A AUDIÇÃO NAS PROPOSTAS METODOLÓGICAS DE GAINZA E KOELLREUTER

July 22, 2017 | Autor: Patricia Mertzig | Categoria: Music Education, Education, Educación, Educação, Educação Musical
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OLIVEIRA, P. L. L. M. G. de ; OLIVEIRA, André Luiz Gonçalves de. . A audição nas propostas de Gainza e Koellreuter. In: 12 Simpósio Paranaense de Educação Musical, 2006, Londrina. Anais do XI SPEM e 25 FML. Londrina: nextwaydigital.com, 2006.

A AUDIÇÃO NAS PROPOSTAS METODOLÓGICAS DE GAINZA E KOELLREUTER Patrícia Mertzig Secretaria de Educação do Estado do Paraná André Luiz Gonçalves de Oliveira Secretaria de Educação do Estado do Paraná

Resumo: Este estudo tem como objetivo principal refletir sobre o papel da percepção auditiva em duas propostas de educação musical. Iniciaremos realizando uma revisão das propostas de Violeta Gainza e H. J. Koellreuter. Posteriormente faremos uma descrição de diferentes atividades que envolvem audição em cada uma das propostas dos autores citados acima. Nossa intenção é investigar as possibilidades funcionais atribuídas à audição no processo de desenvolvimento musical dentro de cada abordagem metodológica.

Introdução O presente trabalho propõe-se a ressaltar aspectos importantes relacionados à cognição musical como forma de fundamentar as propostas e as ações em educação musical. Partindo para uma utilização mais específica da audição por parte dos seres humanos, podemos afirmar que esse é o principal sentido a ser desenvolvido em um trabalho de educação musical, pois, como o próprio nome já sugere, é uma educação que tem por matéria-prima o som. Portanto a proposta deste artigo é focar a audição como parâmetro de análise em duas propostas de educação musical. Os dois autores a serem analisados serão Violeta Gainza e H. J. Koellreuter que, embora possuam propostas e objetivos diferentes em educação musical, abordam a percepção auditiva como condição primordial em suas práticas pedagógicas.

Revisão de duas propostas de educação musical Violeta Gainza Violeta Hemsy de Gainza é considerada importante figura no cenário latinoamericano no que se refere à educação musical. Seu trabalho está relacionado com o canto e a improvisação e ela acredita que muito do despertar da criança para a música está relacionada com o ambiente musical que a envolve. Em certo sentido Gainza acredita que a criança aprende a cantar como aprende a falar sua língua materna e por isso seus padrões auditivos devem ser afinados e de boa qualidade. Mas para que essa aprendizagem ocorra é necessário que se dispenda o mesmo tempo que levamos para aprender e dominar a linguagem escrita e verbal da língua materna. De acordo com a autora os recém nascidos percebem o mundo pelos sons e que não só percebem o estímulo sonoro como também respondem a ele através de sons cada vez mais fiéis ao padrão percebido. El órgano auditivo constituye uma de lãs fuentes de sensaciones más ricas y variadas para el recién nacido. Aún antes de que se establezcan sus primeras y más elementales relaciones con el ambiente através de los sentidos de la vista y del tacto. (Gainza, 1964, p.51)

Violeta Gainza propõe uma abordagem para educação musical através de exercícios de improvisação e do canto. Por improvisação a autora entende: (...) uma actividad proyectiva que puede definirse como toda ejecucion musical instantánea producida por um individuo o grupo. El término “improvisación”designa tanto a la actividad misma como a su producto. (Gainza, 1983 p.11)

A audição para a autora está, em primeiro lugar na apreciação de padrões selecionados pelo educador. Este deve então proporcionar aos alunos músicas que tenham qualidade, ou seja, músicas com qualidade técnicas, interpretativas e que tenham um significado contextual para o aluno. A autora sugere para tal seleção o uso de peças populares e folclóricas além do repertório de música erudita européia tanto de canto como de instrumentos tradicionais.

