A autoridade artística do cubismo, o advento do surrealismo e a abstracção geométrica na obra de Picasso

September 19, 2017 | Autor: R. Silva | Categoria: Abstract Art, Pablo Picasso, Surrealismo, Cubismo
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Identificação da obra     Autor:  Pablo Picasso   Título: Femme dans un fauteuil (métamorphose) Data: 1929 Técnica: Óleo sobre tela Dimensões: 91.5 x 72.5 cm   Localização: Museu Colecção Berardo, Lisboa  

A autoridade artística do cubismo, o advento do surrealismo e a abstracção geométrica na obra de Picasso Rogério  Paulo  Batista  da  Silva   FBAUL,  2015       Índice   Introdução  ............................................................................................................. 4   Desenvolvimento  .................................................................................................. 5   1. O Cubismo como autoridade artística........................................................... 5 2. A bidimensionalidade fora da tela.................................................................. 7 3. Picasso, o surrealista do cubismo ................................................................. 8 4. Os sinais de abstracção geométrica na obra de Picasso .............................. 10 Conclusão .............................................................................................................. 12 Bibliografia ............................................................................................................ 13 Anexos ................................................................................................................... 14     Resumo Apresenta-se a análise da obra Fêmme dans un Fauteuil de Pablo Picasso de 1929, cuja pintura representa Marie-Therese Walter. Procura-se fundamentar e posicionar a obra em três aspectos: expô-la como uma síntese de todo o trabalho cubista de Picasso, aproximá-la à consequente influência do movimento surrealista e revelar direcções ligadas à abstracção geométrica subjacentes à obra em análise. Refere-se também neste ensaio algumas características inerentes ao cubismo de Picasso e Braque, apontando as suas preocupações respeitantes à representação da tridimensionalidade da pintura no plano da tela e recusa da imitação da realidade. Serão feitos cruzamentos de ideias e pareceres entre a representação da ilusão tridimensional na obra de Picasso e a representação ilusionista de uma obra de Ticiano. Relacionam-se aspectos do trabalho do pintor com o movimento surrealista iniciado pelo poeta André Breton, autor do primeiro Manifesto Surrealista. Serão feitas reflexões acerca da influência do cubismo nas vanguardas russas e também do movimento De Stijl, tendo como principio gerador o movimento cubista, destacandose a posição de Mondrian face ao cubismo. Por fim, define-se a obra Fêmme dans un Fauteuil segundo sinais de uma abstracção, relatando propostas geométricas de metamorfoses e desconstrução formal dentro da obra.

 

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Introdução Este ensaio visa estabelecer um entendimento acerca da simplificação formal do quadro Fêmme dans un Fauteuil, 1929 de Pablo Picasso, posicionando-o como um foco de autoridade do cubismo. Procura-se contextualizar historicamente aspectos da obra com a especificidade do meio e introduzir ideias ligadas a uma nova intelectualidade e a uma nova representação, apontando para a recusa da imitação da realidade, atitude também anteriormente defendida pelos fauve. Apollinaire tornar-seia um claro defensor do cubismo, colocando-o conceptualmente num plano superior de realização plástica. Nesse plano de realização destaca-se a preocupação de Picasso e Braque em redimensionar a pintura, transpondo-a da superfície da tela para o espaço tridimensional, tornando-a uma pintura de cariz mental sem mensagens morais ou de sentimentos. Fêmme dans un Fauteuil, considerado um retrato de Marie-Therese Walter - sua amante durante o seu casamento com a bailarina russa Olga Kokhlova - é uma pintura construída com base na estilização da forma geométrica, apresentando uma evidente contenção a nível cromático, só quebrado pelo vermelho da poltrona. Esta obra pretende aproximar-se do observador através de uma ilusória tridimensionalidade das formas. Procura-se relacionar este aspecto, cruzando o quadro de Picasso com o ilusionismo de Retrato de homem (Ariosto) de Ticiano. Na série de retratos que Picasso realizou de Marie-Therese, confirma-se um claro trabalho de experimentação, caracterizado em evidentes metamorfoses psicológicas, apontando-se analogamente para as Metamorfoses de Ovídio, que Picasso ilustrou para uma publicação. A atracção pela figura feminina torna-se evidente mesmo a partir das suas primeiras obras. Nesse sentido, cruzar-se-á La jeune fille aux pieds nus de 1895 com a obra em análise, procurando-se criar relações entre ambas focando aspectos psicológicos comuns ao nível do equilíbrio estático, da sensação de ausência e do sentimento de abandono interior. Breton declarará que “Picasso é surrealista no cubismo”, devido ao seu interesse pelo mundo do imaginário onírico dos sonhos e à sua envolvência com o movimento surrealista, mas nunca se assumindo como tal. Picasso considerava-se um pintor livre mas nem por isso deixaria de se apropriar de tudo o que pudesse captar interesse para usar no seu trabalho. Em Fêmme dans un Fauteuil a representação vertical dos olhos e de outros elementos assumiria a problemática da expressão, do ponto de vista do  

