar em benefício da coletividade; c) a plena noção do conceito de nação, para que as decisões fortaleçam o sentimento de nacionalidade junto à população como um todo. O quarto capítulo, A CRISE DE 2008 E SEUS EFEITOS SOBRE AS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA OS PAÍSES EUROPEUS, tem como objetivo analisar os efeitos da crise de 2008 para os fluxos de comércio do Brasil com os países europeus, via exportações brasileiras, em termos de volume exportado e o destino das exportações brasileiras para os países selecionados. Para atingir essa proposição o texto apresenta uma uma metodologia descritiva e exploratória, e uma análise qualitativa com a quantitativa. Optou-se pelo cálculo do Quociente Locacional (QL), a fim de obter a composição espacial das exportações brasileiras, por fator agregado - produtos básicos, semimanufaturados e manufaturados -, para os 15 países europeus selecionados. Foram coletados dados secundários, por meio de fontes oficiais. O recorte temporal aborda os anos de 2005 a 2011, separados pelo período de pré-crise, com os anos de 2005 a 2007, o período de crise, no ano de 2008, e o período de pós-crise, configurando-se nos anos de 2009 a 2011. O texto sumariza as conclusões afirmando que apesar de os produtos brasileiros exportados para a União Europeia terem apresentado pouca alteração na composição espacial intrabloco antes e depois da crise, eles sofreram quedas significativas na demanda após a crise de 2008. Com a crise, verificou-se uma queda brusca nos preços internacionais das commodities e, nesse contexto, destaca-se a dependência brasileira da pauta exportadora de commodities e de produtos industriais de teor tecnológico e valor

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agregado baixos, bem como o seu reduzido dinamismo no comércio internacional. A apreciação do real, advinda da crise, tornou os produtos brasileiros menos competitivos no mercado europeu. Ademais, eclodiu uma diminuição na atividade econômica desses países importadores desenvolvidos e, diante da redução da liquidez nos mercados financeiros internacionais, a oferta de crédito para financiamento das exportações se comprimiu. Nota-se, portanto, um Brasil não imune aos impactos da crise mundial, cujo resultado analisado neste trabalho foi uma queda nas exportações brasileiras para os países europeus, sobretudo para os da Zona do Euro, sentida de forma rápida e intensa. Embora não apresentados aqui, esse impacto gera efeitos multiplicadores a montante e a jusante do setor exportador, auferindo prejuízos em toda a economia brasileira. O texto seguinte, trata exatamente da lentidão, por vezes inércia plena, no avanço das negociações comerciais em termos de OMC: POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA NO PÓS-CRISE: UMA DISCUSSÃO SOBRE A INÉRCIA DA RODADA DOHA. Diante do contexto vivido no pós crise, principalmente no contexto da já praticamente imobilizada Rodada Doha, o Brasil ampliou seu foco e ao invés de se concentrar apenas nos processos integracionistas, marcadas pelas negociações do MERCOSUL junto a ALCA, EUA e EU que, juntou-se ao grupo BRICs em um nível político, formando uma aliança global, cuja direção de política externa mudou sua identidade. Ao invés de canalizar seu poder participando nas instâncias dos poderes tradicionais como o G-8 ou nas negociações multilaterais da Rodada Doha, o país passa a usar o seu posicionamento como um país BRICs, grupo geralmente opositor das potências tradicionais. A transição de um mundo bipolar para multipolar favorece ao Brasil uma abertura comercial para outros centros de poder, como a Índia e China, podendo aumentar sua influência e presença comercial no mundo, o que resulta em poder exigir um tratamento com base mais igualitária no comércio mundial. No que se refere às negociações em Doha, a retomada em cenário de crise não favoreceu os entraves das negociações, isto porque, do ponto de vista econômico, a crise financeira internacional provocou retração da atividade produtiva com aumento do desemprego, de modo que o cenário foi propício às ações protecionistas com medidas voltadas ao subsídio entre outros mecanismos, ou seja, a Rodada Doha nesse cenário não teria muitos espaços para avanços. O sexto capítulo adota uma perspectiva mais microeconômica, o que será a tônica em todos os capítulos de agora em diante, avaliando caso do produto de exportação açúcar, sob o título: BRASIL VERSUS UNIÃO EUROPEIA: O CASO DO CONTENCIOSO DO AÇÚCAR NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. O texto faz um interessante, porém breve, relato do histórico do açúcar no Brasil. A partir daí utilizando-se de dados secundários passa a mostrar a notável evolução do setor açucareiro na primeira década do século XXI. Após isso discute a economia do açúcar no contexto

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internacional, os principais países produtores e compradores de açúcar e finaliza com uma análise dos documentos da OMC sobre os contenciosos do açúcar brasileiro no mercado internacional. O sétimo capítulo faz um MAPEAMENTO DA PRODUÇÃO, EXPORTAÇÃO E AS BARREIRAS PROTECIONISTAS IMPOSTAS SOBRE AS EXPORTAÇÕES, DO COMPLEXO CARNE BRASILEIRO E PARANAENSE, e a pesquisa demonstrou que as maiores barreiras impostas nas exportações das carnes brasileiras, percebidas pelas cooperativas de produção, empresas do agronegócio e entidades de representação, são basicamente barreiras não tarifárias, sanitárias ou não e são oriundas prioritariamente dos blocos do NAFTA e da União Europeia e outros. Os maiores desafios destacados pelos entrevistados no setor, grande marca desta pesquisa, são a busca de negociações multilaterais para abertura de novos e diferentes mercados; de novos acordos comerciais com mercados ainda não explorados, bem como, acertos comerciais com os países envolvidos, para exportações pelas empresas e cooperativas. Ainda foi apontada a necessidade de ações junto às associações de classe e de representação do setor, com órgãos de governo, nas esferas federal e estadual, através dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e do Ministério das Relações Exteriores e outros, demonstrando o avanço no setor da consciência de que competitividade também se faz fora da firma, com ações de política comercial, e que para estas o setor precisa da atuação do estado. Já o oitavo capítulo, A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO, escrito por advogados, e portanto com uma profundidade de interpretação que ultrapassa a economia, afirma que, principalmente em contexto de crises o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC é elemento essencial para trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio. percebe-se uma crescente evolução em quantidade e qualidade na solução de controvérsias apresentadas ao sistema da OMC. Segundo o Relatório Anual 2011 (WTO, 2011b, p. 86), ao final do ano de 2010, os membros da OMC haviam protocolado 419 controvérsias desde sua criação em 1995, sendo os membros mais ativos os Estados Unidos (97), a União Européia (82), o Canadá (33), o Brasil (25) e o México (21). Somente no ano de 2010 foram 17 novas notificações formais dos membros para consulta ao Órgão de Solução de Controvérsias, houve 13 encontros durante o ano e foram estabelecidos seis novos painéis para discussão de sete novos casos (quando duas ou mais controvérsias versam sobre o mesmo assunto, normalmente se estabelece um painel único). Com relação ao Brasil, somente em 2010 dois novos casos relativos a produtos agrícolas foram notificados pelo Brasil ao Sistema de Solução de Controvérsias da OMC. O primeiro foi contra os Estados Unidos e versa sobre os subsídios dados por aquele país ao algodão e o segundo caso, relativo às medidas anti-dumping e administrativas relacionadas com a importação de certo

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tipo de suco de laranja do Brasil, foi contra os Estados Unidos. Ambos são apenas exemplos da participação intensa do Brasil no âmbito das negociações e acordos relativos ao comércio multilateral de produtos agrícolas, os quais serão detalhados e analisados nos capítulos a seguir, demonstrando o amadurecimento e a alteração de rumos de nossa política comercial externa, que está tornando o Brasil não mais objeto das negociações, mas sim protagonista ativo na defesa de seus interesses comerciais. Mais do que isso, fica claro que o processo de institucionalização do comércio internacional avança, embora a passos muito lentos, para um processo que decide o comércio muito antes da produção, e muitas vezes fora do ambiente da mesma, tornando premente a participação ativa do Brasil nas negociações sob pena de perdas ainda maiores em termos de mercado. O próximo capítulo AVICULTURA BRASILEIRA E OS IMPACTOS DA CRISE DE 2008, pretende contextualizar o cenário macroeconômico da crise de 2008 que possa estar impactando o comércio internacional, com ênfase para as taxas de câmbio; apresentam-se os principais elementos que são comumente utilizados de ações protecionistas de países ou blocos que possam gerar gargalos nas exportações de carne de frango brasileira; além disso realiza-se uma análise da capacidade competitiva de exportação da produção de carne de frango brasileira, comparativamente com o seu maior concorrente, os Estados Unidos e, por fim, apresenta-se o comportamento da produção, consumo e exportação de carne de frango do Brasil e dos Estados Unidos. O nono capítulo trata da questão do algodão, produto historicamente importante na pauta de exportações do Agronegócio brasileiro. POLÍTICA COMERCIAL E COMPETITIVIDADE DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE ALGODÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE O CONTENCIOSO NA OMC tem como objetivo determinar os elementos fundamentais e implicações do contencioso do algodão para a comercialização do produto no mundo, além disso, comparou e avaliou o desempenho competitivo das exportações de algodão brasileiras e norte americanas sob a perspectiva do comércio internacional, e por outro aspecto analisar os efeitos da investigação relativa ao contencioso do algodão no contexto da OMC para a comercialização do produto no mundo além de sua contribuição sobre a política comercial brasileira. No décimo capítulo do material trazemos uma contribuição diferente, mas não menos importante ao tema do nosso trabalho, trata da questão da integração latino americana, via Mercusol, tomando em conta o contexto da crise. MERCOSUL: COMÉRCIO, CRISE E INDICADORES SOCIOECONÔMICOS, teve como objetivo central, apresentar uma análise do fluxo do comércio intrarregional, alguns elementos das crises de 2002 e 2008 e os indicadores sociais, demográficos e econômicos dos países membros. O artigo é dividido em quatro seções onde se discutem a formação do Mercado Comum do Sul – Mercosul. A seguir, é apresentada uma discussão sobre a crise financeira de 2008. A quarta seção analisa o processo de

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integração econômica, o fluxo comercial entre os países membros e os indicadores sociais, econômicos e demográficos. E as considerações finais sumarizam o estudo. O décimo primeiro capítulo trata da POLÍTICA COMERCIAL E COMPETITIVIDADE DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE ALGODÃO: UMA REFLEXÃO SOBRE O CONTENCIOSO NA OMC. A contribuição desse texto é elucidar o contexto desse contencioso, que ficou famoso e repercutiu bastante na mídia à época dos acontecimentos. O texto em si tem como objetivo central a determinação dos elementos fundamentais e implicações do contencioso do algodão para a comercialização do produto no mundo. Ficou demonstrado que o Brasil é um dos países mais ativos no sistema de solução de controvérsias ocupando a sétima colocação no ranking geral em 2012 e a quarta posição como demandante naquele ano. Por outro lado o país tem elevado a produção de algodão competindo em qualidade e produtividade com países desenvolvidos como os EUA o que acirra a competição entre os dois países na disputa pela participação no mercado deste produto. Em 2011 o Brasil alcançou a colocação de quinto maior produtor mundial da fibra ficando atrás de países como a China, Índia e Estados Unidos. Em relação ao contencioso, este não havia sido finalizado ao final da redação do artigo, e o que os autores destacavam é que se esperava que a OMC fortalecesse suas bases institucionais a fim de garantir a observação de seus princípios de formação por todas as nações-membro. Quanto ao desfecho do caso Brasil x EUA, a despeito do cenário de incerteza, espera-se que o país norte americano, por meio de seu Congresso, vote favoravelmente à extinção definitiva dos subsídios agrícolas, especialmente em relação ao algodão. E que assim a prática do comércio internacional seja o mais justa possível e que não haja manipulação e obtenção de vantagens dos países desenvolvidos em detrimento de prejuízos aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. E por fim o décimo segundo capítulo trata das BARREIRAS COMERCIAIS NO COMÉRCIO INTERNACIONAL: O CASO DA SOJA NO BRASIL, e buscou contextualizar o cenário da soja no comércio internacional e dificuldades decorrentes das barreiras comerciais. Para tal, utilizou a análise da competitividade das exportações de soja dos maiores players - Estados Unidos e no Brasil - utilizando o índice de vantagem comparativa revelada. Os resultados demonstram o crescimento da importância das exportações brasileiras, tanto em razão dos volumes totais, como na obtenção de divisas. Quanto ao destino das exportações, cresce a participação da China e outros emergentes, superando a União europeia. Outra verificação importante é a relevância da soja na pauta de exportações: enquanto para o Brasil é um dos itens mais importantes, para os EUA é apenas mais um item exportado. Contudo, o desempenho do setor se faz enfrentando o uso de procedimentos tarifários e não tarifários pelos importadores, como tarifas que desestimulam a o processamento no Brasil, exigência de licenças, barreiras sanitárias e técnicas com critérios pouco claros e definidos apenas pelos compradores.

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SUMÁRIO POLÍTICAS ECONÔMICAS BRASILEIRAS PÓS-CRISE DE 2008 E INSERÇÃO COMERCIAL .............................................................................................

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Jaime Antonio Stoffel, Marcelo Resqueti Tarifa e Ivanete Daga Cielo POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA NO PÓS-CRISE .....................................

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Roselis Natalina Mazzuchetti, Katia Fabiane Rodrigues e Manoel João Ramos O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE BENS DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO NO CONTEXTO DA CRISE DE 2008 .............................................

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Rosangela Maria Pontili e Thiago Henrique Moreira Goes A CRISE DE 2008 E SEUS EFEITOS SOBRE AS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS PARA OS PAÍSES EUROPEUS ......................................................... Lediany Freitas de Campos, Paulo Henrique de Cezaro Eberhardt e Mirian Beatriz Schneider Braun POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA NO PÓS-CRISE: UMA DISCUSSÃO SOBRE A INÉRCIA DA RODADA DOHA ..............................................................

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Rosangela Maria Pontili e Thiago Henrique Moreira Goes BRASIL VERSUS UNIÃO EUROPEIA: O CASO DO CONTENCIOSO DO AÇÚCAR NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO ........ Bruno Astolphi Montagnhani e Nelinho Davi Graef MAPEAMENTO DA PRODUÇÃO, EXPORTAÇÃO E AS BARREIRAS PROTECIONISTAS IMPOSTAS SOBRE AS EXPORTAÇÕES, DO COMPLEXO CARNE BRASILEIRO E PARANAENSE .............................................. Sérgio Luiz Kuhn e Mirian Beatriz Schneider Braun

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A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO .........................................................................................

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Luciana Vargas Netto Oliveira e Hélio Vargas Netto Oliveira AVICULTURA BRASILEIRA E OS IMPACTOS DA CRISE DE 2008 .................

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Paulo César da Silva Ilha, Daliane Rahmeier e Edison Luiz Leisman MERCOSUL: COMÉRCIO, CRISE E INDICADORES SOCIOECONÔMICOS ..

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Nilton Marques de Oliveira e Leandro de Araújo Crestani POLÍTICA COMERCIAL E COMPETITIVIDADE DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE ALGODÃO: uma

reflexão sobre o contencioso na OMC ............................................... Camili Dal Pai e Udo Strassburg BARREIRAS COMERCIAIS NO COMÉRCIO INTERNACIONAL: O CASO DA SOJA NO

.................................................................................................................................. Bárbara Françoise Cardoso e Valdir Antônio Galante BRASIL

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POLÍTICAS ECONÔMICAS BRASILEIRAS PÓSCRISE DE 2008 E INSERÇÃO COMERCIAL Jaime Antonio Stoffel Marcelo Resqueti Tarifa Ivanete Daga Cielo

INTRODUÇÃO Faz-se uma análise das políticas econômicas adotadas no Brasil no período pós-crise 2008, seus efeitos na economia e na sua inserção no comércio internacional. O Brasil viu-se envolvido num cenário de estratégias neoliberais adotadas na década de 1990, com o retorno de uma política econômica do laissezfaire, carregando consigo a desregulamentação dos mercados financeiros, juntamente com a criação de um ambiente econômico pró-mercado, no qual reina a livre concorrência entre os bens e serviços e a circulação de capitais, para fomentar o crescimento econômico. Essas incorporações do neoliberalismo exigiu do país a adoção de políticas de estabilização contracionistas, principalmente no campo monetário, visando o controle da inflação e a garantia da estabilidade da moeda nacional. Por outro lado, em termos de abertura comercial externa, as reformas se voltaram para a liberação do mercado – com redução ou eliminação de barreiras não tarifárias, redução da tarifa média sobre importações, entre outras, bem como para a liberação dos fluxos financeiros (CARCANHOLO, 2010; MUNHOZ, 2011). Dessa forma, liberalização e abertura financeira criaram mecanismos para que residentes e não residentes do país pudessem adquirir livremente ativos e passivos expressos em moedas estrangeiras e nacional. Porém, esse 15

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fluxo de capitais favoreceu concentração e desnacionalização do mercado financeiro, além do afastamento dos bancos públicos, passando a maior parte das negociações para instituições financeiras privadas e universais, causando um descompasso considerável entre capital especulativo e capital produtivo. Eclode, nesse sentido, de acordo com Guimarães (2012), a chamada crise financeira na segunda metade da primeira década dos anos 2000, fruto da “financeirização” da economia produtiva e da especulação desenfreada nos mercados cambiais e de títulos, afetando de modo geral todos os agentes econômicos, incluindo grandes investidores, instituições financeiras, prestadoras de serviços, e, o mais grave, empresas do setor produtivo. Estas, envolvidas na estratégia de obter altos e fáceis lucros nos mercados financeiros, através do investimento em derivativos, apostavam nessas transações, desviando seu foco do setor produtivo para o especulativo. Todos estes fatos causam problemas financeiros ou até a própria falência para vários agentes econômicos envolvidos, desencadeando uma das maiores crises mundiais já vividas, favorecida pela desregulamentação e globalização expressiva do setor financeiro, promulgadas pelas políticas neoliberais. Nesse contexto, o novo período pelo qual passa a economia mundial e nacional, clama pelo retorno do Estado na construção de uma trajetória planejada para o desenvolvimento, já que a ideologia do Estado mínimo e da liberalização do mercado fracassou especificamente na crise de 2008/09. A política keynesiana precisa e está sendo resgatada, ou seja, mais do que nunca, deve haver uma complementariedade entre Estado e mercado na economia. Pois de acordo com as ideias de Keynes, a simples interação entre os agentes econômicos no mercado, não oferece condições suficientes para promover o pleno emprego e uma maior igualdade, tanto no campo econômico, quanto no político e social. Nesse sentido, voltando ao objetivo desse texto que é analisar as políticas econômicas no pós-crise implementadas pelo Brasil, pergunta-se: Seriam as modificações internas da economia suficientes para explicar a relativa facilidade com que o país atravessou o conturbado período de crise econômica internacional entre 2008 e 2009? Ou esse fato está apenas atrelado a rápida recuperação da economia chinesa, que proporcionou ao Brasil uma forma particular de inserção em seu fluxo comercial? As alterações feitas nas políticas públicas constituem-se num alicerce sólido para o futuro da economia? Isto posto, propõe-se nesse artigo a busca de respostas para estas perguntas, estruturando-o, inicialmente, com essa introdução, para em seguida fazer uma breve retrospectiva sobre a participação do Estado na economia brasileira ao longo do período do pós-guerra até os dias atuais. Na sequência, resgata-se a importância da política keynesiana, evidente no período póscrise, mostrando a necessidade da participação do Estado para a retomada 16

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do crescimento econômico. A metodologia está para explicar como chegar aos resultados propostos, e, mais especificamente, apresenta-se e faz-se uma análise sobre as políticas econômicas adotadas pelo Brasil no período póscrise, retrocedendo, inicialmente para mostrar como o país se encontrava no pré-crise, para, por fim, fazer as considerações finais.

PANORAMA DA PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA Historicamente, a intervenção do Estado na economia é uma temática controversa. Enquanto um grupo de estudiosos da área defende uma intervenção mínima, outros apregoam uma participação mais intensa. No entanto, independente de correntes ideológicas, a atuação do Estado tem se tornado cada vez mais um mecanismo indispensável, tanto para o mercado quanto para o sistema econômico dos países. Para Giambiagi e Além (2000) e Musgrave e Musgrave (1980) as funções clássicas de qualquer Estado são a alocação da totalidade de recursos disponíveis entre o setor público e o setor privado, realização de ajustes na distribuição de renda e riqueza na sociedade e promoção da estabilidade econômica. Em relação à forma de atuação, os autores mencionam que o Estado atua no sistema econômico como regulador, financiador e produtor. Assim compete ao Estado estabelecer políticas monetárias, fiscais, creditícias, cambiais, controlar preços, estabelecer normas de comportamento financiando o processo de crescimento através de instituições financeiras estatais e ofertar bens e serviços através das empresas estatais. Suzigan (1976) corrobora essa tese ao mencionar que o papel do estado na economia deve ser analisado sob dois aspectos: um como agente participante da atividade econômica atuando como empresário, agente financeiro ou mesmo como implementador de programas setoriais e outro como agente regulador. Enquanto empresário, supre insumos e serviços básicos à economia, gerando importantes economias externas que beneficiam principalmente o setor privado. Enquanto agente financeiro supre recursos ao setor privado nas faixas de crédito em que o sistema financeiro não tem condições de suprir adequadamente, especialmente recursos em longo prazo para capital de investimento. Finalmente, enquanto fonte de demanda de bens de capital, de produção interna, representa um importante elemento autônomo que pode ser manipulado pela política econômica, de forma a estimular o crescimento do setor, em sua maior sob controle do setor privado. (SUZIGAN, 1976, p.128-129).

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No Brasil, desde o início do século XIX são perceptíveis ações do Estado na esfera econômica, no entanto, autores como Simon (1985), Suzigan (1976) e Baer (2002) chamam a atenção em seus trabalhos pela falta de planejamento das ações do Estado. Segundo estes autores, as ações estatais não são fruto de um planejamento, mas sim de um conjunto de fatores circunstanciais que forçaram, ao longo dos anos, o governo a intervir no desenvolvimento do país. Esses fatores podem estar atrelados à reação a crises econômicas internacionais e consequente ambição de controle do capital estrangeiro, ou mesmo de processos de industrialização e desenvolvimento do país. Suzigan (1976) reforça a ideia de que a ação do estado na economia brasileira não ocorreu de forma planejada, ao afirmar que até o final da década de 20 a intervenção do Estado ocorreu de forma incidental e resumia-se a criação de empresas estatais que resultaram em encampação de ferrovias e rodovias no período de 1930 a 1945. Segundo o mesmo autor, a intervenção estatal pode ser considerada como intervencionismo consciente, em detrimento ao caráter ideológico assumido na época. Entre 1945 e 1964 é chamada de intervenção circunstancial com o propósito de resolver aspectos de estrangulamento econômico. A partir de 1964, caracterizase por um dirigismo econômico, onde o Estado passa a aumentar o poder regulamentador sobre a economia, criando inúmeras empresas estatais. Historicamente, o Estado sempre interviu na economia do país. Desde a Proclamação da República até início da década de 1930, a participação do estado na economia era mínima. Para Bresser-Pereira (1977), neste período, o papel do Estado era limitado ao agente do sistema capitalista agráriomercantil, não dispondo de influência efetiva na economia, que se mantinha subdesenvolvida. No entanto, pela condição em que o Brasil se encontrava na época, essencialmente exportador de produtos primários, a crise econômica mundial de 1929 abalou fortemente a economia brasileira. O país foi forçado a deslocar o centro dinâmico da economia, superando as características agroexportadoras e fomentando o processo de industrialização. Assim o mercado externo é substituído pelo mercado interno como fonte de dinamismo e crescimento (FURTADO, 2003). Posteriormente, com o Governo de Vargas, a intervenção do Estado é ampliada através da criação de autarquias para proteger e estimular setores como os de açúcar, mate, madeira, pesca e marinha mercante. Durante esse período, várias empresas estatais foram criadas a exemplo da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), e o estado passa a prover infraestrutura básica para garantir o fornecimento de insumos às indústrias, permitindo assim a transformação da base agroexportadora nacional para ao processo de desenvolvimento industrial. 18

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Notadamente, as maiores intervenções do estado na economia do país ocorreram após a segunda metade do século XX. Destarte que nesse período importantes discussões ideológicas sobre o papel do Estado foram travadas no cenário nacional, principalmente em função do contexto políticoeconômico-mundial, desencadeados pelo fim da II Guerra Mundial, guerra fria e bipolarização das doutrinas econômicas. Entre as intervenções, destaca-se a elaboração, durante o governo de Juscelino Kubitschek, do chamado Plano de Metas, que consistia em um planejamento visando investimentos estatais em infraestrutura, principalmente nos setores de transporte e energia, estímulo à produção de bens intermediários e incentivo aos setores de consumo de bens duráveis e bens de capital. Destaca-se ainda que o Plano de Metas priorizava a consolidação da estrutura industrial do país e a construção da infraestrutura necessária para cumprir este objetivo. No entanto contemplava apenas marginalmente o setor agropecuário. Estes investimentos seriam financiados pelo “tripé” formado pelo capital privado nacional, capital estrangeiro e capital estatal, sendo os dois últimos os mais relevantes (GREMAUD, VASCONCELOS e TONETO Jr., 2011). No período compreendido entre 1956 a 1962, o Estado assume papel fundamental na implantação de blocos industriais de bens duráveis no país, formados principalmente por empresas internacionais, alterando a estrutura produtiva de bens de consumo e por consequência desenvolvendo o capitalismo no país. Para Sicsu e Castelar (2009) o período foi marcado pelo estímulo ao estabelecimento de grandes empresas europeias na América Latina. Tal estímulo ocorria através do apoio governamental em investimento no setor produtivo estatal e em infraestrutura, consolidando o pensamento desenvolvimentista no Brasil. Porém, essa expansão do setor produtivo ocorreu paralelamente a crises econômicas e dificuldades no Balanço de Pagamentos. De acordo com Gremaud, Vasconcelos e Toneto Jr. (2011) visando aumentar a credibilidade externa, o Governo brasileiro criou o chamado Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social em 1962/63. O Plano, elaborado pelo ministro Celso Furtado, objetivava entre outras medidas garantir taxa de crescimento do PIB de 7% a.a., reduzir a taxa de inflação, garantir crescimento real dos salários a mesma taxa do aumento da produtividade, realizar a reforma agrária e renegociar a dívida externa. No entanto, as medidas implantadas pelo governo geraram aumento de inflação que, conjugada com o controle de crédito, resultaram num severo aperto de liquidez real da economia aliada à a desaceleração econômica no ano de 1963. Com o Golpe Militar de 1964, surge o Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), cujo objetivo principal era a recuperação 19

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das taxas de crescimento da economia acelerando o ritmo de desenvolvimento econômico, conter a inflação, atenuar as desigualdades sociais, assegurar oportunidades de emprego e corrigir os déficits no balanço de pagamentos através de ações como o incentivo às exportações e internacionalização da economia (SIMON, 1985; ABREU, 1990). A política econômica do PAEG não obteve o êxito esperado no combate à inflação e na retomada do crescimento. Em 1967, um novo plano de desenvolvimento é traçado, o Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED). Tal Plano, elaborado pelo então ministro da Fazenda, Delfim Netto, assumiu um caráter mais desenvolvimentista que o PAEG, prevendo a continuidade do combate gradual à inflação, entre outras estratégias. Salienta-se que no período entre 1967 e 1973 a intervenção do Estado nas políticas monetária, fiscal e creditícia foi incisiva, possibilitando a retomada do crescimento do país, período que ficou conhecido como “milagre econômico”, quando a taxa de crescimento alcançou em média 10% ao ano. (GREMAUD, VASCONCELOS E TONETO Jr. 2011). Nesse período, a intervenção estatal assume papel de dirigismo econômico, marcado pela descentralização e maior eficiência do Estado como empresário, gerando assim, a expansão empresarial no país. De acordo com Bresser-Pereira (1998), o Estado passou a atuar de forma incisiva no plano empresarial interferindo diretamente na atividade econômica com o intuito de impulsionar o crescimento. Barroso (2003) reforça a tese da incisiva participação do Estado na economia do país ao afirmar que o avanço e o agigantamento do Estado econômico brasileiro ocorreu a partir da década de 60, sobretudo após o movimento militar de 1964, e ao longo de toda a década de 70, quando foram criadas mais de 300 empresas estatais como Eletrobrás, Nuclebrás e Siderbrás, entre outras. Em 1981, por exemplo, existiam somente no plano federal 530 pessoas jurídicas públicas, de teor econômico. Durante o período do milagre econômico, a capacidade ociosa da economia é drasticamente reduzida, gerando pressões inflacionárias e problemas na balança comercial. Paralelo a isso, a continuidade do crescimento econômico dependia da capacidade de importação. No entanto, com o aumento do preço do barril de petróleo pelos países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a economia brasileira entrou em recessão comprometendo a capacidade de importação e consequentemente o crescimento interno (GREMAUD, VASCONCELOS E TONETO Jr. 2011). Na tentativa da retomada do crescimento e da superação da crise, é elaborado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que objetivava tornar o país menos dependente da situação externa, promovendo assim 20

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“substituição de importações e, se possível, abrir novas frentes de exportação” (SOUZA, 2008, p.127). Porém, os custos para implementar o II PND não foram baixos para o país. Autores como Gremaud, Vasconcelos e Toneto Jr (2011) mencionam que para realizar o II PND e manter o crescimento econômico, o Estado foi assumindo um passivo considerável, beneficiandose das baixas taxas de juros internacionais e consequentemente aumentando a dívida externa no período. Destacam também que os principais problemas para a execução do plano eram as questões de apoio político e financiamento do processo, uma vez que o Estado centrou o plano em si e transformou-se em “Estado-empresário”, tendo como agente central das transformações as empresas estatais. Com o segundo choque do petróleo no final dos anos de 1970, aliado às altas dos juros internacionais, aumento da dívida externa e consequente enfraquecimento do Estado, o país e a América Latina como um todo passam pela chamada crise da dívida, revendo assim o padrão de desenvolvimento adotado através do II PND e o papel desempenhado pelo estado. A crise dos anos 1980 de acordo com Bresser-Perreira, (1996, p.01) “foi antes de tudo uma crise do Estado, e não uma crise do mercado, como a da Grande Depressão dos Anos 30: uma crise fiscal, uma crise do modo de intervenção, da forma burocrática de administrar o Estado”. Para Camargo (2002) o estilo de desenvolvimento autárquico adotado pelo país até 1980, implantou um parque industrial relativamente moderno no país, porém, produziu grande ineficiência na estrutura de produção, consumo e intermediação financeira, de tal modo que a década de 80 foi considerada uma década perdida para a economia brasileira, devido aos inúmeros problemas políticos e econômicos que assolaram o país. No intuito de reverter esse quadro, Gremaud, Vasconcelos e Toneto Jr (2011) e Giambiagi e Moreira (1999) mencionam que a partir dos anos de 1980 o Estado passa a intervir na produção, assumindo o papel de Estado Regulador, atuando na regulação e fiscalização do sistema econômico. Para que essas mudanças fossem viabilizadas foi preciso a atuação do Estado na abertura comercial, integrando o país a diversos países do mundo e, consequentemente, propiciando maior dinamização da indústria nacional e impactos sobre a lógica de formação de preços na economia. No entanto, as bases para a redução do intervencionismo estatal começam a ser estruturadas na década seguinte, no Governo de Fernando Collor, com a flexibilização de legislações e posterior redução da intervenção estatal. Tal movimento ganha força em 1994 com as políticas desenvolvidas pela equipe do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Outra posição assumida pelo país para reverter o quadro econômico e redução da participação estatal foi a execução de privatizações. Estas foram 21

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consideradas uma das principais transformações econômicas da década de 80 e implantadas na década seguinte como uma das ações do chamado Plano Collor. De acordo com Souza, (2008) no governo Collor foram preparadas as bases para o processo de privatização do patrimônio público, intuindo o Programa Nacional de Desestatização. Assim sob a alegação de que as empresas estatais eram ineficientes, além de suas exorbitantes dívidas contratadas em períodos anteriores, o Estado passou a desfazer-se do patrimônio público a preços insignificantes e muitas vezes com financiamento público através do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No governo Fernando Henrique Cardoso, as privatizações transpassam a esfera das empresas públicas para os serviços públicos, principalmente nos setores de energia e telecomunicações. Outra medida adotada diz respeito à redefinição do papel regulador do Estado, alterando a lógica presente por décadas no país de um estado empresa, com função de executor. Assim, as atividades de responsabilidade do Estado passam a ser desenvolvidas de forma descentralizada com a contratação de entidades ou empresas privadas, além da existência de agências reguladoras como instrumentos de intervenção estatal no setor produtivo. Dentro dessa nova forma de atuação do Estado, a administração pública assume a função de promover e regular o desenvolvimento. Atuando como Estado Regulador, está regulamentado pela Constituição Federal de 1988, que no artigo 174, fixa as regras disciplinadoras da ordem econômica para ajustá-la aos ditames da justiça social, exercendo o papel de fiscalização. Dessa forma, os serviços públicos, com a quebra do monopólio estatal, passam a ser ofertados à iniciativa privada e o Estado, passa a participar da economia como produtor e muitas vezes como um parceiro do setor privado. (MAURANO, 2004). A partir do Plano Real de estabilização, lançado em 1994, até os dias atuais, o conjunto de reformas que foram implantadas propiciaram a estabilização da moeda e a reconciliação da maioria da população com o Estado de direito democrático. Paralelamente tais reformas propiciaram a superação de controvérsias geradas pelo estatismo da Constituição de 1988. Destarte que a estabilidade conquistada é um legado da história do país e não fruto apenas de ações governamentais. POLÍTICA KEYNESIANA EM EVIDÊNCIA Em contexto histórico, com a crise de 1929, crise de superprodução e de subconsumo, houve drástica redução da renda dos empresários que diminuíram seus investimentos gerando desemprego. Dessa forma, os 22

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princípios neoclássicos da “mão invisível” e do equilíbrio automático dos mercados perderam credibilidade, e surgiu Keynes defendendo a intervenção do Estado na economia para ajustar a oferta à demanda, rejeitando os preceitos de equilíbrio, com ajuste automático do emprego (VIEIRA e CAMPOS, 2007). Assim, o sistema de ideias keynesiano tornou-se uma das mais importantes escolas de pensamento econômico. Consiste em princípios que propõem a intervenção estatal na vida econômica, visando, principalmente, um modelo econômico de pleno emprego. É uma corrente econômica que defende a intervenção do Estado junto à economia de mercado na correção de distorções. (BRUE, 1998). As principais características e princípios da economia keynesiana consistem na ênfase macroeconômica, preocupando-se com os determinantes das quantias totais ou agregadas de consumo, poupança, renda, produção e emprego. O enfoque é a demanda, reforçando a importância da demanda efetiva como determinante da renda nacional da produção e do emprego. A instabilidade econômica é constante, pois a economia tende a oscilações uma vez que o nível de gastos planejados com os investimentos é irregular e há flexibilidade nos salários e preços, como os salários tendem a ser inflexivelmente decrescentes em função de fatores institucionais. As políticas fiscal e monetária devem ser ativas, pois defendem que o governo deveria intervir no sentido da promoção do pleno emprego, da estabilidade dos preços bem como do crescimento econômico (BRUE, 2005). Atualmente, os princípios da teoria keynesiana são amplamente difundidos entre economistas e estudiosos de todo o mundo inclusive entre aqueles de corrente teórica antagônica, a exemplo de Friedman (1980). Para o autor, Keynes pregava que o capitalismo era um sistema instável e, portanto, propenso a sofrer crises. Assim sendo, o governo precisava exercer papel ativo no intuito de intervir para contrabalançar a instabilidade gerada pela empresa privada não regulamentada, além de promover a estabilidade e garantir a segurança. Para Vasconcelos e Garcia (2010) o modelo criado por Keynes pressupõe a existência de desemprego e de ociosidade na capacidade empresarial, com produção abaixo do potencial. Pressupõem também que o nível geral de preços é constante e, com a economia em desemprego, os preços dos produtos não tendem a aumentar nem mesmo em situações de crescimento da demanda. Além disso, considera que a oferta agregada de curto prazo é constante e que as variações no nível de equilíbrio da renda e do produto são geradas pela demanda agregada. Assim, considerando que a oferta agregada é estabelecida no curto prazo, a política econômica deve privilegiar o aumento da demanda agregada através de mecanismos de fomento aos gastos em consumo, investimentos, gastos governamentais e aumento das exportações. 23

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Estudos de Hunt (1981) sobre a teoria keynesiana apontam para a preocupação com as grandes desigualdades de renda e de riqueza presente em todas as partes do mundo. Keynes acreditava que haveria forças atuando no sistema capitalista que, a longo prazo, tenderiam a diminuir os extremos de desigualdades. Para tanto, pregava a necessidade de elaboração de políticas de renda permanente, sua única expectativa em relação ao modelo capitalista. Autores como Pereira (2006) e Vieira Filho e Campos (2007) destacam outros aspectos relevantes nos princípios keynesianos, a citar a utilização de política fiscal compensatória, admitindo o aumento do déficit público em épocas de recessão. Assim, “quando ocorresse insuficiência de demanda, o governo deveria assumir um papel ativo de complementar os gastos privados, ou reduzindo impostos ou realizando investimentos” (PEREIRA, 2006, p.51). Sob esse prisma, no cenário nacional, pode-se mencionar as obras do PAC do atual governo e as políticas compensatórias de transferência de renda para as camadas mais pobres da população. Através dessas ações, o governo incentiva o consumo das populações de baixa renda e, por consequência, gera empregos. Dessa forma, pode-se inferir que o modelo de estado proposto por Keynes se aproxima do atual modelo de estado apregoado pelo governo brasileiro, uma vez que as reformas estatais do país nas últimas décadas apontam, assim como postulado por Keynes, para um modelo de estado regulador de investimentos e não um estado produtor da totalidade de bens e serviços. É um estado que prima pela compatibilização da demanda agregada com a oferta agregada, a fim de minimizar a inflação e o desemprego a atenuar os problemas mais graves que ocorrem no sistema capitalista, que são a inflação e o desemprego.

