A atual conjuntura da produção científica brasileira, Movimento Slow Science e produtivismo: uma forma contemporânea de trabalho escravo?

June 14, 2017 | Autor: Paula Alves | Categoria: Criminologia, Teoría Crítica, Slow Science
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FICHA CATALOGRÁFICA Revista Crítica do Direito nº 5, vol. 66 São Paulo, 2015 Quadrimestral ISSN 2236-5141 QUALIS B1 Vários editores 1. Teoria do Direito - produção científica CDD 341.1 Índice para catálogo sistemático 1. Teoria do direito 341

Fotos da capa: Marisa Mendonça (17.06.2013, Brasília).

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A ATUAL CONJUNTURA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA, MOVIMENTO SLOW SCIENCE E PRODUTIVISMO: uma forma contemporânea de trabalho escravo? Paula Pereira Gonçalves Alves 1 THE PRESENT CONTEXT OF BRAZILIAN SCIENTIFIC PRODUCTION, SLOW SCIENCE AND PRODUCTIVISM: a contemporary form of slave labor? RESUMO. O trabalho visa analisar a atual conjuntura em que pesquisadores e pesquisadoras estão inseridos/as, dentro da lógica de produtividade científica exigida, bem como eventuais reflexos dessas condições no tocante às formas de trabalho. Buscou-se compreender a construção da ciência enquanto mercadoria e de saberes estéticos e especulativos que possam atender as demandas da indústria cultural e de critérios globais de avaliação dessas produções. A partir disto, situa-se pelo movimento “Slow Science” como forma de contestação à lógica hegemônica de produtividade e superficialidade presentes no pensamento científico contemporâneo. Ademais, a partir do perfil traçado da produção científica brasileira por meio de dados indiretos apresentados, questiona-se os possíveis desdobramentos dessa lógica de produção científica massiva e veloz, no que diz respeito à possibilidade de reconhecimento de uma forma contemporânea de trabalho penoso. Por meio de uma abordagem teórica e crítica, o presente trabalho busca discutir as relações de trabalho no ambiente acadêmico. Palavras- chave: Produtividade científica. Slow Science. Trabalho escravo. ABSTRACT. The study aims to analyze the current situation in which researchers are inserting in the scientific productivity logic required and any consequences of these conditions concerning job categories. Tried to understand the construction of science as merchandise and aesthetic and speculative knowledge that can meet the demands of the cultural industry and global evaluation standards of these productions. From this, the movement “Slow Science” as a way to challenge the hegemonic logic productivity and superficiality present in contemporary scientific thought locates it. Also, from the stroke profile of the Brazilian scientific production through statistical data presented, we question the possible consequences of this massive and rapid scientific logic of production, with regard to the possibility of recognition of a contemporary form of drudgery. Through a theoretical and critical approach, this paper seeks to understand the labor relations in the academic environment. Key words: Scientific Productivity. Slow Science. Slavery. 1. INTRODUÇÃO O trabalho2 visa analisar as complexidades acerca da situação em que pesquisadores/as estão inseridos, dentro da lógica de produtividade científica, bem como em que medida esses 1

Mestranda pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Bolsista Capes. Contato: [email protected]. Assuntos de interesse e atuação: criminologias; teoria crítica; atores e atrizes do sistema de justiça criminal e gênero. 2 O presente trabalho foi apresentado no IV Seminário Internacional “Formas Contemporâneas de trabalho Escravo”, realizado pelo NETPDH, na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/ campus Franca. As reflexões expostas nesse artigo são frutos das discussões apresentadas durante o evento.