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observador, incitando a olhá-la como uma peça escultórica. Durante a sua fase surrealista, Picasso explorara a composição e a geometrização das formas colando-as às suas esculturas, as quais realizou no atelier de Júlio González em Paris, revolucionando a escultura através da exploração de novos materiais metálicos, afastando-se da escultura tradicional em pedra e em bronze. As esculturas em aço soldado permitiram-lhe que também servissem como modelos para as suas pinturas, podendo-se identificar alguns elementos tridimensionais com os usados na pintura de Fêmme dans un Fauteuil. Apontam-se algumas referências associadas aos sinais de abstracção geométrica da obra em análise e o facto de Picasso e Braque se terem afastado da importância central do tema, assumindo a possibilidade de desenvolverem um trabalho baseado na invenção e na especificidade do meio, conduzindo Picasso a explorar propostas de metamorfose, ligadas à realidade apontando-as a uma outra realidade abstracta e geométrica, as quais viriam a influenciar as vanguardas russas desde Malevitch a Tatlin. Irá abordar-se o neoplasticismo como fruto do movimento cubista, e que caminharia para a abstracção pura, tendo como ponto de partida plástica a experiência do real, e também o ponto de vista de Mondrian, defendendo que a obra abstracta teria que se desligar de qualquer representação objectiva para atingir a sua forma mais pura e poder ser autónoma na interpretação. Por fim refere-se Apollinaire, como divulgador e apoiante do abstraccionismo gerador activo de efeitos visuais e sensoriais - que teriam a ver exclusivamente com o mundo dos sentidos. Tentar-se-á provar que a obra Fêmme dans un Fauteuil se pode enquadrar neste principio de entendimento metafísico junto ao observador.

1. O Cubismo como autoridade artística O quadro Fêmme dans un Fauteuil (Mulher numa cadeira de braços) (Fig.1) de 1929, de Pablo Picasso, é uma obra formalmente simplificada que reclama a autoridade do cubismo, baseando-se numa síntese de todo o poder da especificidade do meio em todas as passagens e pesquisas do movimento cubista, coabitando com a influência de uma época de transições plásticas, cruzando-se com o surrealismo e indo ao encontro da estilização abstraccionista na obra de Picasso.  