É possível perceber que Gainza utiliza audição especificamente como audição centrada na música. O aluno é direcionado a ouvir essas peças pré - selecionadas com o objetivo de fruição em um primeiro momento. No exercício da improvisação a audição passa a ser direcionada ao aspecto da coletividade do trabalho, o aluno ouve a execução de suas peças e de outros alunos. Assim a audição para Gainza parece ocupar importante função para que o aluno alcance bons resultados de execução musical, especialmente em situações de improvisação coletiva. Podemos apontar nessa proposta uma audição que acontece anteriormente a manipulação/execução, o que é bom por que o aluno aprende a ouvir e reconhecer elementos musicais através da audição e não diretamente na manipulação. No entanto há que se observar ainda que a audição está direcionada especificamente para música. Mesmo que o repertório selecionado seja abrangente, pois contempla peças folclóricas, populares e de tradição européia, há ainda o problema de que a autora trata do desenvolvimento de hábitos de audição especializada antes da fundamentação dos hábitos gerais de audição. Assim a autora proporciona através de sua metodologia uma ampliação do universo musical dos alunos, mas não uma ampliação do universo auditivo. E com isso a autora perde a chance da ligação com a música contemporânea, especialmente aquela que se desenvolve a partir da manipulação de timbres e contextos sonoros diferentes dos abordados no sistema tonal e nos modais sistemas modais. H. J. Koellreutter Hans Joaquim Koellreutter foi um compositor alemão radicado no Brasil desde o inicio do século XX e pode ser considerado um dos mais importantes professores de música do país. Criador do movimento musical “Música Viva”, Koellreutter influenciou praticamente todos os músicos brasileiros de sua geração. Teve atuação mais forte em São Paulo e no Rio de Janeiro, e dinamizou as discussões sobre música no país através de debates, recitais, palestras, cursos, criações de escolas, publicações, etc. No campo da educação musical Koellreuter se mostra sempre um grande pensador buscando sempre, aqui nas palavras de Carlos Kater, “contribuir para a ampliação das fronteiras do desconhecido”.

Quanto ao fenômeno da audição, que é o centro do presente artigo, aparece na obra de Koellreutter presente tanto no que diz respeito aos conteúdos como na metodologia sistematizada.

Para o autor, a noção de audição que determinada sociedade tem está

sempre ligada à concepção de música e de as concepções de teoria da música, como mostra a citação a seguir: A teoria da música tradicional era reflexo de um pensamento racionalista, pensamento que discrimina, divide, compara, mede, categoriza, classifica e analisa, criando, dessa maneira, um mundo de distinções intelectuais e de opostos. (Cadernos de Estudo, 1997 p.48)

A partir de um primeiro contato com a obra sobre educação musical de Hans J. Koellreutter fica notória a ênfase em aspectos sociais para descrever hábitos de audição e produção musical. Ele se preocupa diretamente com o desenvolvimento de um tipo de audição de músicas baseadas no contexto social em que o aluno está envolvido. De acordo com o autor, há um tipo de sociedade que prioriza alguns estilos musicais por que dá validade a eles e, por outro lado, deixa de abordar outras estéticas musicais por simples falta de conhecimento e mesmo por interesses comerciais expansivos. Como compositor de música contemporânea, sua proposta de educação musical valoriza outros sistemas de músicas, outros instrumentos que não só os instrumentos tradicionais e até notações musicais diferentes da tradição européia dos últimos séculos. O desenvolvimento da audição é então tratada por Koellreutter como possibilidade da ampliação de padrões sonoros. Não pode se dizer que há especificamente um fim na audição, uma vez que o autor sempre se ocupa também com a produção do som. No entanto, há aqui espaço e direcionamento para o desenvolvimento de hábitos de audição que consideramos aqui como gerais, ou seja, hábitos de audição que se formam especificamente antes dos hábitos de audição musical, estes últimos com características da presença de algum tipo de julgamento estético. O autor chega a apresentar uma série de atividades visando tal desenvolvimento de hábitos de audição gerais. As atividades denominadas como jogos dialogais são possibilidades de audição direcionada à diversos aspectos e características sonoras em geral, bem como possibilidade de operar em um mundo especificamente através da operação de padrões sonoros.

