A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DA SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO EM UMA PERSPECTIVA OMNILÉTICA

June 4, 2017 | Autor: Mônica P.Santos | Categoria: Special Education, Educational evaluation, Inclusive Education, Omnilectical Perspective
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Professora de Graduação e Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – [email protected]
Graduanda em Pedagogia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – [email protected]
Bacharel e Licenciado em Letras/Latim, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – [email protected]
Referimo-nos aqui ao sentido aristotélico de potência, ou seja, não aquilo que não podemos ou não temos como realizar, mas aquilo que, porque temos a maestria para realizar, podemos escolher realizar ou não (ver AGAMBEN, 2006)
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Comunicação Oral
Área Temática: O processo inclusivo na educação e sociedade
A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DA SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO EM UMA PERSPECTIVA OMNILÉTICA
MÔNICA PEREIRA DOS SANTOS – UFRJ
MANOELLA SENNA – UFRJ
EVANIR DA ROCHA MOTTA - UFRJ

Resumo
A avaliação é uma tarefa didática necessária e permanente do trabalho docente, que deve acompanhar passo a passo o processo de ensino/aprendizagem. Por meio dela, os resultados que vão sendo obtidos no decorrer do trabalho conjunto entre professor e aluno são comparados com os objetivos propostos, a fim de constatar progressos, dificuldades, bem como reorientar o trabalho docente. Assim, a avaliação se constitui em um processo complexo que não se resume apenas à realização de provas e atribuições de notas, mas também a uma reflexão sobre o desempenho escolar tanto do professor quanto dos alunos. Dentro desse contexto, o presente artigo traz uma breve discussão, em uma perspectiva omnilética de análise, sobre o processo de avaliação dos alunos com necessidades educacionais especiais atendidos pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, implantada pelo Ministério da Educação (MEC) desde o ano de 2008. Para isso, foram utilizados dados coletados de três grupos focais realizados com professores de salas de recursos multifuncionais de quatro municípios que integram o Observatório de Educação Especial do Estado do Rio de Janeiro (OEERJ), um braço do Observatório Nacional de Educação Especial (ONEESP), cujo objetivo principal é avaliar o Atendimento Educacional Especializado (AEE) ofertado pelas salas de recursos multifuncionais aos alunos com necessidades educacionais especiais.
Palavras-chave: avaliação da aprendizagem; salas de recursos multifuncionais; inclusão em educação

Introdução
Em 2008, o Ministério da Educação lançou a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) garantindo o acesso, a participação e o aprendizado nas escolas comuns dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação a partir de um sistema de apoio denominado Atendimento Educacional Especializado (AEE), definido no Decreto 6571/08 como:
[...] conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular (BRASIL, 2008).

Com a finalidade de atender aos objetivos propostos para o AEE, ficou estabelecido apoio técnico e financeiro por parte do MEC à implantação de Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs), que são salas equipadas com materiais didáticos e pedagógicos necessários para desenvolver o Atendimento Educacional Especializado. Nesse sentido, tendo em vista avaliar o referido programa de implementação de SRMs e investigar, em âmbito nacional, como está acontecendo o trabalho com esses alunos no AEE, foi criado o Observatório Nacional da Educação Especial e, consequentemente, os observatórios estaduais.

O Observatório da Educação Especial no Rio de Janeiro (OEERJ) criado no referido Estado para investigar esse tipo de atendimento em âmbito estadual, conta com a participação dos municípios de Niterói, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro e Petrópolis. Os temas investigados pelo OEERJ em 2012 versaram sobre a formação inicial e continuada dos professores de Salas de Recursos Multifuncionais, a avaliação nas SRMS (avaliação para identificação da deficiência e encaminhamento, avaliação do trabalho nessas salas e avaliação da aprendizagem dos alunos que fazem parte do AEE) e organização do ensino.