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O movimento cubista, iniciado em Paris por Picasso e Braque que teriam sido inspirados pelas simplificações geométricas de Cézanne, conduziu a uma nova intelectualidade e a um ensejo de relacionar e percepcionar a representação da realidade, com a expressão plástica em torno da forma. Deste modo os cubistas propunham a recusa da mimesis na representação, “subvertendo cerca de 700 anos de tradição ao destruírem todas as definições e conceitos de obra de arte até então existentes” (Janssen, 2010, p. 980), também anteriormente apontada pelos fauve, que defendiam uma arte menos sujeita à imitação. Para Derain “a paisagem, como a figura para Matisse (Fig.2), é apenas um veículo para o jogo complexo de cor e de composição de superfície” (Janssen, 2010, p. 974). Apollinaire, reconhecendo o movimento como iniciador de um percurso revolucionário na arte, diria a esse respeito que o cubismo não era uma arte de imitação mas uma arte de concepção que tende a elevar-se às alturas da criação. Os Cubistas não procuravam construir imagens que vivessem somente as duas dimensões da tela, mas que essas imagens transpusessem essa superfície e redimensionassem a representação para um espaço tridimensional. Neste tipo de autoridade não existia no cubismo lugar para mensagens ao nível de qualquer moralidade ou sentimentos, mas sim uma preocupação em assumir a especificidade do meio levando-o aos limites da figuração, diferenciando-o das velhas escolas de pintura. É neste contexto que a obra Fêmme dans un Fauteuil se revela como uma pintura que deve a sua origem ao exercício da experimentação cubista de Picasso, associada à dimensão de todas as manifestações artísticas que com ele se relacionaram. Embora haja nesta obra uma proximidade às representações deformadas associadas ao movimento surrealista, com o qual Picasso partilhou alguns interesses mas nunca se assumindo como tal, ela aponta também para a abstracção geométrica assumida pelas vanguardas russas - o suprematismo de Malevitch e o construtivismo de Tatlin - que anteriormente o cubismo de Picasso influenciou. O cubismo terminaria com o surgimento da primeira guerra mundial em 1914, deixando persistir de forma bem clara a sua autoridade noutros artistas, contribuindo fortemente para o surgimento de novos movimentos artísticos.  

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2. A bidimensionalidade fora da tela Fêmme dans un Fauteuil foi considerado recentemente um dos muitos retratos de Marie-Therese Walter (Fig. 3) pintados por Picasso. Durante o período do casamento com a bailarina dos Ballet Russes Olga Kokhlova, Marie-Therese viria a ser a amante secreta do pintor e também sua modelo, que ele conhecera nas Galerias Lafayette a 8 de Janeiro de 1927 e cuja relação duraria até cerca de 1935. Da sua ligação com Marie-Therese resultou o nascimento de Maya  Widmaier-­‐Picasso. Picasso pintou Fêmme dans un Fauteuil como um agrupamento de toda a força racional da experimentação cubista que o seu trabalho anterior continha. O quadro desafia-nos a olhar para uma pintura que estranhamente nos olha, dentro de uma estrutura cristalizada. Construída com formas estilizadas e com um défice cromático contrário a outras pinturas anteriores, apresenta-nos uma ausência de exaltação interior e aponta para uma forma simbolicamente mais contemplativa, recordando a permanência introspectiva das pinturas surrealistas. O quadro propõenos uma simplificação geométrica da figura - que permanece estática em forma de vértice - convocando-nos para uma espacialidade tridimensional, saindo para fora da dimensão da tela como que lançada pela cor vermelha da poltrona e determinasse uma ilusória proximidade com o observador. Num dos seus retratos, Ticiano explorara a representação do espaço tridimensional e a sua interacção com o espectador. Tal como em Retrato de homem (Ariosto) (fig. 4) Ticiano usara a representação ilusionista do personagem retratado, colocando-o intencionalmente no lado exterior da tela - assentando a posição do braço fora do plano do balcão - também Picasso na sua pintura adoptará essa ilusão. Em Fêmme dans un Fauteuil está ausente a dimensão da perspectiva como elemento de ilusão espacial, mas Picasso usa um primeiro plano na forma de uma mesa, para nos levar a experienciar uma clara interacção de proximidade com a representação de MarieTherese que, colocada geometricamente e solitária à disposição do olhar do observador, escapa claramente à dupla dimensão da tela. Durante a sua relação com Marie-Therese, Picasso retrata-a obsessivamente numa série pinturas representando evidentes metamorfoses psicológicas, numa “infinita

 