METODOLOGIA Como proposta metodológica aplicada ao presente estudo, quanto aos objetivos, aos procedimentos e à abordagem do problema, foram identificadas as principais características direcionadas a tal classificação. Para Minayo (2004, p. 16) a metodologia é o “caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade e inclui as concepções teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador”. Conforme a proposta estabelecida na contextualização do estudo, quanto aos objetivos, a pesquisa é classificada como exploratória e descritiva. De acordo com Gil (2009, p. 41) a pesquisa exploratória “têm como objetivo 24

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proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses” e “tem como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”. Para Severino (2007, p. 122) a pesquisa exploratória “busca apenas levantar informações sobre um determinado objeto, delimitando assim um campo de trabalho, mapeando as condições de manifestação desse objeto”. A caracterização exploratória se faz pontualmente nas análises que serão desenvolvidas a partir das políticas econômicas brasileiras no período pós-crise contextualizado pelos principais indicadores macroeconômicos anteriores a tal período. Para Gil (2009, p. 42) a pesquisa descritiva tem como objetivo central a “descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis”. Dessa forma, o presente estudo recebe tal classificação devido à descrição e análises a serem desenvolvidas tomando como base o Brasil e a crise financeira mundial do ano de 2008, com a contextualização econômica de abordagem. Já em relação aos procedimentos a pesquisa caracteriza-se como bibliográfica e documental, onde foram coletados, analisados e interpretados os principais materiais e referências acerca do tema abordado por meio de fontes secundárias de exploração. Para Gil (2009, p. 44) a pesquisa bibliográfica é desenvolvida “com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”, nesse caso, utilizados de modo específico. Ainda segundo o autor, a pesquisa documental “vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa” (GIL, 2009, p. 45). Foram utilizados dados secundários extraídos dos principais órgãos de pesquisa econômica no Brasil, como o Instituto de Pesquisa Economica e Aplicada (IPEA), o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), entre outros. Como encerramento à caracterização metodológica, o estudo classificase como qualitativo em relação à abordagem do problema, pois segundo Demo (2011, p. 104) essa tipologia indica o que há de “essencial ou central em algum fenômeno”, não apenas em quantidade. Minayo (2004, p. 21) destaca que a pesquisa qualitativa trabalha com “o universo de significados”, ou seja, “motivos, aspirações que correspondem a um espaço mais profundo das relações, dos processos”. Tal abordagem se faz presente das análises a serem desenvolvidas na sequência.

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APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS POLÍTICAS ECONÔMICAS NO BRASIL PÓS-CRISE Para a avaliação específica das políticas econômicas brasileiras, bem como a inserção comercial do país no mercado internacional, denota-se a necessidade da apresentação e discussão dos antecedentes econômicos précrise do país, ou seja, os principais indicadores da economia nacional apurados nos anos que antecederam à crise financeira mundial. Para uma avaliação mais específica, serão analisados os dez anos anteriores à crise de 2008. Na sequência, apresentam-se os efeitos das políticas econômicas adotadas pelo governo brasileiro após o ano de 2008, já tomando como base os reflexos da crise mundial. ANTECEDENTES MACROECONÔMICOS BRASILEIROS PRÉ-CRISE (2000 – 2008) Como contextualização às políticas econômicas brasileiras adotadas após a crise de 2008, faz-se necessária a análise de dados pontuais no período compreendido entre os anos que antecederam tal desestabilização econômica. Inicialmente é avaliada a Balança Comercial Brasileira referente ao ano de 2008, destacado como período inicial à crise financeira internacional, bem como os dez anos antecedentes a tal momento histórico (1999 – 2008). A Tabela 1 demonstra os valores mencionados. Tabela 1 – Balança Comercial Brasileira (1999-2008) – em bilhões de dólares Ano

1999

2000

2001

2002

2003

Exportações

48.013

55.119

58.287

60.439

73.203

Importações

49.302

55.851

55.602

47.243

48.326

Saldo

(1.289)

(732)

2.685

13.196

24.877

2004

2005

2006

2007

2008

Exportações

96.677

118.529

137.807

160.649

197.942

Importações

62.836

73.600

91.351

120.617

173.197

Saldo

33.841

44.929

46.456

40.032

24.745

Ano

Fonte: elaborado pelos autores com base em SECEX/MDIC (2012)

Observa-se a partir dos saldos acumulados da Balança Comercial o crescimento nas exportações brasileiras entre os anos de 1999 e 2008, motivado, entre outras variáveis, pela estabilidade econômica advinda da 26

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própria década de 1990 e pela estabilização monetária no país nesses anos. De acordo com o MDIC (2012), especificamente durante o ano de 2008 o comércio exterior brasileiro manteve-se em expansão, onde as exportações ao final daquele ano atingiram o valor recorde de 197,9 bilhões de dólares, crescendo 23,2% em relação ao ano de 2007. Os anos com maior destaque no saldo comercial foram 2005 e 2006, com os respectivos saldos positivos de 44.929 e 46.456 milhões de dólares. Porém, de acordo com os dados avaliados, nota-se que nos últimos meses de 2008 o saldo sofreu uma forte queda, principalmente nos dois últimos meses daquele ano, explicada pontualmente pela crise financeira internacional. A partir da avaliação da Balança Comercial Brasileira apresentada, observa-se também as variações relativas sobre os anos anteriores ocorridas na corrente de comércio, compreendida pelo resultado da soma das exportações com as importações e representado pelo total das transações comerciais brasileiras com o exterior. Tabela 2 – Variação das Exportações e Corrente de Comércio Brasileira (1999-2008) Ano

1999

2000

2001

2002

2003

Básicos

-8,85

6,23

22,17

10,49

24,93

Semimanufaturados

-1,70

6,48

-3,01

8,76

22,08

Manufaturados

-7,00

19,13

1,22

0,34

20,25

Operações Especiais

32,87

71,62

16,02

-16,75

-9,50

Variação da Corrente de Comércio

-10,64

14,03

2,63

-5,45

12,86

2004

2005

2006

2007

2008

Básicos

34,66

21,72

16,00

28,09

41,54

Semimanufaturados

22,73

18,83

22,30

11,66

24,19

Manufaturados

33,63

23,00

14,78

11,89

10,41

Operações Especiais

20,66

57,24

20,11

11,05

55,83

Variação da Corrente de Comércio

31,26

20,45

19,27

22,74

31,95

Ano

Fonte: elaborado pelos autores com base em SECEX/MDIC (2012)

De acordo com a Tabela 2 as principais variações da corrente de comércio no Brasil ocorreram no ano de 2004, com oscilações entre esse ano e o ano de 2007, com posterior elevação no ano de 2008. Conforme os próprios dados apresentados, tais variações ocorreram nas exportações pelos fatores agregados básicos, semimanufaturados e manufaturados. Observa-se de modo pontual a partir de 2004 a queda nas exportações brasileiras referentes aos produtos 27

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manufaturados, ou seja, os produtos normalmente de maior tecnologia e com alto valor agregado. Porém, de maneira representativa ao superávit da Balança Comercial, destaca-se a elevação em 41,54% entre os anos de 2007 e 2008 da exportação dos produtos básicos, compreendidos pelo MDIC (2012) como de baixo valor, normalmente intensivo em mão-de-obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações, tendo como principais os grãos, minério de ferro e a agricultura – commodities - como um todo. Em relação aos principais blocos econômicos consumidores dos produtos brasileiros no período pré-crise destacam-se de acordo com o MDIC (2012) para os produtos básicos a Ásia (32,45%), a União Européia (29,71%) e os Estados Unidos (8,57%), mantendo-se as mesmas proporções aos produtos semimanufaturados. Já os principais mercados consumidores dos produtos manufaturados brasileiros no período foram o Mercosul (21,58%), Aladi (17,69%), União Européia (19,03%) e Estados Unidos (17,61%). Além dos indicadores direcionados às exportações, importações e corrente de comércio no país, outros índices também são contemplados na avaliação econômica pré-crise de 2008. Foram selecionados alguns dos indicadores mais utilizados de acordo com o IPEA (2012), incluindo dentre os quais: Produto Interno Bruto (PIB), PIB per capita, dívida pública e taxa de investimento. Ambos indicadores imprescindíveis na discussão dos efeitos da crise na economia. Tabela 3 – Indicadores macroeconômicos brasileiros pré-crise de 2008 Ano

1999

2000

2001

2002

2003

PIB (%)

0,25

4,31

1,31

2,66

1,15

PIB per capita (Mil Reais)

9,59

9,86

9,84

9,96

9,94

Dívida Pública (% PIB)

44,5

45,5

48,4

50,5

52,4

Taxa de Investimento (% PIB)

15,66

16,80

17,03

16,39

15,28

Inflação – IGP-DI

19,98

9,81

10,40

26,41

7,67

2004

2005

2006

2007

2008

PIB (%)

5,71

3,16

3,96

6,09

5,17

PIB per capita (Mil Reais)

10,37

10,56

10,85

11,38

11,85

Dívida Pública (% PIB)

47,0

46,5

44,0

41,0

34,6

Taxa de Investimento (% PIB)

16,10

15,94

16,43

17,44

19,11

Inflação – IGP-DI

12,14

1,22

3,79

7,89

9,10

Ano

Fonte: elaborado pelos autores com base em IPEA (2012)

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Conforme a Tabela 3 apresentada, o PIB brasileiro, representado pelo IPEA (2012) como os bens e serviços produzidos no país descontadas as despesas com os insumos utilizados no processo de produção, obteve crescimento significativo entre os anos de 1999 e 2000, 2003 e 2004, bem como entre 2006 e 2007. No ano de 2008, já como efeito da crise refletida no último trimestre, observou-se a queda na medida do total do valor adicionado bruto gerado por todas as atividades econômicas brasileiras para 5,17. A sequência dos efeitos da crise no PIB e demais indicadores serão abordadas na próxima seção. Em relação ao PIB per capita, observou-se contínua elevação entre os anos de 1999 e 2008, com exceção à redução entre os anos de 2000 e 2001 (9,86 – 9,84) e entre os anos de 2002 e 2003 (9,96 – 9,94). O indicador toma como base o próprio PIB, a taxa de câmbio real (R$) pelo dólar americano (US$) comercial e a população residente no país. Outro indicador apresentado foi a dívida pública, a qual consolida o endividamento líquido do setor público não financeiro e do Banco Central do Brasil junto ao sistema financeiro (público e privado), setor privado não financeiro e resto do mundo. De acordo com o IPEA (2012) a dívida líquida do setor público atingiu 52,4% do PIB no ano de 2003 e sofreu redução considerável nos anos seguintes, atingindo o percentual de 34,6% no ano de 2008. Contribuíram para essa redução, sobretudo, o superávit primário registrado em cada ano e o crescimento do PIB corrente. Ressalta-se que nos percentuais apresentados também está compreendida a Dívida Bruta do Governo Geral (Governo Federal, INSS, governos estaduais e governos municipais). A taxa de investimento nominal referenciada na Tabela 3 é desenvolvida pelo IPEA a partir da relação entre a formação bruta do capital fixo (FBCF) e o PIB nominal. Verifica-se que a taxa de investimento no país atingiu seu valor máximo em 2008, com um percentual de 19,11% em relação ao FBCF e o PIB. Segundo o IBMEC (2012), o principal componente da taxa de investimento da economia brasileira, a FBCF, é um valor muito baixo, tanto no aspecto do investimento público quanto no privado. Como avaliação final de alguns dos indicadores econômicos nacionais no período pré-crise, observa-se a taxa de inflação do país entre os anos de 1999 e 2008. Os valores foram apresentados pelo IPEA com base nos números avaliados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) no período e compreenderam o Índice Geral de Preços (IGP-DI) captado a partir da evolução de preços destacado no Índice de Preço por Atacado (IPA), Índice de Preços ao Consumidor (IPC-FGV) e Índice Nacional de Preços da Construção Civil (INCC). Verifica-se que tal indicador possui considerável relevância para a avaliação econômica, tendo em vista os importantes setores que são considerados na sua construção. A inflação atingiu valor recorde no período no ano de 2002, com um índice de 26,41%, sofrendo queda 29

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representativa nos anos seguintes. Porém, a partir de 2005 voltou a sofrer elevação, atingindo o indicador de 9,10% em 2008. POLÍTICAS ECONÔMICAS ADOTADAS NO PÓS-CRISE O último trimestre de 2008 foi marcado por uma forte desaceleração econômica no país, reflexo da crise econômica e financeira desencadeada em 2007 nos EUA. Esse evento marcou o início de um novo desafio quanto ao debate sobre os rumos que a política econômica deveria tomar, para que o país pudesse manter um certo nível de atividades econômicas. A seguir apresenta-se na Tabela 4 o reflexo da turbulência internacional que atingiu o Brasil, principalmente no final de 2008, início de 2009. Tabela 4 - Composição do PIB (Produto Interno Bruto) trimestral no Brasil – variação (%) Trimestre/ trimestre imediatamente anterior com ajuste sazonal

2007

2008

2009

III

IV

I

II

III

IV

I

II

III

PIB a preços de mercado

1,06

2,54

1,83

0,97

1,10

-2,92

-0,88

1,08

1,26

Agropecuária

7,67

0,18

0,39

3,51

0,41

-3,07

-2,74

-0,59

-2,53

Indústria

0,56

1,04

3,19

1,20

1,61

-8,13

-4,42

2,56

2,88

Serviços

1,05

1,78

1,37

1,46

1,47

-2,34

1,22

1,65

1,58

Fonte: IPEA, (2010).

A Tabela mostra que a crise abalou os três setores básicos da economia (agropecuária, indústria e serviços), principalmente no quarto e primeiro trimestres de 2008/2009, respectivamente, apresentando ligeira recuperação a partir do segundo trimestre de 2009, apesar do setor agropecuário ainda apresentar percentuais negativos. Comportamento semelhante pode ser observado no PIB que declinou significativamente no mesmo período, ou seja, -2,92% e -0,88%, respectivamente. Observa-se que a crise originária do setor financeiro, estendeu-se para a esfera produtiva da economia com certa rapidez, impondo ao governo o desafio de oferecer respostas capazes de arrefecer os impactos recessivos que se apresentavam, via políticas econômicas. Nesse ínterim, o Brasil adotou, da mesma forma que diversas outras economias, a expansão da liquidez via Banco Central (BACEN) e o aumento nos gastos públicos (política fiscal expansiva). Estas medidas, de acordo com IPEA, 30

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2010, podem ser resumidas em quatro grupos: 1º) medidas para recuperação do nível de liquidez da economia; 2º) medidas para garantia da solidez do setor bancário; 3º) medidas para contenção da crise cambial; e 4º) medidas de estimulo fiscal. No primeiro grupo, destaca-se a flexibilização nas taxas de compulsório para depósitos à vista e a prazo, porém apresentaram comportamento inócuo, dada a preferência dos bancos em aplicações em títulos públicos, que oferecem maior rentabilidade e baixo risco. Diante disso, o governo resolve, por meio dos principais bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES), suprir o mercado de crédito com juros subsidiados. Já em relação ao segundo grupo que trata da solidez do setor bancário, o governo, via atividade monetária, autorizou o uso de até 40% do compulsório sobre os depósitos a prazo para as instituições financeiras mais sólidas incorporar aquelas que apresentavam risco ou problema de liquidez. Esta medida, por sua vez, estendia-se inclusive para os maiores bancos públicos, como Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Quanto ao terceiro grupo, que visa conter a crise cambial, a principal medida utilizada foi a intervenção do BACEN com operações de venda de dólares no mercado à vista e de leilões de venda com compromisso de recompra futura. Porém, mesmo com essas intermediações, a taxa de câmbio atingiu o patamar de aproximadamente R$ 2,50/US$ no final de 2008, ante os R$ 1,63/US$ na metade do terceiro trimestre do mesmo ano, representando, dessa forma, uma desvalorização de aproximadamente 55%. Por outro lado, o estoque de reservas internacionais foi pouco afetado, passando de US$ 207,5 bilhões para US$ 206,8 bilhões nesse mesmo período. E, por último, cabe destacar o quarto grupo que diz respeito a medidas de estímulo fiscal. Essa, ao contrário do período pré-crise, passou de recessiva para expansiva, incentivando principalmente o setor industrial, via desonerações fiscais. Ainda em 2008, beneficiaram-se os setores automotivo, eletrodomésticos da chamada linha branca e o setor de material de construção, com a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), estendido, na sequência, mais no final de 2009, para o setor moveleiro. Por outro lado, para não promover corte nos gastos públicos, frente à política fiscal expansiva adotada pelo governo nesse período, este teve que reduzir a meta de superávit primário de 4,3% para 2,5% do PIB em 2009, mantendo dessa forma, seus compromissos em gastos na conta corrente, bem como na manutenção de importantes programas de garantia de renda mínima, como o Bolsa Família e a garantia de aumento do salário mínimo (IPEA, 2010). Diante desse cenário de medidas anticíclicas adotadas pelo país em 2009 a economia brasileira apresenta sinais de rápida recuperação, dadas as condições de aquecimento da demanda interna, como também pela recuperação dos preços internacionais das commodities exportadas pelo 31

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Brasil, principalmente a soja e o minério de ferro demandadas em larga escala pela China. No entanto, o momento de otimismo faz com que já no início de 2010, o Banco Central volta a iniciar um novo ciclo de aumento da taxa de juros básica (Selic), para conter o surto inflacionário que se havia posto no acumulado dos últimos 12 meses, ultrapassando inclusive, a meta de inflação de 4,5% firmada para o período. Este ciclo de aumento dos juros vai até o início do segundo semestre de 2011, quando inicia-se novamente um período de queda e que se prolonga ao longo de 2012 (BACEN, 2012). Como apenas o aumento dos juros não surte o resultado almejado, principalmente no crescimento do crédito imobiliário que continua de forma ascendente e a sequência nesse aumento implica uma valorização ainda maior no câmbio (o que é prejudicial, principalmente para o setor industrial), no final de 2010 início de 2011, o governo adota medidas mais severas em relação ao controle do crédito ao consumidor, denominadas de medidas “macroprudenciais”. Entre essas medidas destacam-se: a) aumento do depósito compulsório sobre depósitos nos bancos; b) aumento exigido do capital mínimo dos bancos (entrada para liberar financiamentos), de prazos maiores como automóveis; c) aumento do IOF; e d) aumento do percentual mínimo de pagamento de saldos devedores de cartão de crédito. Somadas essas medidas, o resultado foi uma redução significativa na taxa de crescimento real do crédito às pessoas físicas, que cai de 12% em 2010, para 6% em 2011, aproximadamente (SERRANO E SUMMA, 2012). No entanto, percebendo que estas medidas não apresentavam efeito nenhum sobre o processo inflacionário, já que o grau de abertura apresentado pela economia brasileira poderia suprir com facilidade a falta de produção de bens duráveis, considerando uma situação de pleno-emprego dos fatores nesse setor internamente, tais medidas começam a ser revertidas já no final de 2011, quando o governo percebe que a economia está em desaceleração, iniciando a partir de então a queda na taxa de juros (Selic), estendendo ou forçando, inclusive, no início de 2012 os Bancos Públicos a reduzir seus spreads. Essa atitude, por meio da concorrência, estende-se logo em seguida para os Bancos Privados. Mais recentemente, o governo intervêm nas regras de remuneração das cadernetas de poupança, protegidas institucionalmente com uma taxa mínima de remuneração, a fim de eliminar esse obstáculo que impedia que a taxa de juros básica, pudesse ter reduções abaixo de 8% a.a.. Juntamente, promoveu outras medidas de desonerações fiscais para o setor industrial, via redução de impostos indiretos, no intuito de reduzir custos e consequentemente os preços finais, estimulando a compra, preferencialmente, de bens de consumo duráveis. 32

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Este incentivo para retomada do crescimento via políticas monetária e fiscal, se dá basicamente pelo fraco desempenho apresentado pela economia brasileira no ano de 2011, em relação ao ano de 2010, quando o PIB cresceu 2,5% e 7,5%, respectivamente. Lembrando que as projeções para 2012 não indicam recuperação frente a 2011 (PAULANI, 2011). Em suma, a recuperação e a considerável taxa de crescimento do PIB brasileiro (7,5%) em 2010, sinalizava para muitos o fim da crise. No entanto, essa prosperidade não se repetiu no ano seguinte (2011) e tampouco irá acontecer atualmente (2012). As medidas tomadas no país até então, para retomar o crescimento econômico, resumem-se na sua maioria, apenas como políticas de fomento a demanda. Em partes frearam os impactos mais destrutivos da crise, no seu primeiro momento, mas não são suficientes para resolvê-la a médio e longo prazo. É preciso, nesse sentido, para o País superar a crise e voltar a crescer nos índices pré-crise avançar e resolver seus problemas estruturais crônicos, por meio de investimentos em infraestrutura, pois conforme Paulani (2011), a relação FBKF/PIB não recuperou sequer o resultado que conseguiu na conturbada década de 1980, mesmo com a recuperação e o momento favorável a nível mundial pelo qual passou a economia brasileira em grande parte da primeira década do século XXI. Serrano e Summa (2012), da mesma forma, também apontam para a forte queda nos investimentos em capital fixo na economia brasileira. Quando se analisa o agregado (somando o investimento público e privado), ocorreu uma queda considerável em 2011, pois após ter crescido em média 9,2% entre 2004 – 2009, saltando para 21% em 2010, seu nível não atingiu sequer os 5% em 2011. Ressaltando a drástica queda exatamente no investimento total em máquinas e equipamentos que cresceu apenas 6% em 2011. A Tabela a seguir expressa o comportamento dos principais indicadores macroeconômicos no Brasil no período de 2004 a 2011. Tabela 5 - Indicadores macroeconômicos no Brasil 2004-2011 (%) Ano

PIB

2004

5,7

2005

Consumo das Famílias

Consumo do Governo

FBKF*** das adm. Públicas

Investimentos das empresas estatais federais

FBKF/ total

FBKF/ maq/ equip

-2,3

9,1

13,1

2,4

3,4

3,6

5,7

4,6

28,1

0,9

9,8

14,5

7,3

-5,0

18,5

13,9

22,0

TAPS*

RTT**

3,8

5,8

8,8

4,8

14,6

3,2

4,5

4,9

7,2

6,8

2006

4,0

5,2

2,6

3,8

2007

6,1

6,1

6,0

7,7

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Ano

PIB

2008

5,2

2009

Consumo das Famílias

Consumo do Governo

FBKF*** das adm. Públicas

Investimentos das empresas estatais federais

FBKF/ total

FBKF/ maq/ equip

34,7

13,6

18,3

3,6

29,7

-6,7

-12,5

7,2

28,0

12,9

21,3

30,4

7,4

0,4

-11,9

-8,6

4,7

6,0

5,3

5,8

14,8

14,0

9,2

13,1

TAPS*

RTT**

5,7

6,3

5,3

4,8

32,3

-0,3

4,4

5,5

-4,0

4,7

2010

7,5

6,9

2,3

8,3

2011

2,7

4,1

5,4

4,5

5,2

4,8

Taxa média de crescimento 2004/2010

Fonte: elaborado pelos autores com base em Serrano e Summa (2012). *Transferência de Assistência e Previdência Social **Receita Tributária Total ***Formação Bruta de Capital Fixo

Percebe-se em relação aos dados da Tabela 5, que ocorreu uma nítida queda em todos os indicadores apresentados no ano de 2011. Isso se deve ao fato que a economia mundial ainda está num estágio de estagnação, apenas apresentando melhoras pontuais e esporádicas, e a dinâmica da economia brasileira depende em partes dessas circunstâncias internacionais. O crescimento do mercado interno depende significativamente do comportamento externo. A economia brasileira possui ainda várias fragilidades internas. A sustentação da demanda agregada a partir de 2004, por exemplo, não se deu por meio de fatores de sustentabilidade a longo prazo, mas muito mais por medidas paliativas, corretivas, como crédito prolongado, especulação financeira, valorização imobiliária e dos preços das ações, causando, dessa forma, um falso e ou disfarçado “efeito riqueza”, levando, principalmente, ao endividamento das famílias e colocando em “xeque” o verdadeiro arranque sustentável da economia brasileira (MUNHOZ, 2012). Da mesma forma, externamente, a fragilidade se faz presente, por meio da taxa de câmbio valorizada, comprometendo a competitividade de nossas indústrias (apesar de servir como incentivo de contenção inflacionária), que apresentam um certo grau de estagnação a partir de 2008, reflexo também dos baixos índices de investimentos em Capital Fixo (conforme dados da Tabela 5), o que compromete a parte técnica e a busca por inovações. Isso volta a levar o país a retornar à condição de economia primária-exportadora, principalmente porque nossas exportações encontram-se basicamente centradas em commodities e, tendo a China como mercado salvador. 34

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Corroborando com essa fragilidade externa, encontram-se as nossas reservas internacionais acumuladas no último decênio, substancialmente, por meio de capitais voláteis/especulativos, com pouco ou nenhum compromisso de investimentos locais, com a finalidade única de auferir significativas taxas de juros, visando acumular haveres financeiros no Brasil, para posterior remessa dos lucros para o exterior (TROSTER, 2011). Nesse contexto, o destino aponta que o atual padrão de crescimento seguido pelo Brasil, calcado no tripé de políticas econômicas voltadas para o controle/ metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante, que já vem se arrastando desde princípios da década de 1990, não é suficiente para dar ao país um grau de solidez na economia a longo prazo. Programas como o PAC, financiamentos do BNDES, basicamente destinados para grandes empreendedores/grupos econômicos, bem como os investimentos setoriais estrangeiros, apenas sustentam a tese de voltarmos a ser uma economia primário-exportadora, especializada na produção de commodities agrícolas e minerais. As políticas monetária e fiscal adotadas para estimular o consumo e o próprio incentivo às indústrias, colocam-se como insuficientes na atualidade, para enfrentar as questões fundamentais da economia brasileira. Ou seja, os baixos investimentos em Formação Bruta de Capital Fixo, em especial em máquinas e equipamentos, conforme apontado, comprometem cada vez mais nosso parque industrial, somado ao pouco incentivo na criação endógena de progresso técnico e na conspiração contrária das próprias políticas macroeconômicas para o desenvolvimento tecnológico e de inovação em produtos com maior valor agregado (PINTO, 2012). Portanto, o próprio Estado corre muitas vezes na contramão do crescimento, pois trabalha remendando constantemente problemas já ocorridos (ação reativa), quando, na verdade, deveria trabalhar vislumbrando horizontes, cenários positivos (ação proativa) para a economia. O momento está para a criação de situações futuras favoráveis para as empresas. Estas estão muito mais preocupadas com vendas futuras do que com a queda da taxa de juros no presente, por exemplo. O Estado deveria ousar mais na política fiscal de aumento dos gastos e passar a “puxar” a economia para uma situação de competitividade mais favorável nos próximos anos, investindo fortemente em infraestrutura, pesquisa e educação, elementos chave para uma menor dependência externa e um mercado interno forte. 35

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho buscou mostrar a importância das políticas econômicas implementadas no Brasil para combater ou minimizar os efeitos causados na economia brasileira no período pós-crise financeira que originou-se nos EUA no ano de 2007 e estendeu-se para o mundo, atingindo mais especificamente o país no segundo semestre de 2008. Fica claro que o conjunto de políticas econômicas adotadas, mantiveram como foco principal o já antigo tripé de metas seguido desde a década de 1990 que é o regime de metas de inflação; câmbio flutuante e meta de superávit primário. Para manter o regime de metas de inflação, o Banco Central continua sua trajetória de manipulação da taxa Selic, reduzindo-a ou aumentando-a de acordo com o comportamento do mercado. A taxa de câmbio, da mesma forma, continua a flutuar, porém sofrendo influências da taxa de juros e intervenções do governo, por meio da chamada “flutuação suja”, via bandas cambiais, buscando manter um equilíbrio que julga ser importante para a economia. Já em relação a situação fiscal, houve um certo afrouxamento para incentivar o consumo das famílias, políticas sociais e a manutenção dos gastos com investimentos, porém sem abandonar a meta de superávit primário, embora esta tenha apresentado queda no pós-crise. Fica evidente que a presença do Estado na economia para resgatar, fomentar e retomar a trajetória de crescimento no pós-crise, foi de fundamental importância. A existência das empresas estatais e dos bancos públicos (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES), mostraram-se eficazes na manutenção dos investimentos e do crédito, sem falar da importância da redução da taxa de juros no sistema financeiro brasileiro, provocada e estimulada, pelos bancos públicos. Estes se mostraram importantes centros de poder da ação do Estado na economia, corroborando, dessa forma, com as ideias de Keynes quando levanta a questão da necessidade da complementaridade entre Estado e mercado na economia. Outrossim, é bom lembrar, conforme aqui abordado no referencial teórico, a presença marcante do Estado na economia brasileira para promover seu crescimento e desenvolvimento. Foi notória sua importância, principalmente, nos investimentos em infraestrutura, aliás, fica ainda mais notório quando remete-se aos números na década de 1990 (período de afastamento e desmantelamento do Estado), quando entregou-se a economia à livre concorrência e ao livre mercado, em relação aos investimentos feitos em Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF), gerando um significativo gargalo na economia brasileira em termos de competitividade e que perdura ao longo do tempo, cabendo, novamente, ao Estado sua retomada. É preciso ressaltar que para (re)colocar a economia brasileira nos trilhos não bastam apenas medidas paliativas para resolver problemas setoriais. A 36

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economia precisa ser pensada/planejada no todo, e para isso, é necessário voltar-se para os fatores estruturais (altos custos de energia, elevada carga tributária, precariedade logística, entre outros), não menos importante preparar-se para “combater” o temível “dragão” chamado China, que por um lado é um grande demandante das exportações, mas, por outro lado, um gigante devorador da renda interna gerada, pois os termos de troca são extremamente desfavoráveis no comércio mundial. Nesse sentido, deve-se evidenciar que numa situação de continuação do quadro de indefinição da economia mundial estabelecido na Europa, não bastam apenas políticas macroeconômicas voltadas para o consumo interno. É preciso voltar-se também para políticas microeconômicas, que deem suporte a condições para que o nosso parque produtivo possa reestruturarse e tornar-se competitivo. Ou seja, políticas industriais efetivas se fazem necessárias, pois o problema e o risco brasileiro da desindustrialização estão muito mais para a falta de investimentos no setor do que apenas na evidência da taxa de câmbio. Portanto, para uma perspectiva de longo prazo, a parceria Estadomercado é inquestionável, onde cabe ao primeiro a sequência e a manutenção do perfil distributivo criado na economia brasileira, bem como os investimentos necessários em setores, os quais não são interessantes para o setor privado, para alcançarmos um certo nível de sustentabilidade. E ao segundo cabe a obrigação de reverter esses investimentos em produção e geração de renda, buscando dessa forma, formar um ciclo virtuoso na formação de um mercado interno forte, voltado para inovação e competição, afastando a economia brasileira da armadilha de retorno à primário-exportadora e ao fluxo de capitais especulativos que adentram o país “disfarçados” de investimentos produtivos e que influenciam diretamente sobre a taxa de câmbio.

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POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA NO PÓS-CRISE Roselis Natalina Mazzuchetti Katia Fabiane Rodrigues Manoel João Ramos

INTRODUÇÃO A economia brasileira não ficou inerte diante das crises internacionais, vivenciadas nos últimos anos, a crise do México em 1995; a crise do Sudeste Asiático em 1997 e a crise russa em 1998. As três crises da década de 1990 afetaram o Brasil num cenário macroeconômico de câmbio fixo, com altos déficits públicos. Nesses casos o papel do Banco Central consistia em elevar a taxa de juros real para interromper uma maciça fuga de capitais, evitando assim uma crise cambial. A taxa de juros passou de 25,9% em 1995 para 38,6% em 1997, todavia tal política monetária não teve o resultado esperado, de modo que a mudança na atual política cambial era necessária. De outra forma era inevitável que o país não passasse por uma recessão considerando a elevadíssima taxa de juros. Nesse cenário o Brasil se contagia com as crises externas (PASTORE e PlNOTTI, 2008). Em 1999 o Brasil adota o regime de câmbio flutuante e adere a uma nova âncora para administrar a inflação mediante aplicação do modelo de metas de inflação. Para conter a dívida pública, adota-se a política fiscal, com forte gerenciamento do orçamento, com metas de geração de superávit primário. A partir de então o trinômio da política macroeconômica brasileira estava construído. Diante dessas medidas, a relação dívida/PIB entrou em queda e o aumento no nível de reservas e a desdolarização da dívida pública foram fundamentais para romper o elo entre os movimentos do câmbio real e a dívida pública. Esses elementos construíam um cenário de estabilidade econômica, desviando a preocupação com as turbulências externas (PASTORE e PlNOTTI, 2008). 41

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A construção desse cenário macroeconômico favorável foi crucial para o país no processo de recuperação da crise de 2008. No entanto, as condições dessa crise estavam além da interrupção do ingresso de capitais e sim na formação de um cenário mais complexo caracterizado pela crise bancária na economia americana e europeia, iniciando um processo de redução do estoque mundial de crédito, junto à recessão nas economias desenvolvidas e a diminuição do crescimento das economias emergentes (PASTORE e PlNOTTI, 2008). A origem desta crise está no mercado de subprime que atinge toda a economia americana. A inadimplência gerada no ramo imobiliário levou a uma restrição de crédito, e como um efeito em cadeia, atingiu o consumo, a produção e o emprego. Este cenário afetou a economia americana e outras economias mundiais que exportavam para os Estados Unidos ou que possuíam investimentos em papéis vinculados ao setor imobiliário. Para Bresser-Pereira (2009) a crise de 2008 caracteriza-se como: 1) uma crise bancária que surge no centro do capitalismo; 2) decorreu de um processo em cadeia de empréstimos imobiliários fornecidos a clientes insolventes; 3) é resultado da formação neoliberal dos sistemas financeiros nacionais e da forte influência da teoria neoclássica e sua doutrina do mercado auto ajustável, visíveis nas ideias dos economistas, Milton Friedman, James Buchanam, Mancur Olson, Robert Lucas, Kydland e Prescott. Diante desse cenário, a crise de 2008 atinge a economia brasileira com mecanismos distintos das últimas intempéries internacionais. Assim a vulnerabilidade brasileira com a crise de 2008, ocorre mediante o choque nos preços internacionais das commodities, refletindo fortemente nas exportações brasileiras (PASTORE e PlNOTTI, 2008). Considerando esse cenário, o presente artigo tem por objetivo observar os reflexos da crise de 2008 no comércio internacional a luz da política comercial brasileira, considerando suas principais estratégias, bem como as negociações junto a Organização Mundial do Comércio (OMC). O artigo esta dividido em três capítulos, o primeiro apresenta a crise de 2008 e o comércio internacional, o segundo a política comercial brasileira e o terceiro versa sobre as agendas de negociações dentro da OMC e Rodada Doha.

A CRISE DE 2008 E O COMÉRCIO INTERNACIONAL A crise financeira e econômica teve início em agosto de 2007, alcançando sua fase mais intensa em outubro de 2008 com a quebra do 42

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banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, levando a uma recessão mundial. A partir de então, a produção da indústria e o comércio internacional diminuem. Segundo Portugal (2012) Os dirigentes de todo o mundo assistiram em seus respectivos sistemas financeiros e suas economias a diversas medidas adotadas. Entre estas estavam o aumento das despesas governamentais apesar da queda das receitas fiscais, o relaxamento das políticas monetárias. Além disto, houve a adoção de políticas keynesianas a fim de aumentar a demanda agregada e garantir liquidez da economia. Todas visavam amenizar possíveis quedas no consumo, na produção, no emprego e na renda. Dessa forma, a crise contaminou o comércio mundial e provocou uma redução no volume. De acordo com Freund (2009) em situações normais, a dinâmica do comércio mundial tem crescimento maior que o PIB mundial, de modo que, com o advento da crise o comércio internacional teve variação negativa em proporções maiores do que o PIB per capita. Conforme Oliveira e Neto (2010) os motivos desse cenário é especificamente contábil, pois o PIB é uma medida de valor adicionado, à medida que o comércio, computa a dupla contagem. Diante desse contexto, destaca-se a discussão sobre o modo como os países foram atingidos pela crise. A principal característica da globalização esta no seu efeito de propagação pelo espaço, assim a instabilidade que começou em um determinado local se propaga, de modo que as economias estão à mercê das turbulências externas. Dessa forma os efeitos das crises são espraiados pelo mundo, esse fenômeno denomina-se efeito-contágio. O efeito-contágio da crise adentra as economias emergentes mediante diversos canais, os principais dispositivos de transmissão afetaram o mercado de câmbio e o balanço de pagamentos. Dentre esses mecanismos evidencia-se: i) a retração dos investimentos de portfólio em um contexto de crescente aversão ao risco e preferência pela liquidez; ii) a diminuição e, após a falência do Lehman Brothers, a virtual interrupção dos créditos externos, inclusive daqueles direcionados ao comércio exterior; iii) a queda dos fluxos de IDE diante da desaceleração nos países avançados; iv) a redução da demanda externa desses países e dos preços das commodities; v) o aumento das remessas de lucros pelas filiais das ETs e dos bancos estrangeiros; vi) a redução das transferências unilaterais dos imigrantes (PRATES et al., p. 71, 2011).