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Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 critérios de produção adotados por instituições relacionadas com a ciência atingiriam as condições pessoais de trabalho e qualidade de vida dessas pessoas. Num primeiro momento, pretende-se abarcar a configuração do pensamento científico contemporâneo relacionado com o modo de produção capitalista. A partir disto, situa-se pelo movimento Slow Science como forma de contestação à lógica hegemônica de produtividade presente no pensamento científico contemporâneo. Com recurso ao aporte teórico em Theodor Adorno e do movimento Slow Science, compreender-se-á o perfil da produção científica brasileira dos últimos anos, por meio de dados indiretos presentes em relatórios e indicadores realizados por instituições relacionadas ao conhecimento, tal como a Nature e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São PauloFAPESP. Ademais, torna-se passível o seguinte questionamento: o perfil das publicações brasileiras suscitaria em reflexos não somente às formas com que o conhecimento científico está sendo gerenciado, mas na qualidade de trabalho e vida dos/as próprios/as pesquisadores/as? Outrossim, diante da lógica de produção científica massiva e veloz, que tende a submeter pesquisadores e pesquisadoras a condições degradantes, levanta algumas questões acerca do reconhecimento formal de uma forma contemporânea de trabalho escravo ou penoso. Por meio de uma abordagem interdisciplinar e contemporânea, propõe-se uma descrição acerca de eventuais problematizações relacionadas à atividade de pesquisa dentro da lógica do produtivismo científico, como configuração de trabalho penoso ou escravo. Repensar essas questões é uma forma de autorreflexão da própria academia e de direcionamento de políticas sociais e diretrizes para a categoria de pesquisadores e pesquisadoras no Brasil. 2. A CIÊNCIA COMO MERCADORIA E EXIGÊNCIAS DO PRODUTIVISMO CIENTÍFICO: CONSTRUINDO SABERES ESTÉTICOS E ESPECULATIVOS Após a Segunda Guerra Mundial, a teoria encontrava-se vinculada à visão do progresso cultural global nas sociedades ocidentais. Contudo, segundo Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985, p. 19), esse progresso do pensamento “tem perseguido sempre livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal". Esse aparente processo evolutivo da sociedade ocidental burguesa resulta no que os autores irão descrever como aquilo que “a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie". Neste cenário, o pensamento encontra-se sob o manto do positivismo. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 11) Neste sentido, Gustavo Pedroso (2007, p. 17) ainda explica: A julgar já pelo contexto em que são inseridas estas considerações, as dificuldades colocadas pela mercantilização não são de pouca monta. No caso da Dialektik der Aufklärung, a tentativa de explicar a corrida da humanidade em direção a uma nova barbárie acaba por esbarrar com esta mesma barbárie no coração de seu próprio empreendimento, na forma da positivação do pensamento. Enquanto transição à barbárie, Adorno compreende que a atividade científica moderna representa a transcendência do pensamento científico racional enquanto “ciência oficial”. O 27

Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 resultado deste reconhecimento consiste na ciência enquanto mercadoria, vez que as produções do conhecimento estariam presas ao processo global de produção (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 3). Em conformidade com o modo de produção da “indústria cultural”, os usos das técnicas são controlados, a fim de que pensamento científico possa atender às demandas do consumo. Adorno (2009, p. 12) ainda afirma: Nenhuma teoria escapa mais ao mercado: cada uma é oferecida como possível dentre as opiniões concorrentes, tudo pode ser escolhido, tudo é absorvido. Ainda que o pensamento não possa colocar antolhos para defender-se; ainda que a convicção honesta de que a própria teoria está isenta desse destino certamente acabe por se degenerar em uma auto exaltação, ainda assim a dialética não deve emudecer diante de tal repreensão e da repreensão com ela conectada referente à sua superfluidade, à arbitrariedade de um método aplicado de fora [Grifo nosso]. A produção científica resigna seu potencial de complexidade, a fim de restringir-se à sua estética e ao interesse do mercado científico (departamentos públicos de financiamento, centros especializados, empresas privadas, títulos e premiações). Quanto à estética, Adorno assim descrever acerca da “profundidade vazia” presente nas teorias modernas: Nessa medida, por mais que ela mesma seja uma aparência enquanto totalidade, ela critica por meio dessa totalidade a aparência: a aparência da presença do conteúdo aqui e agora. Uma tal mediação não é menos adequada à filosofia. Se pretendesse dizê-lo rápido demais, então valeria para ela o veredicto hegeliano sobre a profundidade vazia (ADORNO, p. 22. 2009) No capitalismo tardio, as abordagens teóricas passaram a ser construídas pelos mesmos modos de produção das mercadorias de consumo imediato. Nesse cenário, o pensamento científico encontra-se comprometido pelo interesse mercadológico, de modo que sua origem tende a ser instrumentalizada de acordo com exigências e critérios pré dispostos pela indústria cultural. Para fins daquilo que Adorno vai denominar de “funcionamento acadêmico”, a ciência torna-se rigorosamente organizada e desprovida de conceitos (ADORNO, 2009, p. 51). O funcionamento acadêmico veicula-se pela alienação e utilidade dessa mesma ciência então alienada. Neste sentido, como forma de conservar-se na própria estética, a ciência assim renuncia sua própria complexidade à precariedade da consciência científica. Adorno (2003, p. 22) ainda assinala: Se a técnica torna-se um obstáculo na obra de arte, se a construção torna-se total, erradicando a expressão, que é seu motivo e seu oposto, se a arte pretende torna-se imediatamente ciência, adequando-se aos parâmetros científicos, então ela sanciona a manipulação pré-artística da matéria, tão carente de sentido quanto o Seyn [Ser] dos seminários filosóficos. Uma das alternativas para dar seguimento à barbárie foi a ideia de modernização, enquanto visão de progresso cultural e tecnológico para a contemporaneidade. Assim, o esclarecimento enquanto destruidor do pensamento aufere espaços nas teorias modernas. Em razão disto, os pensamentos complexos e críticos são interpretados como obscuros e incertos, como se estivessem um “ponto de imbecilidade teórica”. Nas palavras de Adorno: Ao tachar de complicação obscura e, de preferência, de alienígena o pensamento que se aplica negativamente aos fatos, bem como às formas de pensar dominantes, e ao colocar assim um 28

Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 tabu sobre ele, esse conceito mantém o espírito sob o domínio da mais profunda cegueira. (ADORNO, 1985, p. 4) O conhecimento científico encontra-se comprometido aos interesses do mercado e, assim, das classes dominantes. As formas reducionista e didática do pensamento científico encontramse relacionadas com a noção invertida acerca do esclarecimento. Assim, no que diz respeito à obra Dialética do Esclarecimento, o “conceito de clareza que se lhe opõe é justamente aquele definido pelas usanças dominantes na ciência, nos negócios e na política (PEDROSO, 2007, p. 19),” e, portanto, grandemente comprometido com elas. 3. O MOVIMENTO SLOW SCIENCE: CIÊNCIA PRECISA DE TEMPO Nesse cenário - período pós Guerra Fria - em que os modos de produção almejam por uma relação tempo/produção cada vez mais acelerada e “eficiente”, incide o surgimento de movimentos numa frente de oposição ao fenômeno hegemônico do capitalismo tardio. Um desses movimentos é o “Slow Movement”, que surge como uma forma de resistência aos padrões norteamericanos expandidos pela Europa, no ano de 1986. Sua origem é indissociável do caráter contestatório à americanização do continente europeu. O fato ocorreu após um protesto contra a abertura de um McDonald´s na Prazza di Spagna em Roma, naquele ano (1986). “Este foi o marco inicial do Slow Food, um movimento que defende o prazer de comer contra a lógica taylorista-fordista das grandes redes de restaurantes que se proliferaram no mundo inteiro depois da Segunda Guerra Mundial” 3. Transcendendo a questão da comida, o movimento expandiu-se a outros setores da vida cotidiana, de modo a defender um estilo de vida que não fosse condizente com o excesso de velocidade imposto pelo capitalismo tardio. Dentre eles estão o Slow Reading (em defesa de uma leitura lenta e profunda dos textos, sem interferências e interrupções de aparelhos eletrônicos) e o Slow Science, que disseminou um manifesto4 contra o estilo adotado por universidades fast-food, isto é, contra a lógica da produtividade e superficialidade, que são características cada vez mais presente no meio acadêmico contemporâneo. Transcreve-se uma passagem do próprio manifesto: We do need time to think. We do need time to digest. We do need time to misunderstand each other, especially when fostering lost dialogue between humanities and natural sciences. We cannot continuously tell you what our science means; what it will be good for; because we simply don’t know yet. Science needs time. [grifo nosso] 5

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Neste sentido: Movimento Slow. Disponível em: . Ainda, “Universidade FastFood e a necessidade de sua crítica radical”. Disponível em: . 4 O manifesta pode ser encontrado no endereço eletrônico: . Acesso em: 05.03.2015. 5 Precisamos de tempo para pensar. Precisamos de tempo para digerir. Nós precisamos de tempo para entender uns dos outros, especialmente quando o fomento ao diálogo entre ciências humanas e ciências naturais foi perdido. Não podemos continuar a dizer o que significa a nossa ciência; o que será bom para; porque nós simplesmente não sabemos ainda. Ciência precisa de tempo. [tradução nossa]. Disponível em: . Acesso em: 05.03.2015.

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Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 O Slow Science tem sua origem na Alemanha, no ano de 2010 (tardio, portanto, ao movimento “Slow” como um todo). No tocante à ciência, o movimento surge num cenário onde o conhecimento é exercício numa lógica de produção de mercadorias, que prioriza o seu aspecto estético e lucrativo, de modo a resultar numa ciência meramente especulativa (ADONO, 2009, p. 23). Assim, o movimento ganha um significado daquilo que Adorno vai denominar como “Fantasma da Profundidade6” (ADORNO, 2009. p.29); ou seja, como uma contestação (negação) ainda presente em outros espaços, diferentemente daqueles onde a falta de reflexão nos saberes contemporâneos é hegemônica. Neste ínterim: Os cientistas signatários da Slow Science entendem que o mundo da ciência sofre de uma doença grave, vítima de uma ideologia da competição selvagem e da produtividade a todo preço. A praga cruza os campos científicos e as fronteiras nacionais. O resultado é o distanciamento crescente dos valores fundamentais da ciência: o rigor, a honestidade, a humildade diante do conhecimento, a busca paciente da verdade. (WOOD, 2014, p. 102) No Brasil, o movimento ganha notoriedade, sobretudo quando o manifesto é traduzido para a língua portuguesa e publicado em diversos jornais de circulação nacional, revistas e blogs. 7 Os pesquisadores e as pesquisadoras brasileiros/as começam a aderir ao movimento, inclusive por meio de espaços institucionais, tal como ocorrera na Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria8. Por vezes, essa lógica de produtivismo da ciência pode afetar a qualidade de vida de professores/as, pós graduandos/as e pesquisadores/a de modo geral. À concretização das tarefas e de artigos publicados exigiriam uma jornada de trabalho excessiva, sem controle externo do tempo trabalhado por parte de órgãos de fiscalização. De acordo com Thomaz Wood Jr., os defensores do Slow Science reconhecem a importância da qualidade em detrimento da quantidade de publicações; e de preservar algum tempo para os amigos, a família, o lazer e o ócio (WOOD, 2014, p. 101). Diante dessa lógica de produção científica massiva e rápida, que submete pesquisadores e pesquisadoras a condições degradantes, levanta algumas questões acerca de reconhecimento formal de uma forma contemporânea de trabalho escravo ou penoso (artigo 79, inciso XXIII da Constituição Federal de 1988). Para enfrentar tais pontos torna-se necessário compreender o cenário em que essa “categoria de trabalhadores/as” estaria inserida, no tocante ao perfil das produções científicas brasileiras e critérios de avaliação vinculados a altos índices de produtividade.