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possibilidade de transformação e assimilação do homem com a natureza” (Romera, 1981, p.22). Evoca-se aqui uma derivação dos princípios das Metamorfoses de Ovídio, que Picasso ilustrou com 30 gravuras para uma edição a convite de Albert Skira. Nesse contexto psicológico de representações, abriu-se possibilidades quanto à origem das experiências pictóricas de Picasso como um resultado de divergências, assentes na dupla relação amorosa existente, como na própria individualidade da personagem retratada, enquanto expressão e força inspiradora dessa mesma relação (figs. 5, 6 e 7). Por outro lado, as dezenas de retratos realizados da personagem de Marie-Therese, formam um núcleo de afirmação experimental da obra de Picasso na década de 30. Nas suas primeiras obras, Picasso apresentou já indicativos dessa atracção pela representação feminina, facto esse que o acompanhará obsessivamente ao longo da sua carreira. Ao fazer-se uma análise transversal das figuras de Fêmme dans un Fauteuil de 1929 com a de La jeune fille aux pieds nus de 1895 (fig.8), ambas as personagens representadas olham-nos solitariamente, expressando na sua frágil figura uma particular ausência da realidade à sua volta. Subsiste em ambas a verticalidade de uma linha imaginária, que nos coloca mentalmente em convergência visual com a atitude estática e desinteressada das duas personagens. Embora esse equilíbrio estático se defina como um sentimento de abandono interior, também a distância formal e temporal entre as duas pinturas convoca a clara presença de uma individualidade anímica, que ultrapassa qualquer forma de definição de sentimentos, dentro de um mesmo vazio. É justamente nessa ausência de sentimentos que, paradoxalmente, reencontramos a dimensão psicológica da pintura.

3. Picasso, o surrealista do cubismo Entre 1927 e 1937 Picasso entra num período em que o seu carácter artístico inicia uma transformação. Induzido pelo estado de espírito da matriz onírica dos surrealistas, Picasso reconhece a importância e o poder da experiência surrealista, assumido por todo um grupo de pintores e poetas dirigidos por André Breton.

 

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Surpreendentemente Breton declarará que “Picasso é surrealista no cubismo” (Alonso et. al. 1998, p.228). Embora se tenha interessado pelo mundo do imaginário onírico dos sonhos e do subconsciente, “cheio de conteúdos sexuais e psicológicos” (Janssen, 2010, p.1022) tal como outras temáticas surrealistas, “Picasso era independente e, apesar de ter desenhado várias publicações surrealistas e participado em algumas exposições, não se considerava um artista surrealista” (Janssen, 2010, p.1022). No entanto não deixou de se interessar por assuntos que pudessem traduzir efeitos positivos na sua obra, que se desenvolvia em paralelo com esse movimento, pelo que terá sido influenciado, desde 1925, através dos poetas e do seu estilo literário. Aliada à sua capacidade criativa, interessava-lhe conhecer outros ímpetos artísticos, de forma a apropriar-se de tudo aquilo que pudesse captar interesse para o seu trabalho. É neste contexto, e durante a sua paixão “devoradora” por Marie-Therese, que em 1928 surge a obra (fig.9), “Figure, também conhecida por Tête, na qual o dinamismo compositivo e de cor que nesse momento agitavam a obra de Picasso ficam muito contidos. É recorrente em numerosas obras do momento a disposição vertical dos olhos” (Alonso, et. al., 1998, p.228). Assim como em Fêmme dans un Fauteuil, a representação dos olhos verticais, “que torna problemática a frontalidade ou lateralidade do ponto de vista” (Alonso et. al., 1998, p.228) conjugados com a figura no seu todo, sugerem-nos que as formas geométricas adoptadas na pintura, possam incitar o observador a olhá-la como se de uma peça escultórica se tratasse, adaptando-se o ponto de vista à tridimensionalidade ilusória da estrutura. Fêmme dans un Fauteuil foi uma das muitas obras que o artista realizou durante este período de contacto com os surrealistas. A sua composição e a geometrização das formas colam-se às muitas esculturas que Picasso desenvolveu a partir de 1928 no atelier de Júlio González em Paris, com o desejo de “retratar as profundas e invisíveis paixões psicológicas que regem as necessidades físicas” (Janssen, 2010, p.1023). Reproduzindo o conceito da especificidade do meio, Picasso revolucionaria a escultura através da exploração dos materiais metálicos que usou para a construção das suas peças, afastando-se assim da tradição da escultura em bronze fundido e da escultura em pedra. O aço soldado, material escolhido por Picasso para construir as suas figuras esguias, serviram também como objecto de representação para as suas pinturas naquele