No presente trabalho, entretanto, focaremos somente no tema avaliação, com o objetivo de discutir e apresentar, com base nos dados coletados, como está sendo realizada a avaliação da aprendizagem dos alunos que frequentam as Salas de Recursos Multifuncionais no Estado do Rio de Janeiro, mais especificamente nos municípios que integram a pesquisa.

Metodologia
Para a realização do presente estudo, servimo-nos da metodologia colaborativa. O caráter colaborativo e participativo permite fazer uma pesquisa "com" os professores e gestores e não apenas "sobre" eles (LIEBERMAN, 1986), sendo as relações entre pesquisadores e pesquisados caracterizadas por uma reflexão-ação em conjunto sobre as práticas educacionais intencionando auxiliar professores e gestores a encontrar formas de transformar as ações pedagógicas em contextos micro e macroinstitucional (JARDILINO, 2005). O Observatório da Educação Especial no Rio de Janeiro utilizou essa metodologia para coleta de dados tendo em vista que a mesma proporciona um contato maior com os pesquisados, tornando o trabalho uma pesquisa de "mão dupla", já que há colaboração entre toda a equipe, seja pesquisador ou sujeito pesquisado.
Os dados aqui utilizados foram coletados durante a etapa do "Ciclo de Formação Continuada para Professores das Salas de Recursos Multifuncionais", através da realização de três encontros com esses professores, com vistas a discutir, sob a forma de grupos focais, um ou mais eixos temáticos por encontro.
Divididos em seis grupos focais, os 63 professores de SRMs que participaram da pesquisa foram instigados, por meio de um roteiro semi estruturado, a falar sobre os temas propostos pela pesquisa nacional. O segundo encontro, de eixo temático avaliação do estudante com Necessidades Educacionais Especiais (NEEs), foi dividido em três momentos que buscaram investigar: como é avaliação para a identificação dos alunos com NEEs, ou seja, se existe ou não uma equipe e/ou um lugar especifico para a identificação do aluno que deverá ser atendido na sala de recursos e como ocorre esse processo; como ocorre a avaliação para o planejamento das atividades que serão realizadas nas SRMs; e como acontece a avaliação da aprendizagem dos alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação que frequentam essas salas.
O foco deste trabalho é, portanto, discutir esse eixo, mais especificamente o processo de avaliação da aprendizagem visto que avaliar em uma perspectiva inclusiva é, de acordo com Santos & Sepulveda (2010), não comparar os alunos entre si, muito menos classificá-los de modo a fortalecer uma competitividade. A avalição na perspectiva da inclusão deve considerar o contexto de aprendizagem e participação do aluno, buscando ver, no processo, seus avanços e também suas dificuldades. A intenção deve ser identificar barreiras que estejam impedindo a aprendizagem e a participação do aluno, de modo a superá-las.
Nesse sentido, para analisar as dados utilizaremos a perspectiva omnilética de análise, que de acordo com Santos (2013) é uma forma totalizante de compreender fenômenos sociais que se relacionam dialética e complexamente. Analisar omnileticamente os fenômenos sociais, nas palavras da autora, significa:
[...] pensar em termos da integralidade, dubiedade, complementariedade e transgressividade das dimensões culturais, políticas e práticas em relação ao mesmo tempo dialética e complexa (SANTOS, 2013, p.26).
A inclusão, em uma perspectiva omnilética, é um processo contínuo de luta pela garantia do direito à participação (com poder de decisão) de todo e qualquer ser humano, em qualquer instância de sua vida social, que envolve três dimensões que se relacionam dialética e complexamente: a construção de culturas, o desenvolvimento de políticas e a orquestração de práticas. A dimensão das culturas representa as nossas crenças e opiniões sobre situações da vida, são os valores são que orientam posturas inclusivas (ou excludentes). A dimensão das políticas são as estratégias, os planejamentos, os acordos, ou seja, as intenções expressas que encorajam ações inclusivas (ou excludentes), enquanto a dimensão das práticas compreende as próprias ações, tudo o que fazemos e agimos no processo de in/exclusão (SANTOS, 2009).
No que tange ao processo de avaliação, é relevante pensar as culturas, políticas e práticas (e seu entrelaçamento dialético e complexo) de avaliação da aprendizagem dos alunos que frequentam as Salas de Recursos Multifuncionais, já que muito tem se visto de concepções que criticam as práticas tradicionais de avaliar, mas que quando postas em práticas, de fato, não se fazem inclusivas (SANTOS & SEPÚLVEDA, 2010). Nesse sentido, para pensar avaliação, primeiramente, é preciso compreender que inclusão não é um estado final ao qual se chegar, mas um processo que não tem receita nem fim. Inclusão está ligada a superar barreiras e promover a participação de todos, é um planejamento que considera o contexto, o tempo e o espaço dos alunos e, portanto, tais intenções e orientações são colocadas em prática na busca de atender as diferenças na sala de aula.