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Segundo Adorno, em contraposição aos fantasmas da profundidade que, na história do espírito, sempre se deram muito bem com aquilo que existe, muito trivial para eles, a resistência seria a verdadeira medida da profundidade. (ADORNO, 2009. p. 29). 7 Páginas eletrônicas brasileiras em o assunto sobre movimento foi publicado: Folha de São Paulo, Ciência. Publicado em: 08.08.2011. Disponível em: . Carta Capital, Ciência. Publicado em: 25.05.2012. Disponível em: < www.cartacapital.com.br/sociedade/slow-science>. Revista Pittacos. Publicado em: 21.10.2011. Disponível em: ; entre outros. 8 A divulgação pode ser acessada no endereço eletrônico: . Acesso em: 17.03.2015.

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O PERFIL DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA

Condizente com o modo de produção capitalista pós-fordista, o pensamento científico padece de profundidade e tempo para sua real formação e reflexão. De tal modo, cientistas precisam acompanhar as exigências desse mercado da ciência. Tem-se a formação de “pensadores rápidos” ou “fast thinking” (BOURDIEU, 1997). Por um lado, essa demanda imediata por estudos científicos propiciou uma expansão ao financiamento desses estudos, crescimento de centros especializados, expansão de programas de graduação e pós-graduação e regiões do conhecimento tornaram-se cada vez mais independentes e autônomas. Por outro, uma hipótese a ser explorada é que essa mesma oficialização tende a comprometer essas pesquisas, vez que elas encontrar iam-se vinculadas a interesses de departamentos públicos ou empresas privadas, bem como resultaria em saberes não interdisciplinares para dar respostas a fenômenos mais complexos. No Brasil, de acordo com o relatório realizado em junho de 2011 pela FAPESP junto à reitoria da Universidade de São Paulo-USP9, o crescimento mais significativo na formação de doutores no Brasil ocorreu nas ciências humanas 10. No ano de 1996, cerca de 26% dos pesquisadores e pesquisadoras dessa grande área tinham titulação de doutorado. Já no ano de 2008, esse número aumentou para 32% de doutores e doutoras nas ciências humanas. Segundo esse mesmo relatório, as causas que levam ao crescimento da produção científica e à qualificação profissional são: Financiamento, Formação de Recursos Humanos, Papel das Universidades e Institutos de Pesquisa, Crescimento da Produção Científica, Sistema de Avaliação da PG e Valorização da Qualidade dos CV. Assim, é de se notar que aquele fenômeno de expansão de investimento no setor de pesquisa também atingiu o Brasil, ainda que um pouco tardio (principalmente a partir de 1996) em comparação a outros países. Não obstante, emerge um mercado científico brasileiro vinculado, principalmente, a departamentos públicos e com poucas iniciativas de financiamento por parte do setor privado 11. Ainda que haja uma expansão quantitativa das produções científicas, os trabalhos qualitativos tiveram um impacto menor. Esta é a observação apontada pela Nature: Com a expansão econômica nos últimos 20 anos, e maior investimento em pesquisa e desenvolvimento, ocorreram um aumento das publicações decorrentes da pesquisa realizada na América do Sul, porém não acompanhada por igual incremento na qualidade. Chama também atenção sua distribuição desigual entre os países, com destaque do Brasil no número de publicações; do Chile, detentor do maior número de patentes; e da Argentina, país com maior proporção de pesquisadores por número de trabalhadores, que chega a superar o Brasil e a China. No cenário da América do Sul, a produção científica total cresceu de cerca de 2% da produção mundial em 1996 para 4% em 2012. Contudo, em questão de qualidade, o impacto 9

Disponível em: FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. O Perfil da Produção Científica Brasileira. Julho de 2011. . Acesso em: 26.02.2015. 10 Segundo dados do relatório realizado pela FAPESP, o crescimento na formação de doutores/doutoras nas ciências humanas foi o mais significativo (32%), em relação às outras áreas, como medicina e biológicas (30%), ciências agrárias (12%) e exatas, terra e engenharia (22%), no período de 1996-2008. 11 A ciência na América do Sul na Nature. Disponível em: . Acesso em: 24.02.2015.

