A Autonomia da Arquitetura: o Elemento Tectônico Ornamental na Obra de Carlo Scarpa Palavras-chave/Key words: Ornamento, Tectônica, Scarpa / Ornament, Tectonics, Scarpa
Sessão 1A Arquitetura como fato cultural Diogo Cardoso Barretto1; Prof. Dr. Fernando Diniz Moreira2 1
Arquiteto e Urbanista, Mestrando em Desenvolvimento Urbano do MDU-UFPE Arquiteto e Urbanista, professor do Depto de Arquitetura e Urbanismo da UFPE
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A Autonomia da Arquitetura: o Elemento Tectônico Ornamental na Obra de Carlo Scarpa Palavras-chave/Key words: Ornamento, Tectônica, Scarpa / Ornament, Tectonics, Scarpa
No século XIX, as novas técnicas e materiais de construção provocaram uma crise na arquitetura. Por um lado, novos tipos arquitetônicos foram gerados, por outro, estruturas necessárias para a estabilidade dos edifícios derivadas da arquitetura medieval e clássica tornaram-se obsoletas com os novos sistemas estruturais. Como resultado, os ornamentos clássicos, derivações tratadas esteticamente de sistemas estruturais, perderam o seu sentido construtivo. Devido à dificuldade de a sociedade do século XIX absorver o valor estético das novas estruturas, os arquitetos buscaram a adição de elementos ornamentais não estruturais, apenas com utilidade plástica. Com a negação do valor da construção como elemento relevante para a expressão arquitetônica, ocorreu a abstração do ornamento e a perda de interesse pelo manejo dos materiais e dos detalhes. A arquitetura pouco a pouco perdeu seu elemento de autonomia, o elemento construtivo com valor expressivo, o componente tectônico. Este artigo procura reavaliar o papel do ornamento na arquitetura moderna, buscando entender, em especial, a produção do arquiteto veneziano Carlo Scarpa. O que se quer é analisar essa produção para evidenciar como elementos construtivos formais assemânticos adquirem significado quando executados e absorvidos pela cultura construtiva, representando matéria semiótica especifica da arquitetura e reafirmando a autonomia da arquitetura enquanto gênero. O conceito de ornamento arquitetônico nesse trabalho toma como referência aquele apresentado por Leon Battista Alberti (1988), no livro seis da sua obra “De re Aedificatoria” ele afirma que o ornamento é complemento das facetas funcional e construtiva da arquitetura, conferindo valor estético e beleza ao edifício e ajudando na determinação do seu valor significante. Alberti indicou a coluna como o mais importante dos ornamentos – reconhecendo no ornamento um elemento de orientação construtiva, não apenas estética. A vinculação entre ornamento e construção atesta a integridade da arquitetura. A importância da tectônica como referência está ligada a afirmação da autonomia da arquitetura enquanto gênero. No final dos anos 80 alguns autores passaram a criticar a ênfase nos aspectos visuais na arquitetura, defendida por arquitetos pós-modernos que propunham, nos anos 70 e 80, um protagonismo dos aspectos imagéticos da arquitetura, utilizando-se de releituras de convenções arquitetônicas familiares, oriundas de arquitetura do passado e/ou vernacular. O aspecto Tectônico passou a ser revalorizado pela teoria e crítica da arquitetura. Para Frampton (2006), construir é um ato tectônico e não uma atividade cenográfica. A sua essência está na manifestação poética da estrutura, um ato de fazer e revelar relativo ao nó, que oferece a possibilidade da poiesis grega e heideggeriana. Frascari privilegiou a junção – o detalhe original – como geradora da construção e, portanto, do sentido. Para Frascari (2006), como para Gregotti (2006), a origem do significado em arquitetura é situada na construção, especialmente nas junções formais e reais entre materiais ou espaços. Frascari definiu a arquitetura como resultado do projeto de detalhes, de sua resolução e substituição. Portanto, apesar de pragmático, o detalhe fértil pode ser visto como expressão estética da estrutura e do uso da edificação, sendo a unidade mínima de significação na produção do sentido na arquitetura. Além disso, Gregotti acreditava como falsa a ideia de que a cultura da indústria ou da construção poderia resolver o problema do detalhe. A resolução do detalhe exprimia, na arquitetura clássica, uma herança cultural comum ao projeto e à construção, o que criava uma unidade de intenções que na arquitetura contemporânea é geralmente negligenciada. Para evitar a mudez e a ausência de significado na arquitetura, Scarpa articulava sintaticamente os elementos arquitetônicos através de detalhes estruturais tratados como ornamentos, mantendo a relação entre estrutura e detalhe expressivo. Essas preocupações estão presentes no projeto do Showroom da Olivetti, objeto de estudo deste artigo. A função sintática do detalhe construtivo tectônico, a junta, neste projeto, reside na articulação do novo projeto e do edifício antigo que o abriga. Aqui, também, Scarpa desenvolve um precioso trabalho com a junta como articulador sintático mesmo em elementos internos ao projeto. Talvez por isso a junta seja ainda mais perceptível como elemento plástico fundamental para a construção do sentido do objeto arquitetônico. Com essa oportunidade de trabalhar predominantemente o aspecto tectônico do ornamento, o detalhe nesta obra de Scarpa se tornou um delicado e sofisticado elemento de luxo: soluções engenhosas como as vitrines expositoras penduradas ao teto por tirantes e estabilizadas por traves diagonais a parede externa; diferentes texturas nos mármores e nas placas de concreto; portas de serviço camufladas; junções