No entanto, as economias emergentes tiveram respostas distintas aos canais de transmissão da crise. Ressalta-se que os efeitos são são diversos em 43

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virtude de uma série de elementos conjunturais como o grau de abertura da economia, os produtos que constituem a base do comércio, o regime cambial e a política monetária, o nível de vulnerabilidade externa e a condição das contas públicas (PRATES et al. 2011). Vale destacar que o comportamento da economia brasileira foi distinto até o segundo semestre de 2008, ou seja, o país ficou inerte ao efeito-contágio até este período, em virtude de duas variáveis macroeconômicas: o câmbio e o nível de atividade. Os canais de transmissão foram transformados. Notam-se mudanças nos preços das commodities até agosto, posteriormente seguido por deflação, retração da demanda externa, desvalorização do câmbio e a intensiva desaceleração das economias a partir de setembro. Oliveira (2012) aponta a maior queda do comércio mundial em 2009 com uma redução das exportações mundiais de 13,7%. Desde a segunda guerra mundial não se registrava tamanha queda. No Japão o volume do comércio diminuiu 25,3%, nos Estados Unidos da América, o montante das exportações reduziu 14,9%, já na União Europeia a redução foi de 13,7%. O declínio nos países dos BRIC1 foi menor, o Brasil e a Índia apresentaram diminuição de suas exportações de 8% e a Rússia, apontou uma redução de 10,6%. No que se refere ao comportamento dos preços das commodities, apresentaram queda entre 2008 e 2009, com ascensão em 2011. Nesse ambiente destaca-se a pujança da demanda chinesa por energia e alimentos refletindo positivamente sobre a economia brasileira em um contexto adverso. No entanto o aumento dos preços das commodities tem pressionado a inflação brasileira, que apresentou valores acima de 6% nos últimos anos (OLIVEIRA, 2012a). O saldo das transações correntes passa a ser pressionado a partir da crise, pelo déficit na balança de serviços e renda. Segundo Oliveira (2012a) a partir da crise de 2008 o Brasil passa a ter déficit nas transações correntes, no valor de 4% do PIB. De outro modo, a, conta movimento de capitais tem aliviado a situação do Balanço de pagamentos, isto por que, o fluxo de capitais direcionado ao país tem crescido nos últimos anos (OLIVEIRA, 2012). Todavia a entrada de capitais apreciou a taxa de câmbio. A apreciação do câmbio no primeiro semestre de 2008 teve reflexos sobre as importações, acirrando a concorrência na indústria doméstica. De outra forma Prates et al (2011) corroboram afirmando que a redução do saldo comercial ocorre por dois motivos: primeiro, pela apreciação do real no primeiro semestre 1

Sigla da união do Brasil, Rússia, Índia e China.

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de 2008 e segundo, pela expansão da economia brasileira até meados de 2008. Estes elementos impulsionaram as importações e desestimularam as exportações. Segundo os autores, a ininterrupta valorização da moeda doméstica comprometeu as exportações ao mesmo tempo em que barateou as importações, motivando a substituição dos bens nacionais. Além disso, a expansão do crescimento econômico a partir de 2007, aliada a demanda interna e a elevada elasticidade-renda das importações brasileiras, proporcionou um escoamento dos gastos para o mercado externo. Destaca-se que o nível de crescimento foi afetado em 2009, mas a partir de 2010, a economia começa a se recuperar, apresentando taxas de crescimento superiores a média mundial e da América Latina. Esta rápida recuperação do mercado doméstico ocorre por que a crise não afetou de forma intensa o mercado de trabalho nacional, que continuou com forte demanda no mercado de trabalho. As exportações brasileiras tiveram comportamento semelhante, com queda em 2009, seguida de crescimento sustentado. Ressalta-se que o superávit da balança comercial no período pós-crise foi inferior ao período pré-crise em virtude do aumento das importações que foram impulsionadas pelo dinamismo da demanda interna (OLIVEIRA, 2012a). Considerando essa conjuntura, ressalta-se que logo após os reflexos mais fortes da crise, a economia brasileira começa apresentar sinais de recuperação. De acordo com Silva (2010) esta recuperação é resultado da construção de um cenário macroeconômico sólido, mediante os seguintes elementos: i) Saldo positivo das reservas internacionais do Brasil, proporcionando medidas como: pagamento dos serviços da dívida externa e a intervenção na taxa de câmbio; ii) inflação controlada; iii) a diversificação das exportações brasileiras; iv) o resultado da política fiscal via mudança na tabela de imposto de renda e diminuição do IPI, buscando dinamizar a demanda agregada; v) significativa parcelas das exportações brasileiras tem por destino a China; vi) baixo grau de abertura da economia brasileira.



Esses elementos foram fundamentais para a construção de um cenário econômico sólido, que provocasse uma metamorfose nos canais de transmissão da crise, causando impactos significativos, mas de breve recuperação.

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As diversas bibliografias que dissertam sobre a política externa brasileira, caracterizam-na, como uma política de Estado e não somente uma política de governo, ou seja, uma política que tem continuidade. Diante dessa colocação, ressalta-se que conforme Mariano e Mariano (2008) apontam, compreendem-se as relações internacionais brasileiras mediante uma série de elementos sinalizados: em sua localização geográfica, seus fatores estruturais e seu padrão de comportamento externo. A ideia de potência média, além de contribuir para a construção de um arcabouço analítico que ajuda na compreensão da atuação internacional do Brasil, também diz respeito à forma como a imagem do país é construída e reconstruída no chamado imaginário nacional (MARIANO e MARIANO, 2008, p. 103).

Considerando este enfoque destaca-se que as potências médias privilegiam as coalizações multilaterais para amenizar o poder das grandes potências, que de certa forma revela a resposta do país em aceitar a criação de organizações internacionais. Todavia, no âmbito regional buscam elevar sua capacidade de influenciar países menores, criando assim, áreas de influência regional com o propósito de reduzir as possíveis interferências diretas e indiretas de outras potências (SENNES, 2001; MARQUES, 2005). A partir da abertura da economia brasileira na década de 1990, a política externa brasileira passa por significativas transformações. Segundo Oliveira (2012b) a estruturação da política externa, passa a considerar a inserção de novas ações internacionais, que refletem na busca por novos mercados e os retornos competitivos de importações em distintos setores. No que se refere às estratégias brasileiras, apontam-se: negociações multilaterais e acordos regionais. Outro elemento de destaque das estratégias políticas do Brasil no comércio internacional foi a criação do Mercado Comum do Cone Sul (Mercosul) em 1991, caracterizando um passo importante para o Brasil no processo de integração com as economias vizinhas. Já em 1994, a estratégia de negociação do Brasil começa a se expandir com as negociações em torno da formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). No ano seguinte, foram iniciadas as negociações entre o Mercosul e a União Europeia (EU), por interesses mútuos. Estes acordos ocorriam em paralelo às iniciativas de uma nova rodada de negociações multilaterais na Organização Mundial do Comércio (OMC). Posterior à inserção da rodada Doha em 2001 houve a formulação de 46

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um triângulo de negociações que envolviam os acordos: ALCA e Mercosul, Mercosul e UE e a Rodada Doha. Este triângulo por um lado demonstra o dinamismo das negociações internacionais do Brasil, mas por outro resulta na dificuldade de fechamento desses acordos (OLIVEIRA, 2012b). Nesse ínterim, o Brasil começa a dar sinais de novas mudanças em sua estratégia, via aproximação com alguns países em desenvolvimento do sul do mundo. Assim a partir de 2003 o Brasil assina sete acordos comerciais com países fora da América do Sul (OLIVEIRA, 2012b). Desta forma a estratégia básica esta nas negociações multilaterais, aliadas ao regionalismo. A crise internacional de 2008 surgiu em um cenário de forte expansão do comércio internacional, com elementos favoráveis às negociações multilaterais. Este ambiente propício deveuse por um lado pela inserção das economias emergentes na arena do comércio internacional e por outro pelo aumento da demanda global. Nestas condições a globalização e a interdependência eram entendidas como positivas para os países desenvolvidos. Entrementes a emergência da crise, reformulou este cenário operando na contramão à globalização econômica, de modo a impactar negativamente as negociações internacionais (OLIVEIRA e NETO, 2010).

AGENDA DE NEGOCIAÇÕES – OMC e Rodada Doha Com o lançamento da Rodada Doha da OMC em novembro de 2001, o Brasil conquista posição de destaque entre os principais atores das negociações. Esta conquista surge em decorrência do ambiente político favorável à integração dos grandes países emergentes nos processos decisórios e mecanismos de legitimação da rodada, nos marcos de um contexto global permeado de incertezas quanto ao futuro da OMC após o fracasso da Conferência de Seattle em 1999 e a conformação de resistências crescentes ao aprofundamento da liberalização comercial (VEIGA; RIOS, 2009). A projeção específica do Brasil nas negociações foi resultado direto da liderança que a diplomacia brasileira exerceu na constituição do G20, a coalizão de países em desenvolvimento formada no tema da agricultura por ocasião da preparação da V Reunião Ministerial da OMC, em 2003 (MELLO, 2011). Sob a liderança do Brasil e da Índia, o G20 reuniu países em desenvolvimento que tradicionalmente adotavam posições diferentes e até mesmo opostas nas negociações agrícolas da OMC: África do Sul, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Filipinas, Guatemala, Índia, México, Paquistão, Paraguai, Peru, Tailândia e Venezuela. Sua 47

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criação se organizou a partir da reação à proposta formulada em 2003 pelos Estados Unidos e a União Europeia para as negociações agrícolas. Mesmo não tendo logrado avanços significativos na reunião de 2003, o G20 passou a ser reconhecido como resultado de um esforço legítimo dos países em desenvolvimento para promover seus interesses nas negociações da OMC, como foco de contraposição ao protecionismo agrícola dos países desenvolvidos, e como novo ator protagônico nas negociações agrícolas de Doha, cujos interesses deveriam ser levados em consideração na condução das negociações nesse tema. A atuação do Brasil no G-20 e suas posições pragmáticas nas etapas finais da Rodada aumentaram a legitimidade de suas posições nas negociações dando ao país capital político para participar dos grupos seletos de membros que se transformariam em mecanismos informais de negociação e de tomada de decisões: o G-5 (Estados Unidos, União Europeia, Brasil, Índia e Austrália) depois o G-4 (G-5 sem a Austrália) ao longo da Rodada (VEIGA; RIOS, 2009). Neste contexto, cresce a expectativa e a demanda dos demais parceiros para que o Brasil participe ativamente dos debates sobre a governança do sistema multilateral de comércio e sobre a eventual reforma institucional da OMC. No entanto, o Brasil tende a adotar posturas cautelosas na maioria dos temas, evitando apoiar movimentos que alterem de forma relevante o status quo do sistema (VEIGA; RIOS, 2009). De acordo com Veiga; Rios (2009) e Cozendey (2011), o sistema de solução de controvérsias foi eleito pela política externa brasileira como um pilar relevante para sua atuação na área comercial, coerente com a tradição brasileira de privilegiar a solução pacífica de controvérsias e o multilateralismo. Este mecanismo tem sido de grande importância para a defesa dos interesses comerciais brasileiros, que de outra forma estariam sujeitos a negociações desiguais com os países desenvolvidos. Mediante interesses comerciais afetados por medidas adotadas por outros membros da OMC, que desrespeitam as regras multilaterais de comércio, o Brasil não tem hesitado em recorrer ao sistema de solução de controvérsias, haja vista que o sistema fornece um canal seguro para as disputas comerciais e ajuda a evitar que desacordos ultrapassem as questões específicas e desta forma possam contaminar outros aspectos do relacionamento bilateral. Cozendey (2011) afirma que nos casos em que o Brasil tem acionado o sistema como demandante, em praticamente todos os casos, a ação foi guiada pela existência de um problema comercial concreto e queixas específicas trazidas ao governo por algum setor, evidenciando desta forma que o Brasil não utiliza o sistema como arma política, como forma de pressão bilateral com outros fins ou como retaliação a controvérsia aberta pela outra parte. 48

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Da mesma forma, a legislação brasileira tem sido coerente com as regras multilaterais e o acordo da OMC tem força de lei no ordenamento jurídico interno, o que reduz as vulnerabilidades no sistema e desta forma refletindo o baixo número de controvérsias contra o Brasil que resultaram em necessidade de modificar de alguma maneira a legislação (COZENDEY, 2011). Por se tratar de uma peça chave do sistema multilateral de comércio, o Brasil tem mantido constante confiança no mecanismo de solução de controvérsias e tem procurado valorizá-lo, evidenciando que embora utilize o mecanismo de forma intensa, o faz de forma bastante responsável. Por outro lado, a atuação brasileira em defesa de seus interesses comerciais não tem sofrido contenções baseadas numa eventual preocupação do país em ser demandado no sistema da OMC. Não há preocupação de que sua atuação expressiva no marco do sistema pudesse resultar na atração de processos contra o país com o objetivo de baixar-lhe o perfil. Entretanto, a capacidade participativa e de obter êxito no sistema não é evidente para os países em desenvolvimento, considerando os custos da participação, que envolve razoável mobilização de recursos humanos especializados e, em geral, contratação de auxílio externo à administração governamental como forma de complementar e refinar a análise factual, econômica e jurídica. Neste contexto, o perfil ativo do Brasil no sistema trouxe, além dos ganhos comerciais concretos, elementos de prestígio que se traduzem em maior poder de barganha e em ganhos políticos de grande importância. Diferente de outros países em desenvolvimento, o Brasil tornou-se respeitado por sua capacidade de acionar com sucesso o sistema de controvérsias e, dessa forma, participar da conformação jurisprudencial do sistema multilateral de comércio. O Brasil passa assim a ser reconhecido como capaz de articular seus interesses e traduzi-los em formulações jurídicas, com impacto inegável sobre sua influência na negociação de novas regras. Neste sentido, a capacidade brasileira de contestar medidas e práticas das grandes potências, ressalta sua independência e reforça a imagem do país como ator internacional de importante relevância. AGENDA DE DESENVOLVIMENTO DOHA: DE 2001 AO PÓS-CRISE A Agenda de desenvolvimento de Doha iniciou em novembro de 2001 com a promessa de que fossem corrigidos os desequilíbrios ocorridos na Rodada Uruguai que não cumpriu com a intensidade projetada o acordo de abertura dos mercados dos países desenvolvidos, como o Brasil, para suas exportações agrícolas e bens manufaturados intensivos em mão de obra, em troca da criação da OMC proposta pelos países desenvolvidos. (PRESSER, 2005) 49

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A agenda teve como princípios, enfatizar que o desenvolvimento é o objetivo principal e que as negociações comerciais, denominadas de Rodada Doha permeiam os problemas que os países em desenvolvimento enfrentam na implementação de acordos. As negociações propriamente ditas, são descritas como “pacote único”, não podendo escolher entre as diferentes disciplinas como as criadas por meio de acordos para subsídios, anti-dumping, General Agreement on Trade in Services (GATS), Trade Related Intellectual Property Rights (TRIPS) e Trade Related Investment Measures (TRIMS). (PRESSER, 2005; OMC, 2012). Em novembro de 2001, os principais documentos acordados pelos governos dos países membros da OMC foram a declaração ministerial de Doha, a declaração ministerial sobre o acordo TRIPS e saúde pública, a decisão ministerial sobre a isenção para o acordo de parceria ACP-EU, entre outros. A declaração ministerial de Doha lista 21 temas sendo que a maioria deles envolvem negociações e separadamente, em outro trabalho, incluem a análise das ações, implementação e acompanhamento das negociações. (OMC, 2012b). As negociações evoluíram em estágios, buscando a cada etapa estreitar as diferenças por meio de acordos provisórios que foi alcançado até o momento com a tarefa de encontrar um ponto comum e, finalmente, o consenso. O primeiro acordo importante depois na Rodada Doha e depois da Conferência Ministerial de Doha ocorreu em Genebra no ano de 2003 que versou sobre o tratamento especial em serviços para países menos desenvolvidos. Já em 2004, em Genebra, um novo pacote, com um número expressivo de anexos, sendo que dois deles apresentam uma estrutura para as negociações em agricultura e acesso ao mercado de produtos não-agrícolas. O próximo acordo ocorreu em Hong Kong no ano de 2005 que apresentou documento para estreitamento das diferenças nas negociações. Em 2008, na Genebra, ocorreu o último encontro ministerial, quando houve a interrupção do processo negociador, sem previsão formal para prosseguimento. Uma das principais questões versadas na rodada de Doha e de suma importância para a economia brasileira foi a agricultura. Esta questão era um compromisso assumido pelos membros da Rodada Uruguai (1986-1994) para a reforma do comércio. Segundo Amorim (2011, p. 28) Talvez nenhuma outra área de comércio esteja sujeita a tanta discriminação quanto a agricultura. Distorções no comércio agrícola não apenas causam malefícios aos países em desenvolvimento ao negar-lhes oportunidades de acesso a mercados. Subsídios domésticos e de exportação em países desenvolvidos deprimem preços e a renda no mundo todo, reduzem os ganhos de exportadores competitivos e aumentam a insegurança alimentar em países em desenvolvimento.

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Em linhas gerais as negociações relativas à agricultura tiveram como objetivo reduzir as distorções ocorridas no comércio em razão de adoção de barreiras, subsídios à exportação e “alguns tipos de apoio interno”, levando em conta as sensibilidades sociais e políticas do setor e as necessidades dos países em desenvolvimento. As modalidades negociadas para a reforma do comércio agrícola centraram-se principalmente em três áreas: o acesso a mercados, apoio doméstico e subsídios a exportações. (OMC, 2012c) O acesso a mercados tratou da proposição de quotas tarifárias reduzidas, com compromissos mínimos em quatro linhas tarifárias: tarifas superiores a 75% teriam corte entre 66% e 73%; tarifas abaixo de 75% e acima de 50% teriam corte de 64%; tarifas abaixo de 50% e, superior a 20% teriam corte de 57%; e tarifas abaixo de 20% teriam corte de 50%. O corte médio mínimo entre todas as linhas deveria ser de 54%. Os produtos sensíveis poderiam ter os cortes de um terço, um meio e dois terços menores que outros produtos, contudo, o corte normal terá terão as quantidades reduzidas (quotas obrigatórias). Segundo Carvalho (2010, p. 428), “[...] o setor destacou que deveria ser dado um tratamento rigoroso à categoria de produtos sensíveis, pois seria nessa categoria que os países desenvolvidos e em desenvolvimento incluiriam os produtos de interesse do Brasil.” Produtos especiais também podem ter quotas menores, e alguns produtos podem ser isentos. No que concerne à situação dos países, aponta-se que, os países menos desenvolvidos fariam corte em apenas alguns produtos, os países em desenvolvimento fariam cortes menores, mas teriam maior flexibilidade do que os desenvolvidos, as economias pequenas e vulneráveis fariam cortes ainda menores, com flexibilidade ainda maior, além de que os países que aderiram recentemente à OMC também gozariam de condições especiais. Quanto ao apoio doméstico, inicialmente buscou-se reduzir o total de medidas de apoio agregadas (MAA), contendo 3 bandas, limitadas a 25 bilhões de dólares para a primeira, com nível de corte entre 70% e 83%; de 12 a 25 bilhões de dólares com nível de corte entre 60% e 70%, para a segunda e menos de 12 bilhões de dólares com nível de corte entre 37% e 60%, para a terceira e a redução do nível de cortes para de minimis variam entre 50% e 80%. Ficou acordado apenas a redução substancial, mas não a eliminação de apoio aos preços ou por quantidade produzida pelo país. Países que oferecem altos apoio, ou seja, os países pertencentes à caixa azul2 devem reduzi-los, limitando a 2,5% do valor para os países desenvolvidos e 6,7% para os países em desenvolvimento. Contudo, no âmbito da “caixa verde”, permite-se apoio discreto às atividades 2

“Na terminologia da OMC, os subsídios em geral são identificados por "caixas" que são dadas pelas cores do semáforo: verde (permitido), âmbar (abrandar - ou seja, ser reduzida), vermelho (proibido).” O Acordo sobre a Agricultura não conta com a caixa vermelha, utilizando a caixa âmbar como “proibido”, e em razão dos subsídios serem vinculados a programas de produção utiliza-se a caixa azul. ((OMC, 2012d))

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relacionadas ao desenvolvimento, infraestrutura, pesquisa, extensão rural, não condicionado ao estímulo da produção. (OMC, 2012c). Quanto aos subsídios, deveriam ser reduzidos em 50% até o ano de 2010 e eliminados até o ano de 2013, incluindo-se, além dos subsídios diretos, os subsídios camuflados em créditos, ou subsídios creditícios, de ajuda alimentar e para as empresas públicas de comércio exterior, sendo que os subsídios diretos e creditícios afetam mais diretamente o Brasil. Esta data foi acordada atendendo os anseios da União Europeia para atender uma reforma interna que trataria sobre o fim de seu programa de subsídios à exportação, diferentemente dos anseios do G-20 e pelo agronegócio. (OMC, 2012d; CARVALHO, 2010) Em 2008 ocorreu um impasse nas negociações quanto ao SSM (special safeguard mechanism), embora já se havia acordado que os países em desenvolvimento poderiam aumentar temporariamente as tarifas para salvaguardar “surtos de importação”, deparou com o problema de que o país poderá aumentar as taxas em todos os produtos, que poderão ser acima das tarifas já consolidadas e compromissadas na Rodada Uruguai (1986-1994). (OMC, 2012e). Os produtos não agrícolas representam quase 90% das exportações mundiais, representados pelos bens industriais e manufaturados, têxteis, calçados, jóias, bens de extração primárias mineral e vegetal e produtos químicos. A negociação tem como objetivo reduzir ou eliminar altas tarifas, picos ou escaladas tarifárias e mesmo barreiras não tarifárias, especialmente sobre os produtos em que os países desenvolvidos possuem necessidade de exportação. Em 2008 foram apresentados textos, ainda não acordados, sobre tarifas a serem reduzidas e o estabelecimento de limites máximos, sendo que algumas tarifas devem ser eliminadas ou fixadas. Aplicar-se-ão fórmulas para os exportadores com base num coeficiente, de acordo com disposições específicas. Haveria flexibilidade para os países em desenvolvimento, como o Brasil, permitindo menores cortes com percentagens limitadas a seus setores mais sensíveis, assim como, economias pequenas e vulneráveis, países menos desenvolvidos e membros recentes devem ter um tratamento especial e individual. (OMC, 2012f). A área de serviços que engloba as telecomunicações, seguros, construção, distribuição e transporte entre outros, a preocupação recai na obrigação dos governos em abrir mercado para países mais pobres por meio de adoção de normas regulatórias claras e flexíveis. No entanto, terão o direito de decidir e restringir os setores que pretenderem dar abertura à empresas estrangeiras. Em 2008 ainda foram tratados assuntos como a negociação das regras sobre anti-dumping, subsídios e medidas compensatórias, incluindo subsídios à pesca e acordos comerciais regionais. 52

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Outra negociação em discurso são a negociação sobre maior abertura do mercado de bens e serviços ambientais; sobre a relação entre as regras da OMC e obrigações comerciais estabelecidos em Acordos Ambientais Multilaterais (AAM) e ainda sobre o intercâmbio de informações entre essas instituições. Um assunto com relativas controvérsias na OMC são os aspectos relacionados ao comércio dos direitos de propriedade intelectual - TRIPS3, em razão de que um grupos de países solicita que algumas questões sejam ligadas às modalidades de agricultura e dos produtos não agrícola, enquanto que outro grupo se opõe afirmando que as negociações devem ser ligadas a criação de um registro multilateral. A criação de um registro multilateral de proteção contra concorrência desleal dos vinhos e outras bebidas com indicação geográfica, ou seja, originária de um território de um país, de uma região ou lugar desse território, que possui “determinada qualidade, reputação ou outra característica sejam essencialmente imputáveis à sua origem geográfica”, como a champagne, tequila entre outros. Outra proposta é a de proteger a nomenclatura de outros tipos de produtos provenientes de um local de origem, como a de vinhos. A última questão é a exigência da divulgação da origem do material genético, do conhecimento que originou as invenções aos requerentes de patentes. (OMC, 2012h) Os acordos da OMC contêm dispositivos de tratamento especial e diferenciado que dão a países em desenvolvimento direitos especiais e permitem que outros membros tratá-los de modo mais favorável. As disposições especiais incluem a adoção de maiores prazos para a execução dos acordos e compromissos, assim como medidas, capazes de aumentar as oportunidades comerciais para tais países e adoção de dispositivos que obrigam todos os membros da OMC para salvaguardar os interesses comerciais destes países, entre outros. Busca-se também melhorar a cooperação entre as autoridades aduaneiras e de iniciar negociações sobre “acelerar ainda mais o movimento de liberação e desembaraço de mercadorias, incluindo mercadorias em trânsito” Mais especificamente, os membros pretendem dar transparência e melhoria aos regulamentos que se referem ao trânsito, taxas e documentação relacionados com comércio.  Esta negociação prevê o barateamento dos custos, por meio da redução de burocracia e a corrupção dos procedimentos alfandegários. (BBC, 2004; OMC, 2012g). Durante todas as negociações ocorreram divergências entre os países, o que normalmente se espera em uma rodada de negociação. As principais divergências que envolvem o Brasil e a agricultura estão apresentadas no Quadro 1, a seguir: 3

Em inglês: Trade-related aspects of intellectual property rights.

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Quadro I – As principais divergências entre EUA, EU, G-20 e G-33 em agricultura Agricultura

2006

2007

Redução média das tarifas Redução média das tarifas da EU: da EU: EUA: 60% G-20:54 EU: 39% PEs e SSM para PEDs.

Acesso a Mercado

Níveis tarifários em SSM abaixo das tarifas consolidadas na Rodada Uruguai.

Doméstico

G-20:54 EU: 54%

Redução média das tarifas da EU: EUA, G-20 e EU: 54% excetuando-se 4% das linhas tarifárias

PEs e SSM para PEDs.

G-33: pelo menos 20% G-33: 20% dos produtos PEs e SSM para PEDs. dos produtos agrícolas agrícolas como PE; destes, como PE; destes, 50% sem 50% sem cortes tarifários; G-33: até 20% dos cortes tarifários; produtos agrícolas como PEs elegíveis para SSM; PEs; Corte tarifário de PEs elegíveis para SSM; níveis tarifários em PSs para PD não menor níveis tarifários em SSM além das tarifas do que para PE; SSM SSM além das tarifas consolidadas na Rodada acionado com 10% de consolidadas na Rodada Uruguai. surto importador e com Uruguai. tarifa extra entre 30 e PEDs exportadores: 45%. PEDs exportadores: PEs não elegíveis para SSM.

Apoio

EUA: 60%

2008

PEs não elegíveis para SSM; Níveis tarifários em SSM abaixo das tarifas consolidadas na Rodada Uruguai.

EUA: SSM acionado com 40% de surto importador e tarifa extra de 15%..

Redução do teto dos subsídios distorcivos dos EUA:

Redução do teto dos subsídios distorcivos dos EUA:

Redução do teto dos subsídios distorcidos dos EUA:

EU e G-20: 12,9 milhões anuais.

EU e G-20: 12,9 milhões anuais.

EU e G-20: 12,9 milhões anuais.

EUA: 22 bilhões anuais

EUA: 16,4 bilhões anuais

EUA: 14,5 bilhões anuais

Fonte: CARTA DE GENEBRA (2007; 2008); CHADE (2008) apud CARVALHO (2010)

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Diante deste quadro, destaca-se que as divergências para a redução média das tarifas agrícolas da União Européia terminaram em 2008, com o acordo de redução de 54%, porém 4% dos produtos foram excluídos deste corte e a redução do teto dos subsídios dos EUA de 22 para 14,5 bilhões de dólares. No entanto, em 2007, os EUA aprovaram uma lei agrícola que elevou para 1,2 milhão de dólares o teto de renda anual para apoio doméstico divergindo da redução proposta anteriormente, o que causou descontentamento e acusação dos demais países com a falta de honra dos EUA com os seus compromissos. Assim, desde julho de 2008 a rodada Doha foi paralisada em razão do desacordo centrado na capacidade dos países em responder os surtos de importações agrícolas e industriais. [...]a reunião da Mini ministerial, em julho de 2008, foi marcada pelas pressões intensas dos EUA e da UE para a abertura dos mercados agrícolas e industriais dos países em desenvolvimento, sobretudo os mais dinâmicos, como a China, a Índia e o Brasil, em troca de suas concessões em agricultura. Os EUA e a UE demandaram a abertura de setores específicos, como eletrônico, químico, automotivo e têxtil, bem como requereram uma provisão anticoncentração para impedir que setores industriais inteiros deixassem de ser liberalizados pelos países em desenvolvimento. (CARVALHO, 2010, p. 432)

Buscando terminar com o impasse, em novembro de 2010, os líderes do G-20 se comprometeram em sua cúpula em Seul, que as negociações deveriam ser concluídas até o final de 2011. Para que isso acontecesse seria necessário um consenso entre o G-5 (União Europeia, Brasil, República Popular da China (RPC), Índia e os Estados Unidos). Em abril de 2011, as diferenças entre os países eram grandes e não foi possível a tentativa de avanço nas negociações. Como consequência, a meta de concluir a Rodada Doha até o final de 2011 não foi cumprida. Neste período, membros da OMC revisaram um conjunto de textos com a finalidade de que os acordos pudessem ser cumpridos no prazo estabelecido, no entanto, os países desenvolvidos, principalmente os EUA, não estão abertos a entrar em um acordo estando a OMC empenhados para que a Rodada Doha não termine.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve como objetivo observar os reflexos da crise de 2008 no comércio internacional e a política comercial brasileira, considerando suas principais estratégias, bem como as negociações junto a Organização Mundial do Comércio (OMC). Mediante este enfoque ressalta-se que a crise de 2008, provocou uma queda de 13,7% no comércio mundial, nesse ambiente a economia brasileira é atingida, através de dois canais que se destacam: o mercado de câmbio e os preços das commodities, tais canais alteraram as relações de troca do país. Todavia as respostas a estes elementos foram rápidas e eficientes, em virtude do cenário macroeconômico e das estratégias nas negociações internacionais, consistentes e construídas, no período que antecede a crise, além disso, apontam-se outros elementos relevantes nesse processo de recuperação como o nível de abertura da economia, a pauta de exportação e as condições do orçamento público. Considerando esta conjuntura observa-se que entre 2004 e 2011 o Brasil subiu oito degraus na escala da econômica mundial, deixando de ser apenas outro país latino americano para se tornar uma potência econômica mundial, como a sexta economia do mundo. Esta conquista foi marcada por uma agenda política que contempla uma visão de desenvolvimento, paz, democracia, direitos humanos e integração regional. Até 2005, a integração regional, marcada pelas negociações do MERCOSUL junto a ALCA, EUA e EU que, sem conseguir fechar acordos comerciais de interesse mútuo, o Brasil juntou-se ao grupo BRICs em um nível político, formando uma aliança global, cuja direção de política externa mudou sua identidade. Ao invés de canalizar seu poder participando nas instâncias dos poderes tradicionais como o G-8 ou nas negociações multilaterais da Rodada Doha, usou o seu posicionamento como um país BRICs, grupo geralmente opositor das potências tradicionais. A transição de um mundo unipolar para bipolar ou multipolar favorece ao Brasil uma abertura comercial para outros centros de poder, como a Índia e China, podendo aumentar sua influência e presença comercial no mundo, o que resulta em poder exigir um tratamento com base mais igualitária no comércio mundial. Observou-se que a política externa do Brasil é claramente comprometida com o multilateralismo baseado em regras e normas globais, fato presenciado como negociador-chave na Rodada Doha da OMC, que busca um assento permanente no Conselho de Segurança e que leva interesses do Sul. Por todas estas razões, o Brasil parece ser o mais comprometido com o multilateralismo de todos os BRICs.

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POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA NO PÓS-CRISE: UMA DISCUSSÃO SOBRE A INÉRCIA DA RODADA DOHA Roselis Natalina Mazzuchetti Katia Fabiane Rodrigues Manoel João Ramos

INTRODUÇÃO Os últimos anos revelaram transformações expressivas na estrutura do comércio internacional. Em 1947 houve a formação do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, nesse período o fluxo de mercadorias exportadas era de 7% da produção mundial. Quando a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio – OMC foi iniciada em 2001, as trocas internacionais já ultrapassavam um quarto da produção mundial. No período entre o surgimento do GATT e o lançamento da Rodada Doha o comércio estava 22 vezes maior e já comportava o setor de serviços, além dos setores primários com as commodities e os produtos manufaturados. Nos dez anos de negociação da Rodada Doha (2001-2011), o comércio internacional passou por mais transformações tornando-se mais expressivo, impulsionado também pela ascensão dos países emergentes, como fortes atores no contexto do mercado internacional, com destaque para China. (CESAR e SATO, 2012). O aumento da demanda dos países asiáticos, aliada a política externa nacional motivou as exportações brasileiras. Segundo Cesar e Sato (2012) as exportações brasileiras triplicaram no período de 2003 a 2010, saindo dos US$ 73,2 bilhões em 2003 e chegando aos US$ 201,9 bilhões em 2010. De modo geral as exportações aumentaram nesse período 23,4%, com uma breve exceção no ano 2009, em virtude da crise financeira internacional. 133

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Além da breve queda nas exportações brasileiras a crise de 2008, proporcionou outros impactos, observados na redução da importância dos Estados Unidos e da União Europeia – EU, na pauta de produtos das exportações brasileiras, que timidamente já estava acontecendo. Destaca-se também, a elevação das exportações para China e o restante da Ásia revelando mudanças significativas nas negociações entre o Brasil e seus antigos e atuais protagonistas (MARCONI, 2013). No âmbito da Rodada Doha a crise de 2008 não alterou muito o cenário de inércia das negociações. Em julho de 2008 uma nova conferência foi realizada em Genebra e durante os nove dias de discussões a Rodada não avançou e os interesses dos diversos países continuaram estagnados. Diante desse cenário o presente trabalho busca por intermédio de uma pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório, apontar os reflexos da crise de 2008 no comércio internacional a luz da política externa brasileira. Diante disso, apontam-se as negociações junto a Organização Mundial do Comércio (OMC), no âmbito da Rodada Doha. Para esse fim o presente trabalho esta dividido em quatro capítulos, o primeiro apresenta a crise de 2008 e o comércio internacional, o segundo a política comercial brasileira e o terceiro versa sobre as agendas de negociações dentro da OMC e Rodada Doha. As considerações finais na quarta seção sintetizam esta pesquisa.

A CRISE DE 2008 E O COMÉRCIO INTERNACIONAL BRASILEIRO A crise financeira e econômica teve início em agosto de 2007, alcançando sua fase mais intensa em outubro de 2008 com a quebra do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, levando a uma recessão mundial. A partir desse momento a produção da indústria e o comércio internacional diminuiram. Os dirigentes de todo o mundo assistiram em seus respectivos sistemas financeiros, algumas medidas tomadas que consistiam no aumento das despesas governamentais, mesmo com a queda das receitas fiscais e relaxamento de suas políticas monetárias, as políticas keynesianas de expansão da demanda agregada serviriam para garantir a liquidez da economia, tentando amenizar as possíveis quedas no consumo, na produção, no emprego e na renda (PORTUGAL, 2012). Oliveira (2012a) aponta que a maior queda do comércio mundial ocorreu em 2009, desde a segunda guerra mundial não se registrava tamanha queda, as exportações mundiais apresentaram redução de 13,7%. No Japão o volume do comércio diminuiu 25,3%, nos Estados Unidos da América, o montante das exportações reduziu 14,9%, já na União Europeia a redução foi de 13,7%. 134

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O declínio nos países dos BRIC7 foi menor, o Brasil e a Índia apresentaram diminuição de suas exportações de 8%, a Rússia, apontou uma redução de 10,6%. Como não seria diferente a instabilidade que começou em um determinado local propagou-se. O efeito-contágio da crise adentrou as economias emergentes mediante diversos canais, os principais dispositivos de transmissão afetaram o mercado de câmbio e o balanço de pagamentos. Dentre esses mecanismos evidencia-se: i) a retração dos investimentos de portfólio em um contexto de crescente aversão ao risco e preferência pela liquidez; ii) a diminuição e, após a falência do Lehman Brothers, a virtual interrupção dos créditos externos, inclusive daqueles direcionados ao comércio exterior; iii) a queda dos fluxos de IDE diante da desaceleração nos países avançados; iv) a redução da demanda externa desses países e dos preços das commodities; v) o aumento das remessas de lucros pelas filiais das ETs e dos bancos estrangeiros; vi) a redução das transferências unilaterais dos imigrantes (PRATES et al., p. 71, 2011).

No entanto, as economias emergentes tiveram respostas distintas aos canais de transmissão da crise, ressalta-se que os efeitos são diversos em virtude de uma série de elementos conjunturais como o grau de abertura da economia; a pauta de produtos que constituem a base do comércio; o regime cambial e a política monetária, o nível de vulnerabilidade externa e a condição das contas públicas (PRATES et al. 2011). Ressalta-se que o comportamento da economia brasileira foi distinto até o segundo semestre de 2008, ou seja, o país ficou inerte ao efeito-contágio até este período, em virtude de duas variáveis macroeconômicas: o câmbio e o nível de atividade. Os canais de transmissão, foram transformados, notaramse mudanças, nos preços das commodities até agosto, mais tarde seguida de deflação; retração da demanda externa; a desvalorização do câmbio e a intensiva desaceleração das economias a partir de setembro. No que se refere ao comportamento dos preços das commodities brasileiras, apresentaram queda entre 2008 e 2009, com ascensão em 2011. Nesse ambiente destaca-se a pujança da demanda Chinesa por energia e alimentos refletindo positivamente sobre a economia brasileira em um contexto adverso. No entanto, o aumento dos preços das commodities tem pressionado a inflação brasileira, que apresentou valores acima de 6% nos últimos anos (OLIVEIRA, 2012a). O saldo das transações correntes passa a ser pressionado a partir da crise, pelo déficit na balança de serviços e renda. Segundo Oliveira (2012a) 7

Sigla da união do Brasil, Rússia, Índia e China.

