A Atual Crise e a Política Externa Brasileira

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Texto publicado no blog “O Furor: (Des) Entendendo as Relações Internacionais” em 10 set. 2015. URL:

A Atual Crise e a Política Externa Brasileira

Se você abrir agora a página de qualquer jornal de notícias brasileiro, a primeira notícia será, muito provavelmente, algo relacionado à nossa economia e à tão falada crise que nós estamos passando. Como nós chegamos a ela, como sair e (o que todos sempre gostam) os seus culpados, são assuntos que poderiam preencher alguns posts, por isso não vou me concentrar nisso. Pretendo aqui brevemente analisar como a nossa atual situação econômica pode estar influenciando a nossa política externa, para o bem e/ou para o mal. Primeiramente, acho importante começar dizendo que a nossa atual política externa vem sofrendo várias críticas no meio acadêmico de relações internacionais, as quais variam desde as escolhas do governo quanto aos seus aliados políticos e econômicos até o relativo abandono de ideias e ações desenvolvidas pelo próprio, como a “Responsabilidade ao Proteger” (Responsibility While Protecting — RWP) desenvolvida pelo ex-Ministro Patriota na Assembleia Geral da ONU em 2011. Alguns acusam o Itamaraty de ser pouco ativo, outros de a Presidente não dar a devida atenção ao assunto. Não sei quem está certo, mas eu acho que a questão econômica é uma variável muito importante, porém não tão explorada, para explicar esse possível declínio de uma política externa considerada ativa durante o governo do Presidente Lula para uma avaliada como estagnada no governo da Presidente Dilma. Em grande parte da história dos países, podemos perceber uma grande relação entre economia e política externa. Governos que vivem um boom econômico tendem a ter uma política externa mais ativa que Estados que estão em uma recessão. Assim como, países que querem sair de uma crise tentam se aproximar ou barganhar com mercados em crescimento ou estáveis. Isso ficou claro com a Crise de 1929, quando quase todos os países do mundo entraram em recessão e as suas economias se voltaram para dentro, diminuindo por alguns anos as relações comerciais. O impacto no Brasil foi uma crise política que levou à Revolução de 30 e à assunção de Vargas, à queima de café e o início do modelo nacionaldesenvolvimentista que priorizava o nacionalismo e a industrialização do país. Posteriormente, e em sentido contrário, o crescimento econômico no final dos anos 50, os chamados “Anos Dourados” e a década de 70, quando o Brasil passou pelo “milagre”, com taxas de crescimento chegando a 10% ao ano, se desdobraram em políticas externas ativas,

como o início da “Política Externa Independente” dos governos Jânio Quadros e João Goulart e o “Pragmatismo Responsável” do governo Geisel. Por fim, o nosso crescimento nos anos Lula por conta do alto preço das commodities nos elevou ao mesmo patamar de economias emergentes como China e Índia. Em todos esses momentos, por diversos motivos, a nossa política externa foi considerada ativa. Porém, gostaria de lembrar que isso não é uma regra geral, é claro que existem exceções, já que só a economia não define toda a estratégia política e comercial de um governo. A vontade política e as tendências pessoais dos tomadores de decisão dentro do Estado são extremamente importantes para a condução de uma política externa. O ex-Presidente Lula tinha a sua política externa como uma pauta importante, usando da sua figura considerada carismática para estabelecer canais diplomáticos preferenciais diretamente com outros chefes de Estado, o que é normalmente chamado de “diplomacia presidencial”. Contudo, isso é parcialmente modificado com a eleição da Presidente Dilma em 2010, que acabou demonstrando pouco interesse pela pasta. Isso gerou uma série de críticas ao Itamaraty por conta da sua relativa inatividade e falta de dinheiro para poder fazer o seu trabalho. Hoje, entretanto, vivemos uma crise da política externa diferente da que nos encontrávamos nos últimos anos. Em minha opinião, a considerada falta de atuação do Ministério está relacionada com os sérios problemas econômicos que o Brasil está vivendo, os quais não são ignorados internacionalmente. Aliás, o Itamaraty está sendo fortemente atingido pelos cortes orçamentários, o que diminui o seu prestígio1. Grandes jornais e revistas internacionais como o The Wall Street Journal, The New York Times e The Economist têm publicado vários artigos sobre a nossa economia, e as previsões não são boas. Assim, acredito que os vários escândalos de corrupção, sendo o mais famoso a Operação Lava-Jato, uma crise energética, a inflação subindo, o país parando de crescer e o déficit fiscal acabaram comprometendo a nossa política externa. A nossa ação internacional hoje, a meu ver, é tentar melhorar a confiança dos investidores e das principais economias do mundo para que eles voltem a investir no Brasil. Alguns exemplos da nossa política externa hoje seriam: 1) a viagem da Presidente Dilma aos EUA (a qual estava sendo adiada desde os escândalos de espionagem em junho de 2013) onde ela se encontrou com investidos americanos, membros do governo e o meio acadêmico e