Resultados e Discussão
As discussões dos seis grupos focais, nos quais estavam presentes professores de Salas de Recursos Multifuncionais dos municípios do Rio de Janeiro, Niterói, Nova Iguaçu e Petrópolis, sobre o tema da avaliação da aprendizagem dos alunos que frequentam o Atendimento Educacional Especializado, foram muito ricas e colaboraram para um pensar e um refletir sobre as culturas, políticas e práticas de inclusão e/ou exclusão que têm sido (re)produzidas pelos professores. Isso porque pelas falas, foi possível identificar convergências e divergências entre os municípios.
A primeira pergunta referente à aprendizagem desses alunos buscou saber como é a avaliação da aprendizagem do aluno na sala de recursos multifuncional e as respostas mostraram que as avaliações dentro dessas salas têm sido de caráter qualitativo. Os municípios pesquisados em sua maioria têm realizado nas SRMs avaliações diárias, com anotações sobre o processo, que buscam identificar as dificuldades e os avanços do aluno durante aquele dia, semana ou mês, conforme tabela abaixo:
Pergunta: Como é a avaliação da aprendizagem do aluno na SRM?
MUNICÍPIO
FALAS DOS PROFESSORES DE SRMS
Nova Iguaçu
"[...] ela é diária, né, aquela atividade, como ele saiu naquela atividade, tem que ver o que ele melhorou ou não melhorou. Então, ela é qualitativa, a qualidade daquele momento, então, todo o atendimento. Ao final eu faço a observação daqueles alunos, esse aqui conseguiu, esse aqui não, o outro alcançou, o outro não e eu faço todo dia, teve aquela atividade que ele desempenhou na atividade e eu faço uma anotação que no final de 6 meses a gente faz um relatório descritivo".
Niterói
"O processo é diário, é sistemático, aplicou a atividade, sendo direta ou livre, tudo tá sendo observado, tudo e a mesma forma, é como procede em Nova Iguaçu, escrevo todos os dias, (...) a gente faz registros em relatos, filmagem. Então, tem todo um processo e aí o registro dos casos, as situações assim mais relevantes aqui também, né, a gente faz o registro de todos e ao final a gente também tem o relatório, o relatório é descritivo e o processo é qualitativo".
Petrópolis
"A avaliação é sempre feita em forma dos relatórios, de observações diárias do trabalho do aluno, sempre o aluno está na sala de recurso, ele tá sendo avaliado também e não digo semanal, mas um relatório mensal é feito, e no final do bimestre se fecha a avaliação total do aluno".
Rio de Janeiro
"A avaliação na verdade é continuada, na medida em que cada atividade vai sendo realizada, a avaliação vai acontecendo e vai sendo registrada diariamente quando há necessidade ou semanalmente. E ao final do bimestre, um relatório é elaborado com as observações daquele período".
Aqui podemos observar o caráter processual das práticas avaliativas, em que pese as mesmas carecerem de detalhes. Por exemplo: que critérios são utilizados para avaliar se um aluno conseguiu ou não efetuar uma tarefa ou atividade? Apesar de nossa insistência em saber dos detalhes deste processo, as respostas mais comuns eram de que dependiam de cada caso específico. Pedíamos então exemplos de um caso específico, mas não conseguíamos obtê-los. As respostas vinham no sentido de ser difícil falar porque o grupo não conhecia nem tinha visto os alunos em questão.
Em continuação à primeira pergunta, foi solicitado aos professores que falassem sobre a existência de alguma exigência de documentação nessa avaliação da aprendizagem e as respostas apontaram que sim, que há um material que deve ser preenchido pela professora da SRM. Esse material é construído e enviado pela Secretaria de Educação e, por não contemplar o trabalho que está sendo realizado com aquele aluno e, ainda, por considerar mais a questão do desenvolvimento motor do aluno, quase não é utilizado pelos professores e, por isso, pouco foi falado desse documento, como justificado nas falas abaixo:
Professora SRMs/ Petrópolis: [...]Recebemos um material para ser preenchido, mas não é obrigação, então tem professores que não escrevem neste material. O documento que a secretaria passou para a gente é sobre o nosso trabalho mesmo, tipo: como está a parte motora dele? Aí, a gente marca lá, escreve, não é? Se ele sociabiliza bem com os outros, a fala, essas coisas assim.