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Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 internacional dessas pesquisas não tem essa mesma dimensão da porcentagem quantitativa, tendo em vista que um terço das publicações não estarem indexadas em bases internacionais como a Scopus da Elsevier, ou a Web of Science, da Thomson Reuters12. Em questão quantitativa, o Brasil se sobressai pelo “aumento de cinco vezes no volume de sua produção científica (medida pelo número de artigos na base Scopus, Elsevier, em 2013) nos últimos 20 anos”13. Esse crescimento correspondente a mais de dois terços do total das produções na região latino-americana. Em números expressos, o Brasil ascendeu de 17º lugar mundial na quantidade de artigos publicados para 13º posição, em questão de publicação. O número total de artigos publicados nos últimos vinte anos corresponde ao total de 49.664 artigos. Apesar do valor expressivo de produções científicas e da liderança de gastos públicos brasileiros para o setor científico e tecnológico (1% do PIB em 2011), outros países com produções mais qualificadas14 têm investimentos mais irrisórios (Argentina, Chile e Uruguai situam seus investimentos entre 0,1 e 0,5% do PIB em 2011) 15 em relação ao Brasil. Aquele relatório realizado pela FAPESP no ano de 2011 já apontava para questões problemáticas acerca da grande produção científica brasileira com baixa qualidade e pouco impacto internacional. De acordo com o relatório, assim corresponde o perfil da produção científica do Brasil: Progresso quantitativo significativo (heterogêneo) Progresso qualitativo menos expressivo Impacto reduzido globalmente Formação de recursos humanos Crescimento do financiamento da pesquisa Participação de institutos e universidades Valorização da qualificação na avaliação dos pesquisadores É possível notar que, apesar do expressivo crescimento quantitativo das produções científicas brasileiras, elas carecem de qualidade em matéria de impacto no cenário internacional. Esta corresponde a outra conclusão desse mesmo relatório: A pesquisa brasileira teve um progresso quantitativo significativo O progresso qualitativo foi menos expressivo A pesquisa brasileira ainda tem impacto reduzido globalmente

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Mister ressaltar a importância dessas bases, vez que, segundo a Nature, a partir de 2013, a Web of Science passa a contar com o SciELO Citation Index, iniciativa que permite aos periódicos da base SciELO contabilizar citações na base da Thomson Reuters, aumentando assim, sua visibilidade e impacto. 13 A ciência na América do Sul na Nature. Disponível em: . Acesso em: 24.02.2015. 14 Avaliação qualitativa de acordo com tais critérios: quantidade de citação da publicação em questão e publicação indexada em bases internacionais como a Scopus da Elsevier, ou a Web of Science, da Thomson Reuters. 15 A ciência na América do Sul na Nature. Disponível em: . Acesso em: 24.02.2015

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Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 Nisto encontra-se a lógica da produção científica em larga escala, tal como estabelecido por padrões capitalistas de produção. Tanto a massificação do conhecimento, quanto os critérios de avaliação adotados por setores relacionados à ciência brasileira propiciaram para a proliferação de produções científicas de pouco relevância, em termos de: “relevância estratégica, interesse global, patentes, políticas públicas, disseminação da informação e formação de recursos humanos”.16 Contudo, apesar da pouca visibilidade das produções científicas de colaboração internacional e local no quadro geral das produções científicas, o aumento de publicações ainda representa o amadurecimento da pós-graduação no Brasil e a contração do volume de bolsas no exterior observada no período de 1998-2002, de acordo com a “Análise da Produção Científica a partir de Indicadores Bibliométricos” realizada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.17 Outrossim, a fim de atender a esses critérios que buscam avaliar a produtividade da comunidade científica, pesquisadores e pesquisadoras tendem a readequar seu ritmo e organização de estudos às formas de gestão por parte de determinados setores de pesquisa e tecnologia do Brasil. A partir disto, alguns desdobramentos insurgem, para além das taxas quantitativas de produções científicas já expostas. 5. AS PAUTAS DA ANPG E O RECONHECIMENTO DE PESQUISADORES/AS COMO NOVA CONFIGURAÇÃO DE TRABALHO PENOSO? Conforme apresentado, o quadro geral de produções científicas brasileiras aponta para valores expressivos em números quantitativos de publicação, mas de insuficiente impacto internacional e de produção voltada ao aspecto social. Por conseguinte, para que tal crescimento fosse alcançado, pesquisadores/as, professores/as e pós-granduandos/as do país necessitariam, em regra, adaptar-se à lógica imposta pela produtividade massiva de publicações e competitividade no ambiente acadêmico. Uma outra conjectura diz respeito à possibilidade de que essa alta produtividade possa resultar aos/às pesquisadores/as outros desdobramentos e ônus pessoais, que não são institucionalmente registrados pelos mesmos órgãos que quantificam as produções científicas do país. Em setembro de 2014, a Associação Nacional de Pós Graduandos/as lançou a “Campanha por Mais Direitos para as Pós-Graduandas e para os Pós-Graduandos”, baseada no Documento de Direitos e Deveres, aprovado no 24º CNPG. De acordo com ANPG, o documento foi elaborado a partir das dificuldades e potencialidades locais vivenciadas para o desenvolvimento científico do país e destinado a regular direitos e deveres dos pós-graduandos matriculados em Instituições de Ensino Superior públicas e privadas brasileiras, nas modalidades lato e stricto sensu18. Em termos de fundamentação puramente normativa, a ANPG entende que o pós-graduando - além exercer a função de um estudante - equipara-se a um trabalhador, pois exerce uma atividade produtiva laboral ao mesmo tempo que está em processo de formação educacional. 16