Dentro desse contexto é possível dizer que, no primeiro momento de sua abordagem metodológica o objetivo está na audição independente de serem elementos musicais ou não musicais. É importante observar também que essa postura frente ao desenvolvimento de hábitos de audição oferece possibilidade de uma ação diretamente ligada à música contemporânea. Com isso a proposta de Koellreutter escapa da crítica da alienação, mais que isso, o autor se constituiu, durante toda a segunda metade do século passado, em um dos principais críticos dessa alienação entre educação musical e música contemporânea, ou em última instância, da música contemporânea e da sociedade contemporânea. Considerações finais Em um trabalho de educação musical a audição sempre vai fazer parte de qualquer prática metodológica. Isso por que a música como expressão artística humana é a arte que tem o som como matéria prima. Para compreender suas infinitas fontes e suas diferentes maneiras de manipulação é preciso que o ser humano desenvolva seu aparelho auditivo ao máximo. Assim sendo, o desenvolvimento auditivo é um dos principais objetivos de um bom trabalho em educação musical. O que difere o uso da audição entre uma abordagem metodológica e outra é justamente a função que essa ocupa dentro de sua prática. Todas fazem uso da audição, porém, o objetivo de cada abordagem vai definir seu valor e utilização. O presente artigo se limitou a falar sobre a utilização da audição em apenas duas propostas de educação musical. A seleção das duas propostas se deu devido à importância que essas abordagens possuem no século XX e no presente século, e também a importância que elas tem na minha própria prática de ensino tanto para os meus alunos da educação básica como para os meus alunos do curso superior. A partir da leitura das duas propostas de educação musical é possível notar a importância e a constante presença, embora sob diferentes concepções, de um trabalho de percepção auditiva. Não queremos dizer que outros métodos não se preocupam com percepção auditiva. Propostas como a de John Paynter e Carl Orff, por exemplo, vêem a improvisação como importante abordagem metodológica para o desenvolvimento musical

do aluno e isso requer um trabalho de percepção auditiva mais apurado do que simplesmente ou vir para imitar, por exemplo. As duas abordagens apresentam, como foi visto, maneiras distintas do uso da audição em suas práticas metodológicas. Enquanto que para Koellreutter a audição tem como objetivo a formação de hábitos gerais antes dos especificamente musicais, para Gainza ela se apresenta como um meio para alcançar objetivos que são exclusivamente musicais. Assim é possível traçar, ainda que de maneira sucinta, alguns pontos de convergência e divergência a respeito do uso da audição nessas duas abordagens metodológicas. Para Koellreutter a audição constituir-se em um fim e não o meio, como foi dito acima, e é possível perceber em sua abordagem metodológica a preocupação não só com a música contemporânea como também com o ambiente sonoro contemporâneo em que todos estão inseridos. Existe toda uma preocupação no sentido de fazer com que os alunos criem hábitos de audição, independentes de hábitos de percepção musical em que estão culturalmente inseridos naquele momento, e que não permaneçam inertes a eles. Pelo contrário, há princípios multiculturalistas que têm alcançado muitos defensores na área de educação e que apontam para a necessidade de ampliar os repertórios para melhor conviver com diferentes hábitos culturais. Com esse tipo de postura o aluno não só desenvolverá critérios de audição mais adequados como também têm mais chances de não apresentar preconceitos em relação a audição de alguns estilos musicais recusados pelo tipo de sociedade a qual ele pertence. Tal postura mais aberta a outros padrões de hábitos culturais e estéticos tem como conseqüência também a ampliação de possibilidades de manipulação de fontes sonoras em suas interpretações, improvisações e criações musicais. Já a abordagem metodológica de Gainza também proporciona aos alunos a possibilidade de desenvolver hábitos de audição em sua proposta metodológica. Para a autora o aluno deve ser incentivado a todo o momento à ouvir músicas para depois manipula-las, até por que esse é requisito básico para qualquer proposta que inclua a improvisação como metodologia da aprendizagem musical. Por outro lado podemos localizar como ponto de convergência dessas duas propostas a necessidade do educador musical, quando ao abordá-las, desenvolver o hábito de escuta cujo o foco está unicamente na audição, ou melhor, ouvir para fruir e depois falar sobre

aquilo que está sendo ouvido, e não ouvir apenas para imitar ou ainda para uma execução coletiva. O que propusemos no presente artigo foi iniciar um estudo das propostas de educação musical tendo em conta a importância dada à audição como fundamento para o desenvolvimento daquilo que entendemos por cognição musical.

Bibliografia Cadernos de Estudo: educação musical/ Org: Carlos Kater. Belo Horizonte: Atravez/EM UFMG/FAPEMIG, 1997. GAINZA, Violeta Hemsy de. La iniciacion musical del niño. Buenos Aires: Ricord, 1964. ____________. La improvisación musical. Buenos Aires: Ricord, 1983. KATER, Carlos. Aspectos educacionais do movimento música viva. Revista da Associação Brasileira de Educação Musical. ABEM: n 1, ano 1, maio de 1992. KOELLREUTER, Hans J. Terminologia de uma nova estética da música. Porto Alegre: Movimento, 1990.

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