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a partir da crise de 2008 o Brasil passa a ter déficit nas transações correntes, no valor de 4% do PIB. De outro modo, a conta movimento de capitais tem aliviado a situação do balanço de pagamentos, isto porque, o fluxo de capitais direcionado ao país tem aumentado nos últimos anos (OLIVEIRA, 2012a). Todavia a entrada de capitais apreciou a taxa de câmbio e como consequência diminuiu o saldo do comércio. A preciação do câmbio no primeiro semestre de 2008 teve reflexos sobre as importações, acirrando a concorrência na indústria doméstica. De outra forma Prates et al (2011) corroboram afirmando que a redução do saldo comercial, ocorreu por dois motivos: primeiro apreciação do real no primeiro semestre de 2008 e segundo, a expansão da economia brasileira até meados de 2008. Esses elementos impulsionaram as importações e desestimularam as exportações. Segundo os autores a ininterrupta valorização da moeda doméstica comprometeu as exportações ao mesmo tempo em que barateou as importações, motivando a substituição dos bens nacionais. Além disso, a expansão do crescimento econômico a partir de 2007, aliada a demanda interna e a elevada elasticidaderenda das importações brasileiras, proporcionou um escoamento dos gastos para o mercado externo. Para além da discussão sobre o comércio internacional, destaca-se que o nível de crescimento da economia brasileira, também foi afetado, principalmente em 2009, pois em 2010 a economia começou a se recuperar, apresentando taxas de crescimento superiores a média mundial e da América Latina. Esta rápida recuperação do mercado doméstico ocorreu porque a crise não afetou de forma intensa o mercado de trabalho nacional, que continuou a contratar. (OLIVEIRA, 2012a). Considerando esse cenário ressalta-se que logo após os reflexos mais fortes da crise a economia brasileira começou apresentar sinais de recuperação, segundo Silva (2010) esta recuperação foi resultado da construção de um cenário macroeconômico sólido, mediante os seguintes elementos: i) Saldo positivo das reservas internacionais do Brasil, que proporcionou medidas como: pagamento dos serviços da dívida externa e a intervenção na taxa de câmbio; ii) inflação controlada; iii) a diversificação das exportações brasileiras; iv) o resultado da política fiscal via mudança na tabela de imposto de renda e diminuição do IPI, buscando dinamizar a demanda agregada; v) significativa parcela das exportações brasileiras tem por destino a China; vi) baixo o grau de abertura da economia brasileira. Esses elementos foram fundamentais à construção de um cenário econômico sólido, que provocou uma metamorfose nos canais de transmissão da crise, gerando impactos significativos, mas de breve recuperação.

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A Inserção Internacional do Agronegócio Brasileiro no Pós Crise: A Atuação da OMC, Barreiras e Políticas Comerciais

POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA Conforme Mariano e Mariano (2008) apontam, compreendem-se as relações internacionais brasileiras mediante uma série de elementos sinalizados: em sua localização geográfica, seus fatores estruturais e seu padrão de comportamento externo. A ideia de potência média, além de contribuir para a construção de um arcabouço analítico que ajuda na compreensão da atuação internacional do Brasil, também diz respeito à forma como a imagem do país é construída e reconstruída no chamado imaginário nacional (MARIANO e MARIANO, 2008, p. 103).

Considerando esse enfoque destaca-se, que as potências médias privilegiam as coalizações multilaterais para amenizar o poder das grandes potências que de certa forma revelam a resposta do país em aceitar a criação de organizações internacionais. Já no âmbito regional a estratégia visa elevar a capacidade de influenciar países menores, criando assim, áreas de influência regional com o propósito de reduzir as possíveis interferências diretas e indiretas de outras potências (SENNES, 2001; MARQUES, 2005). A partir da abertura da economia brasileira na década de 1990, a política externa brasileira passou por significativas transformações. Segundo Oliveira (2012b) a estruturação da política externa, passou a considerar a inserção de novas ações internacionais, que refletem na busca por novos mercados e os retornos competitivos de importações em distintos setores. No que se refere às estratégias brasileiras, aponta-se: negociações multilaterais e acordos regionais. Outro elemento de destaque das estratégias políticas do Brasil no comércio internacional foi a, criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) em 1991, caracterizando um passo importante para o Brasil no processo de integração com as economias vizinhas. Já em 1994, a estratégia de negociação do Brasil começou a se expandir com as negociações em torno da formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). No ano seguinte, foram iniciadas as negociações entre o Mercosul e a União Europeia (EU), por interesses mútuos. Estes acordos ocorriam em paralelo às iniciativas de uma nova rodada de negociações multilaterais na Organização Mundial do Comércio (OMC). Posterior à inserção da rodada Doha em 2001 houve a formulação de um triângulo de negociações que envolviam os acordos: ALCA e Mercosul, Mercosul e UE e a Rodada Doha. Este triângulo por uma lado demonstrou o dinamismo das negociações internacionais do Brasil, mas por outro lado resultou na dificuldade de fechamento desses acordos (OLIVEIRA, 2012b). 137

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Ainda segundo o autor, em virtude da estagnação das negociações com (Estados Unidos e EU) e visando fechar novos acordos comerciais, a partir de 2003 o Brasil aproximou-se de alguns países em desenvolvimento. Nesse cenário o quadro 1 apresenta, os acordos assinados entre o Brasil e os países fora da América do Sul. Quadro 1 - Acordos preferenciais de comércio entre o Brasil e países fora da América do Sul Acordo:

Assinado em

Em vigor desde:

Mercosul-Palestina

Dezembro de 2011

-

Mercosul-Egito

Agosto de 2010

-

Mercosul-SACU*

Dezembro de 2008

-

Mercosul-Israsel

Dezembro de 2007

Abril de 2010

Mercosul-Cuba

Julho de 2006

Julho de 2007

Mercosul-Índia

Março de 2005

Junho de 2009

Brasil-México 2

Agosto de 2002

Setembro de 2000

Mercosul-México (auto)

Setembro de 2002

Novembro de 2002

*Southern African Customs Union - SACU Fonte: Oliveira (2012b)

Dentre os acordos apontados no quadro 1, Oliveira (2012b) destaca alguns: 1) Acordo com a Índia, que possui 452 linhas tarifárias; 2) outro realizado com Israel, que comporta nove mil códigos tarifários; 3) Os acordos efetivados com o Egito em 2010 e com a Southern African Customs Union (SACU); 4) Acordo de complementação econômica fechado entre o Brasil e o México, que apresenta 800 códigos aduaneiros e outro assinado entre o Mercosul e o México que regulamenta o comércio do setor automobilístico. O Mercosul também assinou um acordo com a Palestina em dezembro de 2011 que até 2012 não estava em vigor. (OLIVEIRA, 2012b). Nesse ínterim, o Brasil começou a dar sinais de mudanças em sua estratégia, via aproximação com alguns países em desenvolvimento do sul do mundo. Assim a partir de 2003 o Brasil assinou sete acordos comerciais com países fora da América do Sul (OLIVEIRA, 2012b). Para Cesar e Sato (2012), esta aproximação com o hemisfério Sul em parte foi resultado da política externa estipulada pelo governo Lula que passou a promover as exportações enfatizando o processo de diversificação dos parceiros comerciais brasileiros. A política aplicada tinha como meta, mudar a geografia comercial do mundo, sob o aporte da tradicional clivagem Norte-Sul. Com base no período do governo Lula os autores apontam também que os esforços políticos direcionados a promoção do comércio com o 138

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hemisfério Sul, não apresentaram um processo de diversificação, conforme o esperado. No período de 2003 a 2010, os produtos nacionais perderam seus mercados costumeiros como os Estados Unidos e a União Europeia, todavia o fluxo das exportações brasileiras direcionou-se para o mercado chinês. Este fato é mais compreensível em virtude do aumento da demanda chinesa por matérias-primas do que resultado das ações diplomáticas do governo brasileiro. A tabela 1 demonstra esse cenário. Tabela – 1 Destino das exportações brasileiras (em %) – (2003 e 2010) Blocos/países

2003

2010

África

3,91

4,59

Ásia

11,71

21,85

Aladi (1)

17,68

20,41

CCG (2)

1,98

3,15

China

6,20

15,25

Estados Unidos

22,80

9,56

Oriente Médio

4,30

5,73

SACU (3)

1,02

0,66

Fonte: Cesar e Sato (2012)

Nota: (1) Associação Latino-Americana de Integração; (2) Conselho de Cooperação do Golfo; (3) Southern African Customs Union [União Aduaneira da África Austral].

Considerando os dados da tabela 1 percebe-se que houve um aumento das exportações brasileiras para África, Associação Latino-Americana de Integração - Aladi, Conselho de Cooperação do Golfo - CCG e Oriente Médio, com destaque para o continente asiático no qual o destino das exportações brasileiras, passou dos 11,71% em 2003 para 21,85% em 2010 e a China que passou dos 6,20% em 2003 para 15,25% em 2010. Na contramão estão: o Southern African Customs Union – SACU. No caso dos Estados Unidos a redução foi expressiva, pois em 2003 o percentual era de 22,80% das exportações brasileiras tinham como destino os Estados Unidos, já em 2010 o percentual reduziu para 9,56%. Assim aponta-se que a estratégia básica da política comercial brasileira está nas negociações multilaterais, aliadas ao regionalismo. A crise internacional de 2008 surgiu em um cenário de forte expansão do comércio internacional, com elementos favoráveis às negociações multilaterais. Este ambiente favorável deveu-se por um lado pela inserção das economias emergentes na arena do comércio internacional e por outro pelo aumento da demanda global. Nessas condições a globalização e a interdependência eram entendidas como positivas para os países desenvolvidos. Entrementes 139

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a emergência da crise, reformulou este cenário operando na contramão à globalização econômica, de modo a impactar negativamente as negociações internacionais (OLIVEIRA e NETO, 2010).

AGENDA DE NEGOCIAÇÕES – OMC e RODADA DOHA Com o lançamento da Rodada Doha da OMC em novembro de 2001, o Brasil conquistou uma posição de destaque entre os principais atores das negociações. Esta conquista surgiu em decorrência do ambiente político favorável à integração dos grandes países emergentes nos processos decisórios e mecanismos de legitimação da rodada, nos marcos de um contexto global permeado de incertezas quanto ao futuro da OMC após o fracasso da Conferência de Seattle em 1999 e a conformação de resistências crescentes ao aprofundamento da liberalização comercial (VEIGA; RIOS, 2009). A projeção do Brasil nas negociações agrícolas da OMC, de acordo com Mello (2011), resultou da liderança exercida pela diplomacia brasileira na constituição do G20, que reuniu países em desenvolvimento que tradicionalmente adotavam posições diferentes e até mesmo opostas nessas negociações. Mesmo não tendo logrado avanços significativos, na Reunião Ministerial da OMC de 2003, o grupo passou a ser reconhecido como resultado de um esforço legítimo dos países em desenvolvimento para a promoção de seus interesses focados na contraposição ao protecionismo agrícola exercidos pelos países desenvolvidos, e desta forma, o grupo conquista influência como novo ator protagonista nas negociações agrícolas de Doha, cujos interesses deveriam ser levados em consideração na condução das negociações nesse tema. A atuação do Brasil no G-20 e suas posições pragmáticas nas etapas finais da Rodada aumentaram a legitimidade de posições brasileiras nas negociações dando ao país capital político para participar dos grupos seletos de membros que se transformariam em mecanismos informais de negociação e de tomada de decisões: o G-5 (Estados Unidos, União Europeia, Brasil, Índia e Austrália) depois o G-4 (G-5 sem a Austrália) ao longo da Rodada (VEIGA; RIOS, 2009). Neste contexto, cresce a expectativa e a demanda dos demais parceiros para que o Brasil participe ativamente dos debates sobre a governança do sistema multilateral de comércio e sobre a eventual reforma institucional da OMC. No entanto, o Brasil tende a adotar posturas cautelosas na maioria dos temas, evitando apoiar movimentos que alterem de forma relevante o status quo do sistema (VEIGA; RIOS, 2009). 140

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Todavia, o Brasil como um dos maiores exportadores de produtos agrícolas e agroindustriais, adotou uma postura ofensiva nas negociações sobre a liberalização do comércio agrícola realizadas na OMC, bem como em outros processos de negociação. De acordo com Veiga; Rios (2009) e Cozendey (2011), o sistema de solução de controvérsias foi eleito pela política externa brasileira como um pilar relevante para sua atuação na área comercial, coerente com a tradição brasileira de privilegiar a solução pacífica de controvérsias e o multilateralismo. Este mecanismo tem sido de grande importância para a defesa dos interesses comerciais brasileiros, que de outra forma estariam sujeitos a negociações desiguais com os países desenvolvidos. Mediante interesses comerciais afetados por medidas adotadas por outros membros da OMC, que desrespeitam as regras multilaterais de comércio, o Brasil não tem hesitado em recorrer ao sistema de solução de controvérsias, haja vista que o sistema fornece um canal seguro para as disputas comerciais e ajuda a evitar que desacordos ultrapassem as questões específicas e dessa forma possam contaminar outros aspectos do relacionamento bilateral. Cozendey (2011) afirma que nos casos em que o Brasil tem acionado o sistema como demandante, em praticamente todos os casos, a ação foi guiada pela existência de um problema comercial concreto e queixas específicas trazidas ao governo por algum setor, evidenciando dessa forma que o Brasil não utiliza o sistema como arma política, como forma de pressão bilateral com outros fins ou como retaliação a controvérsia aberta pela outra parte. Da mesma forma que a legislação brasileira tem sido coerente com as regras multilaterais o acordo da OMC tem força de lei no ordenamento jurídico interno. Tais elementos reduzem as vulnerabilidades no sistema, refletindo no baixo número de controvérsias contra o Brasil que resultaram em necessidade de modificar de alguma maneira a legislação (COZENDEY, 2011). Por outro lado, a atuação brasileira em defesa de seus interesses comerciais não tem sofrido contenções baseadas numa eventual preocupação do país em ser demandado no sistema da OMC. Não há preocupação de que sua atuação expressiva no marco do sistema pudesse resultar na atração de processos contra o país com o objetivo de baixar-lhe o perfil. Entretanto, a capacidade participativa e de obter êxito no sistema não é evidente para os países em desenvolvimento, considerando os custos da participação, que envolve razoável mobilização de recursos humanos especializados e, em geral, contratação de auxílio externo à administração governamental como forma de complementar e refinar a análise factual, econômica e jurídica. Neste contexto, o perfil ativo do Brasil no sistema trouxe, além dos ganhos comerciais concretos, elementos de prestígio que se traduzem em 141

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maior poder de barganha e em ganhos políticos de grande importância. Diferente de outros países em desenvolvimento, o Brasil tornou-se respeitado por sua capacidade de acionar com sucesso o sistema de controvérsias e, dessa forma, participar da conformação jurisprudencial do sistema multilateral de comércio. O Brasil passou assim a ser reconhecido como capaz de articular seus interesses e traduzi-los em formulações jurídicas, com impacto inegável sobre sua influência na negociação de novas regras. Neste sentido, a capacidade brasileira de contestar medidas e práticas das grandes potências, ressalta sua independência e reforça a imagem do país como ator internacional de importante relevância.

A AGENDA DE DESENVOLVIMENTO DOHA: DE 2001 AO PÓS-CRISE A agenda de desenvolvimento de Doha iniciou em novembro de 2001 com a promessa de que fossem corrigidos os desequilíbrios ocorridos na Rodada do Uruguai que não cumpriu com a intensidade projetada, que seria o acordo de abertura dos mercados dos países desenvolvidos, como o Brasil, para suas exportações agrícolas e bens manufaturados intensivos em mão de obra, em troca da criação da OMC proposta pelos países desenvolvidos. (PRESSER, 2005). A agenda teve como princípios, enfatizar que o desenvolvimento é o objetivo principal e que as negociações comerciais, denominadas de Rodada Doha permeiam os problemas que os países em desenvolvimento enfrentam na implementação de acordos. As negociações propriamente ditas são descritas como “pacote único”, não podendo escolher entre as diferentes disciplinas como as criadas por meio de acordos para subsídios, anti-dumping, General Agreement on Trade in Services (GATS), Trade Related Intellectual Property Rights (TRIPS) e Trade Related Investment Measures (TRIMS). (PRESSER, 2005; OMC, 2012). Em novembro de 2001, os principais documentos acordados pelos governos dos países membros da OMC foram a declaração ministerial de Doha, a declaração ministerial sobre o acordo TRIPS e Saúde Pública, a decisão ministerial sobre a isenção para o acordo de parceria ACPEU, entre outros. A declaração ministerial de Doha lista 21 temas sendo que a maioria deles envolvem negociações e separadamente, em outro trabalho, inclui a análise das ações, implementação e acompanhamento das negociações. (OMC, 2012b). As negociações evoluíram em estágios, buscando a cada etapa estreitar as diferenças por meio de acordos provisórios que foi alcançado até o momento com a tarefa de encontrar um ponto comum e, finalmente, o 142

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consenso. O primeiro acordo importante da Conferência Ministerial de Doha ocorreu em Genebra no ano de 2003 que versou sobre o tratamento especial em serviços para países menos desenvolvidos. Já em 2004, em Genebra, um novo pacote, com um número expressivo de anexo, sendo que dois deles apresentam uma estrutura para as negociações em agricultura e acesso ao mercado de produtos não-agrícolas. O próximo acordo ocorreu em Hong Kong no ano de 2005 que apresentou alguns documentos para estreitamento das diferenças nas negociações. Em 2008, em Genebra, ocorreu o último encontro ministerial, quando houve a interrupção do processo negociador, sem previsão formal para prosseguimento. Uma das principais questões versadas na Rodada Doha e de suma importância para a economia brasileira foi a agricultura. Esta questão era um compromisso assumido pelos membros da Rodada Uruguai (1986-1994) para a reforma do comércio. Talvez nenhuma outra área de comércio esteja sujeita a tanta discriminação quanto a agricultura. Distorções no comércio agrícola não apenas causam malefícios aos países em desenvolvimento ao negarlhes oportunidades de acesso a mercados. Subsídios domésticos e de exportação em países desenvolvidos deprimem preços e a renda no mundo todo, reduzem os ganhos de exportadores competitivos e aumentam a insegurança alimentar em países em desenvolvimento. (AMORIM, 2008, p. 28).

Em linhas gerais as negociações relativas à agricultura tiveram como objetivo reduzir as distorções ocorridas no comércio em razão de adoção de barreiras, subsídios à exportação e “alguns tipos de apoio interno”, levando em conta as sensibilidades sociais e políticas do setor e as necessidades dos países em desenvolvimento. As modalidades negociadas para a reforma do comércio agrícola centram-se principalmente em três áreas, sejam elas, o acesso a mercados, apoio doméstico e subsídios a exportações. (OMC, 2012c). O acesso a mercados tratou da proposição de quotas tarifárias reduzidas, com compromissos mínimos em quatro linhas tarifárias: tarifas superiores a 75% teriam corte entre 66% e 73%; tarifas abaixo de 75% e acima de 50% teriam corte de 64%; tarifas abaixo de 50% e, superior a 20% teriam corte de 57%; e tarifas abaixo de 20% teriam corte de 50%. O corte médio mínimo entre todas as linhas deveria ser de 54%. Os produtos sensíveis poderiam ter os cortes de um terço, um meio e dois terços menor que outros produtos, contudo, o corte normal terá as quantidades reduzidas (quotas obrigatórias). Segundo Carvalho (2010, p. 428), “[...] o setor destacou que deveria ser dado um tratamento rigoroso à categoria de produtos sensíveis, pois seria nessa categoria que os países desenvolvidos e em desenvolvimento incluiriam os 143

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produtos de interesse do Brasil.” Produtos especiais também podem ter quotas menores, e alguns produtos podem ser isentos. No que concerne à situação dos países, aponta-se que, os países menos desenvolvidos fariam cortes em apenas alguns produtos, já os países em desenvolvimento fariam cortes menores, mas teriam maior flexibilidade do que os desenvolvidos, e por fim as economias pequenas e vulneráveis fariam cortes ainda menores, com flexibilidade ainda maior, além de que os países que aderiram recentemente à OMC também gozariam de condições especiais. Quanto ao apoio doméstico, inicialmente buscou reduzir o total de Medidas de Apoio Agregadas (MAA), contendo 3 bandas, limitadas a 25 bilhões de dólares para a primeira, com nível de corte entre 70% e 83%; de 12 a 25 bilhões de dólares com nível de corte entre 60% e 70%, para a segunda e menos de 12 bilhões de dólares com nível de corte entre 37% e 60%, para a terceira e a redução o nível de cortes para de minimis variam entre 50% e 80%. Ficou acordado apenas a redução substancial, mas não a eliminação de apoio aos preços ou por quantidade produzida pelo país. Países que oferecem altos apoios, ou seja, os países pertencentes à caixa azul8 devem reduzi-los, limitando a 2,5% do valor para os países desenvolvidos e 6,7% para os países em desenvolvimento. Contudo, no âmbito da “caixa verde”, permite-se apoio discreto às atividades relacionadas ao desenvolvimento, infraestrutura, pesquisa, extensão rural, não condicionado ao estímulo da produção. (OMC, 2012c). Quanto aos subsídios, deveriam ser reduzidos em 50% até o ano de 2010 e eliminados até o ano de 2013, incluindo-se, além dos subsídios diretos, os subsídios camuflados em créditos, ou subsídios creditícios, de ajuda alimentar e para as empresas públicas de comércio exterior, sendo que os subsídios diretos e creditícios afetam mais diretamente o Brasil. Esta data foi acordada atendendo os anseios da União Europeia para atender uma reforma interna que trataria sobre o fim de seu programa de subsídios à exportação, diferentemente dos anseios do G-20 e pelo agronegócio. (OMC, 2012d; CARVALHO, 2010). Em 2008 ocorreu um impasse nas negociações quanto ao SSM (special safeguard mechanism), embora já se tenha acordado que os países em desenvolvimento poderão aumentar temporariamente as tarifas para salvaguardar “surtos de importação”, deparou com o problema de que o país poderá aumentar as taxas em todos os produtos, que poderão ser acima das tarifas já consolidadas e compromissadas na Rodada Uruguai (1986-1994). (OMC, 2012e). 8

“Na terminologia da OMC, os subsídios em geral são identificados por "caixas" que são dadas pelas cores do semáforo: verde (permitido), âmbar (abrandar - ou seja, ser reduzida), vermelho (proibido).” O Acordo sobre a Agricultura não conta com a caixa vermelha, utilizando a caixa âmbar como “proibido”, e em razão dos subsídios serem vinculados a programas de produção utiliza-se a caixa azul. ((OMC, 2012d)).

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Para os produtos não agrícolas que representam quase 90% das exportações mundiais, representados pelos bens industriais e manufaturados (têxteis, calçados, jóias, bens de extração primárias mineral e vegetal e produtos químicos), a negociação tem como objetivo reduzir ou eliminar altas tarifas, picos ou escaladas tarifárias e mesmo barreiras não tarifárias, especialmente sobre os produtos em que os países desenvolvidos possuem necessidade de exportação. Em 2008 foram apresentados textos, ainda não acordados, sobre tarifas a serem reduzidas e o estabelecimento de limites máximos, sendo que algumas tarifas devem ser eliminadas ou fixadas. Aplicar-se-ão fórmulas para os exportadores com base num coeficiente, de acordo com disposições específicas. Haveria flexibilidade para os países em desenvolvimento, como o Brasil, permitindo menores cortes com percentagens limitadas a seus setores mais sensíveis, assim como, economias pequenas e vulneráveis, países menos desenvolvidos e membros recentes devem ter um tratamento especial e individual. (OMC, 2012f). A área de serviços que engloba as telecomunicações, seguros, construção, distribuição e transporte entre outros, a preocupação recai na obrigação dos governos em abrir mercado para países mais pobres por meio de adoção de normas regulatórias claras e flexíveis. No entanto, terão o direito de decidir e restringir os setores que pretender dar abertura a empresas estrangeiras. Em 2008 ainda foram tratados assuntos como a negociação das regras sobre anti-dumping, subsídios e medidas compensatórias, incluindo subsídios à pesca e acordos comerciais regionais. Outra negociação em discurso é a negociação sobre maior abertura do mercado de bens e serviços ambientais; sobre a relação entre as regras da OMC e obrigações comerciais estabelecidos em Acordos Ambientais Multilaterais (AAM) e ainda sobre o intercâmbio de informações entre essas instituições. Um assunto com relativas controvérsias na OMC são os aspectos relacionados ao comércio dos direitos de propriedade intelectual - TRIPS9, em razão de que um grupo de países solicita que algumas questões sejam ligadas às modalidades de agricultura e dos produtos não agrícola, enquanto que outro grupo se opõe afirmando que as negociações devem ser ligadas a criação de um registro multilateral. Outra proposta é a de proteger a nomenclatura de outros tipos de produtos provenientes de um local de origem, como a de vinhos. A última questão é a exigência da divulgação da origem do material genético, do conhecimento que originou as invenções aos requerentes de patentes. (OMC, 2012h). 9 Em inglês: Trade-related aspects of intellectual property rights.

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Os acordos contêm dispositivos de tratamento especial e diferenciado que dão países em desenvolvimento direitos especiais e permitem que outros membros para tratá-los de modo mais favorável. As disposições especiais incluem adotar maior prazo para a execução dos acordos e compromissos, assim como medidas, capazes de aumentar as oportunidades comerciais para tais países e adoção de dispositivos que obrigam todos os membros da OMC para salvaguardar os interesses comerciais destes países, entre outros. Busca-se também melhorar a cooperação entre as autoridades aduaneiras e de iniciar negociações sobre “acelerar ainda mais o movimento de liberação e desembaraço de mercadorias, incluindo mercadorias em trânsito” Mais especificamente, os membros pretendem dar transparência e melhoria aos regulamentos que se referem ao trânsito, taxas e documentação relacionados com comércio. Esta negociação prevê o barateamento dos custos, por meio da redução de burocracia e a corrupção dos procedimentos alfandegários. (BBC, 2004; OMC, 2012g). Durante todas as negociações ocorreram divergências entre os países, o que normalmente se espera em uma rodada de negociação. As principais divergências que envolvem o Brasil e a agricultura estão apresentadas no Quadro 2, a seguir: Quadro 2 - Divergências entre países nas negociações Agricultura

Acesso a Mercado

2006

2007

Redução média das tarifas da EU: EUA: 60% G-20:54 EU: 39% PEs e SSM para PEDs. G-33: pelo menos 20% dos produtos agrícolas como PE; destes, 50% sem cortes tarifários; PEs elegíveis para SSM; níveis tarifários em SSM além das tarifas consolidadas na Rodada Uruguai. PEDs exportadores: PEs não elegíveis para SSM. Níveis tarifários em SSM abaixo das tarifas consolidadas na Rodada Uruguai.

Redução média das tarifas da EU: EUA: 60% G-20:54 EU: 54% PEs e SSM para PEDs. G-33: 20% dos produtos agrícolas como PE; destes, 50% sem cortes tarifários; PEs elegíveis para SSM; níveis tarifários em SSM além das tarifas consolidadas na Rodada Uruguai. PEDs exportadores: PEs não elegíveis para SSM; Níveis tarifários em SSM abaixo das tarifas consolidadas na Rodada Uruguai.

2008 Redução média das tarifas da EU: EUA, G-20 e EU: 54% excetuando-se 4% das linhas tarifárias PEs e SSM para PEDs. G-33: até 20% dos produtos agrícolas como PEs; Corte tarifário de PSs para PD não menor do que para PE; SSM acionado com 10% de surto importador e com tarifa extra entre 30 e 45%. EUA: SSM acionado com 40% de surto importador e tarifa extra de 15%..

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Agricultura

Apoio Doméstico

2006 Redução do teto dos subsídios distorcivos dos EUA: EU e G-20: 12,9 milhões anuais. EUA: 22 bilhões anuais

2007 Redução do teto dos subsídios distorcivos dos EUA: EU e G-20: 12,9 milhões anuais. EUA: 16,4 bilhões anuais

2008 Redução do teto dos subsídios distorcidos dos EUA: EU e G-20: 12,9 milhões anuais. EUA: 14,5 bilhões anuais

Fonte: CARTA DE GENEBRA (2007; 2008); CHADE (2008) apud CARVALHO (2010)

Diante deste quadro, destaca-se que as divergências para a redução média das tarifas agrícolas da União Européia terminaram em 2008, com o acordo de redução de 54%, porém 4% dos produtos foram excluídos deste corte e a redução do teto dos subsídios dos EUA de 22 para 14,5 bilhões de dólares. No entanto, em 2007, os Estados Unidos aprovaram uma lei agrícola que elevou para 1,2 milhão de dólares o teto de renda anual para apoio doméstico divergindo da redução proposta anteriormente, o que causou descontentamento e acusação dos demais países com a falta de honra dos Estados Unidos com os seus compromissos. Assim, desde julho de 2008 a rodada Doha foi paralisada em razão do desacordo centrado na capacidade dos países em responder os surtos de importações agrícolas e industriais. [...] a reunião da Miniministerial, em julho de 2008, foi marcada pelas pressões intensas dos EUA e da UE para a abertura dos mercados agrícolas e industriais dos países em desenvolvimento, sobretudo os mais dinâmicos, como a China, a Índia e o Brasil, em troca de suas concessões em agricultura. Os EUA e a UE demandaram a abertura de setores específicos, como eletrônico, químico, automotivo e têxtil, bem como requereram uma provisão anticoncentração para impedir que setores industriais inteiros deixassem de ser liberalizados pelos países em desenvolvimento. (CARVALHO, 2010, p. 432)

Buscando terminar com o impasse, em novembro de 2010, os líderes do G-20 se comprometeram em sua cúpula em Seul, que as negociações deveriam ser concluídas até o final de 2011. Para que isso acontecesse seria necessário um consenso entre o G-5 (União Europeia, Brasil, República Popular da China (RPC), Índia e os Estados Unidos). Em abril de 2011, as diferenças entre os países eram grandes e não foi possível a tentativa de avanço nas negociações. Como consequência, a meta de concluir a Rodada Doha até o final de 2011 não foi cumprida. Neste período, membros da OMC revisaram um conjunto de textos com a finalidade de que os acordos pudessem ser cumpridos no 147

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prazo estabelecido, no entanto, os países desenvolvidos, principalmente os EUA, não estão abertos a entrar em um acordo estando a OMC empenhados para que a Rodada Doha não termine. O ano de 2012 foi marcado de “conversas” e “sensações” que os membros da OMC desejavam continuar a explorar todas as oportunidades que levam a tracionar as negociações paralisadas. No entanto, os países desenvolvidos continuaram a praticar protecionismo aos seus produtos em nome da crise de 2008. Tais ações, a falta de liderança e os repetidos atrasos danificaram a imagem da OMC, colocando-a com a aparência de um fórum de negociações de acordos e liberação do comércio, levando muitos países a fazer acordos bilaterais ou entre grupos pequenas e é claro que, em nada alterou o quadro paralítico da Rodada Doha (BBC, 2013). Em 2013 com uma nova equipe, a OMC consegue reunir os 159 países membros em Bali, Indonésia com o objetivo de impulsionar o comércio global por meio de simplificação dos procedimentos de exportações e o acesso de mercado das mercadorias vendidas pelos países mais pobres do mundo (BBC, 2013). Tal acordo faz parte do programa de negociação da Rodada Doha podendo-se denominar de um “tímido” avanço, já que os acordos da Rodada objetivam reduzir subsídios agrícolas, tarifas sobre bens industriais, barreiras ao comércio internacional de serviços entre outros, que são muitos difíceis de concluir e estão entrelaçadas com fatores políticos internos na maioria dos países membros da OMC.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve como objetivo observar os reflexos da crise de 2008 no comércio internacional e como a política comercial brasileira, comportouse nesse período. Para tanto, consideram-se as principais estratégias, bem como as negociações no âmbito da Rodada Doha da OMC. Mediante este enfoque ressalta-se que a crise de 2008, provocou uma queda de 13,7% no comércio mundial, nesse ambiente a economia brasileira foi atingida, através de dois canais que se destacam: o mercado de câmbio e os preços das commodities, tais canais alteraram as relações de troca do país. Todavia as respostas a estes elementos foram rápidas e eficientes, em virtude do cenário macroeconômico e das estratégias nas negociações internacionais, consistentes e construídas, no período que antecedeu a crise, além disso, apontaram-se outros elementos relevantes nesse processo de recuperação como o nível de abertura da economia, a pauta de exportação e as condições do orçamento público. 148

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Todavia notou-se que a crise proporcionou demais mudanças no comércio externo brasileiro, que foram mais expressivas que a queda nas exportações no ano 2009. Sobre isto, aponta-se que a principal mudança foi a perda de importância dos Estados Unidos e da EU na pauta de exportações brasileiras e o aumento das exportações brasileiras para China. Tais elementos se configuraram dessa forma, em virtude do aumento da demanda Chinesa, o que também evitou que a crise proporcionasse efeitos maiores no Brasil e a política externa brasileira praticada pelo país desde 2003 que visava e visa à mudança da geografia do comércio internacional, mudando o eixo de negociações NorteSul, para também a inserção do eixo de negociações Sul-Sul. Entrementes nesse contexto notou-se também que entre 2004 e 2011 o Brasil subiu oito degraus na escala da econômica mundial, deixando de ser apenas outro país latino americano para se tornar uma potência econômica mundial, como a sexta economia do mundo. Esta conquista foi marcada por uma agenda política que contempla uma visão de desenvolvimento, paz, democracia, direitos humanos e integração regional. Até 2005, a integração regional, marcada pelas negociações do MERCOSUL junto a ALCA, EUA e EU que, sem conseguir fechar acordos comerciais de interesse mútuo, o Brasil juntou-se ao grupo BRICs em um nível político, formando uma aliança global, cuja direção de política externa mudou sua identidade. Ao invés de canalizar seu poder participando nas instâncias dos poderes tradicionais como o G-8 ou nas negociações multilaterais da Rodada Doha, usou o seu posicionamento como um país BRICs, grupo geralmente opositor das potências tradicionais. A transição de um mundo unipolar para bipolar ou multipolar favorece ao Brasil uma abertura comercial para outros centros de poder, como a Índia e China, podendo aumentar sua influência e presença comercial no mundo, o que resulta em poder exigir um tratamento com base mais igualitária no comércio mundial. No que se refere às negociações em Doha, a retomada em cenário de crise não favoreceu os entraves das negociações, isto porque, do ponto de vista econômico, a crise financeira internacional provocou retração da atividade produtiva com aumento do desemprego, de modo que o cenário foi propício às ações protecionistas com medidas voltadas ao subsídio entre outros mecanismos, ou seja, a Rodada Doha nesse cenário não teria esforços para avançar.

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OMC. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Briefing notes on some of the main issues of the Doha Round. Genebra. Disponível em: . Acesso em: 20 out 2012c. OMC. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Agriculture negotiations: background fact sheet. Genebra. Disponível em: . Acesso em: 20 out 2012d. OMC. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. An unofficial guide to agricultural safeguards. Genebra. Disponível em: 2,0 vantagem revelada média quando o índice ficar entre 1,0 < IVREki < ou = 2,0 e vantagem revelada baixa quando o IVREki ficar entre 0,0 < IVREki < ou = 1. No entanto, esta análise é estática e pouco poderia se concluir, a não ser somente para aquele momento da análise, o fator principal e que contribuirá muito mais, será através de uma análise contemplando uma série temporal, num período considerado suficiente para esta pesquisa, dos últimos 12 anos, do ano de 2000 a 2012. Nesse período consegue-se acompanhar o comportamento da competitividade das exportações ao longo do tempo estimado. Assim, se os resultados se apresentarem com taxas crescentes é sinal que o país está expandindo sua capacidade competitiva, ao contrário, com índices decrescentes, o país está perdendo sua capacidade, apresentando uma constante, se mantém estável ao longo do tempo analisado, também se pode analisar a regularidade de sua competitividade. Para efeito de complementaridade, serão feitos os cálculos para os dois países maiores exportadores de carne de frango da atualidade, Brasil e EUA. Neste comparativo, consegue-se analisar os níveis de proximidade ou afastamento dos índices entre os dois países, índice de correlação. A análise medirá o grau e a direção dessa correlação – se positiva ou negativa entre as variáveis do Brasil e EUA. Este coeficiente representado por “r” assume valores entre -1 e 1, conforme apresentado no quadro a seguir, sendo que: Quadro 1 – Coeficiente de correlação Valores em r

r=1

Grau de significância Significa uma correlação perfeita positiva entre as duas variáveis.

r = -1

Significa uma correlação negativa perfeita entre as duas variáveis – Isto é, se uma aumenta, a outra sempre diminui.

r=0

Significa que as duas variáveis não dependem linearmente uma da outra. No entanto, pode existir uma dependência não linear. Assim, o resultado r = 0 deve ser investigado por outros meios.

Fonte: A partir de informações de Spiegel (1993).

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Para Rubin e Ilha (2008) e para os autores desta pesquisa.