 

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período. Na escultura Cabeça de mulher (1929-1930) (fig.10), podemos identificar alguns elementos de matriz tridimensional com os da figura de Fêmme dans un Fauteuil, distinguindo-se a cabeça, cabelos, rosto, nariz, olhos na vertical e corpo, construídos com passadores de cozinha e outros objectos de metal, imitando as máscaras africanas, assente por sua vez numa estrutura de linhas abstractas representando a fragilidade de umas pernas. Tal como os surrealistas, também Picasso ligaria a simbologia ao tema da representação da figura feminina, como um índice de significados mentais que determinavam a condição da mulher “quer de atletismo erótico, quer de sofrimento espiritual” (Janssen, 2010, p.1023). Assim como Freud definiu o corpo da mulher, como objecto de dois sentimentos simultâneos, provocando nos homens sentimentos de desejo e ao mesmo tempo sentimentos de medo, “Picasso, à imagem dos Surrealistas, coloca a forma feminina ao serviço dos impulsos libidinais e contraditórios do olhar masculino” (Janssen, 2010, p.1023).

4. Os sinais de abstracção geométrica na obra de Picasso O facto de Picasso e Braque se terem afastado da importância central do tema nas suas pinturas durante o período do cubismo analítico e depois no período sintético, fêlos assumir a ideia e a possibilidade de desenvolverem um trabalho baseado na invenção da expressão intelectual, ligada à especificidade do meio da própria pintura. Esta forma inovadora de posicionamento artístico, fará assumir a “pintura como pensamento ou como uma metáfora material para os processos através dos quais o olhar e a mente apreendem o mundo e o convertem em significado” (Gooding, 2002, p.38). Ao invés de Braque, que desenvolvia os seus interesses cubistas com incidência na reinvenção da luz e do espaço para representar a realidade, Picasso centrou a sua preocupação na conceptualização e transformação da matéria em forma - “com propostas de metamorfose como condição da realidade” (Gooding, 2002, p.38), conduzindo-o desse modo a uma outra realidade abstracta de linhas mais geométricas e construtivas, que viriam a influenciar as vanguardas russas estendendo-se ao suprematismo de Malevitch e aos contra relevos do construtivismo de Tatlin.

 

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Tendo em conta que a abstracção geométrica tivera origem no movimento cubista e uma vez que foi criado a partir dele o De Stijl (neoplasticismo) - enaltecendo a inevitável existência do mundo visível como factor primordial e ponto de partida para a abstracção pura - Mondrian defende que o cubismo não atingira os seus objectivos abstractos, pois considerava que não estava a adoptar correctamente todas as descobertas que tinha realizado, nem a dedicá-las logicamente à forma pura do abstraccionismo. A obra deveria desligar-se completamente da representação e de qualquer objecto reconhecível, dando a oportunidade ao espectador de atribuir à pintura, através de uma matriz puramente pictórica, a autonomia de qualquer interpretação. Em 1912 Apollinaire, poeta, crítico e amigo dos pintores dessa época em Paris, divulgou as tendências artísticas através de artigos escritos, apoiando o desejo dos jovens artistas de fazerem uma “pintura pura”. O abstraccionismo assentava no princípio em que os seus efeitos visuais e sensoriais não tinham a ver com o mundo real, mas com o mundo dos sentidos. Neste pressuposto Fêmme dans un Fauteuil coloca-se nessa linha de actuação: uma pintura que se confronta com o observador, num registo de sensações, colocando-se metafisicamente dentro de uma linguagem abstracta. A pintura ausenta-se da sua representação original e insiste em ser vista como uma não-representação de qualquer objecto, transformando-se ela própria num objecto desconstruído dentro da sua forma, registo também usado pelos futuristas, sem referências a “convenções particulares de ordem histórica, moral ou religiosa.” (Gooding, 2002, p.39), mas aproximando-se a uma forma pura e sintética, entendida visualmente como um todo, para ser reconstruída mentalmente “como um objecto no mundo” (Gooding, 2002, p.39), e interpretada livremente, conforme a leitura de quem a contempla.