A Autonomia da Arquitetura: o Elemento Tectônico Ornamental na Obra de Carlo Scarpa Palavras-chave/Key words: Ornamento, Tectônica, Scarpa / Ornament, Tectonics, Scarpa
de planos valorizadas por madeira ou filetes de bronze; elementos como o rendilhado de inspiração oriental na placa de mármore que recobre o radiador do sistema de aquecimento; as luminárias e os revestimentos, são fundamentais na valorização deste artefato arquitetônico. Materiais nobres são usados no espelho d’água – mármore negro – nas escadas e no piso – pastilhas de vidro de murano. Filetes de bronze valorizam as juntas. Os detalhes assumem papel de ornamentos que valorizam a nobreza dos materiais e do espaço. O Showroom da Olivetti responde às premissas fundamentais de que o ornamento é um elemento aestilístico, interno a disciplina, que reforça a autonomia da arquitetura enquanto gênero artístico. O ornamento na obra de Scarpa trata dos próprios problemas fundantes do elemento construtivo e do detalhe arquitetônico, sua função construtiva e portadora de significado e sua natureza material. O elemento ornamental era parte do todo significativo do objeto arquitetônico, constituirá e articulará as mensagens semânticas transmitidas pelo próprio edifício, lembrando que essas mensagens eram, pela própria natureza autônoma da arquitetura enquanto gênero artístico, relativas à respostas às questões impostas pela própria arquitetura enquanto ofício e objeto. O ornamento no Showroom da Olivetti oferece uma oportunidade de reflexão frente a atual emergência do aspecto imagético em grande parte da cena contemporânea.
A Autonomia da Arquitetura: o Elemento Tectônico Ornamental na Obra de Carlo Scarpa Palavras-chave/Key words: Ornamento, Tectônica, Scarpa / Ornament, Tectonics, Scarpa
In the nineteenth century, new techniques and building materials provoked a crisis in architecture. On one hand, new architectural types were generated, on other hand, structures necessary for the stability of buildings derived from medieval and classical architecture have become obsolete with the new structural systems. As a result, traditional ornaments, which derived from structural systems and building materials, have lost their sense. Given the difficulties of 19th century society in accepting the aesthetic value of the new architects have sought the addition of non-structural decorative elements, only with plastic function. With the denial of the value of the building as an important consideration for the architectural expression, there was the abstraction of the ornament and loss of interest in the management of materials and details. The architecture gradually lost its element of autonomy, the construction element with significant value, the tectonic component. This paper aims to reassess the role of ornament in modern architecture, seeking to understand, in particular, the work of the Venetian architect Carlo Scarpa. What we want is to look into this work to show how formal construction elements assemantics acquire meaning when performed and absorbed by the building culture, representing semiotic field specifies the architecture and reaffirming the autonomy of architecture as a artistic genre. The concept of architectural ornament adopted here takes as reference the one presented by Leon Battista Alberti (1988). In the sixth book of his work "De re aedificatoria", he said that the ornament is a complement to the functional and constructive aspects of architecture, giving aesthetic value and beauty to the building and helping to determine its significance. Alberti pointed out the column as the most important ornaments - recognizing the ornament as an element of constructive guidance, not just aesthetics. The link between ornament and construction attests to the integrity of the architecture. The relevance of tectonics as a reference in this paper is related to the affirmation of autonomy of architecture as a genre. In the late 80 some authors have criticized the emphasis of visual aspects in architecture, supported by postmodern architects that proposed in the 70s and 80s, a role of imagistic aspects of architecture, using the readings of familiar architectural conventions, coming from the architecture of the past and /or vernacular. The tectonic aspect became revalued by theory and critic of architecture. For Frampton (2006), building is a tectonic