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Assim ainda segundo Spiegel (1993), o coeficiente a ser utilizado para análise será o de correlação de Pearson28 calcula-se conforme a próxima equação:

E conforme se desdobra o modelo, segundo o mesmo autor, vê-se que X1,X2,..., Xn e Y1, Y2,..., Yn são os valores medidos de ambas as variáveis. Para, além disso, serem as médias aritméticas de ambas as variáveis, apresentadas na próxima equação:

Na interpretação do coeficiente de correlação das variáveis, entenderse-á que quanto maior o valor de “r” (positivo ou negativo), mais forte a associação. No extremo, se r = 1 ou r = -1 então todos os pontos no gráfico de dispersão caem exatamente numa linha reta. No outro extremo, se r = 0 não existe nenhuma associação linear. Desta forma, o próximo quadro fornece um guia de como se poderá descrever uma correlação em palavras dado o valor numérico: Quadro 2 – Interpretação da correlação entre Brasil e EUA Valor de r (+ ou -)

Interpretação

0,00 a 0,19

Uma correlação bem fraca

0,20 a 0,39

Uma correlação fraca

0,40 a 0,69

Uma correlação moderada

0,70 a 0,89

Uma correlação forte

0,90 a 1,00

Uma correlação muito forte

Fonte: A partir de informações de Spiegel (1993).

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Mede o grau da correlação (e a direção dessa correlação - se positiva ou negativa) entre duas variáveis de escala métrica (intervalar ou de rácio/razão) Spiegel (1993).

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A estimativa de um indicador de vantagens competitivas do comércio externo brasileiro pode ser uma fonte complementar de ajuda importante para o estabelecimento de políticas públicas setoriais e estabelecimento de estratégias para as indústrias do setor. O índice de IVRE demonstra se um país possui vantagens comparativas para determinado produto, confrontando sua participação na pauta exportadora mundial em relação às exportações de um bloco ou país. Os dados foram obtidos junto a Food and Agriculture Organization (FAO) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), sujeitados a equação apresentada anteriormente, obtiveram-se os seguintes índices de vantagens reveladas das exportações de carne de frango para ambos os países. Tabela 1 – Índices de Vantagens Reveladas das Exportações de carne de frango (IVRE) ANO

BR

EUA

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

2,431 2,754 2,875 2,972 3,224 3,394 3,323 3,354 3,392 3,245 3,219 3,366 3,240

0,405 0,494 0,333 0,427 0,568 0,694 0,692 0,814 0,850 0,807 0,617 0,572 0,465

Fonte: A partir de dados da FAO e OMC (2013)

Índice de Correlação

Índice de Correlação

0,826

- 0,158

0,722

Para a análise da Tabela 1, o Brasil apresenta vantagens reveladas de exportações da carne de frango, muito alta, isto é, índices muito superiores a 2,0 em todo o período analisado. Cabe ressaltar que além destes bons resultados, outro fator importante é que ao longo do período de 2000 até 2008 o IVRE foi aumentando a taxas crescentes, indicando uma expansão de sua capacidade, e que sofre queda a partir de 2009 com instabilidade da crise de 2008, chegando até 2012. No caso dos Estados Unidos, este se apresenta com vantagens reveladas baixas de suas exportações de carne de frango, pois o IVRE assumiu valores abaixo de 1,0 para todo o período, mas que, a exemplo do Brasil, no período de 2000 a 2008, houve expansão, com taxas crescentes dos índices, mas 235

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retração de sua capacidade a partir de 2008. Quando se interpõem os dados calculados em um gráfico de linhas, torna-se melhor a visualização das relações de competitividade, análise vertical, entre os dois países estudados. Gráfico 1 – Comparativa de IVRE da Carne de Frango Brasileira com a dos Estados Unidos

Fonte: A partir de dados da FAO e OMC (2013)

Ao observar o Gráfico 1, percebe-se que o Brasil mantém ao longo de todo o período analisado uma vantagem significativa em relação ao seu principal concorrente no mercado mundial, os Estados Unidos. Observase uma forte correlação positiva entre as duas séries de dados ao longo do período de 2000 a 2008 de 0,826, ou seja, quando os Estados Unidos crescem o Brasil também cresce, porém a partir de 2008 os Estados Unidos decrescem acentuadamente enquanto que o Brasil decresceu (2009, 2010) e volta a crescer em 2011 e decresce em 2012, alcançando uma correlação negativa bem fraca de -0,158, mas mostrando que a carne de frango brasileira está em melhor situação relativa para competir no mercado internacional, até mesmo na crise, do que seu maior concorrente. No que diz respeito à competitividade apresentada pelos EUA, que, apesar de ser o segundo maior exportador de carne de frango, possuem competitividade comparativa revelada baixa e decrescente, pois este item não é um dos seus principais produtos de sua pauta exportadora, ao contrário 236

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do Brasil, onde em 2012, a carne de frango é um importante item de suas exportações, sendo a terceira maior do agronegócio e o quinto produto no total das exportações, com participação de 2,78% (FAO e OMC 2013).

COMPORTAMENTO DA PRODUÇÃO, CONSUMO E EXPORTAÇÃO DE CARNE DE FRANGO BRASIL E DOS EUA Cabe analisar nesta seção o comportamento da produção, consumo e exportação de carne de frango do Brasil e dos EUA. A AVICULTURA BRASILEIRA Nos últimos anos, a avicultura se consolidou como um dos setores da economia nacional com notáveis resultados. Foi responsável em 2012 por 8,7% das exportações do agronegócio brasileiro. Esta atividade gera direta e indiretamente mais de 3,6 milhões de empregos e reponde por quase 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. A produção é realizada por dezenas de milhares de pequenos produtores rurais (em sua maioria) vinculados às centenas de indústrias do setor, que apresentam quase totalidade de capital nacional, ligado às dezenas de empresas exportadoras. Em muitas cidades do interior do Sul e do Sudeste brasileiro, a produção de frango é a principal atividade econômica, demonstrando a importância social da avicultura. Dentre as cinco maiores produtoras de carne de frango apresenta-se, pela ordem, a Brasil Foods, Seara Alimentos, JBS Frangosul, Cooperativa Central Aurora Alimentos e a C.Vale Cooperativa Agroindustrial (UBABEF, 2013). Mesmo diante da crise de 2008, que abalou a economia mundial, o setor insiste em se manter firme, através da estrutura mais organizada do agronegócio brasileiro, funciona praticamente todo ele com “integração vertical29” e se consolidou como referencia mundial nos índices de produtividade (AVISATE, 2013). Gráfico 2 – Produção, Consumo e Exportação de carne de frango brasileira – Série Histórica (milhões de toneladas)

29

A integração vertical é o processo de agregação de dois ou mais elos de uma cadeia de valor. Na produção de um determinado produto, a integração vertical ocorre quando uma empresa passa a controlar operações a montante ou a jusante (BATALHA, 2013).

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Fonte: A partir de dados de (SECEX e UBABEF 2013)

Com esta série histórica, dos últimos 12 anos, gráfico 2, fica visível o crescimento da produção de carne de frango que alcança 111,37% no período. Por sua vez o consumo brasileiro evoluiu em 72,33%, contra as exportações que obtiveram um crescimento da ordem de 327,94%. No destaque, considerando a crise de 2008, observa-se uma instabilidade na produção, no período de 2009, com aumento de 0,36%, de 2010 com aumento de 20,49%, de 2011 uma retração de 1,36% e com nova retração de 3,14% em 2012. Quanto ao consumo nacional também se mostra a instabilidade e queda, de 2008 para 2009 houve um aumento de 0,68%, em 2010 novo aumento de 28,02%, para 2011 uma queda de 3,18%, e chegando em 2012 com nova queda de 4,28 %. Com as exportações, o comportamento se mostra com crescimento e com certa estabilidade, em 2009 houve queda de 0,27%, em 2010 com um aumento de 4,94%, em 2011 novo aumento de 3,14% e por fim, 2012 com uma queda de 0,50% (SECEX e UBABEF 2013 ).

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Gráfico 3 – Principais Estados produtores de carne de frango do Brasil (%)

Fonte: A partir de fonte de dados da União Brasileira de Avicultura (UBABEF, 2013 ).

A produção brasileira de carne de frango, Gráfico 3, está concentrada principalmente nos estados do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná que juntos alcançaram em 2012, 61,8% do total produzido, seguido pelos estados do Sudeste, com destaque para São Paulo e Minas Gerais com 20%, seguido pelo Centro Oeste com 15,61% dos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. Observa-se no Gráfico 3, que o Estado do Paraná é disparado o maior produtor brasileiro de carne de frango, com uma produção em 2012 ultrapassando a casa dos 30% da produção nacional (UBABEF, 2013).

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Gráfico 4 – Exportações Brasileiras de carne de frango em 2012 por continente (milhões toneladas)

Fonte: A partir de fonte de dados da União Brasileira de Avicultura (UBABEF, 2013 ).

O Oriente Médio, conforme Gráfico 4, se manteve como a principal região de destino da carne de frango brasileira, ao importar 1,3 milhão de toneladas em 2012, A receita cambial foi de US$ 2,6 bilhões. Para a Ásia as exportações foram de 1,1 milhão de toneladas, com receita que somou US$ 2,3 bilhões. No caso da África, o terceiro maior mercado de destino em volumes, às encomendas foram de 598 mil toneladas e a receita cambial totalizou US$ 822 milhões. A União Europeia respondeu por compras de 566,4 mil toneladas, com uma receita cambial, de US$ 1,2 bilhão. Para os países das Américas o Brasil exportou 216,7 mil toneladas de carne de frango, obtendo uma receita de US$ 411 milhões. Para a Oceania, as vendas somaram 2,188 mil toneladas e com receita de US$ 4,7 milhões, (UBABEF, 2013). A AVICULTURA NORTE AMERICANA Os Estados Unidos estiveram por muitos anos à frente na produção, consumo e exportação de carne de frango, é um país que esteve sempre 240

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buscando novos avanços tecnológicos na produção pela melhoria nas áreas de genética, nutrição, equipamentos, manejo, automação aviária e sistemas de produção. No entanto, em 2004 perderam a hegemonia nas exportações, devido a problemas sanitários de “gripe aviária”, que atingiram também o Canadá, Tailândia e Indonésia. Mesmo assim, conseguiram manter um bom resultado, como segundo maior exportador de carne de frango, ficando atrás apenas do Brasil (USDA, 2013). Gráfico 5 – Produção, Consumo e Exportação de carne de frango dos EUA – Série Histórica (milhões de toneladas)

Fonte: A partir de dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, 2013).

Com esta série histórica, dos últimos 12 anos, gráfico 5, fica visível o baixo crescimento da produção de carne de frango que alcança 20,58% no período. Por sua vez o consumo norte americano evoluiu num patamar mais baixo ainda, no mesmo período em 16,20%, contra as exportações que obtiveram um crescimento da ordem de 47,98 %. No destaque, considerando a crise de 2008, observa-se uma instabilidade na produção com pequeno aumento, períodos 2009, com queda de 3,74%%, de 2010 com aumento de 3,88%, de 2011 um aumento de 0,78% e com nova retração de 0,41% em 241

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2012. Quanto ao consumo nacional também se mostra com instabilidade e queda, de 2008 para 2009 houve uma diminuição de 3,64%, em 2010 novo aumento de 4,01%, para 2011 um aumento de 1,41%, e chegando em 2012 com nova queda de 1,90 %. Com as exportações o comportamento se mostra com baixo crescimento e com certa estabilidade, em 2009 houve queda de 2,21%, em 2010, nova queda de 0,64%, em 2011 houve um aumento de 2.93% e por fim, 2012 com um aumento de 4,43% (USDA, 2013 ). Gráfico 6 – Exportações dos EUA de carne de frango em 2012 por continente (milhões de Dólares)

Fonte: A partir de dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, 2013 ).

O destino da carne de frango dos Estados Unidos, gráfico 6, tem sido em maior escala para a América do Norte, com exportações em 2012 na ordem de US$ 1,3 bilhão e de US$ 420 milhões para o Caribe. A Ásia tem sido o segundo destino norte-americano, onde o Leste gerou uma receita de US$ 1,1 bilhão contra o Sudeste com mais US$ 200 milhões. A África subsaariana tem sido o terceiro destino da carne de frango americana com US$ 500 milhões e o último destino o Oriente Médio, que comprou em 2012 US$ 380 milhões (USDA, 2013). 242

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Após ter passado mais de quatro anos da “crise de 2008”, o mundo continua a enfrentar as suas mazelas, problemas de falta de crédito, desemprego, déficit em contas correntes dos países, balança comercial negativa, fusões e incorporações de empresas, confusão de fluxos financeiros, inflação, deflação, quedas de investimentos externos diretos, queda do PIB mundial, contração da produção industrial, desaceleração do comércio mundial, redução de consumo e várias outras repercussões econômicas, sociais e políticas. As alternativas de enfrentamento da crise buscadas, principalmente pelos países desenvolvidos tem sido dentre outras as de: aumento do protecionismo e do controle de capitais e a eficiência econômica, a parcial regulamentação das instituições financeiras, as políticas agressivas de aumento monetário. E as questões ambientais têm sido tratadas como instrumentos de restrições ao crescimento econômico e também como formas de mitigar ações de compensações tarifárias. O Brasil que vinha nos últimos 20 anos experimentando um crescimento econômico importante, também sofreu e continua a sofrer com a crise de 2008. A pressão inflacionária, a elevação do déficit público, a volta da elevação das taxas de desemprego, a diminuição dos investimentos públicos, a queda da produção industrial, o constante déficit da balança comercial, são as principais consequências.. As estratégias de enfrentamento adotadas imediatamente após a crise, surtiram efeitos positivos nos primeiros dois anos, mas atualmente mostram fraquezas, como: a redução das taxas de juros básicos (SELIC), a expansão do crédito, principalmente dos bancos públicos para investimentos, o uso das reservas internacionais para diminuição das oscilações das taxas de câmbios, as renúncias fiscais e redução dos investimentos das empresas públicas, como a da Petrobras. Este cenário serve para o entendimento da análise desta pesquisa que tem como objetivo detectar, e observa os impactos que as exportações da carne de frango sofreram com a problemática da chamada “crise de 2008”. As informações produzidas a partir dos dados pesquisados são suficientes para fazer as seguintes afirmativas : a) As exportações brasileiras de carne de frango cresceram na ordem de 7,69% no período de 2009 a 2012. b) O Brasil continua a manter a posição de maior exportador de carne de frango do mundo no período pós-crise até 2012. Tendo exportado 15,32 milhões de

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toneladas de carne de frango, contra 12,62 milhões do seu principal concorrente, os Estados Unidos, uma diferença de 21,39% a mais para os brasileiros. c) Na pauta de exportações brasileiras, a carne de frango passou a ocupar o terceiro lugar dentre commodities do agronegócio e o quinto lugar no total dos produtos exportáveis do país. d) As vantagens reveladas das exportações brasileiras de carne de frango frente aos norte-americanos são enormes, mesmo com alguma queda pós-crise, o país continua com uma relação de três para um de Índice de Vantagens Reveladas das Exportações (IVRE) contra as exportações dos Estados Unidos nesse setor. e) O Brasil tem ampliado muito o envio de suas exportações de carne de frango, mesmo na crise, pois exporta para mais de 150 países de 6 regiões distintas do mundo. f) A avicultura brasileira oferece ao mundo uma fonte de proteína barata e de alta qualidade.

A despeito de discussões ideológicas que possam existir, a indústria avícola de produção de carne de frango brasileira é extremamente competente, com indústrias modernas, com elevada tecnologia. Produz num sistema de integração total com os produtores rurais, numa relação contratual que gera menores incertezas, maior controle, melhor eficiência. Utiliza-se de técnicas avançadas de manejo, alimentação e sanidade nos aviários, e por fim, a cadeia apresenta eficiência tanto a montante como a jusante. Mesmo diante das adversidades, como a crise em que se vive e com as seguidas barreiras tarifárias e não tarifárias, com retrações no comércio internacional, o que fica demonstrado neste trabalho é a competência que a avicultura brasileira possui, sendo capaz de superá-las gerando milhões de empregos, contribuindo sobremaneira para o alcance de superávit na balança comercial brasileira do agronegócio.

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MERCOSUL: COMÉRCIO, CRISE E INDICADORES SOCIOECONÔMICOS Nilton Marques de Oliveira Leandro de Araújo Crestani

INTRODUÇÃO O presente estudo trata do fluxo comercial entre os países membros, crise e indicadores socioeconômicos do Mercado Comum do Sul – Mercosul, sendo necessário, portanto, o entendimento da integração econômica e social dos países pertencentes a esse bloco econômico na América do Sul. Verifica-se neste trabalho que houve expansão comercial entre os países membros com o início do processo de integração. O intuito é demonstrar se os países têm aproveitado as vantagens da redução tarifaria proporcionada pelo bloco para aumentar as relações suas relações comerciais. Um dos questionamentos propostos neste artigo é referente à crise financeira30 de 2008, buscando compreender seus reflexos no Mercosul. O Mercosul é constituído pelos estados parte Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que assinaram o Tratado de Assunção em 26 de março de 1991. Além dos estados parte, há a participação dos estados Associados Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. A perspectiva inicial do Mercosul de construir na América do Sul um mercado comum, cuja execução vem caminhando para a fase de união aduaneira, tem os seguintes objetivos: 1) Eliminação das barreiras tarifárias e não tarifárias no comércio entre os países membros; 2) Adoção de uma Tarifa Externa Comum - TEC; 3) Coordenação de políticas macroeconômicas; 4) Livre comércio de bens e serviços; 5) Livre circulação de mão de obra; e 6) Livre circulação de capitais. 30

Cf. Dossiê da Crise I e II (org.) Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula

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A constituição do Mercosul modificou o fluxo de comércio dos países membros, bem como dos setores de suas economias, desdobrando para melhoras de alguns indicadores sociais e econômicos, mas provavelmente, isso se tenha dado de forma desigual. Deste modo, o objetivo deste estudo é apresentar uma análise do fluxo do comércio intrarregional, alguns elementos das crises de 2002 e 2008 e os indicadores sociais, demográficos e econômicos dos países membros. Nesta perspectiva, a pesquisa está focada na área da economia internacional, tendo como especificidade a área comercial dos países do bloco, destacando o fluxo do comércio, crises e indicadores socioeconômicos. Este estudo desenvolve uma exposição sobre a teórica da integração econômica na América do Sul, tendo como princípio elencar os conceitos que deram base para seu desenvolvimento. Isto posto, o artigo é dividido em quatro seções, além dessa introdução. Na segunda seção, é discutida a formação do Mercado Comum do Sul – Mercosul. A seguir, é apresentada uma discussão sobre a crise financeira de 2008. A quarta seção analisa o processo de integração econômica, o fluxo comercial entre os países membros e os indicadores sociais, econômicos e demográficos. E as considerações finais sumarizam o estudo.

FORMAÇÃO DO MERCADO COMUM DO SUL – MERCOSUL Nesta seção, será apresentado um breve histórico da formação do Mercado Comum do Sul – Mercosul, enfatizando o processo de negociação política e os avanços na sua consolidação em 1991. Na perspectiva dos países fundadores, o Mercosul surgiu com o objetivo de desenvolver uma organização econômica, política e social, tendo como objetivo desenvolver na América do Sul um status equivalente ao adquirido, paulatinamente, pela União Européia, qual seja, um espaço econômico plenamente integrado, com total liberdade para o deslocamento de fatores produtivos, razoável coordenação econômica (o que, no caso europeu, assumiu a forma de uma moeda comum para a maioria de seus membros), seguida, subsequentemente ou simultaneamente, da harmonização e coesão dos regimes sociais e das peculiaridades nacionais e regionais, para, finalmente, alcançar a desejada concentração política e diplomática, capaz de fazer a Europa ocidental recuperar sua antiga importância internacional, o que implicaria lograr uma expressão comum no plano externo (defesa, segurança, política externa, negociações multilaterais ) (ALMEIDA, 2011). 248

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Para a compreensão do surgimento do Mercosul, houve anteriormente diversas organizações com a perspectiva de integração econômica e social na América Latina, entre elas, podem-se citar: 1) COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA – Cepal: Criada em 1948 para desenvolver estudos com foco na integração das nações, ampliação dos mercados regionais e crescimento industrial; 2) ASSOCIAÇÃO LATINO- AMERICANA DE LIVRE COMÉRCIO – Alalc, criada em 1960; 3) PACTO ANDINO – criado em 1969 para facilitar a integração econômica de Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela (países andinos), tendo o Chile e o Panamá como observadores; 4) ASSOCIAÇÃO LATINO-AMERICANA DE INTEGRAÇÃO – Aladi, criada em 1980, por meio do Tratado de Montevidéu, em substituição à Alalc, para integrar economicamente Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela; 5) TRATADO DE BUENOS AIRES – assinado, em 1990, pela Argentina e Brasil, para integração econômica entre as duas nações, de forma a estabelecer um Mercado Comum entre ambos os países, com prazo definido de instalação até o fim de 1994; e 6) TRATADO DE ASSUNÇÃO – assinado, em 1991, pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Foi um complemento ao Tratado de Buenos Aires, com a adesão desses dois últimos países e o embrião para a constituição do Mercado Comum do Sul – Mercosul (SANTOS; PRADO, 2009). O surgimento do Mercosul foi a primeira etapa do processo de integração econômica da América Latina, tendo como os seguintes países: Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. O histórico de sua criação foi o Tratado de Assunção, firmado em 26 de março de 1991, na capital paraguaia, pelos presidentes dos países e seus respectivos ministros de Relações Exteriores. O Tratado de Assunção assim definiu o que seria o Mercosul, em seu Artigo 1º Os Estados Parte decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará “Mercado Comum do Sul” (Mercosul). Este Mercado comum implica: A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários

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e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum e relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Parte – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de outras que se acordem -, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes, e O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

Para Santos e Prado (2009), o Mercosul foi criado como proposta de integração econômica em com os países do sul da América Latina, composto atualmente por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai. Conhecido também como Cone Sul porque, originalmente, sua formação era constituída pelas nações do sul do da América (Argentina, Chile, Uruguai e eventualmente Paraguai), dando ao bloco o formato de um cone, vislumbrando o estabelecimento de uma aliança que possibilitaria a movimentação de mercadorias, capitais, pessoas, força de trabalho, de maneira a dinamizar a economia dessa região. No artigo 5º do Tratado de Assunção, é enfatizado que, no período de transição, os principais instrumentos pra a constituição do Mercado Comum seriam: a. Um Programa de Libertação Comercial, que consistirá em reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas da eliminação de restrições não tarifárias ou medidas de efeito equivalente, assim como de outras restrições ao comércio entre os Estados Parte, para chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifa zero, sem barreiras não tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário; b. A coordenação de políticas macroeconômicas que se realizará gradualmente e de forma convergente com os programas de desgravação tarifária e eliminação de restrições não tarifárias, indicados na letra anterior; c. Uma tarifa externa comum, que incentive a competitividade externa dos Estados Parte; d. A adoção de acordo setoriais, com o fim de otimizar a utilização e mobilidade dos fatores de produção e alcançar escalas operativas eficientes.

Nesta ótica, o Mercosul seria uma zona de livre comércio, sem tributação 250

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ou restrição às importações entre os países signatários, previsto no Tratado de Assunção. No ano de 1996, a Bolívia e o Chile passam a membros associados do Mercosul. O Chile está em processo de se tornar membro pleno – Estado Parte. Outros países latino-americanos têm mostrado interesse em participar do bloco Mercosul (SANTOS; PRADO, 2009 ). Dessa forma, as principais características do Mercosul, são: a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, eliminação dos direitos alfandegários, de restrições tarifarias à circulação de mercadorias ou de qualquer medida de efeito equivalente; o estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC), adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros estados; coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e outras – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial, de capitais, de serviços, alfandegárias, de transporte e comunicação entre outros; e, por último, o compromisso dos países membros de harmonizar suas legislações nas áreas que fazem parte do acordo, ocasionando, assim, o fortalecimento do processo de integração (CARVALHO, 2000 ). Para Favro e Bastos (2010), o Mercosul é a quarta área geoeconômica do mundo e um dos mercados emergentes com maior renda per capita e, claramente, vencendo desta forma o estágio de livre comércio. A corrente de comércio entre o Brasil e seus sócios do Mercosul chegou a quintuplicar, em apenas sete anos. Pode-se verificar a importância de todo o processo de integração regional entre os países membros do Mercosul. O Protocolo de Brasília, assinado em 17 de dezembro de 1991, estabelece o sistema de solução de controvérsias do Mercosul. O Cronograma de Las Leñas, assinado em junho de 1992, aborda os interesses comerciais necessários para que o Tratado de Assunção se complete, e o Mercado Comum se torne realidade. Prevê não apenas a criação de uma zona de livre comércio, mas uma união aduaneira (SIMÕES; MORIN, 2002). Com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em dezembro de 1994, o Mercosul passa a contar com uma estrutura institucional definitiva para a negociação do aprofundamento da integração. Além disso, o Protocolo de Ouro Preto estabelece a personalidade jurídica do Mercosul, que, a partir de então, poderá negociar como bloco acordos internacionais. A partir de 1.º de janeiro de 1995, termina o período de transição, iniciando a nova fase de consolidação da união aduaneira imperfeita, que se estenderá até 31 de dezembro de 2005(SIMÕES; MORIN, 2002, p.141).

Para Braun, Cardoso e Bechlin (2012), o Mercosul deve ser considerado um projeto que tem como objetivo a redefinição da estratégia de desenvolvimento em um momento em que se define a conjuntura 251

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internacional. Nessa perspectiva, a América Latina continuaria dividida em mais de vinte nações isoladas, sendo apenas um lugar em que os grandes países vêm fazer o seu negócio.

MERCOSUL, UM EXEMPLO A SER SEGUIDO Enquanto a crise financeira internacional de 2008 assustava o mercado financeiro estadunidense, gerando uma psicose de medo de uma crise com as mesmas proporções da do ano de 1929, foram desvalorizadas ações de muitas empresas, houve falências, desemprego de 30% da classe trabalhadora, entre outros os fatores. A crise financeira internacional, segundo Maryse Farhi et al. (2009), foi originada em meados de 2007 no mercado norte-americano de hipotecas de alto risco, adquirindo proporções tais que acabou por se transformar, após a falência do banco de investimentos Lehman Brothers, numa crise sistêmica. Dessa forma, a presente crise colocou em xeque a arquitetura financeira internacional, na medida em que explicitou as limitações dos princípios básicos do sistema de regulação e supervisão bancária e financeira atualmente em vigor, bem como pôs em questão a sobrevivência de um perfil específico de instituições financeiras.31 Um dos itens analisados é que o posicionamento do bloco do Mercosul referente à crise foi propor mais comércio e menos restrições para superar os efeitos da crise. De acordo com o artigo publicado no International Centre for Trade and Sustainable Development, é enfatizado que o Mercosul teve bases sólidas em sua macroeconomia para enfrentar a crise do que em outros tempos. “Além do incremento do comércio intrarregional, a adoção de mecanismos de integração financeira e o uso de moedas locais para o intercâmbio comercial foram propostos como possíveis medidas para a proteção do bloco contra a crise.” 32 Apesar de o Mercosul ser considerado atrasado em uma comparação com a União Européia em termos de integração econômica, política e social, o bloco, no período 2008, ao invés de propôs estratégias para combater os efeitos da crise, desenvolveu políticas de guerra comercial entre seus países membros. Um exemplo básico sobre esse posicionamento é o caso do Brasil 31

FARHI, Maryse et al. A crise e os desafios para a nova arquitetura financeira internacional. Revista de Economia Política, vol. 29, nº 1 (113), janeiro-março/2009, pp. 135-138.

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INTERNATIONAL CENTRE FOR TRADE AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT. MERCOSUL propõe mais comércio e menos restrições para superar crise. Pontes Quinzenal, Vol. 3, Número 20, novembro de 2008. Disponível em: http://ictsd.org/i/news/pontesquinzenal/33113/ Acessado em 20 de Agosto de 2013.

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e Argentina em uma guerra comercial, com a Argentina limitando a entrada de produtos oriundos do Brasil. Nessa disputa, ambos os países chegaram a discutir a adoção conjunta de limites a produtos asiáticos, entretanto, o que prevaleceu foi o interesse nacional dos referidos países.33 Segundo Rogério Simões (2008), na avaliação de Antonio Lassance sobre o período de 2008, o Mercosul reunia mais razões de otimismo que os demais blocos. A União Européia, sob crise aguda, vive um de seus piores momentos. O North America Free Trade Agreement (Nafta) acentuou os problemas da economia mexicana, e os Estados Unidos patinam para superar a recessão. A Asia Pacific Economic Cooperation (Apec), além de muito heterogênea e pouco institucionalizada, pouco avançou diante da competição entre seus países, que disputam muitas vezes o mesmo espaço.34

Outro estudo otimista da crise de 2008 e seus efeitos financeiros no Mercosul é de Charles Kupchan (2010), que destacou a arquitetura política e institucional do Mercosul como um caso exemplar. Em seu livro How Enemies Become Friends: The Sources of Stable Peace, ele dedica boa parte apontando que o processo de reaproximação entre Argentina e Brasil, nos anos 80, acabou atraindo, nas décadas seguintes, Paraguai e Uruguai. Segundo Kupchan (2010), os antigos inimigos conseguiram compreender suas diferenças e passaram a se tratar como atores confiáveis. This convergence was fostered in part by Brazil’s decision to forego its self-image as a first-world country allied with the United States, instead becoming part of an exclusive regional community comprising the countries of South America. The emergence of compatible identities was also advanced by the project of integration that accompanied rapprochement, one that generated a new narrative of regional solidarity. (KUPCHAN, 2010, p. 134).

Para Kupchan (2010), a solidariedade regional gerou um processo de integração de identidades compatíveis entre os membros do bloco. A reaproximação entre nações até então inimigas contribuiu para a superação de fragilidades na integração de política e econômica, dessa forma não cometendo os mesmos erros dos impérios. Assim, cooperar com os países vizinhos e países em desenvolvimento, na perspectiva de não gerar um 33

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SIMÕES, Rogério. UE, MERCOSUL e a crise global. 2008. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/blogs/ portuguese/2008/10/ue_MERCOSUL _e_a_crise_global.shtml Acessado em 20 de Julho de 2013. SIMÕES, Rogério. UE, MERCOSUL e a crise global. op. cit.

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exclusivismo econômico, foi o motivo do sucesso da superação da crise econômica de 2008 pelo Mercosul. Especially as Mercosur developed during the 1990s, talk of “friendships bridges” and kinship among the peoples of South America helped Argentines and Brazilians fashion a stronger sense of communal identity. According to Oelsner, “The formal process of integrating Mercosur” has very gradually awakened a perception of common or shared destiny not just among political and economic elites but also in wider circles of society. As of yet the question of whether a more mature security community will emerge in the years ahead. (KUPCHAN, 2010, p. 134).

Assim, o modelo de solidariedade regional do Mercosul é apontado como exemplar para os blocos hegemônicos, trazendo a lição essencial de que a competição pode ser superada por arranjos sustentáveis cooperativos, em que antigos inimigos passam a se tratar como atores confiáveis. Para Kupchan (2010), a mão invisível do liberalismo é incapaz de produzir tal arquitetura por geração espontânea para produzir saldos comerciais e financeiros positivos em uma perspectiva em longo prazo. Na ótica do autor, é a diplomacia que impulsiona a economia e não o mercado. A diplomacia é capaz de induzir projetos nacionais e tudo deve começar com um dos atores se dispondo a fazer concessões. Para Saraiva e Briceño (2009), o papel ‘geopolítico’ do Mercosul, diferentemente dos demais, não foi objeto nem motivação dos primeiros acordos entre os estados membros. O Mercosul, depois da crise de 2008, se fortaleceu econômica e politicamente. “Ao mesmo tempo, um Mercosul forte e coeso funcionaria como articulador de cooperação Sul-Sul entre blocos regionais e outros agrupamentos de países em desenvolvimento ”. Fazendo um balanço da assinatura do Tratado de Assunção depois de vinte anos, percebemos que o Mercosul desempenha um papel de inserção internacional dos países participantes do bloco e principalmente do Brasil. O fortalecimento desses espaços políticos e institucionais do Mercosul constitui uma condição fundamental para enfrentar desafios e problemas estruturais do bloco, tais como as assimetrias entre os países que compõem o problema das tarifas aduaneiras e a perspectiva da adoção de uma moeda comum no futuro.35

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WEISSHEIMER, Marco Aurélio. Internacional - O que a crise da União Europeia ensina ao Mercosul? Revista de Informações e debates IPEA. Ano 8. Edição 67, 2011. Disponivel em: http:// desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2575:catid=28&Itemid=23 Acessado em 10 de agosto de 2010.