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CELESTINO, Helena. Diplomacia sem dinheiro. O Globo, Rio de Janeiro, 19 ago. 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2015.

assinou uma série de acordos abordando vários temas, dentre eles comércio e defesa2; 2) a assinatura de um acordo de cooperação do Brasil com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado “clube dos ricos” composto pelos países mais desenvolvidos3; 3) a tentativa de voltar às negociações sobre o mega-acordo de livrecomércio entre MERCOSUL e União Europeia4; 4) os 35 acordos firmados com a China (maior parceiro comercial brasileira) no valor de mais de US$ 53 bilhões5; e 5) a visitarelâmpago da Chanceler6 alemã Angela Merkel ao Brasil, o que fez com que nós entrássemos no seleto grupo dos parceiros mais próximas da Alemanha, junto apenas com França, Itália, Espanha, Polônia, Israel, Rússia, China e Índia7. Por essas ações, a revista inglesa The Economist chamou o nosso atual chanceler, Mauro Vieira, de “hiperativo” 8. Inclusive, já li comentários, os quais eu concordo, dizendo que o Chanceler Vieira foi escolhido pela Presidente por conta da sua competência e por ter boas relações no meio empresarial e político em Washington D.C. e Buenos Aires (principais mercados e aliados do Brasil), já que ele foi embaixador nesses postos antes de assumir o Ministério. Logo, a sua escolha foi uma tentativa de melhorar a relação do Brasil com os investidores internacionais. Assim, em minha opinião, os nossos atuais problemas econômicos forçaram o Executivo a ser mais atuante nas suas relações exteriores numa tentativa de conseguir o apoio internacional. Mesmo assim, a política externa parece apagada para nós brasileiros. Mas isso não é culpa do Itamaraty, a meu ver. Como eu tentei mostrar, o Ministério hoje tem uma política realista. Contudo, ela é dificultada e eclipsada pela atual crise econômica e política 2

CORRÊA, Alessandra; FELLET, João. Seis resultados da visita de Dilma aos EUA. BBC, Rio de Janeiro, 30 jun. 2015. Disponível em: . Acesso em: 2 set. 2015. 3 BRASIL assina acordo de cooperação com a OCDE. G1, Rio de Janeiro, 4 jun. 2015. Disponível em: . Acesso em: 2 set. 2015. 4 JIMÉNEZ, Carla; PÉREZ, Claudi. Mercosul pressiona União Europeia para avançar com acordo bilateral. El País, São Paulo, 10 jun. 2015. Disponível em: . Acesso em: 9 jul. 2015. 5 DIAS, Marina; FOREQUE, Flávia. Brasil e China confirmam acordos de mais de US$ 53 bi e ajuda à Petrobras. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 maio 2015. Disponível em: . Acesso em: 2 set. 2015. 6 Na Alemanha o termo “Chanceler” equivale ao Primeiro-ministro, não ao Ministro das Relações Exteriores como no Brasil. 7 SCHREIBER, Mariana. O que significa a entrada do Brasil no seleto grupo de parceiros da Alemanha? BBC, Brasília, DF, 19 ago. 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2015. 8 MAKING friends again. The Economist, Londres, 4 jul. 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2015.

que vivemos. Por isso, enquanto o Brasil não organizar a sua casa economicamente e se tornar confiável para o mercado externo, a nossa reputação e atuação internacional estará comprometida. E de nada serve jogar a culpa nos nossos diplomatas e representantes, eles não são culpados, eles são vítimas do atual problema econômico, político e institucional que vivemos. Palavras-chave: Brasil, política internacional, política doméstica, crise, Itamaraty, MRE, economia, política externa, Sergio, Mauro Vieira.

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