activity and not a stage set. Its essence is the manifestation of poetic structure, an act of making and revealing the node, which offers the possibility of Greek’s and Heidegger’s poiesis. Frascari admitted the join - the original detail - as a generator of construction and therefore of meaning. To Frascari (2006), and Gregotti (2006), the source of meaning in architecture is located in the building, especially in the joints between formal and actual materials or spaces. Frascari defined architecture as a result of the design details of its resolution and replacement. Therefore, while pragmatic, rich detail can be seen as aesthetic expression of the structure and use of the building, being the smallest unit of meaning in the production of meaning in architecture. Moreover, Gregotti believed as false the idea that the industrial or the engineering culture could solve the problem of detail. The resolution of detail expressed in classical architecture, a common cultural heritage to the design and construction, which created a unity of purpose that in contemporary architecture is often overlooked. To avoid the silence and lack of meaning in architecture, Scarpa syntactically articulated architectural elements through structural details treated as ornaments, while the relationship between structure and expressive detail. These concerns are present in the design of Olivetti Showroom, the subject of this article. The syntactic function of tectonic constructive detail, the joint, lies in the articulation of new design and old building that houses it. Here, too, Scarpa develops a valuable work with the joint as a fulcrum in the same syntactic elements within the project. Maybe that's why the joint is even more noticeable as a plastic element for building the sense of architecture. With this opportunity to work predominantly the tectonic aspect of the ornament, the detail in Scarpa’s work became a delicate and sophisticated element of luxury: ingenious solutions like the hanging glass showcases by steel rods and diagonal beams stabilized by the outer wall, different textures in marble and concrete slabs, doors service camouflaged; joints plans valued for wood or fillets of brass items such as the tracery of oriental inspiration in the marble slab covering the radiator heating system, the fixtures and finishes, are essential in the recovery of architectural artifact. Fine materials are used in the water surface black marble - the stairs and floor - Murano glass. Fillets of brass knuckles value. The details take the role of ornaments that value the nobility of materials and space.
A Autonomia da Arquitetura: o Elemento Tectônico Ornamental na Obra de Carlo Scarpa Palavras-chave/Key words: Ornamento, Tectônica, Scarpa / Ornament, Tectonics, Scarpa
The Olivetti Showroom responds to our fundamental claim that the ornament is a non-stylistic element, which belongs to architectural discipline and reinforces its autonomy as an artistic genre. The ornament in the Scarpa’s work deals with the own founding element problems of constructive architectural detail, its function and constructive possession of meaning and nature of material. The ornamental element is part of any significant architectural object, and will articulate the semantic messages transmitted by the building, remembering that these messages were, by the autonomous nature of architecture as an artistic genre, the answers to the questions imposed by the architecture itself as a craft and object. The ornament in the Olivetti Showroom offers an opportunity for reflection before the current emergency aspect of imagery in much of the contemporary scene.
A Autonomia da Arquitetura: o Elemento Tectônico Ornamental na Obra de Carlo Scarpa Palavras-chave/Key words: Ornamento, Tectônica, Scarpa / Ornament, Tectonics, Scarpa
Referências: ALBERTI, Leon Battista. On The Art of Building in Ten Books. Cambridge, The MIT Press, 1988. CO, Francesco Dal; MAZZARIOL, Giuseppe. Carlo Scarpa: The Complete Works. Milão, Electa/Rizzoli, 1985. FRASCARI, Marco. O Detalhe Narrativo. In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a Arquitetura. Sao Paulo, Cosac & Naify, 2006. FRAMPTON, Kenneth. Carlo Scarpa and the Adoration of the Joint. In: Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in Nineteenth and Twentieth Century Architecture. Massachusetts: MIT,1995. FRAMPTON, Kenneth. Rappel à l’ordre, argumento em favor de uma Tectônica. In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a Arquitetura. Sao Paulo, Cosac & Naify, 2006. GREGOTTI, Vittorio. O Exercicio do Detalhe. In: NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a Arquitetura. Sao Paulo, Cosac & Naify, 2006. KIRK, Terry. Carlo Scarpa. In: The Architecture of Modern Italy: Visions of Utopia 1900 – present. Nova York: Princeton Architectural, 2005. TAFURI, Manfredo. Two “Masters”: Carlo Scarpa and Giuseppe Samonà. In: History of Italian Architercture, 1944 – 1985. Cambridge: MIT, 1990.