Disponível em: FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. O Perfil da Produção Científica Brasileira. Julho de 2011. . Acesso em: 26.02.2015. 17 Indicadores FAPESP. Análise da Produção Científica a partir de Indicadores Bibliométricos, Capítulo 5. 2004. p. 45. 18 O documento pode ser acessado no endereço eletrônico: < www.anpg.org.br/?p=7852>. Acesso em: 27.03.2015.

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Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 Torna-se questionável o reconhecimento ou não de vínculo empregatício para a categoria de pós graduandos pelos motivos que serão expostos a seguir. O artigo 3º da CLT define o empregado como "toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário". A Lei ainda regulamenta acerca da figura de estagiário, no seguinte teor: “alunos matriculados regularmente em instituições de ensino público e particular, de educação superior, de educação profissional, do ensino médio e de educação especial poderão ser considerados estagiários, os quais deverão desenvolver atividades nas empresas desde que relacionadas à sua área de formação. A mera rotulação de estagiário não impede o reconhecimento da condição de empregado. É preciso preencher os requisitos legais para que o contrato de estágio seja legalmente válido”.

A ANPG compreende que a condição de estudantes matriculados em programas de pós graduação preenche as exigências que o direito trabalhista estabelece para que haja vínculo empregatício, “uma vez que esse não pode, muitas vezes, ter vínculo empregatício, o pósgraduando tem na sua atividade de pesquisa a sua principal ou única ocupação”. Sendo assim, pós-graduando/a consistiria em atender a categoria de empregador híbrido entre estudante e trabalhador que, por diversas vezes, depende da bolsa de pesquisa para seu sustento 19. Em linhas gerais, segundo as motivações da ANPG: [...] a bolsa, mais do que auxilio à pesquisa, deve ser encarada como a única forma de sustento para o pós-graduando que, para recebê-la, assina contrato de exclusividade e fica impedido de exercer sua profissão. Além disso, é preciso destacar, a pesquisa desenvolvida pelo pesquisador não é de interesse só dele20. Dentre as pautas da Campanha, estão: (1) implantação da adicional insalubridade, bem como Equipamento de Proteção Individual (EPI, principalmente no que diz respeito aos riscos em situações reais produzidas em laboratórios, onde há presença de agentes químicos, tóxicos, radioativos, corrosivos ou explosivos que possam colocar em risco a saúde e segurança do pósgraduando. Este direito está consagrado na legislação brasileira mediante avaliação pericial de risco; artigos 166 e 193, parágrafos da CLT); (2) regulamentação acerca do afastamento por motivo de saúde, vez que a categoria não conta com o apoio do sistema nacional de seguridade (INSS); (3) benefícios e auxílios trabalhistas, vale transporte e auxilio alimentação, conforme previsto pelos direitos trabalhistas; (4) pagamento do décimo terceiro salário, além de outras pautas estabelecidas pela ANPG. A problematização acerca do reconhecimento do vínculo empregatício à categoria de pós graduandos/as é passível de questionamentos. Ela paira sobre o enquadramento de pós graduandos entre estagiários ou empregados (pesquisas financiadas por empresas privadas), ou caso constituísse em regime de prestação de serviço público, quando esses/as pesquisadores/as tivessem suas pesquisas financiadas por intuições públicas. 19

Campanha por Mais Direitos para os(as) Pós-Graduandos(as): Mais condições de pesquisa. Associação Brasileira de Pós Graduandos do Brasil, 24 de março de 2015. Disponível em: < www.anpg.org.br/?p=7852>. Acesso em: 27.03.2015. 20 Idem.