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INTEGRAÇÃO ECONÔMICA, FLUXO COMERCIAL E OS INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DO MERCOSUL Nesta parte, serão apresentados e discutidos alguns trabalhos realizados com a temática do Mercosul, evidenciando os avanços de integração econômica e regional, o fluxo do comércio entre 1991 e 2012 e, por fim, serão analisados alguns indicadores sociais, econômicos e populacionais entre 2000 e 2012 dos países que compõem o bloco econômico do Mercosul. Diversos trabalhos têm sido feitos para tratar da integração econômica na América Latina, utilizando diferente referencial metodológico e analítico. Há que considerar que a formação do Mercosul representou um avanço em relação às demais tentativas integracionistas tentadas anteriormente na América Latina. Como já assinalado, o Mercosul compreende um processo integracionista entre seus países membros, que tem por objetivo a eliminação gradual de suas barreiras. Soares (1997) destaca que a intenção da integração comercial vai além de um simples regime de tarifas e aduanas, compreende um modelo mais elaborado de integração com livre circulação de mercadorias entres seus membros. Melo (1999) constata que de fato houve um avanço na integração do comércio no Mercosul e há livre comércio entre seus membros, ressalta, porém, que não existem uma aduana e tarifa perfeita. Há muitas negociações ainda a serem feitas em relação às tarifas aduaneiras. Outro defensor da integração comercial no Cone Sul é Bouzas (2001), que, em sua análise, defende a tese de que no Mercosul houve crescimento dos fluxos de comércio e de investimento, além do processo de desenvolvimento social e econômico entre os estados membros. Por outro lado, há autores que contestam esta integração, afirmando que ela não está ocorrendo de forma homogênea nos estados membros. Um deles é Izerrougene (2007), que reconhece ter ocorrido uma melhora na renda, no investimento, na diversificação da demanda e do aumento da especialização intraindustrial, mas isto não está ocorrendo de forma homogênea nos países integrantes do Mercosul. Continuando a análise, Izerrougene (2007) faz críticas severas com relação ao Mercosul, afirmando haver grandes disparidades entre os estágios de desenvolvimento dos estados parte e dos estados associados. Para o autor, não existe oportunidades para promover um desenvolvimento igualitário e justo entre todos os países, e os países pobres têm um ônus permanente e cumulativo frente aos países ricos, o que aumenta sua liderança frente aos demais, podendo levar a crises no processo integracionista. Indo nessa mesma análise, Furtado (1978) já assinalava a grande desigualdade existente na América Latina e apontava uma concentração 255

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geográfica nas atividades econômicas, divergências políticas na região, exploração dos recursos naturais, ineficácia dos estados nacionais na orientação dos processos econômicos e sociais. No entanto, deve-se a avaliar que a integração econômica não deve ocorrer apenas na área comercial, deve-se considerar que o processo de integração pode desencadear desenvolvimento social e econômico para outros setores da sociedade, objeto deste trabalho. Não é objetivo deste artigo discorrer sobre as diversas teorias da integração econômica regional, mas cabe aqui mencionar alguns teóricos que tratam desta temática. Entre eles, Jacob Viner (1950), que investiga os efeitos de uma união aduaneira no comércio, investigando a criação e desvio de comércio; Lipsey (1960), que avança na teoria de Viner e analisa os efeitos benéficos na estrutura produtiva e no consumo dos países envolvidos, dadas as importações que passariam a ocorrer pela diminuição dos preços relativos das mercadorias causada pelas mudanças ocorridas com relação à produção e ao comércio, consequentemente, aumentando o bem-estar da sociedade. Vasconcelos (2000) analisa a criação e o desvio de comércio do fluxo comercial entre Brasil e Mercosul, sob a ótica de Viner (1950), para alguns produtos industrializados. Utilizando o equilíbrio parcial, ele chega à conclusão de que há evidências de desvio de comércio nas seções de produtos das indústrias químicas e conexas e nas máquinas e aparelhos e materiais elétricos. Entretanto, para o conjunto de seções da nomenclatura brasileira de mercadorias, referente a produtos industrializados considerados na análise, houve uma criação líquida de comércio. Myrdal (1962), Balassa (1964), Bastos (2008) e Leme (2006) completam a lista dos autores que discutem o processo de integração econômica. Em trabalhos recentes, Bechlin (2010) e Cardoso (2011) analisam o processo integracionista no Mercosul. Bechlin (2010) analisa o processo de integração econômica no Mercosul a partir de uma perspectiva multidimensional entre 1998 e 2008, levando em consideração, além do fluxo comercial, outras variáveis políticas, sociais e tecnológicas nos estágios de integração do Mercosul. Adotando um Modelo da Dimensão Global da Integração Regional calculado para os Estados Parte e Associados, ele obteve o Índice de Desenvolvimento Global Regional de 0,57 para 1998 e 0,62 para 2008, concluindo que o bloco está em processo integracionista em desenvolvimento. Analisando os índices para cada um dos Estados Parte e Associados, constatou-se um desenvolvimento desigual entre 1998 e 2008, apresentando o Brasil um crescimento mais que proporcional em relação aos demais países em todas as áreas analisadas. Conclui, também, que, embora a integração do bloco tenha apresentado avanços, os efeitos obtidos não de distribuíram de forma igualitária entre os países, dada a sua heterogeneidade. 256

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Cardoso (2011), analisando o fluxo de comércio intrarregional no Mercosul, no período de 1994 a 2009, utilizando um modelo gravitacional estendido, chegou à conclusão de que o Mercosul obteve os maiores aumentos de comércio entre todos os esquemas de integração regionais relevantes para os países membros. Quando considerada a análise dos setores, apenas a agricultura teve valor expressivo, mostrando que os produtos deste setor ainda foram predominantes na pauta de exportação dos países do Mercosul. Outra conclusão a que chegou foi que a constituição do Mercosul surtiu efeitos significativos sobre o padrão de exportações de todos os seus integrantes, visto que, de modo geral, todos eles experimentaram um aumento significativo das suas exportações intrabloco durante o período analisado. Com destaque para a economia paraguaia, que se mostrou fortemente dependente do comércio intrarregional. INTERCÂMBIO COMERCIAL DO BRASIL COM OS PAÍSES MEMBROS DO MERCOSUL Aqui será apontado o fluxo do comércio intrabloco do Mercosul. Como já mencionado, a implantação do Mercosul em 1991 representou um marco para os países da América do Sul, tendo sido o primeiro processo de integração sul-americano a obter resultados concretos e a abrir alternativas regionais para uma melhor inserção internacional dos países do cone sul, nos quadros de uma ordem mundial emergente, com seu modelo integracionista. O processo de integração no Mercosul vem adotando gradualmente a eliminação das barreiras ao comércio dos países membros (VIZENTINI, 2007; CARDOSO, 2011 ). Analisando seu potencial de consumo dos países membros, o Mercosul, em 2012, representou um mercado de 249,5 milhões de pessoas, em um território de 12 milhões de km2, com um PIB de 2,8 trilhões de dólares e com um volume de comércio exterior de mais de 650 bilhões de dólares, além do mais, a América do Sul é dotada de grande potencial de energia e de recursos naturais (WORLD BANK, 2013). No contexto de integração global, Vizentini (2007) diz que a concentração de países em blocos econômicos, no caso do Mercosul, possibilita a consolidação das relações comerciais de seus países membros, assim como é estrategicamente funcional no contexto internacional. Ele defende a ideia de que a integração não se dá apenas no campo econômico, mas também no social, político e cultural dos povos envolvidos. Dessa forma, o comércio global consiste na integração dos mercados nacionais por meio da diminuição das barreiras comerciais e, consequentemente, do aumento do comércio internacional (WOSS, 2011). 257

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Mirian Beatriz Schneider Braun (Organizadora)

Esse avanço de integração econômica no Mercosul teve início a partir dos anos 90. Pesquisadores como Bonelli e Fonseca (1998), Moreira (1999), Pinheiro e Moreira (2000) e Braun (2003) têm mostrado correlação entre a abertura brasileira para o mercado externo nos anos 90 e o aumento da produtividade no setor manufatureiro brasileiro, bem como discutido a política comercial brasileira. Harrison et al. (2003) analisaram os efeitos das políticas comerciais regionais do Mercosul para o crescimento econômico e a redução da pobreza no Brasil, chegando à conclusão de que os domicílios mais pobres ganham de três a quatro vezes mais que a média dos ganhos para o Brasil, devido a um aumento na demanda por produtos dos setores mais intensivos em trabalho não qualificado e à elevação dos salários a partir da liberalização comercial iniciada nos anos 90. Diante do exposto, a Tabela 1 apresenta o fluxo do comércio entre os países membros do Mercosul. Como pode ser observado, desde os anos 90, o Mercosul trouxe uma transformação no comércio entre os países membros, com forte crescimento das trocas entre eles. Para Cardoso (2011), esse cenário passa a ser modificado a partir dos últimos anos da década de 1990, quando as crises econômicas acirram os conflitos comerciais, principalmente entre Brasil e Argentina, que concentram a maior parte dos fluxos comerciais do Mercosul. A intensidade dos fluxos comerciais entre os países membros do Mercosul entre 1992 e 1997 é o indicador mais pertinente no tocante ao sucesso da iniciativa. Consequentemente, esse processo contribui muito para modificar o grau de interdependência entre os países membros, não só devido ao aumento dos fluxos de comércio e investimento, mas também devido a aspectos históricos e à proximidade geográfica (VEIGA, 2005). A análise da Tabela 1 se baseia nos estudos de Cardoso (2011) e Bechlin (2010) e apresenta o comércio entre os países membros que formam o bloco e a evolução das relações econômicas intrarregionais no Mercosul. Os anos, em análise, comparativos se atêm a 1995, 2002 e 2011, e a justificativa da escolha se deve a um período em ascensão (1995), um período de crise (2002) e, por fim, ao período de 2011, com a expansão do crescimento do comércio. Nota-se que os fluxos comerciais entre os países membros encolheram de forma significativa entre 1995 e 2002, devido à sequência de crises que afetaram os dois países, inclusive com mudanças de regime cambial no início de 1999 no Brasil, e em fins de 2001, na Argentina. Tanto as exportações quanto as importações tiveram queda entre os países membros. As exportações brasileiras para a Argentina, Paraguai e Uruguai caíram 42%, 58% e 57%, e as importações, 11%, 13% e 38%, respectivamente. A queda na 258

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transação comercial intrabloco foi de 43% nas exportações, passando de US$ 4,3 bilhões em 1995 para 2,4 bilhões em 2002, ao passo que as importações intrabloco diminuíram cerca de 15%, passando de US$ 6,7 bilhões para US$ 5,7 bilhões. Passado o período de ajustamento, o comércio bilateral entre Brasil e Argentina voltou a crescer nos anos subsequentes (Figura 1). As exportações brasileiras cresceram cerca de 667% entre 2002 e 2011, enquanto as importações provenientes da Argentina apresentaram uma variação menor, de 246%. Em 2011, as exportações brasileiras alcançaram US$ 17,9 bilhões e as importações, US$ 16,4 bilhões. A taxa de crescimento das exportações, bem superior à variação das importações, resultou num superávit comercial crescente e favorável para o Brasil em torno de US$ 1,5 bilhão. A Argentina figura entre os principais destinos das exportações brasileiras. Em relação às importações, a Argentina foi o 3º fornecedor do Brasil (MDIC, 2013). Quanto ao comércio bilateral entre Brasil e Paraguai, ele apresentou considerável crescimento entre 1995 e 2011. Em 1995, o Brasil exportava para o Paraguai US$ 1,3 bilhão, com o período da crise no continente sul em 2002, a exportações foram de apenas US$ 558 milhões, representando uma queda de 57%. Nos anos subsequentes, como consta nas figuras 1 e 2, há crescimento tanto das exportações quanto das importações. Em 2011, as exportações do Brasil para o Paraguai chegaram a US$ 2,96 bilhões, representando um aumento de 431%. Quanto às suas exportações para o Brasil, elas se mantiveram estáveis, passando de US$ 410,8 milhões em 1995 para US$ 715 milhões em 2011, um crescimento de 74%. Algo relevante é o fato de os principais destinos das exportações do Paraguai ser Argentina e Uruguai, respectivamente, enquanto suas compras advêm principalmente do Brasil e da Argentina, evidenciando assim o comércio intrarregional (Tabela 1). No tocante ao comércio bilateral entre Brasil e Uruguai, em 1995 o Uruguai comprou do Brasil US$ 662 milhões, já em 2011 as compras chegaram a US$ 1,9 bilhões, um crescimento de mais de 201%. Quanto às exportações, o Uruguai vendeu para o Brasil US$ 700 milhões em 1995, já em 2011, as vendas passaram de US$ 1,6 bilhão, um aumento no fluxo do comércio de 135%.

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Mirian Beatriz Schneider Braun (Organizadora)

Tabela 1 – Fluxo comercial intrarregional no Mercosul - 1995, 2002 e 2011 (em milhões US$ correntes)

Total

Uruguai

Paraguai

Brasil

Argentina

País Importador

País Exportador

 Total

Argentina

Brasil

Paraguai

Uruguai

1.995

x

4.041,1

83,3

267,1

4.391,5

2.002

x

2.346,5

34,7

113,3

2.494,5

2.011

x

22.709,3

972,6

587,0

24.268,9

1.995

5.484,1

x

410,8

700,1

6.595,0

2.002

4.743,8

x

353,0

431,8

5.528,6

2.011

17.334,8

x

715,8

1.645,0

19.695,6

1.995

631,4

1.300,7

x

24,9

1.957,0

2.002

344,7

559,6

x

61,7

966,0

2.011

1.367,0

2.968,5

x

191,0

4.526,5

1.995

662,9

811,0

34,0

x

1.507,9

2.002

530,5

412,5

165,1

x

1.108,1

2.011

1.995,3

2.174,5

1.061,6

x

5.231,4

1.995

6.778,4

6.152,8

528,1

992,1

14.451,4

2.002

5.619,0

3.318,7

552,8

736,1

10.226,5

2.011

20.697,1

27.852,3

2.750,0

2.423,0

53.722,4

Fonte: Comisión Económica para a América Latina y El Caribe – CEPAL – Bases de datos (2013); Departmento de integración y Comércio Internacional em base a Trade Map. (2013).

O fluxo de comércio entre Argentina e Paraguai seguiu o mesmo padrão, embora em menor valor. Em 1995, a Argentina exportava para o Paraguai cerca de US$ 631 milhões, em 2011, passou para US$ 1,3 bilhão, tendo a exportação crescido 2,1 vezes. Já para o Paraguai apresentou um crescimento surpreendente nas suas exportações para a Argentina, de cerca de 11,7 vezes, e suas exportações, que, em 1995 eram de US$ 83,3 milhões, passaram para US$ 972 milhões em 2011. Quanto ao comércio bilateral entre Argentina e Uruguai no período de declínio 1995-2002, a queda das exportações da Argentina para o Uruguai foi de 19%. No período de crescimento 2002 a 2011, as exportações aumentaram cerca de 276%, passando de US$ 530 milhões para US$ 1,9 bilhões. Quanto às vendas do Uruguai para a Argentina, elas mantiveram um comportamento semelhante aos dos demais países do Bloco. Em 1995, as exportações para Argentina eram de cerca de US$ 267 milhões, passando para US$ 587 milhões em 2011, com um crescimento de 119%. 260

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Por fim, o fluxo de comércio entre Paraguai e Uruguai foi diferenciado quanto ao padrão seguido pelo comércio entre os demais membros nos anos de análise. No período de declínio 1995-2002, o Paraguai aumentou em 385% suas exportações para o Uruguai, e as importações cresceram cerca de 147%. Quanto ao período de 2002 a 2011, as exportações paraguaias passaram de US$ 165 milhões para US$ 1,06 bilhões, um aumento de aproximadamente 543%. Já as importações advindas do Uruguai aumentaram cerca de 154% entre 1995 e 2002, passando de US$ 24,9 para US$ 61,7 milhões, respectivamente. No período de expansão, entre 2002 e 2011, as importações advindas do Uruguai aumentaram cerca de 213%, passando de US$ 61,7 milhões em 2002, para mais de US$ 191 milhões em 2011 (Tabela 1 ). Neste ponto, é oportuno citar o trabalho de Graf e Azevedo (2013), que estimou o fluxo potencial de comércio bilateral para os países membros do Mercosul através do modelo gravitacional, concluindo que houve uma aproximação considerável entre os valores de comércio potencial total do bloco e o fluxo real de comércio para o ano de 2009. Os fluxos que apresentaram maior potencial de comércio foram Argentina x Paraguai e Argentina x Uruguai, enquanto o país que apresentou a maior parte dos fluxos bilaterais potenciais de comércio abaixo do comércio efetivo foi o Brasil. Segundo Cardoso (2011), a constituição do Mercosul surtiu efeitos significativos sobre o padrão de exportações de todos os seus integrantes, pois, de modo geral, todos eles experimentaram aumento significativo das suas exportações intrabloco. As Figuras 1 e 2 apresentam a evolução das exportações e da importações do comércio intrarregional dos países membros do Mercosul. Como pode se observado, no que se refere às exportações, o comércio intrarregional foi afetado pelas crises de 2002 e 2009, em proporções similares, tendo o volume comercializado se reduzido 33% e 26%, respectivamente, em comparação ao ano anterior em cada um dos episódios.

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Figura 1 – Evolução do Comércio intrarregional das exportações em milhões de dólares entre 1991 e 2012

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior (2013).

Nota-se desde o início da década de 90 uma evolução positiva das exportações dos países membros do Mercosul (Figura 1). Este efeito pode ser explicado pela importância no comércio intrarregional dos produtos industriais, produtos de base primária e manufaturados, aumentando, dessa forma, o fluxo comercial no Cone Sul. Quanto às importações, conforme a figura 2, elas têm o mesmo caminho das exportações. Como pode ser observado na figura 2, desde os anos 90, as importações pelos países membros do bloco vêm crescendo, exceto no período de 2002 e 2009. Outra observação é que os países que têm o maior volume tanto das exportações e quanto das importações são o Brasil e Argentina. Paraguai e Uruguai são mais modestos em termos de volume comercializados. A pauta de comercialização será analisada a seguir.

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Figura 2 – Evolução do Comércio intrarregional das importações em milhões de dólares entre 1991 e 2012

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior (2013).

Torna-se necessário explorar, nesta parte, as pautas de exportação dos países membros e analisar as principais commodities, pois elas representam mais de 50% das exportações do comércio intrabloco. Seguindo o mesmo período, serão analisados os anos 1995 e 2011, pois captam um efeito inicial e um efeito pós-Mercosul em âmbito comparativo. Os dados foram coletados junto ao United Nations Commodity Trade (2013) e Cardoso (2011). As principais commodities exportadas pela Argentina em 1995 estão distribuídas nos seguintes setores: agrícola, 34%; recursos naturais, 21%; e manufaturados, 43 %. Em 2011, houve alteração na pauta de exportação da Argentina. O setor agrícola reduziu sua participação para 11%, o setor de recursos naturais representou 21%, a mesma situação de 1995, e o setor de manufaturado aumentaram para 68%, evidenciando maior valor agregado nas pautas de exportações intrarregionais no caso argentino. Os principais produtos comercializados pela Argentina são: cereais, animais vivos, combustíveis minerais, leite e laticínios, ovos, gorduras, óleos animais e vegetais, plásticos, peles e couros, veículos, automóveis, tratores, reatores nucleares e caldeiras. O Brasil tem o maior volume de produtos comercializados no bloco, e as principais pautas de exportação em 1995 foram constituídas de veículos, automóveis, tratores, reatores nucleares, caldeiras, máquinas, materiais elétricos, máquinas, aparelhos e materiais elétricos, que responderam por mais de 75%. O setor de manufaturados representou 95% das exportações 263

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brasileiras, o setor agrícola e o de recursos naturais representaram 3% e 2%, respectivamente (UNCT, 2013). Em 2011, não ocorreram grandes alterações na pauta de exportação, exceto no volume exportado: o setor manufatureiro representou cerca de 82% e o setor de recursos naturais passou a ser maior participação, cerca de 18%. Nota-se que o setor agrícola não aparece entre as principais commodities exportadas para o Mercosul, o que mostra a relevância do país em exportar produtos industrializados intrabloco. Cardoso (2011) já havia encontrado resultados semelhantes na pauta de exportação de 2009. Diferentemente do Brasil, o Paraguai se sustenta na pauta de exportação de produtos agrícolas: em 1995, este setor representou cera de 35%, e em 2011 aumentou para 96%, o setor de manufaturas contribuiu com 4% e o setor de recursos naturais não apareceu entre as principais commodities. Os principais produtos são: sementes, frutos, óleos animais e vegetais, cereais, madeira, carvão, plásticos, vestuário, carnes e miudezas. As exportações do Uruguai se encontram assim distribuídas: em 1995, o setor agrícola representou cerca de 58% das exportações e o setor de manufaturas, 44%, mas o setor de recursos naturais não esteve entre as principais commodities exportadas para o bloco. Paraguai e Uruguai se assemelham na pauta de exportação que são: carnes e miudezas, sabão, fumo, cereais, plásticos, papel, cartão, móveis, sal, enxofre, leite, ovos, fertilizantes. Em 2011, a pauta de exportações uruguaias para o Mercosul estava assim distribuída: 63% no setor agrícola, 36% no setor de manufaturados e 1% no setor de recursos naturais. A Tabela 2 apresenta a taxa geométrica de crescimento e a média do intercâmbio comercial das exportações e importações, em milhões de dólares, do Brasil para o mundo e para os países membros do Mercosul desde o período da formação do bloco em 1991, até 2012. A taxa e a média foram calculadas pelo software EViews 4.0. O Brasil exportou, em média, no período em análise, cerca de US$100,3 bilhões para o mundo, e suas importações ficaram em torno de US$84,4 bilhões, e a taxa geométrica de crescimento tanto para as exportações quanto para as importações ficou em 10,5% e 10,7% ao ano, respectivamente. Analisando as exportações e importações do Brasil entre os países membros, a média ficou em torno de U$10,9 bilhões para as exportações e US$8,9 para as importações, dito de outra forma, as exportações e as importações representaram em média 10% do comércio intrabloco. A taxa de crescimento foi de 9% ao ano para as exportações e 8% para as importações.

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Tabela 2 – Taxa geométrica de crescimento e média do intercâmbio comercial das exportações e importações do Brasil para o mundo e para os países membros do Mercosul entre 1991 e 2012 (US$ milhões FOB) Brasil Total

    Média

Exp

Imp

Mercosul Exp

100.367 84.426 10.992

TGC (%)

10,58

10,71

9,03

Argentina

Imp

Exp

8.934

8.712

8,16

10,27

Imp

Paraguai Exp

Exp

Imp

7.679 1.314 438,77

966

816

8,83

5,86

5,31

5,73

Imp

Uruguai

4,25

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior (2013). TGC: taxa geométrica de crescimento; Exp: exportação; Imp: importação

Como já mencionado, a Argentina figura como o principal país dentro do bloco com o qual o Brasil comercializa. Em média, o Brasil exportou para a Argentina US$8,9 bilhões e importou US$7,6 bilhões, isto representa mais de 80% da comercialização intrabloco. As exportações para a Argentina cresceram em média 10% ao ano, enquanto as importações, 8,8% (Tabela 2). Quando se analisa o fluxo de comércio entre Brasil e Paraguai e Uruguai, tanto as exportações quanto as importações são mais modestas. As exportações para o Paraguai, em média, foram 12%, e para o Uruguai, 8% do total das exportações do Brasil para o bloco entre 1991 e 2012. Em ambos os países, a taxa de crescimento tanto das exportações quanto das importações ficou em torno de 5% ao ano. Pelo exposto, conclui-se que Brasil e Argentina são as maiores economias do bloco e se destacam pelas exportações de produtos industrializados e semiprocessados, enquanto Paraguai e Uruguai são os maiores exportadores de commodities, com baixo valor agregado. A seguir serão apresentados e discutidos os principais indicadores sociais e econômicos dos países membros do Mercosul. A discussão é oportuna haja vista que a integração regional não se faz apenas na área econômica, mas também na social e política. OS INDICADORES SOCIAIS, ECONÔMICOS E DEMOGRAFICOS DOS PAÍSES-MEMBROS DO MERCOSUL O Mercosul, além de se deparar com desafios como o protecionismo elevado, as disparidades políticas, a falta de mecanismos capazes de concretizar o processo integracionista, tem pela frente a superação de grandes desigualdades sociais e econômicas no Cone Sul. É importante mencionar que o motivo de tantos impasses vai além do campo econômico. Na concepção de Pinto (2001), as divergências são 265

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históricas e estão diretamente relacionadas com a evolução desses países ao longo do século XX. Por um lado, o Brasil conseguiu superar seu passado de escravidão. Tinha grandes desequilíbrios regionais e, no início do século XXI, se consolidou como líder político e econômico na América do Sul, conseguindo superar condições desfavoráveis de um passado atrasado. Por outro lado, tem-se a cultura elevada dos nossos vizinhos Argentina e Uruguai, mas que não tiveram políticas capazes de transformar o sucesso econômico inicial, que contava com recursos naturais e mão de obra abundante, em uma nação dinâmica e progressista. A Tabela 3 apresenta os principais indicadores sociais, econômicos e populacionais no período de 2000 e 2012, ficando evidentes as disparidades sociais, econômicas e populacionais existentes entre os países. Braun, Cardoso e Bechlin (2012) deixam claro que, apesar dos desafios existentes entre os países, existem, dentro do Mercosul, outros fatores de estagnação como os aspectos desalinhados da institucionalização Houve crescimento da população em todos os países membros. Entre 2000 e 2012, a população do Mercosul cresceu cerca de 13%: a maior taxa de crescimento verificada foi na Brasil de 14%, seguida da Argentina com 11%. O Uruguai foi o que apresentou a menor expansão de sua população, 2,4%. O Brasil, por ser o maior em extensão territorial, tem uma população de quase 200 milhões de habitantes como um mercado interno em expansão. Em seguida, aparece a Argentina, com uma população de 41,1 milhões. Paraguai e Uruguai totalizam mais de 10 milhões de habitantes em 2012 (Tabela 3). A população do Brasil e da Argentina corresponde a 95% do Mercosul. Pode-se inferir que grande parte do fluxo comercial fica entre esses dois países, constituindo uma integração bilateral. Ainda com relação à população dos países inseridos no Mercosul, percebe-se um aumento percentual em todos os países da população que vive em áreas urbanas, com destaque para a Argentina e Uruguai, que têm um percentual de 93% de urbanização, seguidos pelo do Brasil, com 85%, e pelo Paraguai, com 62%. No bloco, cerca de 84% da população vive nas cidades. Na verdade, esse aumento das taxas de urbanização é um fenômeno verificado em todo o globo terrestre, não sendo exclusivo da América do Sul. Se por um lado, esses números refletem a questão do avanço do capital no campo, pois a tecnologia aplicada na agricultura é poupadora de mão de obra e traz resultados positivos para a produção, por outro lado, ela tem forçado o êxodo rural para os centos urbanos, gerando resultados negativos em relação a aspectos sociais.

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Tabela 3 – Indicadores demográficos, sociais e econômicos dos países-membro do Mercosul – 2000 e 2012 Indicadores sociais, econômicos e demográficos

Argentina

Brasil

Paraguai

Uruguai

Mercosul

2000

2012

2000

2012

2000 2012 2000

2012

2000

2012

População (milhões de habitantes)

36,93

41,1

174,4

198,3

5,43

6,68

3,31

3,39

220,39

249,54

População urbana (milhões)

33,25

38,06

141,68

168,6

2,96

4,17

3,03

3,14

180,92

213,97

Taxa de urbanização (%)

90

93

81

85

55

62

91

93

79,25

83,25

Taxa de alfabetização (%)

97

98

86

90

85

94

95

98

90,75

95

Esperança de vida

74

76

70

73,5

70

72,5

75

76,5

72,25

75,62

Gasto Educação (%PIB)

4,6

5,8

4,0

5,8

5,3

4,1

2,4

2,9

4,07

4,65

Taxa de mortalidade infantil (por cada 1000)

20

14

36

16

35

22

17

10

27

15,5

IDH

0,75

0,81

0,66

0,73

0,61

0,66

0,74

0,79

0,69

0,74

PIB (US$ bilhões)

284,2

474,

644,7

2.252

8,19

25,5

22,8

49,05 959,91 2.801,3

PIB per capita (US$ mil)

7,7

11,5

3,6

11,34

1,53

3,81

6,87

14,44

Dívida externa (em US$ bilhões)

4,92

10,28

147,0

114,

242,5

404,3

3,13

6,01

8,49

14,34 401,14

Exportação (bens e serviços %PIB)

11

19

10

13

46

47

17

26

21

26,25

Importação (bens e serviços %PIB)

10

17

12

14

38

47

20

30

20

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539,35

Fonte: The World Bank (2013); United Nations Development Programme (2013)

Quando se analisa a taxa de alfabetização, Argentina e Uruguai apresentam os melhores resultados, ambos com uma taxa de 98% de sua população alfabetizada em 2012, indicando um alto grau de instrução e cultura nesses países. No Brasil, a taxa era de 86% em 2000 passando para 90% em 2012. Entre os países membros, o Brasil tem a menor taxa de alfabetização, ou seja, 10% da população brasileira ainda é considerada analfabeta. No item esperança de vida, novamente Argentina e Uruguai têm os melhores indicadores: 76 anos para a Argentina, em 2012, e para o Paraguai, 72,5 anos. O Brasil vem aumentando a expectativa de vida no continente: em 2000 era de 70 e em 2012 passou para 73,5 anos. Segundo Sen (2000), educação gera bem-estar, saúde, crescimento e desenvolvimento de um país. E é por meio da educação que se conhecem os valores e a cultura de uma nação. Entre os países analisados, o Paraguai foi o único que reduziu o gasto com educação, passando de 5,3% para 4,1% do PIB. O Brasil e Argentina têm a mesma proporção de gasto com a educação, 267

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cerca de 5,8% do PIB em 2012. O Uruguai gasta cerca de 2,9%, a menor taxa dos países membros. A taxa de mortalidade infantil foi um dos indicadores que obtiveram resultado positivo em toda a América Latina. A redução da mortalidade por 1000 nascidos vivos no período de 2000 a 2012 foi de 30% na Argentina, 37% no Paraguai, 41% no Uruguai. No Brasil, a redução foi mais significativa, 55%, indicando investimento e políticas públicas eficientes (Tabela 3). A utilização do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)36 como principal medida de desenvolvimento provém da orientação da Unesco, “que procura considerar as numerosas dimensões do bem-estar humano, já que a atenção concentrar-se-ia assim sobre os fins para os quais o desenvolvimento deve servir, em vez de fazê-lo apenas sobre os meios, por exemplo, para o aumento da produção” (UNESCO 1999, p. 28-29). Argentina e Uruguai têm os melhores IDH do Mercosul, 0,81 e 0,79, respectivamente, considerados muitos altos. O pior IDH é encontrado no Paraguai, 0,66, em 2012. O Brasil vem melhorando esse indicador: em 2000, ele era de 0,66, passando para 0,73 em 2012, considerado um alto desenvolvimento (PNUD, 2013). Passando para as contas nacionais, observa-se grande disparidade do Brasil em relação aos demais países componentes do bloco. Tendo como base o período 2000 e 2012, conforme tabela 3, o Brasil foi responsável em média por mais de 67% do PIB do bloco em 2000 e a Argentina, por 29%. Já o Paraguai, o menor PIB do bloco, foi responsável, em média, por 0,85% do total, ou seja, o PIB brasileiro em média é 78 vezes maior que o total paraguaio e 29 vezes maior que o do Uruguai. Em 2012, o PIB do Brasil representou 80% do PIB do bloco, a Argentina, 17%, o Paraguai e Uruguai juntos, 2,65%. A heterogeneidade das economias do bloco em 2012 só aumentou. O PIB brasileiro em média foi 87 vezes maior que o total Paraguai e 45 vezes maior que o do Uruguai. O PIB per capita dos países membros teve considerável aumento. A Argentina aumentou no período em análise 50%. Em 2000 o PIB per capita era de US$ 7,71 mil dólares, chegando em 2012 US$ 11,56 mil dólares. O Brasil foi o que apresentou maior crescimento do PIB per capita, 215% no período, passando de US$ 3,6 para US$ 11,35 mil dólares, ou seja, o PIB per capita brasileiro em média cresceu 3,15 vezes. O Paraguai tem o menor PIB per capita do bloco, cerca de US$ 3,8 mil dólares em 2012. O Uruguai tem o maior PIB per capita do bloco, tendo passado de US$ 6,87 para US$ 14,4 mil dólares em 2012. 36

O IDH varia de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano). As três variáveis analisadas, são saúde, educação e renda. O IDH está dividido em quatro categorias: 1) Os 25% com maior IDH são os de desenvolvimento humano muito alto; 2) o quartil seguinte representa os de alto desenvolvimento (do qual o Brasil faz parte); o terceiro grupo é o de médio; e 4) os 25% piores, os de baixo desenvolvimento humano (PNUD, 2013).

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Analisando a dívida externa dos países do bloco, a Argentina foi o único país que conseguiu reduzir em média 22% no período, passando de US$ 147,02 para US$ 114,7 bilhões de dólares. O Brasil, pelo contrário, aumentou sua dívida externa em média 67%, passando de US$ 242,5 para US$ 404,3 bilhões de dólares entre 2000 e 2012. O Paraguai praticamente dobrou sua dívida externa, porém, em valores menores, tendo passado de US$ 3,13 para US$ 6,01 bilhões, o mesmo acontecendo com o Uruguai, de US$ 8,49 para US$14,34 bilhões de dólares. As exportações e importações de bens e serviços representam o valor de todos os bens e outros serviços no mercado enviados e recebidos intrabloco, incluindo o valor da mercadoria, frete, seguro, transporte, viagens, royalties, taxas de licença e outros serviços relacionados, tais como comunicações, construção, serviços financeiros. As exportações da Argentina passaram de 11% para 19% do PIB, enquanto suas importações, de 10 para 17% do PIB. As exportações do Brasil representaram em média 13% do PIB em 2012 e 14% das importações. As exportações e importações do Paraguai representaram em média 47% do PIB em 2012. O Uruguai contribui em média 20% do PIB, tanto para as exportações quanto para as importações em 2012. Evidencia-se, dessa forma, que houve melhoras dos indicadores aqui apresentados, exceto da dívida externa, que constitui um peso para o Brasil, Paraguai e Uruguai. A Argentina, como já mencionado, foi o único país que conseguiu reduzir sua dívida externa. Apesar de ser a melhor nos indicadores econômicos, ela ainda tem muito a avançar na área social e política. Reduzir a grande disparidade regional dos países do bloco é um desafio para qualquer sociedade que almeja alcançar um desenvolvimento socioeconômico justo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Como visto, o presente trabalho apresentou e discutiu o fluxo do comércio intrarregional entre os países membros do Mercosul, alguns elementos das crises de 2002 e 2008 e os indicadores sociais, demográficos e econômicos. Toda a análise se deu numa perspectiva da economia internacional, tendo como especificidades a área comercial e os indicadores socioeconômicos. A teoria da integração econômica norteou o trabalho. Em pouco mais de duas décadas de existência do Mercosul, as exportações brasileiras para os países integrantes do bloco cresceram 17 vezes ( US$ 1,3 bilhões para US$ 27,8 bilhões), acréscimo que supera em muito o aumento do volume de exportações brasileiras para outros países. Além disso, é preciso destacar a qualidade dessas exportações, compostas por 269

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80% de manufaturados, o que torna o Mercosul um nicho importante para a indústria brasileira. Quanto ao questionamento sobre se a crise financeira de 2008 afetou as exportações no Mercosul, de fato a crise teve reflexo negativo no bloco, reduzindo o volume de comercialização entre os países membros, mas logo retomou suas atividades. Brasil e Argentina são as maiores economias do bloco e se destacam nas exportações de produtos industrializados e semiprocessados, enquanto Paraguai e Uruguai são os maiores exportadores de commodities, com baixo valor agregado. Os resultados mostraram que o crescimento do comércio intrabloco nas economias dos países membros como um todo foi bastante significativo no período 1991-2012, exceto no em 2002 e 2009, anos de crise no bloco. Foi confirmada hipótese de que o Mercosul modificou o fluxo de comércio dos países membros, bem como os setores de suas economias, desdobrando para melhoras de alguns indicadores sociais e econômicos, e que, provavelmente, isso se tenha dado de forma desigual. Em relação aos indicadores sociais, econômicos e demográficos, houve melhoras significativas no bloco, como a redução da mortalidade infantil, aumento do IDH, na taxa de alfabetização, expectativa de vida; nas contas nacionais, os incrementos foram significativos, aumentando o PIB, o PIB per capita e o fluxo comercial, exceto o indicador da dívida externa, um desafio a ser superado pelo Brasil, Paraguai e Uruguai. E a Argentina foi o único país que conseguiu reduzir sua dívida externa. Apesar da melhora dos indicadores econômicos, ainda há muito a avançar na área social e política. Reduzir a grande disparidade regional dos países do bloco é um desafio para qualquer sociedade que almeja alcançar um desenvolvimento sustentável e justo. Outros desafios devem ser enfrentados pelo Mercosul, cabendo ressaltar que o bloco tem problemas de ordem política. Espera-se, portanto, que o bloco conquiste maior sucesso nas questões de barreiras não tarifárias, que os acordos não sejam apenas nos pontos econômicos, mas também nos pontos políticos, visando a melhorias do bem-estar, criando um ambiente de melhor competitividade entre os países membros. Novas análises serão estimuladas visando à complementação desse estudo, sendo sugerida uma investigação sobre as especificidades locais, incorporando variáveis como a cultura, o capital social e as instituições.

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POLÍTICA COMERCIAL E COMPETITIVIDADE DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE ALGODÃO: uma reflexão sobre o contencioso na OMC Camili Dal Pai Udo Strassburg

INTRODUÇÃO Em setembro de 2002 o Brasil recorreu à Organização Mundial do Comércio (OMC) com o intuito de mover uma ação contra o governo dos Estados Unidos da América (EUA). A iniciativa brasileira tinha por finalidade denunciar a política de subsídios americana concedidas aos produtores e exportadores de algodão. Conforme apontado no processo pelo governo brasileiro e corroborado por OXFAM (2002) e Jales (2010) as medidas de proteção aos cotonicultores nos EUA influenciavam os preços internacionais dessa commodity provocando distorções no mercado mundial, afetando não apenas o Brasil, mas igualmente outros países produtores, entre os quais, Austrália, Argentina e o grupo africano denominado Cotton-4 (Benin, Burkina Faso, Chade e Mali). Os graves prejuízos materializaram-se na forma de redução na renda dos agricultores e retração nos investimentos no setor (COSTA; BUENO, 2004). Sen (2010) aponta que, sobretudo na África, dada a importância do produto para este país, as distorções causadas no mercado de algodão contribuíram para o baixo desempenho econômico das nações em desenvolvimento e, consequentemente, colaboraram para a persistência da pobreza. Esses países têm na experiência brasileira uma expectativa de transformação desse cenário. O contencioso é considerado uma conquista da política comercial brasileira e representa um exemplo de que a articulação 275

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entre o poder público e as associações pode representar um mecanismo de enforcement fundamental para a defesa dos interesses nacionais. Contudo, passado mais de uma década de negociações e acordos compensatórios, o processo ainda não se extinguiu e especula-se por quanto tempo a política de subsídios norte-americana se estenderá, ressaltando que apenas a sua eliminação concluiria definitivamente o processo. Diante dessa perspectiva, o objetivo deste estudo é determinar os elementos fundamentais e implicações do contencioso do algodão para a comercialização do produto no mundo. Especificamente pretende-se comparar e avaliar o desempenho competitivo das exportações de algodão brasileiras e norte americanas sob a perspectiva do comércio internacional, analisar os efeitos da investigação e sua contribuição sobre a política comercial brasileira. Para subsidiar esta análise optou-se pela utilização de um ferramental metodológico exploratório, mediante análise documental e bibliográfica, além da realização de entrevista estruturada com representante da organização nacional do setor. A fim de quantificar a relação comercial entre os países em análise e o comércio de algodão mundial, estimou-se o índice de Vantagens Comparativas Reveladas, proposto por Balassa (1965). Além desta introdução, o estudo está organizado em cinco seções. Incialmente serão apresentados os métodos utilizados para compor o estudo. Na segunda seção discorrer-se-á sobre as instituições e organizações de regulação do comércio internacional, o mecanismo de solução de controvérsias e participação do Brasil nesse cenário. A terceira seção destina-se a contextualizar a produção e o mercado de algodão brasileiro e norte-americano, além de analisar a competitividade destas nações na comercialização da commodity. A quarta seção visa discorrer sobre a evolução da investigação proposta pelo Brasil contra os EUA junto à OMC e analisar as suas implicações sobre a política comercial brasileira. Finalmente, na quinta e última seção serão realizadas as considerações finais sobre o caso.