 

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Conclusão Considera-se que a obra Fêmme dans un Fauteuil se apresenta como um síntese de toda a força e exaltação do trabalho de Picasso anterior a 1929. No seu contacto com os surrealistas, Picasso descobriu a oportunidade de explorar os mundos oníricos do subconsciente e aplicá-los a novas possibilidades de invenção temática e formal, através da apropriação de conceitos e simbologias. Neste período, apesar de não se assumir como tal, Picasso estava efectivamente integrado mentalmente no movimento surrealista e em contacto com os grupos de pintores e poetas. Influenciado por esta nova atmosfera de exploração psicológica, pela descoberta de novas especificidades do meio, relacionadas com a escultura e perante a novidade de uma nova atitude mental de representação, Picasso transformou as suas pinturas cubistas - que anteriormente representavam o mundo real com toda a força e expressão – em metamorfoses de objectos e figuras de formas estilizadas e deformadas, afirmando-se em direcção a uma dimensão simbólica impelindo o observador a processá-las e descodificá-las visualmente. Neste contexto, considera-se Fêmme dans un Fauteuil, um dos resultados dessa metamorfose mental de Picasso, procurando ir em direcção à experiência da simplificação e depuração da forma abstracta. Ao assumir a ilusão da tridimensionalidade geométrica, a forma representada nesta obra afasta o seu efeito visual da mimesis do mundo real, aproximando-a ao mundo psicológico das sensações e dos sentidos. Principio este assente num pressuposto imaterial e metafísico da nãorepresentação, apontando claramente para uma dimensão abstracta.

 

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Bibliografia Alonso, Ó et. al, De Picasso a Dali – As raízes da vanguarda espanhola 1998, Lisboa: Museu do Chiado Gooding, Mel, Arte Abstacta,Lisboa, Editorial Presença 2002 Janssen, A. H., A Nova História da Arte de Janssen - A Tradição Ocidental, 2010, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian Picasso, Pablo, Femme dans un Fauteuil (1929) [Consult. 2014-12-13] Disponível em Picasso, Pablo, La jeune fille aux pieds nus (1895) [Consult. 2014-12-13] Disponível em Picasso, Figure (1928) [Consult. 2014-12-22] Disponível em URL: Romera, Ricardo Olmos et. al., Picasso Obra Gráfica Original 1904-1971, Madrid: Ministério de Cultura Ticiano, A Man with a Quilted SleeveArtist: Titian [Consult. 2014-12-22] Disponível em Walter, Marie-Therese (1927) [Consult. 2014-12-13] Disponível em

 

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Anexos

Fig.1 Pablo Picasso, Femme dans un Fauteuil, 1929. Colecção Berardo

   

Fig.2 Henri Matisse, Mulher com um chapéu, 1905

Fig.3 Marie-Therese Walter (fotografada por Picasso) 1929

Fig.4 Ticiano, Retrato de homem (Ariosto)  

 

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Fig.5 Pablo Picasso, Femme-Fleur (Marie-Therese allongée) 1931

Fig.6 Pablo Picasso, Portrait de Marie-Therese Walter, 1932

Fig.7 Pablo Picasso, La ceinture jaune (Marie-Therese Walter) 1932  

Fig.8 Pablo Picasso, La jeune fille aux pieds nus 1895.

 

 

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Fig.9 Pablo Picasso, Figure aka Tête 1928.

 

Fig.10 Pablo Picasso, Cabeça de mulher, 1929-1930.

 

 

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