Pesquisadora: Tudo bem, mas deixa-me entender. O relatório contempla aquelas áreas que você teve que escrever anteriormente?

Professora SRMs/ Petrópolis: Olha, esse documento, a gente recebe, mas pelo contato que eu tenho com as outras pessoas, algumas pessoas não preenchem este material e nem olham, porque não é obrigação. Isso não foi uma coisa pensada com a gente, foi um documento que veio. Então a gente acaba escrevendo das dificuldades que os alunos apresentam. (Relato de entrevista coletiva para o OEERJ, do dia 10 de maio 2012)

Por outro lado, no município do Rio de Janeiro o quadro é um pouco diferente. Lá se distribuem uma série de formulários que precisam ser preenchidos, são cobrados e avaliados pelo Instituto do município que é responsável pelo AEE, como veremos na pergunta seguinte. Isto nos faz questionar: Em que medida estas diferenças de orientação e cobrança entre os municípios afeta as práticas e a efetividade das SRMs como parte de uma política nacional?
A segunda pergunta, aqui analisada, buscou saber como é acompanhado o rendimento acadêmico dos alunos com NEEs na classe comum. Diante das falas, foi possível observar que o rendimento é acompanhado pelos relatórios que eles fazem e que são apresentados nas reuniões do Conselho de Classe:
Pergunta: Como é acompanhado o rendimento acadêmico dos alunos com NEEs na classe comum?
MUNICÍPIO
FALAS DOS PROFESSORES DE SRMS
Nova Iguaçu
"Eu penso que é através do Conselho de Classe, né".
Niterói
"[...] cada caso é um caso. A gente tem caso de alunos que conseguem acompanhar a avaliação normal, sem problema nenhum. Alguns são uma grande dúvida que a gente tem. A questão da avaliação, sempre todo Conselho é um embate, principalmente no 3° e 4° ciclo, antiga quinta e oitava. Eu tenho um aluno com deficiência intelectual, síndrome de down, que conseguiram alcançar já. A gente tem muita dificuldade na questão da avaliação, é uma dificuldade de todo mundo, é uma escola grande que tem muitos alunos".
Petrópolis
"[...] Chega na hora do Conselho, todo mundo senta e conversa: "mas, peraí, fulaninho era assim", "olha o que ele avançou", "alcançou isso". Então, a nota, pela teoria, não vai valer. Ela tem toda a autonomia na sala dela (...) dependendo da criança"
Rio de Janeiro
"[...] tudo é muito registrado e existe um planejamento também que é um documento chamado "planejamento" bimestralmente, em que a gente traça os objetivos, ali a gente faz aquela troca. E tem o "acompanhamento", a que também bimestralmente, a gente vai, e nesse acompanhamento a gente também avalia o que se atingiu, o que não atingiu para um próximo".
Como podemos observar pelas falas acima, esta questão é bastante demandante, seja por conta de uma prática que remete a uma discussão entre professores "regulares" e de SRM, seja por conta do acompanhamento e diálogo específico sobre a aprendizagem entre pares de mesma bagagem profissional apenas (da área de Educação Especial). O que nos parece comum entre as falas é que a avaliação não se constitui em uma prática simples, chegando a ser, para além de complicada, muitas vezes, burocrática.
Como um desdobramento da segunda pergunta, os professores foram indagados sobre um instrumento de avaliação: a prova. O objetivo era saber se os alunos sob sua responsabilidade nas SRMs participam das provas, como ocorre a aplicação desse instrumento de avaliação, ou seja, se elas são ou não adaptadas. As respostas, em sua maioria, nos permitiram concluir que depende de cada aluno, ou seja, dos seus saberes e das suas dificuldades, bem como da sua deficiência:
Pergunta: Os alunos com NEEs atendidos na SRM participam de provas? Se sim, elas são adaptadas?
MUNICÍPIO
FALAS DOS PROFESSORES DE SRMS
Nova Iguaçu
"[...] todos participam da minha avaliação, uns com mais adaptações, outros com menos. E como eu já havia dito as adaptações, eu lendo toda a prova ou fazendo figuras, leio texto e aí mostro na figura aquilo do texto, muitas dicas para a criança alcançar aquela questão".
Niterói
"[...] alguns alunos a gente faz adaptação, outros não é preciso, outros fazem a avaliação normal mas tem uma dificuldade, a gente sabe que tem, mas mesmo assim eles fazem e tem aqueles casos daqueles alunos que não tem condição de fazer esse tipo de avaliação e para isso que existe o PEI, tem um objetivo a ser alcançado, seria assim o nosso documento que nos embasa para essa criança que não tem condições de fazer essa avaliação. Mas na verdade o PEI só é feito para crianças severamente comprometidas, não são feitos para todos os alunos".
Petrópolis
"É, os alunos da minha instituição, eles fazem prova e de acordo com a necessidade, essas são adaptadas. E o que eu tenho percebido que a gente tem tentado mudar, é que nas deficiências físicas, que é o mais visível, a adaptação é feita muito mais rápida do que com a deficiência intelectual, por exemplo; aí eles são mais resistentes a fazer adaptação nessas avaliações, mas todos participam dessas avaliações".
Rio de Janeiro
"[...] Esses alunos fazem prova, normalmente, na sala regular deles, quer dizer, eu os retiro nas provas para dar um atendimento mais direcionado a eles, eles têm adaptações quando são necessárias, mas são alunos que têm condições de fazer prova normal"
Estranhamos estas posturas que denotam certa dependência de fatores tão somente da ordem do aluno com deficiência e sua deficiência. Isto nos mostra que, apesar de toda a luta pela inclusão, quando se trata da inclusão de alunos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, o foco continua numa perspectiva clínica, ou seja, que enfatiza apenas o sujeito da aprendizagem, e não o sistema ou as práticas docentes.
Para compreender a avaliação da aprendizagem e sua relação com as avaliações externas como, por exemplo, Provinha Brasil, e provas estaduais e municipais/locais, foi perguntado aos professores se eles também participam dessas avaliações externas e as respostas denunciaram práticas que excluem os alunos da participação nessas provas:
Pergunta: Os alunos atendidos nas SRMs participam das avaliações externas?
MUNICÍPIO
FALAS DOS PROFESSORES DE SRMS
Nova Iguaçu
"[...]Eles não fazem essas avaliações, até porque eles não têm condições de estar fazendo essas avaliações, então acabam ficando de fora das avaliações".
Niterói
"Não tem prova, os que têm laudo, não fazem prova, senão o rendimento da escola cai. Então eles não fazem as provas institucionais como a Provinha Brasil. Eles fazem outros tipos de avaliações internas. As avaliações são adaptadas, dentro da limitação deles, porque tem criança que não tem condição nenhuma"
Petrópolis
"Participam. E no final lá da folha, ele tem uma observação. Aí coloca: aluno tal "pam pam pam" tem necessidade especial".
Rio de Janeiro
"Pois é, esse ano veio essa orientação, ano passado. Que a gente poderia estar juntos, mas não poderia adequar, não teve como adequar, podia estar junto com o aluno, facilitando o entendimento dele e a compreensão da questão, mas não tinha como adequar, até porque a gente também só viu a prova no dia"