APORTE METODOLÓGICO Este estudo exploratório parte de um ferramental bibliográfico e documental para a realização de uma pesquisa descritiva (Gil, 2007). A pesquisa descritiva tem por objetivo a descrição e a compreensão sobre como determinado fenômeno se manifesta em uma dada realidade (GIL, 2007; TRIVIÑOS, 1987). Utilizou-se de uma análise bibliográfica a fim de articular conceitos e sistematizar as considerações sobre a temática abordada por outros autores. 276

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O objetivo é recorrer à bibliografia disponível, mas para apresentar um novo olhar sobre as questões, procurando não incorrer na mera repetição do que já se encontra produzido. Complementarmente, a análise documental é pertinente a este estudo por ter recorrido aos pareceres e documentos produzidos pelos países envolvidos no contencioso. Os documentos foram obtidos na base de informações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Finalmente, recorreu-se à aplicação de um questionário estruturado ao atual (2013) Vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (ABRAPA) e Presidente da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (AMPA), Sr. Milton Garbúgio, a fim de subsidiar a análise prospectiva do caso. Para a estimação e comparação da competitividade americana e brasileira no comércio internacional de algodão, utilizou-se o Índice de Vantagens Comparativas Reveladas (IVCR), formulado por Bela Balassa (1965). O índice fundamenta-se em uma das teorias basilares do comércio internacional que norteou o debate econômico por um longo período, a teoria das Vantagens Comparativas desenvolvida por David Ricardo, em 1817 (Ricardo, 1996). Segundo Coronel, et. al. (2007), o IVCR evidencia se determinada unidade de análise (país ou estado) apresenta vantagem comparativa no comércio de uma determinada mercadoria ou setor produtivo. O índice demonstra se o país ou estado é especializado na produção de determinado produto e se possui eficiência na comercialização do mesmo, indicando, portanto, o seu nível de competitividade em relação ao comércio mundial da mercadoria de referência. Waquil et. al. (2004) apontam que o IVCR é uma razão de proporção que compara a representatividade das exportações do produto pelo país em relação às exportações totais mundiais daquele produto. É possível comparar periodicamente o desempenho das exportações nacionais em relação ao volume comercializado globalmente. Este índice é comumente utilizado para a elaboração de estudos que visem mensurar o grau de vantagens que um estado ou país possui na produção exportada de um determinado produto ou setor, em relação à produção exportada do mesmo, por um país concorrente, ou em relação ao que é exportado a nível mundial (BRAUN et al., 2007; WAQUIL et al., 2004; DAL PAI et al., 2007 e CORONEL et. al.,2007). O Índice de Vantagens Comparativas Reveladas é obtido com a seguinte expressão: IVCRj =

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em que: Xij = valor das exportações do produto j pelo país i; Xi = valor das exportações totais pelo país i; Xwj = valor das exportações mundiais do produto j; e Xw = valor das exportações mundiais totais. Ou seja, no presente estudo foi utilizado da seguinte forma, para o Brasil e para os EUA: Xij = valor das exportações de algodão (j) realizadas pelo Brasil / EUA (i); Xi = valor das exportações totais realizadas pelo Brasil / EUA (i); Xwj = valor das exportações mundiais de algodão (j); e Xw = valor das exportações mundiais totais. Para a interpretação dos resultados serão utilizados os seguintes parâmetros: IVCR < 1 – não possui vantagem comparativa revelada. IVCR > 1 – possui vantagem comparativa revelada. IVCR = 1 – não possui vantagem e nem desvantagem comparativa. As informações referentes ao valor total (em US$) das exportações brasileiras, norte-americanas e mundiais de algodão, bem como o montante das exportações totais das exportações brasileiras, norte-americanas e mundiais, foram obtidas na base de dados da Food and Agriculture Organization (FAO), Organização Mundial do Comércio (OMC) e Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC), disponibilizadas em suas respectivas páginas eletrônicas. Primeiramente foi calculado o IVCR do Brasil, utilizando os dados do algodão exportado pelo Brasil e total de exportações brasileiras em relação às exportações mundiais de algodão e total de exportações mundiais e em seguida realizou-se o mesmo procedimento em relação aos Estados Unidos. A análise das informações foi realizada levando-se em consideração o período de formação da OMC, 1995, até o ano de 2010, ressaltando a limitação de informações disponíveis para cada país estudado. Posteriormente, foi efetuada a comparação dos resultados dos dois países, buscando relacionar e verificar quais são as influências da concessão dos subsídios do país norte americano no seu desempenho competitivo. Diante da metodologia esboçada, cabe relacionar os aspectos que tratam da definição e procedimentos de regulação do comércio internacional, com o intuito de compreender as normas e instituições as quais estão sujeitas as nações a partir da intensificação do processo de liberalização comercial no mundo, tema que será tratado na próxima seção. 278

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A REGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL: do GATT a OMC O escopo desta seção é contextualizar o mecanismo de funcionamento da Organização Mundial do Comércio, a partir da evolução institucional do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT). Complementarmente, foram apresentadas as instituições que normatizam a solução de controvérsias na OMC e finalmente, será analisada a efetividade da participação brasileira na organização. A OMC E SEUS PRINCÍPIOS A Organização Mundial do Comércio (OMC), ou World Trade Organization (WTO) é uma instituição internacional, criada em 1995, na Rodada do GATT, que ocorreu no Uruguai, resultante de uma formalização organizacional do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), ou seja, Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio. O GATT, por sua vez, foi criado em 1947 para intermediar as controvérsias relativas ao comércio internacional, no intuito de promover acordos, levando em consideração os interesses de diversos países, na ocasião denominados países contratantes. A sua criação previa uma atuação provisória, até a constituição da Organização Internacional do Comércio (OIT), que não chegou a ser instituída. No GATT os acordos não eram, via de regra, subscritos por todos os países, fato que representava um entrave para alguns e vantagem para outros, pois a pressão dos países desenvolvidos era grande, deixando constantemente os países menos desenvolvidos em situação de desvantagem. Um dos países que exercia fortemente essa influência eram os Estados Unidos. Estes acordos foram chamados de “Acordos de caráter Plurilaterais”. A OMC foi a organização constituída para suceder ao GATT, com o intuito de fortalecer as relações em defesa daqueles que estavam sendo prejudicados com as negociações. A partir desse momento, a nova instituição criada seria revestida de muito mais poder e efetivo exercício de sua função, podendo enfrentar com vigor as controvérsias intermediadas e com muito menos intervenções e bloqueios. Outro ponto importante em relação aos acordos da OMC é que praticamente todos são multilaterais. Ruggie (1993) apud Santos (2002) destaca que as relações multilaterais referem-se à coordenação entre três ou mais países “segundo determinados princípios”, a serem respeitados por todos os Estados que delas participam. Neste sentido, Thorstensen e Jank (2005) destacam que para um país como o Brasil, que vê no comércio internacional uma das principais ferramentas para a estabilidade e o crescimento da economia nacional, o 279

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conhecimento, a negociação e a utilização de regras multilaterais ganharam especial relevo, tanto para o setor público como para o setor privado. O Brasil foi um dos países fundadores da OMC em função do seu grande interesse no mercado internacional. Durante a Rodada Uruguai foi determinando que o objetivo da OMC seguisse os seguintes termos: As partes reconhecem que as suas relações na área do comércio e das atividades econômicas devem ser conduzidas com vistas à melhoria dos padrões de vida, assegurando o pleno emprego e um crescimento amplo e estável do volume de renda real e demanda efetiva, e expandindo a produção e o comércio de bens e serviços, ao mesmo tempo que permitindo o uso ótimo dos recursos naturais de acordo com os objetivos do desenvolvimento sustentável, procurando proteger e preservar o ambiente e reforçar os meios de fazê-lo, de maneira consistente com as suas necessidades nos diversos níveis de desenvolvimento econômico (GATT, 1994).

Como se pode verificar, a OMC não foi constituída somente para intermediar e firmar acordos comerciais, ela possui uma amplitude muito maior, envolvendo outras questões de preocupação global, entre as quais: a agricultura, as barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, a defesa da política comercial, os serviços, a propriedade intelectual, os investimentos, as questões antidumping, acordos plurilaterais e as normas de segurança. A estrutura da OMC tem como órgão máximo de decisão a Conferência Ministerial (CM), o qual deve se reunir pelo menos a cada dois anos. Este órgão pode deliberar sobre todos os assuntos, serve como foro para negociações multilaterais, constituindo a instância que define os rumos do órgão. Logo abaixo da CM está o Conselho Geral (CG), que é o encarregado de dar soluções às controvérsias e de examinar as políticas comerciais dos países. Em um terceiro substrato hierárquico enquadram-se os comitês, os Conselhos de Comércio de Bens, Conselho de Comércio de Serviços e o Conselho de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionada ao Comércio. Cada um destes conselhos possuem seus comitês de deliberações. A OMC baseia-se em acordos e entendimentos, cujos diversos membros assumiram compromisso de cumpri-los, tomando como fundamento a definição das suas políticas comerciais internacionais, ou seja, diante de uma regra geral, acordada por todos os seus membros, serão elaboradas as regras individuais, possibilitando a livre competição sem que haja vantagens em detrimento dos outros competidores. As rodadas de negociação do GATT/OMC que aconteceram desde 1947, foram as seguintes:

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Quadro 1 – Rodadas GATT / OMC de 1947 a 2005

Fonte: Adaptado de Pereira (2005)

Nestas rodadas as discussões deveriam estar embasadas nos princípios predefinidos pela OMC. Estes princípios foram elaborados para que se cumpra o livre comércio e a igualdade entre os países. Estes princípios são: • Princípio da não discriminação – A concessão deve ser para todos; • Princípio do tratamento nacional – Deve ser oferecido o mesmo tratamento dado ao produto nacional ao produto estrangeiro; • Princípio da previsibilidade – As regras devem ser claras e objetivas, ou seja, deve haver transparência; • Princípio da concorrência leal – A concorrência desleal será banida, exemplo o subsídio. • Princípio da proibição de restrições quantitativas – Não a imposição de quotas ou proibição a determinados produtos estrangeiros com intenções de proteger os nacionais; • Princípio do tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento – Os países desenvolvidos devem conceder vantagens e benefícios aos países em desenvolvimento. Observando o Quadro 1 verificou-se que na rodada Kennedy o número de países-membros aumentou 138,46% em relação à rodada Dillon, na rodada Tóquio o aumento foi de 64,51%, na rodada do Uruguai o número de países participantes aumentou em 20,58%. Destarte, atente-se para o expressivo incremento na corrente de comércio, exposto na coluna “Comércio Afetado US$”, em que se verificou um aumento de 716, 32% entre as rodadas Dillon e a Kennedy. O incremento verificado da rodada Kennedy para a Tóquio foi de 287,50%. Os dados demonstram ainda que o aumento do comércio afetado (US$) foi mais significativo na rodada Uruguai, que atingiu o patamar de 2.287,09%. A elevação tanto no número de países membros quanto no comércio afetado expressam o aumento de credibilidade que o GATT / OMC ganharam a partir da década de 60 em diante. Mas o que mais se percebeu é que com as negociações estabelecidas entre os países membros para que 281

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fosse feita a transição de um organismo de caráter provisório, como o GATT, para um organismo permanente com muito mais credibilidade e confiança, houve no período de 1986-94 este aumento surpreendente de negociação entre os países. O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS Diferentemente da criação da OMC, que se deu em 1995, o sistema de solução de controvérsias está em operação desde que o GATT foi estabelecido, em 1947 e está fundamentado nos Artigos XXII e XXIII daquele acordo (UNCTAD, 2003). Durante a vigência desse acordo, as controvérsias comerciais eram analisadas mediante a formação de um painel constituído por de três a cinco peritos independentes das partes contratantes do GATT. As recomendações e conclusões do painel eram relatadas ao Conselho do GATT, que por sua vez, era composto por todas as partes contratantes e teria de adotar, por consenso, tais recomendações para que pudessem se tornar legalmente vinculantes entre as partes em disputa (UNCTAD, 2003). Este mecanismo foi aperfeiçoado durante a Rodada Uruguai, ocasião em que se estabeleceu o reconhecimento do direito de abertura de um painel para a solução da disputa, bem como a delimitação de prazos a serem rigidamente cumpridos no procedimento do painel. Outra prerrogativa estabelecida referia-se a possibilidade de revisão dos relatórios do painel, mediante apelação das partes (UNCTAD, 2003). As diretrizes sobre o Entendimento sobre Solução de Controvérsias, Dispute Settlement Understanding (DSU) que orientam as regras e procedimentos a serem adotadas para a investigação das disputas comerciais estão dispostas no Anexo 2 do Acordo da OMC e serão aplicadas pelo Órgão de Solução de Controvérsias, Dispute Settlement Body (DSB). Desde 1995 até 2013, um total de 466 controvérsias foram trazidas ao sistema de controvérsias da OMC para resolução, dos quais 94 chegaram a uma solução mútua entre as partes (WTO, 2013). Esta normatização estabelece que o DSB tem por base trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio, a preservação dos direitos e obrigações dos membros sob os acordos compreendidos, e o esclarecimento dos dispositivos de tais acordos existentes conforme as regras de interpretação do direito público internacional (UNCTAD, 2003). Compete ao DSB “estabelecer grupos especiais, acatar relatórios dos grupos especiais e do órgão de apelação, supervisionar a aplicação das decisões e recomendações e autorizar a suspensão de concessões e de outras obrigações determinadas pelos acordos abrangidos” (WTO, 1994, p.2) Conforme Thorstensen (2005, p.22), 282

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“O sistema de solução de controvérsias da OMC é um elemento central para promover a segurança e a previsibilidade do sistema de comércio multilateral. Os membros reconhecem que ele serve para preservar os direitos e as obrigações dentro dos acordos, e esclarecer seus dispositivos, dentro das regras de interpretação do direito internacional público”.

O objetivo é garantir uma solução positiva, em conformidade com os acordos existentes e que seja mutuamente aceitável pelas partes. E cabe ser acionado quando um país-membro solicitar reparação diante da violação das obrigações, ao verificar prejuízo dos benefícios sob os acordos abrangidos ou ainda visando impedir a realização de alguma ação diante de um acordo questionável. Segundo a UNCTAD (2003) quatro estágios compreendem os procedimentos para solução de diferenças na OMC: consultas; procedimentos do painel; procedimentos do Órgão de Apelação; e implementação das recomendações e das decisões. As demandas mais comuns ao DSB são as de reparação de violação das obrigações, impedimento, anulação ou prejuízo dos benefícios resultantes de acordos abrangidos (UNCTAD, 2003; WTO, 1994). A fim de contemplar essas demandas, os mecanismos dispostos pelo DSB são: as consultas (Artigo 4 do DSU); os bons-ofícios, a conciliação e a mediação (Artigo 5 do DSU); grupos especiais (previsto nos Artigo 6-19), ou ainda a arbitragem (Artigo 25 do DSU). As consultas compreendem o âmbito preliminar das disputas e representam a tentativa de se estabelecer um acordo mutuamente positivo entre as partes, evitando litígio. Além de evitar os elevados dispêndios financeiros decorrentes da demanda processual, as consultas fortalecem as relações políticas e comerciais entre os países. Os painéis ou grupos especiais fazem uso da elaboração de termos de referência que visam auxiliar o DSB por meio do exame da questão submetida, avaliando os fatos, aplicabilidade e concordância, conforme as disposições pertinentes ao Acordo citado pelas partes, e com o objetivo de estabelecer diretrizes que auxiliem o DSB a fazer recomendações ou emitir decisões previstas naquele acordo (WTO, 1994; UNCTAD, 2003). Cabe ressaltar que as negociações e decisões do órgão são de natureza consensual e não por votação (COZENDEY, 2013). O DSU admite adesão de outros países-membros como terceiros no assunto submetido ao grupo especial. Basta que o país notifique esse interesse ao órgão competente e passa a ter a oportunidade de ser ouvido pelo grupo especial e apresentar-lhe comunicações escritas que serão encaminhadas às partes em litígio e constarão no relatório do grupo especial (WTO, 1994). 283

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Este tipo de adesão decorre de interesses comerciais no caso em apreciação, ou ainda pela relevância do tema para o funcionamento do sistema multilateral de comércio (COZENDEY, 2013). O Artigo 17 no anexo II do Acordo da OMC prevê a constituição de um órgão Permanente de Apelação pelo DSB, que receberá as apelações das decisões dos grupos especiais. Esse órgão deve ser formado por sete pessoas que não estejam vinculadas às partes sendo indispensável a experiência em Direito, Comércio Internacional e nos assuntos tratados pelos acordos abrangidos em geral. Entre as atribuições do Órgão de Apelação estão a confirmação, modificação ou revogação das conclusões e decisões jurídicas do grupo especial. Deverá apresentar relatórios que serão adotados pelo DSB e aceitos de forma irrestrita pelas partes em litígio, salvo se o DSB decidir, mediante consenso, não adotar o relatório dentro do prazo de 30 dias contados a partir da sua distribuição aos membros, o que não invalida o direito dos membros de expor suas opiniões sobre o relatório do órgão de Apelação (WTO, 1994). Ao identificar a incompatibilidade ou violação de um Acordo, o órgão de Apelação recomendará ao Membro interessado a sua adequação e conformidade, podendo, inclusive, sugerir a forma de implementação. As conclusões e recomendações do grupo especial e do Órgão de Apelação não são passíveis de ampliar ou diminuir os direitos e obrigações estabelecidas nos acordos abrangidos (WTO, 1994). O cumprimento das recomendações do Órgão de Apelação e do grupo especial deve ser manifestado no prazo limite de 30 dias posteriores à comunicação das recomendações. O parágrafo 1º do Artigo 21, no Anexo II prevê que “o pronto cumprimento das recomendações e decisões do DSB é fundamental para assegurar a efetiva solução das controvérsias, em benefício de todos os Membros” (WTO, 1994, p. 25). Cabe ao DSB acompanhar e fiscalizar o cumprimento de suas decisões pelos membros envolvidos. Diante da impossibilidade de aplicação imediata, o membro interessado disporá de um prazo para implementar tais providências, que deverá ser estabelecido em mútua conformidade entre as partes, e apresentado ao DSB sob a forma de um cronograma. Os instrumentos serão fiscalizados e supervisionados pelo DSB no intuito de assegurar a efetivação das recomendações e resoluções. Caso as medidas não sejam cumpridas em prazo hábil, a parte reclamante poderá recorrer a medidas de retaliação que correspondem à compensação e suspensão de concessões ou de outras obrigações contra o membro interessado, instrumentalizadas pelo parágrafo 3, do Artigo 22 (WTO, 1994). Conforme exposto pela UNCTAD (2003), o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC representa o principal mecanismo de ação da 284

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organização e tem percebido efetividade e eficiência em suas práticas na solução dos litígios comerciais entre as nações. Cozendey (2013) afirma que a decisão de recorrer ao Sistema representa mais que um recurso jurídico, é uma decisão política, um ato de diplomacia, cabendo aos demandantes considerar o contexto geral do tema e o relacionamento bilateral e multilateral das nações envolvidas. A REPRESENTATIVIDADE DO BRASIL NA OMC Segundo Pereira, Costa e Araújo (2012) o Brasil está entre as nações mais ativas dos usuários do Sistema de Solução de Controvérsias da OMC, ocupou a sétima posição no ranking geral em 2012 e a quarta posição como demandante naquele ano, representando a nação em desenvolvimento com mais demandas na OMC. Conforme evidenciado na Figura 1, em 2013 o país foi parte em 116 casos, dos quais em 26 atua como demandante, 14 como demandado e em 76 casos figura como terceira parte (WTO, 2013). Figura 1- Mapa de disputas brasileiras entre os membros da OMC em 2013

Fonte: WTO (2013)

Os casos nos quais o Brasil faz parte comumente tratam de temáticas relacionadas à concessão de subsídios (agrícolas e não agrícolas); aplicação de medidas antidumping; instituição de medidas sanitárias e fitossanitárias; adoção de barreiras técnicas; e medidas relacionadas à propriedade intelectual (PEREIRA; COSTA; ARAÚJO, 2012). Segundo esses autores, o objetivo do país é estreitar relações e fortalecer a política comercial por meio da inserção 285

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nas rodadas de negociação, formar jurisprudência nas questões relacionadas às relações internacionais e, principalmente, defender os interesses comerciais do país. As práticas denunciadas pelo Brasil baseiam-se na verificação de que os incentivos adotados pelas nações desenvolvidas representam um tratamento desigual em relação aos demais países, principalmente aos países em desenvolvimento, pois, diante da impossibilidade fiscal, não podem oferecer os mesmos benefícios aos seus produtores e exportadores. Tais medidas afetam os custos relativos de produção e, dada a pressão sobre a oferta, alteram os preços internacionais, tornando os países em desenvolvimento menos competitivos (OXFAM, 2002). Desse modo, o Brasil tem sido efetivo ao utilizar as prerrogativas da OMC em termos de reclamações contra países que prejudicam de alguma forma o comércio internacional, apelando para o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC). O principal demandado nestas reclamações são os Estados Unidos, sendo que até 2002, o Brasil impetrou oito reclamações e em 2009, dez, somente contra este país, sem contar as reclamações de outros países. O tema destas reclamações é relacionado aos subsídios praticados pelos Estados Unidos e União Europeia. Entre os principais casos submetidos à apreciação do Sistema de Solução de Controvérsias, Pereira, Costa e Araújo (2012) exploram o litígio entre Brasil e Canadá denominado Embraer-Bombardier, no setor da indústria de aviação (DS46/DS70/DS222), o caso demandado contra a União Europeia relacionado aos subsídios aplicados ao açúcar (DS266), o contencioso do algodão contra os EUA (DS267), ação contra medidas tarifárias sobre o frango salgado na União Europeia (DS269), o caso demandado pela União Europeia contra o Brasil, referente à importação de pneus daquele Bloco (DS332) e a consulta contra os EUA relacionada à medidas antidumping sobre suco de laranja (DS382) (WTO, 2013). As experiências nesses casos permitiram ao país recorrer ao fortalecimento institucional, visando aprimorar sua estruturação baseandose em alguns elementos centrais: a criação em 2001 da Coordenação-Geral de Contenciosos no Ministério das Relações Exteriores, a Delegação do Brasil em Genebra, apoio eventual de escritório de advocacia especializado e a constante interação com o setor privado. Outra medida de relevância decorrente da articulação institucional é o fortalecimento multilateral sobre temáticas comuns que culminou com a criação e atuação do G20 agrícola. O grupo é resultado do empenho dos países em desenvolvimento na tentativa de fortalecer as bases institucionais do comércio. Diante da assimetria de forças verificada entre os países-membro da OMC, em 2003, após a verificação do descontentamento de diversas nações em desenvolvimento, o 286

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grupo foi estabelecido sob a liderança do Brasil. Vizentini (2006) destaca que os membros do G20 possuem uma grande representatividade populacional, correspondendo a aproximadamente 60% da população mundial e 70% da população rural. Esta união foi essencial na tentativa de unir forças e buscar avanços na defesa de seus interesses comerciais. Em setembro de 2013 o brasileiro Roberto Azevêdo assumiu o cargo de Diretor-Geral da OMC para um mandato de quatro anos. Nesse mesmo ano, o staff formado por secretários brasileiros no órgão é composto por oito membros (WTO, 2013). Cumpre referenciar que novos temas têm sido levantados na OMC e são de particular interesse brasileiro, destacam-se os assuntos relacionados ao comércio e políticas de sustentabilidade e gestão de recursos naturais, sobretudo, exploração de fontes alternativas de energia renovável (PEREIRA; COSTA; ARAÚJO, 2012).

CENÁRIO E PERSPECTIVAS DO ALGODÃO BRASILEIRO E MUNDIAL Esta seção visa contextualizar a representatividade da produção de algodão em pluma no Brasil, seu mercado e a contribuição desta commodity para a economia brasileira, sobretudo no que se refere à geração de divisas e receita ao país. UM BREVE HISTÓRICO DO ALGODÃO NO BRASIL O algodão foi inserido no Brasil durante o período colonial para ser utilizado tanto para consumo próprio, na confecção de roupas, como para matéria-prima em uma indústria têxtil recém-criada. A partir desta época o cultivo do algodão foi se espalhando por diversas regiões, plantado em pequenas áreas de terra e a sua manufatura, quando não destinado às indústrias têxteis, era feita de forma rudimentar pelos agricultores e seus familiares. Entre os estados que mais se destacaram no cultivo do algodão, podese citar o Maranhão, com uma extensa área plantada. Conforme Costa e Bueno (2004) a cultura do algodão desenvolveu-se rapidamente, tornando-se o principal produto de exportação da Capitania. Os novelos de lã e tecidos passaram a ser usados como instrumento monetário. Devido à grande extensão de terras no país, os colonizadores verificaram que o cultivo do algodão representava uma atividade de alto retorno financeiro, haja vista que a época coincidia com o período de exploração 287

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de ouro e diamantes, aquecendo a circulação de riquezas e desta forma, dinamizando o consumo. Contudo, o produto brasileiro não era valorizado e perdia mercado para as peças de vestuário provenientes da Inglaterra que eram consumidas pela população mais abastada. Nesta época o algodão do Brasil já era exportado, negociado com países como Espanha, Inglaterra e Estados Unidos. Conforme relatam Costa e Bueno (2004), as negociações internacionais do algodão brasileiro estavam em alta até que, por interesse do governo português preocupado com a migração de trabalhadores da mineração para a agricultura e temendo a diminuição do garimpo de ouro e diamantes, adotou uma resolução em 1785. Tratava-se de um alvará assinado pela Rainha Dona Maria I, proibindo a fabricação de tecidos no Brasil, exceto os grosseiros, usados em roupas de escravos, sacos e fardos. Esta ação afetou de forma expressiva a produção nas indústrias e teares, mas percebeu menor impacto na produção de algodão. Costa e Bueno (2004) destacam que o Brasil e os Estados Unidos disputavam a participação no mercado internacional de algodão. A disputa remonta ao século XVIII, quando a fibra adquiriu enorme importância econômica, em virtude do advento da Revolução Industrial e o notável desenvolvimento da manufatura têxtil inglesa. MAPEAMENTO DO MERCADO BRASILEIRO E MUNDIAL DO ALGODÃO EM PLUMA O Brasil, acompanhando os maiores produtores, ocupou a quinta maior produção mundial da fibra em 2011. China, Índia e Estados Unidos produziram naquele período cerca de 60% do algodão mundial, ocupando as três posições de liderança (FAO, 2013). Em termos de distribuição espacial da produção brasileira, há uma concentração significativa nos estados de Mato Grosso e Bahia que, em 2011, representaram 81% da área colhida nacional e 81% da área colhida e produção do país (IBGE, 2013). Importante ressaltar que em 1995 o Mato Grosso ocupava o quinto lugar em área colhida, sendo esta liderança ocupada pelo Paraná. A partir de 1999, Mato Grosso passa a liderar em área colhida, o que persiste até o período atual. Os fatores que justificam essa realocação espacial da produção ensejam-se na abertura comercial que viabilizou a importação de algodão mediante redução nas alíquotas, a deterioração dos instrumentos de créditos disponibilizados aos produtores e ainda pela intensificação na produção no Centro-Oeste, cujo modo de produção fundamenta-se em grandes propriedades, regiões pouco montanhosas, o que facilita a adoção de maquinário agrícola e possibilita a ganhos com economia de escala (ZIMOVSKI; CONCEIÇÃO, 2008; SERRANO; OLIVEIRA, 2013). 288

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Figura 2 – Distribuição espacial da produção brasileira de algodão 2011 (em toneladas)

Fonte:

IBGE (2013 )

A produção na Bahia dinamiza-se a partir de 2005 em decorrência de uma sensível ampliação na área plantada de algodão, sobretudo na região Oeste do Estado e, juntamente com Maranhão, Piauí e Tocantins, faz parte da chamada nova fronteira agrícola brasileira, incorrendo em elevação da produtividade e incremento de área cultivada. O valor da produção em 2011 no país perfez mais de R$ 7 bilhões, superando em 76% a receita do período anterior, evidenciando um cenário de recuperação associado aos preços internacionais e o volume produzido. Importante ressaltar que nos últimos 20 anos, o valor total da produção registrou três ciclos, apresentou tendência crescente entre 1995 e 2005, sofreu significativa queda entre 2005 e 2006, acompanhado pela redução da área colhida (IBGE, 2013). As maiores reduções nessa variável ocorreram em Mato Grosso, o que reafirma a hipótese de substituição do cultivo do algodão pela soja. Os períodos posteriores demonstraram ligeira recuperação, potencializada após 2010 quando o preço da commodity percebeu incremento significativo. No que se refere ao comércio internacional, dados da FAO (2013) apontam que em 2010 os Estados Unidos ocuparam a liderança nas exportações mundiais com uma representatividade de mercado de 35%, o segundo maior exportador foi a Índia com 8% dos embarques, a Austrália representou o terceiro maior com 5% de participação total, cifra muito próxima do quarto maior exportador, o Brasil, com 5% dos embarques mundiais. 289

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Esses índices ilustram a dinâmica do setor, com alta concentração de mercado e liderança dos Estados Unidos no comércio internacional, o que confere influência sobre o equilíbrio dos preços da commodity (FERREIRA FILHO; ALVES; VILLAR, 2009). Ferreira Filho, Alves e Villar (2009) afirmam que a competitividade americana é artificial, uma vez que se ampara na política de subsídios praticada no país, dado que seu sistema produtivo percebe baixa produtividade e custos relativamente altos. Os autores afirmam ainda que, caso tais concessões fossem suprimidas, a produção americana sofreria uma queda significativa o que refletiria diretamente na elevação dos preços internacionais. Pan et. al. (2004) afirmam que, caso os subsídios fossem eliminados completamente, a produção americana sofreria uma queda de 630 mil fardos, o que pressionaria uma elevação de preços. Nesse cenário, os autores afirmam que os países mais beneficiados seriam Brasil, Austrália e África, que diante de uma elevação em sua produção, posteriormente provocariam uma nova redução no preço internacional do algodão. Importante ressaltar que é sobre essa influência sobre os preços e, por consequência no volume de comércio, a principal pauta do questionamento apresentado pelo Brasil em 2002 junto a Organização Mundial do Comércio. No que se refere à importação, o maior mercado-destino do produto é a China, que representa 37% do consumo mundial. Em segundo lugar segue a Turquia com 11%, seguida pela Indonésia com 7% das importações mundiais. Esses três países representam 55% da demanda mundial da fibra e possuem grande representatividade na indústria têxtil mundial (FAO, 2013). Apesar de ainda apresentar um grande espaço para crescimento, a produção brasileira de algodão contribuiu em 2012 com US$ 2,1 bilhões para o saldo comercial nacional, um incremento de 32% em relação ao ano anterior. Entre os diferenciais que implicam em competitividade para o país destacam-se o seu sistema produtivo altamente mecanizado, que confere ao país uma das mais altas produtividades do mundo (CONAB, 2013; NCCA, 2013). O Gráfico 1 compara a área colhida (ha) no Brasil e o valor da produção. Verifica-se a volatilidade da área destinada à cultura, que pode ser explicada pela variação nos preços e substituição pelo cultivo de outras culturas, principalmente a soja. Os dados sinalizaram recuperação em 2011, quando a variável obteve a maior expressividade na série analisada.

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Gráfico 1- Comparativo entre a área colhida e o valor da produção no Brasil (2011)

Fonte: elaboração própria a partir de IBGE (2013)

Conforme apontam Ferreira Filho, Alves e Villar (2009) o Brasil destaca-se em competitividade no algodão devido à produtividade elevada, entretanto, os custos de produção, sobretudo os variáveis, são altos por hectare produzido. Para se elevar a competitividade do país fazem-se necessários novos investimentos em tecnologia que minimizem os custos de produção, uma vez que a elevação da produtividade é uma variável mais rígida, haja vista que o Brasil já possui uma das mais altas do mundo, dificultando progressos significativos nesse aspecto. Em relação à opinião do representante da ABRAPA sobre o assunto aqui tratado, identificou-se na entrevista que há falhas na política comercial brasileira, com destaque para a ineficiência logística, não apenas estruturalmente, mas coexistem falhas de gestão o que interfere no comércio dos produtos agrícolas. No caso do algodão, a atenção deve ser redobrada, dado que este produto demanda uma logística diferenciada para transporte devido ao volume transportado e requer cuidados específicos nos portos para não sujar o produto, o que altera a qualidade e classificação da fibra. Segundo o entrevistado, Sr. Milton Garbúgio, o Brasil compete em qualidade com os EUA. Os diferenciais do algodão brasileiro estão na produtividade e qualidade, ao contrário do passado quando a fibra era de segunda linha. Este avanço decorreu de ações conjuntas das associações estaduais e outros órgãos governamentais. Assim, mesmo perdendo em distância (km) para seus concorrentes, o país possui escala e fibra de qualidade, o que garante a comercialização do produto e permite viabilizar novos mercados. Ainda no que tange à comercialização, Garbúgio destaca que cerca de 90% dos produtores utilizam mecanismo de hedge para adquirir insumos 291

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e transacionar a produção. Especificamente em Mato Grosso, ele destaca o importante papel das cooperativas, dado que a totalidade dos produtores do estado está ligada a elas, desfrutando da isenção do pagamento de PIS/COFINS que, individualmente, incorreria em uma alíquota de 9,25%. Além disso, por meio das cooperativas são negociadas as compras de insumos e defensivos, permitindo a obtenção de melhores preços nesses produtos de elevado custo. Uma vez apresentada esta conjuntura do mercado mundial do algodão, a seção seguinte objetiva relacionar a produção brasileira e a atuação no contencioso do algodão e analisar os efeitos da investigação e sua contribuição sobre política comercial brasileira.

EFEITO DOS SUBSÍDIOS AGRÍCOLAS AMERICANOS SOBRE O COMÉRCIO DO ALGODÃO BRASILEIRO As receitas de exportação do algodão brasileiro foram afetadas significativamente, principalmente entre 1999-2002, período em que o algodão norte americano recebeu subsídios no valor de US$ 12,5 bilhões. Esta situação levou o Brasil a questionar a legalidade das subvenções americanas junto a OMC. Conforme a argumentação brasileira, os EUA estavam infringindo pelo menos três princípios que deveriam ser seguidos pelos países-membros, o princípio do tratamento nacional, o princípio da previsibilidade, o princípio da concorrência leal e, mediante uma análise mais minuciosa, o princípio do tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento também sofre violação diante de tais práticas. Além disso, a política de auxílio aos produtores e exportadores viola o Subsidies e Countervailing Measures Agreement no que tange aos artigos 5(c) e 6.3(b) (LIMA, 2006). O contencioso do algodão foi apresentado durante a rodada Doha, iniciada em 2001. Inicialmente, conforme tramitação geral, o pedido foi para o estabelecimento de consulta, realizaram-se três reuniões no intuito de se firmar um acordo, o que não foi possível. Desse modo, as tentativas de se resolver os impasses fracassaram, tornando-se necessário a abertura de um painel. No início das discussões, faltava credibilidade entre os próprios envolvidos, que questionavam a possibilidade de êxito com a controvérsia envolvendo um país com a força dos Estados Unidos. Consultorias específicas, como a elaboração de estudos econométricos sobre os preços e o mercado internacional, bem como o amparo jurídico de escritórios internacionais especializados foram fundamentais para a construção da argumentação (COSTA, BUENO, 2004). 292

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Para o Brasil a principal questão envolvida no contencioso do algodão era provar quais eram e de que forma as distorções que a Lei Agrícola dos Estados Unidos (Farm Bill) estava causando sobre os preços do produto no mercado internacional. A Lei Agrícola dos Estados Unidos, denominada Farm Bill prevê a concessão de subsídios à produção americana. Este mecanismo visa beneficiar determinadas culturas e é utilizado desde a década de 1930 e, segundo afirmação do governo americano, sua eliminação será de difícil articulação. Para HABKA (2010, p. 33) “a Farm Bill de 2002 pode ser considerada um retrocesso na política agrícola dos EUA, uma vez que reinstituiu os programas de pagamentos diretos aos produtores e formalizou pagamentos contra-cíclicos que, na verdade, funcionam como uma garantia de preço ao produtor local, a fim de manter a competitividade no mercado internacional”.