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Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 Caso seja compreendido que há vínculo empregatício entre a relação de pós graduandos e agências de amparo à pesquisa, haveria necessidade de adequação por parte das gestões de financiamento científico aos direitos trabalhistas até então não cumpridos. Do contrário, caso não incorra nesse reconhecimento, compete aos programas de pós graduação o controle interno, no tocante aos limites previstos aos estagiários em relação às atividades por eles exercidas. Além das pautas expostas pela ANPG, outras consequências resultariam desse reconhecimento à categoria de pós graduandos/as como sendo empregados/as. Por um lado, a existência de vínculos empregatícios veicula não somente o cumprimento dos direitos de acordo com cada categoria trabalhista, mas a fiscalização por parte de auditorias ligadas ao Poder Executivo, que são cumpridas por órgãos de fiscalização, cuja competência se dá no âmbito federal. Por outro, esse enquadramento tende a resultar numa maior institucionalização e controle dessas pesquisas financiadas. No que diz respeito às exigências de produtividades, a ANPG reconhece que, “em tempos de alta produtividade, como o que vivemos, é comum que a pressão pela produção acadêmica provoque muitas doenças nos pós-graduandos, especialmente doenças psicológicas”. Retomando o conceito anteriormente exposto de ciência como mercadoria, a própria Associação compreende a situação dos pós graduandos como, muitas vezes, fast thinking, que estão subordinados aos níveis de produção exigidos por critérios adotados por órgãos públicos ligados à pós graduação. Outrossim, mister lembrar que esse modo de gerência de produções científicas brasileiras não atinge somente os pós graduandos/as, como os próprios professores e professoras, coordenadores e coordenadoras de programas de pós graduação, uma vez que eles/elas também estariam presos/as às formas de avaliação pessoal e coletivas de publicação, de acordo com os critérios quantitativos adotados por instancias superiores de ensino e pesquisa. Portanto, tem-se que os efeitos da violência simbólica, resultantes da lógica atual de avaliação das produções científicas brasileira, são estruturais; ou seja, essa violência atinge não somente estudantes, mas todas as pessoas que estão relacionadas com o ambiente acadêmico. Diante das condições de trabalho, desvalorização da carreira docente, carência de direitos aos/às bolsistas de pós graduação, condições materiais degradantes que resultariam na exposição a riscos em determinados ambientes laborais, há a compreensão de que essas condições qualificariam como uma forma contemporânea de trabalho escravo ou penoso. Neste sentido, assim compreende o professor/pesquisador brasileiro Gilson Luiz Volpato: Parece ironia, mas na realidade essa “profissão” será apenas uma medida para facilitar a prática da Fast Science, dando ao sistema Fast mão de obra oficializada (com carteira assinada), de forma que o subemprego e a escravidão profissional se aperfeiçoem. Para mim, ter a profissão de cientista implica em ter plano de carreira e, ao ser contratado, ter condições e liberdade para desenvolver sua própria linha de pesquisa. Mas o que se visualiza será apenas a viabilização legal para pagamento de mão de obra especializada para tocar os ideais científicos de cientistas sêniores, que são donos do dinheiro num sistema de financiamento que, muitas vezes, favorece o corporativismo (VOLPATO, 2015). [Grifo nosso] Tendo em vista a conjuntura a respeito da “profissão cientista” em tais condições descritas, haveria a possibilidade de aplicação do dispositivo 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo), tendo em vista que o vínculo empregatício não é elementar desse tipo 35

Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 penal, bastando apenas que seja reconhecida a situação fática como sendo análoga à de escravo, a ser analisada em cada caso concreto. Torna-se imprescindível repensar as formas de condições análogas de escravo no contexto social contemporâneo, em vista de mudanças dinâmicas em que as sociedades globais se reorganizam. Contudo, apesar do reconhecimento da tutela penal para tais condições que envolvem pesquisadores/as brasileiros/as como sendo análoga à de escravo ou trabalho penoso, o presente trabalho compreende que outros campos jurídicos devem ser priorizados em relação ao penal, a partir de uma proposta abolicionista, cujo o fim seja a abolição das estruturas do sistema de justiça criminal (HULSMAN, 2003). Apesar de tal menção, este ponto não corresponde aos objetivos desse artigo, vez que não cabe aqui exaurir essa questão. Vale apenas pontuar que tutelar direitos humanos pelo sistema de justiça criminal é uma forma de fomentar o ciclo irracional de violência que dele mesmo deriva, e violar outros direitos humanos. Portanto, há uma postura punitiva ao invocar um mecanismo de violação de direitos humanos que representa o sistema criminal, a fim de proteger outros direitos que seriam considerados como dignos da repressão penal 21. Ora, tem-se uma lógica retroalimentar de intervenção do sistema criminal como violador ou “protetor” dos direitos humanos. Quanto à condição de trabalho penoso, o reconhecimento formal da situação em que pós graduandos/as e demais pesquisadores/as se encontram como sendo condizente às formas de trabalho escravo é um primeiro passo a fim de direcionar políticas sociais e ações pelo poder judiciário, de modo a resultar em melhorias de condições para essas pessoas.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho buscou analisar a atual conjuntura em que pesquisadores e pesquisadoras estão inseridos/as, dentro da lógica de produtividade científica exigida por setores relacionados à pesquisa, ensino e tecnologia. É possível notar que o pensamento científico contemporâneo vincula-se aos modos de produção capitalista. Neste sentido, o conhecimento é construído de forma racional e reduzido ao seu aspecto meramente estético, a fim de atender aos critérios postos pela indústria cultural. Portanto, o conhecimento adere aos moldes de uma mercadoria no capitalismo tardio. Ainda nesse contexto histórico, o movimento “Slow Science”, fruto de outras manifestações relacionadas ao “Slow Movement”, emerge como uma forma de contestação e resistência aos moldes de produção científica cominados pelos EUA. Nesse momento, o conhecimento científico corresponde à lógica de publicação rápida e eficiente, que priorize o seu aspecto estético e lucrativo. De tal modo, o movimento assim se expressa: “Precisamos de tempo para pensar. Precisamos de tempo para digerir. Ciência precisa de tempo.” Na medida que essa lógica de produção quantitativa de publicações insurge numa padronização global, o movimento ganha signatários/as de diversos países, inclusive pesquisadores/as brasileiros/as. No Brasil, a fim de atender aos padrões globais da ciência, pesquisadores e as pesquisadoras vinculados/as às formas de avaliação relacionadas à “produtividade versus tempo” tendem a readequar seu tempo para realizar seus trabalhos. Assim, de acordo com os dados 21

Nesse sentido, ver: KARAM (1996, 79-92). A esquerda punitiva.

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Revista Crítica do Direito, n. 5, vol. 66, ago.dez. 2015 expostos, foi possível notar que a pesquisa brasileira teve um progresso quantitativo significativo. Porém, o desenvolvimento qualitativo foi menos expressivo, em termos de impacto nacional e internacional dessas publicações. Apesar disto, esse o aumento de publicações representa o amadurecimento da pós-graduação no Brasil e a contração do volume de bolsas no exterior. Ademais, no tocante à categoria de pós graduandos/as, em setembro de 2014, a Associação Nacional de Pós Graduandos/as lançou a “Campanha por Mais Direitos para as PósGraduandas e para os Pós-Graduandos”. De modo geral, as pautas elaboradas pela Associação buscam o reconhecimento da categoria enquanto atividade laboral, a fim de possibilitar a garantia de direitos trabalhistas e melhores condições de trabaho. Quanto à problematização acerca do reconhecimento do vínculo empregatício à categoria de pós graduandos, ela foi passível de questionamentos pelo presente trabalho, a demonstrar pontos divergentes acerca do assunto. Ela paira sobre o enquadramento de pós graduandos entre estagiários ou empregados, de modo a questionar a força laboral que haveria nessa atividade. Outra problemática diz respeito aos ônus que esse reconhecimento formal como categoria de trabalho poderia resultar, no tocante ao controle, regulamentação e maior institucionalização das pesquisas desses/as cientistas enquadrados/as pelo direito como trabalhadores/as. Diante dos motivos expostos, recai a possibilidade de reconhecimento dessa situação fática em que pesquisadores/as estão inseridos/as no ambiente acadêmico como uma forma contemporânea de trabalho penoso. Quanto ao tipo penal previsto no artigo 149 do Código Penal de 1940, compreende que, apesar da possibilidade de aplicação do crime que prevê sobre condições análogas à de escravo, a resolução para tais situações consistiria numa maior eficácia se aplicada a outras esferas do direito, sob o enfoque de uma perspectiva voltada ao cumprimento de direitos dos/as pesquisadores/as. Ademais, cabe lembrar que a violência simbólica, fruto das exigências de produtivismo científico, é estrutural. Portanto, ela atinge não somente pós graduandos/as, mas professores e professoras e demais pesquisadores/as que também estão atreladas/os aos mesmos critérios de avaliação que perpassam pelos programas de pós graduação do Brasil. Inclusive, conforme foi exposto, espaços institucionais vêm reconhecendo a legitimidade do movimento Slow Science, tal como a nota publicada pela Seção Sindical de Docentes da Universidade Federal de Santa Maria. Por fim, a questão das condições de trabalho e atividades em que os pesquisadores/as estão inseridos é um assunto que custa caro à própria academia, vez que tende a colocá-la em diversos questionamentos e situações de autorreflexão. Não somente nesse aspecto, mas em matéria de elaboração de políticas sociais e direitos que são, muitas vezes, esquecidos ou negados àquelas pessoas. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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