Foi neste período que o Brasil iniciou os questionamentos contra os Estados Unidos. A demanda brasileira tinha por objeto os subsídios à exportação oferecidos pelo governo, com base na Farm Bill de 2002, além do apoio doméstico à cotonicultura. Cabe ressaltar que na subsequente votação da Lei em 2008 prorrogaram-se as subvenções, vincendas em 30 de setembro de 2013. Diante da iminente votação da nova Lei em 2013, com vigência para os próximos cinco anos, não se pode afirmar qual será o destino da contenda do algodão. De acordo com Cai (2009) apud Habka (2010, p. 35), os argumentos utilizados pelo Brasil podem ser divididos em cinco categorias: “1- a cláusula de paz não impede a ação; 2- os pagamentos diretos não são subsídios contidos na Caixa Verde ; 3- o programa Step 2 é ilegal; 4- os programas de garantia à exportação não estão em conformidade com as normas da OMC; 5- os subsídios ao algodão causaram sérios danos ao Brasil”. A cláusula de paz do Acordo sobre a Agricultura (AA) determinava que durante nove anos os países não poderiam ser questionados na OMC e que os Estado Unidos poderiam subsidiar a produção de algodão até o limite de US$ 2 bilhões anuais. O valor que foi efetivamente aplicado chegou próximo do dobro. Os pagamentos da caixa verde eram permitidos, mas o Brasil defendeu que os EUA estavam praticando pagamentos da caixa amarela, que são passíveis e ações e reduções. Os EUA dispunham do programa Step 2 que se referia ao controle dos preços internos do algodão para se aproximar dos preços do mercado internacional, o que influenciava as exportações. Os programas contidos na Farm Bill, como o Step 2, eram destinados para manter as exportações dos produtos agrícolas dos Estados Unidos e não para financiar a sua agricultura. 293

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O Brasil provou que os subsídios eram destinados às exportações e que tais medidas causaram elevados prejuízos ao setor de algodão nacional. Representantes do governo brasileiro protocolaram junto a OMC, em Genebra na Suíça, um documento em que responsabilizava os Estados Unidos de provocarem perdas de US$ 640 milhões por ano ao produto brasileiro, devido à aplicação de subsídios e medidas protecionistas (como sobretaxas e legislação antidumping) ações que beneficiam somente os países mais ricos. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (ABRAPA, 2007), os Estados Unidos aplicam no programa de subsídios para a produção do algodão US$ 4 bilhões por ano, um valor equivalente a 130% do valor da safra para o ano de 2001. Essas subvenções tinham a intenção de criar um cenário de competitividade artificializado, controlando assim os preços do algodão no mercado internacional. Cabe ressaltar que estas práticas não se aplicam exclusivamente ao algodão, ocorrem praticamente com todos os produtos agrícolas e o que gera consequências danosas, principalmente para os países em desenvolvimento, sobretudo os países africanos (SUMNER, 2005). O Quadro 2 é elucidativo para caracterizar o significado desta problemática para a agricultura mundial. Especialmente quando se analisa pela ótica econômica e social, a incongruência entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento torna-se bastante evidente. Quadro 2 – Agricultura nos países desenvolvidos x em desenvolvimento

Fonte: Jank apud Costa & Bueno (2004:26 )

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O Brasil teve apoio de diversos países como, Argentina, Austrália, Benin, Canadá, Chade, China, Índia, Nova Zelândia, Paquistão, Paraguai, Taiwan, União Europeia e Venezuela, que aderiram como terceira parte no processo. Esse apoio fortaleceu o Brasil na disputa, impondo argumentações coerentes e concretas para enfrentar os recursos apresentados sobre as alegações e questionamentos, que culminaram com a vitória brasileira. A OMC proferiu decisão contrária aos subsídios norte americanos e concedeu parecer favorável ao Brasil. No entendimento do órgão, o Step 2 poderia ser configurado como subsídio à exportação contrário, portanto, ao Acordo sobre a Agricultura. O crédito à exportação igualmente foi caracterizado como uma subvenção indevida que provocaram distorções nos preços internacionais da commodity, legitimando a argumentação brasileira. Os EUA recorreram da decisão junto ao Órgão de Apelação, que por sua vez, corroborou as considerações feitas pelo Painel, dando novamente parecer favorável ao Brasil. Diante disso, entre diversas orientações, os EUA foram instruídos a reformar os créditos à exportação e eliminar o Step 2 até 30 de junho de 2005. Dentro desse prazo, o Unites States Department of Agriculture (USDA) anunciou alterações no Export Credit Guarantee Program (GSM-102) e no Supplier Credit Guarantee Program (SCGP), e a desativação do Intermediate Export Credit Guarantee Program (GSM-103), contudo, o Step 2 não sofreu alterações (LIMA, 2006). Lima (2006) enfatiza que tal descumprimento decorre de que, ao contrário dos demais programas, o Step 2 está fora da jurisdição administrativa, sendo matéria do Congresso dos EUA. Diante desse fato, a alteração do Step 2 seria uma decisão de caráter político sujeita aos princípios utilitaristas de cunho eleitoral e à defesa dos interesses de lobbies de grande representação do cinturão do algodão. Diante do não cumprimento efetivo das recomendações, o Brasil solicitou indenização no montante de US$2,5 bilhões, mas foi autorizado a aplicar retaliações contra os Estados Unidos no valor de US$ 829 milhões. Com o intuito de evitar as retaliações impostas pela OMC, em 2010 os Estados Unidos propuseram um acordo compensatório ao Brasil até que a Lei Agrícola norte-americana fosse modificada e aprovada pelo Congresso Americano. Dentre as questões negociadas, pode-se destacar a criação de um fundo de apoio aos cotonicultores afetados pelos subsídios americanos, com repasses no valor de US$147,3 milhões anuais. Este recurso seria utilizado para investimentos em capacitação, assistência técnica, combate a pragas e outros, incorrendo em benefícios à cotonicultura nacional como um todo. Conforme apontado em entrevista pelo Sr. Milton Garbúgio, o recurso tem sido direcionado à estruturação das 295

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sedes das associações estaduais, a fim de fortalecê-las institucionalmente. Destacou também que está em trâmite um projeto de qualificação de mão de obra para o manejo de máquinas e insumos. Informou que o destino dos recursos é decidido por um conselho gestor composto por três representantes da ABRAPA e três membros do governo. O Instituto Brasileiro do Algodão (IBA) também recebe recursos para projetos nas áreas social e ambiental, estabelecendo ainda parceria com universidades. Por fim, ressaltou que o recurso não pode ser aplicado em biotecnologia, devido às patentes existentes. Acredita-se que o contencioso trouxe reflexos positivos para a política econômica e comercial brasileira, mas ainda terá espaço para discussão até que a Farm Bill americana de 2013 seja votada e aprovada com a eliminação completa dos subsídios concedidos pelo governo dos Estados Unidos. A Tabela 1 e o Gráfico 2 apresentam o resultado da estimação do índice de vantagens comparativas reveladas para o Brasil e os Estados Unidos entre 1995 e 2010. É possível inferir a partir das informações que praticamente durante todo o período analisado (exceto em 2009) as exportações americanas de algodão perceberam um maior nível de competitividade em relação às brasileiras. Ressalte-se que no período compreendido entre 1995 e 2000 a posição do Brasil estava muito aquém dos Estados Unidos no que se refere à competitividade da commodity referenciada, a análise do indicador denota que o Brasil não foi competitivo naquele período. A partir de 2001, o Brasil apresenta sensível incremento no índice, admitindo-se a sua condição de competitividade internacional no algodão. Este desempenho está associado à expansão da produção, sobretudo no Centro-Oeste e Bahia, decorrente da intensificação do uso de tecnologia, com emprego de maquinário, sementes adaptadas ao local e sementes geneticamente modificadas, que permitiram obter incrementos na produtividade e melhoria na qualidade da fibra, ampliando o escopo de mercado. Tabela 1 – Índice de Vantagens Comparativas Reveladas - IVCR para o Algodão brasileiro e americano Ano

Brasil

Estados Unidos

1995

1.00

3.21

1996

0.03

2.53

1997

0.00

2.44

1998

0.01

2.55

1999

0.09

1.33

2000

0.58

2.46

2001

2.46

2.76

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Ano

Brasil

Estados Unidos

2002

1.67

3.19

2003

2.32

4.21

2004

3.67

4.56

2005

3.97

4.55

2006

2.64

4.72

2007

3.87

4.90

2008

5.86

6.25

2009

6.25

4.48

2010

4.36

4.82

Fonte: elaboração própria com dados da FAO (2013)

A análise gráfica evidencia o diferencial competitivo percebido pelo algodão americano, atente-se para o fato de que o índice apresentou um comportamento constante e crescente ao longo do período analisado. Essa constatação permite relacionar tal desempenho à concessão de subsídios, uma vez que mesmo diante de um cenário que queda dos preços internacionais, a competitividade americana não sofreu alteração negativa (com exceção em 1998). Gráfico 2 – Índice de vantagens comparativas reveladas para Brasil e EUA (1995-2010)

Fonte: elaboração própria com base em OMC (2013) e FAO (2013)

O desempenho brasileiro foi sobremaneira distinto do americano, uma vez que o índice apresentou um evidente comportamento cíclico com picos de competitividade em 2001, 2005 e 2009. A partir dessa verificação, pode-se induzir que as exportações brasileiras são mais sensíveis às oscilações 297

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no mercado internacional, sendo diretamente afetadas pela variação nos preços externos, destaque para o decréscimo em 2005, ano de queda nos preços e elevação da oferta mundial (ALVES, 2005). Diante do exposto, é possível caracterizar a competitividade americana como distorcida. O mercado de algodão tem sofrido oscilações devido à expansão do uso de fibras sintéticas na indústria têxtil, contudo, percebe-se que, no caso dos Estados Unidos, tal entrave não afetou a evolução do índice. Os custos de produção nos Estados Unidos são relativamente altos e sua produtividade é inferior à brasileira, logo, pode-se concluir que há outro fator amparando o índice apresentado: as compensações financeiras (FERREIRA FILHO; ALVES; VILLAR, 2009). No cenário atual (2013), a alta dos preços do algodão minimiza os efeitos perversos das subvenções americanas, contudo, caso os preços voltem a cair, os preços mínimos assegurados na Farm Bill, provocariam novamente sérias perturbações para os países menos desenvolvidos, como o Brasil e os do Leste Africano, diretamente dependentes desse produto. Conforme projeções do USDA (2013) os maiores exportadores na safra 2013/14 serão os Estados Unidos com 10,4 milhões de fardos, seguido da Índia com 7 milhões e a Austrália totalizando 4,2 milhões de fardos. O ranking dos maiores importadores é formado por Índia, Turquia e Indonésia. Desde 2010/2011, os países que mais utilizam a fibra são China, Índia e Paquistão que representam importantes players na indústria têxtil e de vestiário. Dados preliminares do USDA (2013) estimam que 34,20 milhões de hectares foram plantados na safra de 2012/13 e indicam uma projeção de 33,58 milhões de ha em 2013/14, um decréscimo de quase 2% na área plantada total. O Brasil apresenta uma projeção de incremento de 22% nessa variável, passando de 900 mil para 1,1 milhões de ha. Nos EUA a previsão é de redução de aproximadamente 17% na área total. Conforme ressaltado por Milton Garbúgio, durante a entrevista, a elevação da produção brasileira deverá ser decorrente da utilização de sementes geneticamente modificadas na safra de 2013/14. E destacou que a não adoção da semente transgênica na totalidade da área plantada decorrerá da oferta insuficiente desse insumo. Embora os custos não sejam reduzidos, a biotecnologia é eficiente no combate a pragas, minimizando o risco do produtor. Para 2013/14 a estimativa é de que a oferta total mundial corresponda a 242.389 milhões de fardos e que o uso totalize 109.529 milhões de fardos. Esses dados permitem inferir que os estoques finais para 2013/14 serão de 94,728 milhões de fardos, valor 10% acima dos estoques finais de 2012/13. Diante da elevação dos estoques mundiais, estima-se que os preços sofram redução de 0,77 centavos por libra-peso (USDA, 2013). Esta variação no preço do algodão pode provocar perdas comerciais para os países exportadores, sendo necessária a adoção de medidas que 298

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minimizem os efeitos negativos decorrentes de tal decréscimo. Diante desse cenário cabe ressaltar que a votação no Congresso Americano da Farm Bill 2013, representa uma oportunidade de se reformular os seus programas agrícolas adequando-os aos compromissos internacionais (SUMNER, 2005). Sumner (2005) ressalta que os prejuízos causados pela lei americana não afetam somente a renda dos países mais pobres, mas apresentam um impacto ambiental negativo, além de violar sua obrigação como membro da Organização Mundial do Comércio. Destarte, espera-se que os legisladores optem por uma reforma real e invariável em sua política agrícola. Apesar de ter apresentado a proposta de reformas, adequando a legislação às práticas preconizadas pela OMC, a Casa Branca têm sofrido embates no Congresso americano, que sugerem o não pagamento da compensação. Diante da não eliminação das subvenções, o Brasil fica autorizado a adotar as medidas de retaliação em bens industriais e direitos de propriedade dos EUA, o que pode representar dispêndios superiores aos US$ 147 milhões anuais repassados ao Instituto Brasileiro do Algodão (BRANCO, 2013). Em relação à aprovação ou não das alterações na Farm Bill, Garbúgio destaca um cenário de incerteza, pois a pressão política inibe alterações. Algumas regiões de grande produção, como o Texas, possuem uma restrição devido à escassez de água, portanto, a inobservância do subsídio tornaria inviável o plantio do algodão. Ressalta que, mesmo diante da eliminação dos subsídios, os EUA devem criar outras práticas para incentivar os produtores, a exemplo do programa de securitização STAX, em discussão no Congresso. Todavia, os representantes brasileiros estão atentos para a possibilidade de tomada de decisões retaliatórias e, diante do fortalecimento institucional do país em decorrência da experiência com o caso do algodão, as perspectivas são de que o Brasil não medirá esforços para efetivar seus direitos e defender seus interesses comerciais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo teve como objetivo central a determinação dos elementos fundamentais e implicações do contencioso do algodão para a comercialização do produto no mundo. Em termos metodológicos foi realizado um estudo exploratório para a realização de uma pesquisa descritiva, com recursos bibliográficos, documentais e entrevista. Para a comparação entre a competitividade brasileira e dos EUA, utilizou-se o índice de vantagens comparativas, formulado por Bela Balassa (1965). Este índice foi calculado levando em consideração os valores das exportações do produto, exportações totais do país, exportações mundiais do produto e exportações mundiais totais, obtidos da base de dados da FAO e da OMC. 299

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Primeiramente foi contextualizado o mecanismo de funcionamento da OMC, sua composição, seus membros, as rodadas de negociações. A OMC é um órgão estruturado para dar suporte, intermediar e deliberar sobre todos os assuntos ligados ao comércio internacional. Até a última rodada era composta por 148 países membros, cujo interesse principal é que as negociações realizadas com outros países sejam o mais justa possível. Dentre os diversos mecanismos da OMC este estudo destacou o sistema de solução de controvérsia, que vida preservar os direitos e obrigações estabelecidos nos acordos firmados entre as partes. Este sistema é o mais efetivo entre os países membros, principalmente para as nações em desenvolvimento, que são os mais afetados pela política conduzida pelos países desenvolvidos, como os EUA, que por meio da concessão de subsídios aos seus agricultores e acabam interferindo nos preços internacionais dos produtos. É o que demonstra o número de 466 controvérsias instauradas desde 1995 até 2013. O Brasil é um dos países mais ativos no sistema de solução de controvérsias ocupando a sétima colocação no ranking geral em 2012 e a quarta posição como demandante naquele ano. Nos últimos anos o Brasil tem elevado a produção de algodão competindo em qualidade e produtividade com países desenvolvidos como os EUA o que acirra a competição entre os dois países na disputa pela participação no mercado deste produto. Em 2011 o Brasil alcançou a colocação de quinto maior produtor mundial da fibra ficando atrás de países como a China, Índia e Estados Unidos. Quanto ao cenário interno no Brasil os estados que mais produzem algodão são Mato Grosso e Bahia, que em 2011 representaram 81% da área colhida e produzida. A estimação do Índice de Vantagens Comparativas Reveladas demonstrou que os dois países apresentaram uma crescente evolução do índice ao longo da série histórica analisada. A diferença está na questão de que o Brasil partiu de uma conjuntura precária, com índices abaixo de 1, alterando este cenário a partir de 2001, até que em 2009 ultrapassa os EUA com um índice de 6.25 frente a 4,48. No período analisado os EUA sempre mantiveram o índice acima de 1, o que indica que durante todo o período apresentou vantagens comparativas reveladas. Essa constatação permite relacionar tal desempenho à concessão de subsídios, uma vez que mesmo diante de um cenário de queda nos preços internacionais, a competitividade americana não sofreu alteração negativa, com exceção do ano de 1998. Diante deste contexto, pode-se afirmar que já se passaram mais de 10 anos do início do contencioso e ainda está em andamento o questionamento na OMC contra os EUA, com ganhos parciais para o Brasil, mas sem solucionar definitivamente o problema. 300

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Neste sentido o que se espera é que a OMC fortaleça suas bases institucionais a fim de garantir a observação de seus princípios de formação por todas as nações-membro. Quanto ao desfecho do caso Brasil x EUA, a despeito do cenário de incerteza, espera-se que o país norte americano, por meio de seu Congresso, vote favoravelmente à extinção definitiva dos subsídios agrícolas, especialmente em relação ao algodão. E que assim a prática do comércio internacional seja o mais justa possível e que não haja manipulação e obtenção de vantagens dos países desenvolvidos em detrimento de prejuízos aos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

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BARREIRAS COMERCIAIS NO COMÉRCIO INTERNACIONAL: O CASO DA SOJA NO BRASIL Bárbara Françoise Cardoso Valdir Antonio Galante

INTRODUÇÃO Ante o surto protecionista pós-Segunda Guerra Mundial, os governos de diversos países iniciaram discussões para debater acerca da liberalização do comércio, surgindo o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), substituído pela OMC (Organização Mundial do Comércio) em 1995. Contudo, se por um lado os países defendiam coletivamente a liberalização do comércio, por outro buscavam individualmente desenvolver procedimentos para burlar ou contornar tais regras. Por outro lado, a formação de blocos econômicos facilitou o comércio entre os países membros mediante redução ou eliminação das barreiras comerciais. Estas são impostas pelos países como forma de garantir um produto com as especificações desejadas ou como forma de proteger o produtor interno. De forma ampla, as barreiras comerciais podem ser entendidas como restrições ao comércio internacional. Algumas barreiras comerciais são permitidas, como as barreiras tarifárias, desde que não sejam abusivas. As barreiras não-tarifárias também são permitidas como forma de combater o abuso praticado pelos países com as barreiras tarifárias, mas também são usadas de forma abusiva por alguns países. Outrossim, as barreiras técnicas são especificações impostas aos produtos a fim de impedir medidas que impeçam o comércio internacional. Os produtos sujeitos às várias formas de barreiras comerciais são desde commodities até o mais sofisticado produto industrializado. No caso 305

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das commodities, estas frequentemente recebem subsídios no país produtor. Estes subsídios são uma forma de barreira imposta aos demais países exportadores, pois, com o subsídio o produto interno torna-se relativamente mais competitivo em relação ao produto estrangeiro. No Brasil, as commodities recebem mais subsídios do que os produtos industrializados. De fato, o país possui grande extensão de terra agricultável e variedades climáticas que permitem o cultivo de diversos cultivares. Neste contexto, destaca-se a soja por ser uma das principais commodities comercializadas no mundo. Sua produção é feita em grande escala nos poucos países que a produzem. Além disso, a soja tem grande importância no cenário internacional, dada a grande diversidade de usos que possui, tanto na alimentação humana ou animal quanto pelos subprodutos obtidos pelo processo industrial. Este artigo tem por objetivo contextualizar o cenário da soja, enfatizando o comércio internacional desta commodity no Brasil, com foco nas dificuldades representadas pelas barreiras comerciais. Para tanto, o artigo está estruturado em cinco seções, incluindo esta breve introdução. Na segunda seção são abordados os aspectos relacionados ao cenário comercial da soja. Na terceira seção são descritas algumas das principais barreiras comerciais impostas ao Brasil e que envolvem o complexo soja. Na quarta seção faz-se uma análise da competitividade das exportações de soja nos Estados Unidos e no Brasil (maiores países exportadores de soja), utilizando o índice de vantagem comparativa revelada nas exportações, o qual também está explicitado nessa seção. Por fim, na quinta seção estão expostas as considerações finais a respeito do comércio internacional de soja.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO CENÁRIO COMERCIAL DA SOJA A produção mundial de soja em 2012 foi de 241,8 milhões de toneladas, sendo os Estados Unidos responsáveis por 34,16% da produção (82,6 milhões de toneladas) e o Brasil por 33,70% (81,5 milhões de toneladas) (FAO, 2013). Além de maiores produtores, os Estados Unidos e o Brasil também são os maiores exportadores mundiais de soja. Em 2011, as exportações mundiais eram de 91 milhões de toneladas, o correspondente a US$ 45 bilhões. Os Estados Unidos se portava como o maior exportador com 34,3 milhões de toneladas, o correspondente a US$ 17,6 bilhões, enquanto o Brasil era o segundo maior produtor com 33 milhões de toneladas equivalentes a US$ 16,3 bilhões (FAO, 2013). O Gráfico 01 mostra o valor das exportações de soja dos dois países maiores exportadores, de 1990 a 2011. Observa-se que o valor das 306

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exportações de soja em grão tanto dos Estados Unidos quanto do Brasil mostram tendência de crescimento. Anteriormente à crise financeira ocorrida em 2008, as exportações de soja dos Estados Unidos apresentaram aumento significativo de 124% entre 2006 e 2008. No entanto, houve queda de 6% no valor das exportações de 2010 para 2011. Mas tal queda não influencia na tendência de crescimento do valor das exportações americanas. Gráfico 01 – Exportações de soja dos Estados Unidos e Brasil entre 1990 e 2011 (US$ milhões)

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da FAO (2013).

Por outro lado, o valor das exportações brasileiras vem aumentando gradativamente desde 1999, fato que não se alterou com a crise financeira de 2008, embora tenha havido uma pequena queda de 3% de 2009 para 2010 no valor das exportações. De 2010 para 2011, enquanto as exportações americanas apresentaram queda de 6%, as brasileiras mostraram aumento de 48%. Ou seja, o Brasil vem ganhando espaço nas exportações mundiais de soja, podendo ultrapassar os Estados Unidos em poucos anos. Cabe salientar que o principal destino das exportações brasileiras totais é a China, sendo comercializado com este país, em 2012, US$ 41,2 bilhões, seguida por Estados Unidos (US$ 26,7 bilhões), Argentina (US$ 18 bilhões), Países Baixos (US$ 15 bilhões) e Japão (US$ 8 bilhões). Estes cinco países constituem os principais destinos da soja brasileira e correspondem a 44,89% do total das exportações (MRE/DPR/DIC, 2013). Em 2012, dos produtos exportados pelo Brasil, o complexo soja era o terceiro produto na pauta de exportações, correspondendo a US$ 26,1 307

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bilhões, atrás somente do minério de ferro (US$ 33,2 bilhões) e do petróleo e combustíveis (US$ 30,9 bilhões). Nesse ano, a China recebeu 69,53% do total de soja exportado pelo Brasil, seguida pela Espanha (6,55%), Tailândia (3,31%), Taiwan (3,29%) e Holanda (3,15%). Esses cinco países respondem por 85,83% do total de soja exportado (MDIC, 2012). O Gráfico 02 mostra a evolução das exportações brasileiras de soja para a China importadores brasileiros dessa commodity entre 1996 a 2012. Gráfico 02 – Evolução das exportações de soja do Brasil para a China (US$ milhões FOB): 1997-2013

Fonte: MDIC (2013).

Observa-se que as exportações de soja do Brasil para a China vêm crescendo exponencialmente mesmo após a crise de 2008. É interessante observar que após a crise, o valor das exportações cresceu mais rapidamente do que antes. Estudo de Weydmann (2010) corrobora essa assertiva, demonstrando que os produtos do complexo soja tiveram aumento de preços e não sofreram impactos significativos durante a crise de 2008. Outrossim, Weydmann (2010) mostrou que nem todas as commodities tiveram seu preço reduzido e entre elas encontra-se a soja. O autor analisou as exportações brasileiras das dez principais commodities após a crise de 2008; entre elas se encontram a soja em grão, o farelo de soja, o óleo de soja bruto e o óleo de soja refinado. O autor conclui que o Brasil exportou, em 2008, 51% de todo o farelo de soja que foi produzido no país, 41% da soja em grão produzida, e 34% de todo o óleo de soja produzido. Entre setembro de 2008 e maio de 2009 houve firme tendência de queda do preço de exportação da soja em grão e que, entre junho de 2008 e fevereiro de 2009 308

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foi um período em que houve uma firme tendência de queda de quantidade exportada de soja em grão. Para o farelo de soja, o período em que houve firme tendência de queda do preço de exportação e de quantidade exportada foi entre outubro de 2008 e maio de 2009 e entre junho de 2008 e fevereiro de 2009, respectivamente. O autor mostra que, para o óleo de soja, esses períodos mostraram-se distintos. Enquanto para o óleo de soja bruto o período de firme tendência de queda do preço de exportação foi de outubro de 2008 a maio de 2009, para o óleo de soja refinado foi de agosto de 2008 a maio de 2009. Já o período de firme tendência de queda de quantidade exportada, para o óleo de soja bruto foi de agosto de 2008 a fevereiro de 2009, e para o óleo de soja refinado foi de junho de 2008 a fevereiro de 2009. Além disso, os preços médios desses produtos mantiveram-se mais elevados na crise do que fora dela. Para Weydmann (2010), a crise de 2008 pouco afetou as exportações do agronegócio brasileiro devido à diversificação do mercado externo. De modo semelhante, Costa et al. (2012, p. 6) sugerem “que tal resultado deve-se à composição da pauta de exportação do Brasil, mais concentrada em produtos menos sensíveis à renda, como alimentos e matérias primas”. Em relação à soja, suas exportações foram pouco afetadas devido ao consumo da China e Índia que se manteve firme durante a crise. Além disso, a queda da produção de soja na Argentina também favoreceu as exportações brasileiras desta oleaginosa. Contudo, cabe ressaltar que a crise não afetou somente as exportações do agronegócio. Outros elementos afetados pela crise também repercutiram direta ou indiretamente nas exportações do agronegócio. De acordo com Moreira e Soares (2010, p. 64), a crise financeira ocorrida nos Estados Unidos em 2008 atingiu o Brasil apenas no segundo semestre desse mesmo ano, resultando em: “(i) contração do crédito doméstico e mundial; (ii) destruição de riqueza decorrente da redução do preço dos ativos; (iii) deterioração de expectativas; (iv) vertiginosa queda dos preços das commodities; e (v) redução do comércio mundial. Weydmann (2010) acrescenta que houve depreciação do Real frente ao Dólar de 34%, o que acarretou aumento dos preços nominais nacionais das exportações. Além disso, houve aumento de 8% da inflação, o que fez com que os preços reais caíssem. Outro elemento atingido pela crise foi o Índice IBOVESPA de ações que apresentou queda e, com isso, os juros domésticos elevaram-se, o que dificultou o financiamento das exportações pelas empresas.

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BARREIRAS COMERCIAIS NO COMPLEXO SOJA Mesmo com a adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), muitos países ainda buscam mecanismos de barreiras comerciais para impedir as importações de determinado produto e/ou proteger sua produção interna. Algumas barreiras são permitidas pela OMC, desde que não sejam abusivas nem proibitivas, tais como as barreiras tarifárias e técnicas. No entanto, existem barreiras não tarifárias ou fitossanitárias, que também impedem ou protelam a importação de produtos de outros países e fazem parte de um conjunto de medidas, por vezes veladas, criadas para protelar, impedir ou desestimular determinado movimento mercantil. Os subsídios à produção interna também podem ser vistos como uma forma de barreira em alguns países. As barreiras que envolvem o complexo soja nem sempre são específicas a tal complexo. Em sua maioria, elas envolvem o agronegócio, a agricultura, as commotidies e os grãos em geral. Entre essas medidas encontram-se os picos tarifários e os escalonamentos tarifários, os quais visam, implícita ou explicitamente, instabilizar os mercados e desestimular a agregação de valor. (RODRIGUES et al., 2011). Desse modo, as economias exportadoras são ‘forçadas’ a permanecer na produção de produtos menos elaborados, com desestímulo à industrialização e progresso tecnológico, o que reduz a competitividade e posterga o desenvolvimento da economia preterida. (BAUMANN; CANUTO, 2004, p. 141). A Lei Kandir, posta em vigor em 1996, pode ser considerada um exemplo, uma vez que proporcionou a alavancagem nas exportações de soja, pois esta lei desonerou os produtos in natura do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS). Por outro lado, essa lei desestimulou a exportação de produtos com valor agregado (WILDER, et al., 1999). De acordo com a Associação Brasileira de Óleos Vegetais – ABIOVE (2011), após a Lei Kandir, a tributação total que incide sobre a soja in natura destinada para o mercado chinês é de 3%, independentemente do Estado produtor. No entanto, para o óleo e o farelo de soja, a tributação total é de 9% e 5%, respectivamente, se os produtos exportados forem produzidos em indústrias do Estado produtor; e 21% e 17%, respectivamente, se os produtos exportados forem produzidos em indústrias de outros Estados, que não o produtor. A grande diferença nos valores tributários é que quando o produto exportado é produzido por outro Estado, paga-se 12% de ICMS interestadual. Esse exemplo ilustra uma posição em que o Brasil adota uma medida que desestimula a adição de valor às exportações, face a necessidade de produzir divisas externas, medida essa que também é adotada por países importadores para estimular suas economias. 310

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No entanto, o comércio com China possui outras tarifas relacionadas à agricultura em geral. A partir de 2005, segundo MDIC (2008), as tarifas ad valorem sobre a importação de produtos agrícolas de qualquer país são de 15,3%. Além desta tarifa, a China também aplica o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA), com tarifa de 13% sobre o farelo de soja brasileiro. Atualmente, tal imposto varia entre 13% e 17%. Brum (2002) acrescenta que a China impõe uma tarifa de 3% às importações de soja em grão e de 13% às de óleo de soja. Outro tipo de barreira imposta pela China é a Licença de Importação, que envolve, além de outros produtos, o óleo de soja. Contudo, anteriormente à Licença de Importação, o país exportador deve solicitar uma permissão de importação, que é emitida por órgãos distintos de acordo com o produto. Além disso, a China também aplica Quotas Tarifárias ao óleo de soja (MDIC, 2008). De acordo com Waquil et al. (2004), as principais barreiras impostas à soja brasileira pela União Europeia estão relacionadas à Política Agrícola Comum, além dos subsídios disponibilizados ao produtor europeu e das barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, que estabelecem critérios aos quais a soja brasileira deve se submeter. Segundo MDIC (1999), as exportações de óleo de soja bruto são taxadas com alíquotas que vão de 3,8% a 7,6%, enquanto as alíquotas às exportações de óleo de soja refinado variam entre 6,1% e 11,4%. Em relação às barreiras não tarifárias, o ano de 2004 foi atípico para a soja brasileira. Suspeitas de pragas, doenças e uso de agroquímicos foram levantadas por outros países. No início do ano, os Estados Unidos levantaram a suspeita de que haveria uma possível contaminação da soja brasileira, o que levou o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos a modificar as regras fitossanitárias para as importações de soja (BBC BRASIL, 2004b). No mesmo ano a China embargou um carregamento de soja correspondente a, aproximadamente, 59 mil toneladas de grãos. A justificativa chinesa era a de que havia sementes tratadas com agroquímicos misturadas aos grãos (BBC BRASIL, 2004a). Outrossim, as diretivas europeias, aprovadas em 2011, que estabelecem critérios para a importação de oleaginosas de outros países foram vistas como barreiras não tarifárias pelos países exportadores de soja, pois um dos critérios proíbe a plantação de grãos em áreas de pastagens que possuem alta biodiversidade. Essa característica das áreas de pastagens foi demasiadamente criticada por entidades representativas do setor no Brasil, pelo fato de que não há definição do que sejam essas áreas e uma explicação cabível para a imposição desse critério, apresentando caráter alusivo a de uma barreira comercial (SILVEIRA, 2011; APROSOJA, 2011). 311

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Outro critério que pode ser identificado como barreira às exportações brasileiras de soja é o fato de que a União Europeia estabeleceu que o biocombustível deve ser capaz de reduzir em 35% as emissões de gases do efeito estufa (GEE). Uma das críticas a este critério é que não há um embasamento científico para a imposição do mesmo. No mesmo sentido, há crítica ao fato de que a soja tem capacidade de redução de 31% das emissões de GEE, de acordo com os cálculos da União Europeia, mas o óleo de soja não passa nos seus critérios. Por outro lado, a canola, que é a oleaginosa mais utilizada para a produção de biodiesel na Europa, pelos cálculos desta, tem capacidade de redução de 36% das emissões de GEE, ou seja, a soja fica pouco aquém e a canola um pouco além dos limites de uma regra que não tem critérios claros. (APROSOJA, 2011).

VANTAGEM COMPARATIVA REVELADA NAS EXPORTAÇÕES DE SOJA Diante do cenário comercial da soja e barreiras comerciais que o envolvem, cabe uma breve discussão sobre a competitividade das exportações de soja dos Estados Unidos e do Brasil, uma vez que esses dois países são os maiores exportadores mundiais da oleaginosa. Dentre várias formas de se discutir a competitividade está o Índice de Vantagem Revelada nas Exportações (VRE) que mostra o quanto um país possui competitividade nas exportações de determinado produto. Dessa forma, cabe analisar o desempenho do Brasil nas exportações de soja, comparativamente ao desempenho dos Estados Unidos, uma vez que este possui a liderança das exportações de soja. O VRE é calculado da seguinte forma (RUBIN, ILHA, 2008)37:

(01) Em que: EXPS_P representa o valor das exportações de soja de um determinado país, neste caso, P = Brasil, Estados Unidos; EXPS_MUN representa o valor das exportações mundiais de soja, exceto o valor 37

Os dados para o cálculo do índice VRE foram obtidos da FAO (2013) e UNCTAD (2013).

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correspondente às exportações do país P; EXPT_P representa o valor das exportações totais do país P, exceto o valor correspondente às exportações de soja; e EXPS_MUN representa o valor das exportações mundiais totais, exceto o valor correspondente às do país P. Este índice mostra que a vantagem revelada nas exportações será alta se o VRE for acima de dois; será média se o VRE estiver entre um e dois; será baixa se o VRE estiver abaixo de um; e o país possuirá desvantagem relativa nas exportações se o VRE estiver abaixo de zero. Para uma análise mais dinâmica, calculou-se a VRE para os Estados Unidos e o Brasil ao longo do tempo, a fim de analisar o comportamento desse índice. Dessa forma, Rubin e Ilha (2008) explicitam que, quando a evolução da vantagem revelada nas exportações mostrar-se crescente, significa que o país possui capacidade de expansão da competitividade ao longo do tempo; se o comportamento da VRE for estável, significa que o país mantém estável sua competitividade nas exportações do produto estudado; e se o comportamento da VRE mostrar-se decrescente significa que o país perde capacidade competitiva. O Gráfico 03 mostra a evolução da vantagem revelada nas exportações de soja do Brasil e dos Estados Unidos, entre 1990 e 2011. A linha tracejada no valor 2,00 e a no valor 1,00 mostram os limites que determinam se a VRE é alta, média ou baixa, visto que para nenhum ano foi encontrado VRE menor do que zero, o que determinaria desvantagem relativa nas exportações. Para todos os anos, o Brasil apresentou bom desempenho nas exportações de soja, uma vez que a vantagem relativa nas exportações mostrou-se alta para todos os anos, enquanto os Estados Unidos apresentou desempenho satisfatório, já que sua vantagem relativa nas exportações de soja mostrou-se média em alguns anos.

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Gráfico 03 – Índice de vantagem revelada nas exportações de soja do Brasil e dos Estados Unidos: 1990-2010

Fonte: Elaboração própria.

A vantagem revelada nas exportações brasileiras de soja mostrouse mais intensa do que nas exportações estadunidenses dentro do período analisado. Até 1996, ano em que entrou em vigor a Lei Kandir no Brasil e em que este intensificou a exportação de soja para a China, havia uma instabilidade na VRE brasileira, apresentando tendência de aumento até 2004 e, posteriormente, uma leve tendência de queda. Ainda não se pode afirmar se a VRE brasileira foi afetada pela crise de 2008, pois houve um leve aumento na VRE de 2008 para 2009, uma pequena queda de 2009 para 2010, e um aumento de 2010 para 2011. Somente com uma análise com mais anos posteriores à crise é que permitirá afirmar se houve ou não impacto da crise na vantagem revelada nas exportações brasileiras de soja. No caso dos Estados Unidos, o que se observa é que a vantagem revelada nas exportações de soja mostrou-se instável até 1996, apresentando queda até 1998 e mantendo certa estabilidade até 2011. Após 2008, a VRE estadunidense apresentou-se em queda, mas não se pode afirmar que tal queda é fruto da crise, pois em anos anteriores à crise a VRE já havia apresentado tendência de queda. Salienta-se que a vantagem revelada nas exportações estadunidenses de soja somente foi maior do que a Brasil nos anos 1991, 1995 e 1996. Nos demais anos, o Brasil possui vantagem maior do que os Estados Unidos. No geral, a vantagem revelada nas exportações de soja do Brasil apresentou-se alta para todos os anos, já que a VRE foi maior do que dois, enquanto a vantagem revelada nas exportações de soja dos Estados Unidos apresentou-se média em alguns anos, a saber: 2001, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008. Cabe ressaltar que a média da VRE brasileira foi de 3,42, enquanto a média da VRE estadunidense foi de 2,25. 314

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Como os Estados Unidos são o país que mais produz e exporta soja, era de se esperar que sua vantagem relativa nas exportações dessa commodity fosse maior de que a do Brasil. Contudo, não foi o observado. Uma explicação para tal fato é que a soja é um dos principais produtos na pauta de exportação brasileira, enquanto na pauta estadunidense a soja não faz parte dos dez principais produtos exportados. Outrossim, o comportamento da vantagem relativa nas exportações brasileiras de soja ao longo do tempo mostrou-se crescente, o que significa que o Brasil possui capacidade de expandir sua competitividade nas exportações de soja (fato que pode ser observado pela linha de tendência). No caso dos Estados Unidos, a evolução da VRE mostrou comportamento decrescente, o que significa que o país está perdendo capacidade competitiva nas exportações de soja, o que condiz com a posição da soja na pauta de exportações estadunidenses.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Na última década a soja ganhou especial destaque nas exportações brasileiras, com forte participação nos volumes totais, bem como na obtenção de divisas para o país. Simultaneamente, cresce a participação da China como principal destino, superando a União europeia, mesmo durante o período de crise mundial que atinge a economia global após 2008. Salienta-se que o destino das exportações de soja vem mudando desde a década de 1990, sendo que em 1997 o principal destino era a Holanda, seguido da China, Alemanha, Espanha e Portugal. No início da década de 2000, a China passou a ser o principal destino da soja brasileira, permanecendo até 2013 e mostrando tendência de permanecerá como o principal destino por muitos anos. Ainda neste período, depois da China, os principais destinos eram Holanda, Espanha, Itália e Tailândia. No final da década de 2000, os destinos mudam novamente, permanecendo a China como principal destino, seguido pela Espanha, Holanda, Tailândia e Taiwan. Em suma, os cinco maiores importadores da soja brasileira diversificaram-se ao longo dos anos, porém sempre permanecendo a China, Holanda e Espanha como fiéis compradores. Enquanto o Brasil eleva a produção e produtividade no setor do complexo soja, alguns procedimentos tarifários e não tarifários são adotados pelos importadores para melhorar suas posições, quer seja via argumentos ambientais, burocráticos ou qualquer outro. Dentre as medidas tarifárias encontra-se o uso e tarifas que estimulam a compra da matéria prima em detrimento de subprodutos e derivados com 315

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maior valor agregado. Como exemplo de medidas não tarifárias, temos as licenças de importação, barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, suspeição de pragas, doenças e uso de agroquímicos, uso de critérios pouco claros e definidos unilateralmente. As exportações brasileiras de soja tem apresentado competitividade maior do que as exportações dos Estados Unidos desde 1990. Este país possui vantagem revelada comparativa nas exportações de soja decrescente, o que implica perda de competitividade nas exportações de soja. Em situação oposta está o Brasil, que apresenta vantagem crescente, isto é, ampliação da competitividade. Cabe ressaltar que apesar de os Estados Unidos serem um dos maiores exportadores mundiais de soja, esta não faz parte dos dez principais produtos da pauta de exportação deste país. Ao contrário, na pauta de exportação brasileira a soja encontra-se entre os três principais produtos. Este fato explicita a diferença entre a vantagem revelada nas exportações de soja dos Estados Unidos e do Brasil. Assim, apesar das pressões impostas ao setor via medidas protecionistas e o ambiente de crise após 2008, o cenário da soja para o Brasil tem se mantido bom em função da manutenção da demanda, sobretudo do apetite chinês, e dos preços internacionais, bem como pelo avanço da produtividade do setor.

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A Inserção Internacional do Agronegócio Brasileiro no Pós Crise: A Atuação da OMC, Barreiras e Políticas Comerciais

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Mirian Beatriz Schneider Braun (Organizadora)

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