Aqui nos perguntamos: se a inclusão em educação pressupõe que a educação seja para TODOS, suas práticas cotidianas (em que se inserem as avaliativas) também não seriam de direito destes alunos?
Analisando os dados omnileticamente
Para fazermos uma análise omnilética destes dados, é preciso se ter, como explicamos acima, uma visão totalizante, entretecida, de três grandes aspectos: a tridimensionalidade culturas, políticas e práticas em que se desenrolam, de modo tanto dialético quanto complexo, os fatos da vida humana. Este é o ponto de partida da perspectiva omnilética. A tridimensionalidade origina-se dos trabalhos de Booth (1996; 2002; 2011) com o Index para a Inclusão e coloca que culturas, políticas e práticas são/estão interligadas e constituem-se dimensões centrais de acontecimentos da vida humana e social.
A dialética refere-se à abordagem materialista histórica, que compreende tais fenômenos da vida em sua materialidade, em sua historicidade, contextualizados, portanto, e intimamente ligados de modos muitas vezes contraditórios, e cuja contraditoriedade é, em si mesma, parte constituinte do próprio processo de movimento histórico em que se desenrolam os fatos. Ou, como nos diz Chauí, 2000:
Materialismo porque somos o que as condições materiais (as relações sociais de produção) nos determinam a ser e a pensar. Histórico porque a sociedade e a política não surgem de decretos divinos nem nascem da ordem natural, mas dependem da ação concreta dos seres humanos no tempo. A História não é um progresso linear e contínuo, uma sequência de causas e efeitos, mas um processo de transformações sociais determinadas pelas contradições entre os meios de produção (a forma da propriedade) e as forças produtivas (o trabalho, seus instrumentos, as técnicas). A luta de classes exprime tais contradições e é o motor da História. Por afirmar que o processo histórico é movido por contradições sociais, o materialismo histórico é dialético (p. 537)

Por fim, a complexidade nos remete ao conceito morininano (MORIN, 2011) deste termo, que observa que para além das relações constituintes de contraditoriedade entre os fenômenos políticos, culturais e práticos nos quais nossa existência se afirma, existe um movimento em direção à incerteza, ao imprevisível, ao devir e ao que é, ainda, "apenas" potencial, movimento este que mantém, sendo meio que um motor, por assim dizer, a própria vida.
Assim sendo, nossa retomada analiticamente omnilética dos dados acima apresentados nos faz ver, no que tange à avaliação dos alunos dos sujeitos participantes desta pesquisa (alunos das SRMs), que as dimensões culturais, políticas e práticas por meio das quais a avaliação ocorre, são eivadas de tensões, interesses e valores conflitantes e complementares (que se dão sentido mutuamente), como também apontam para saídas efetuadas e nem sempre percebidas, ou ainda, potencialmente impensadas, mesmo que ricas de incertezas.
Em outras palavras, percebemos que, ao mesmo tempo, as avaliações: (a) ocorrem (práticas) de forma processual, mas carente de detalhes técnicos (políticas e práticas), difíceis de serem detalhadamente verbalizados (práticas); (b) seu grau de controle (políticas) ainda é visto em uma perspectiva (culturas) bastante binária (ou se tem um forte controle, ou não se tem nenhum); (c) que a legitimação da avaliação (culturas e práticas) dos alunos das SRMs depende de uma conflituosa relação (culturas) entre professores de SRMs e seu potencial de "persuasão" de professores de salas regulares, assim como de intensas negociações políticas no plano institucional (políticas) com reflexos sistêmicos (em alguns municípios o aluno participa de avaliações mais amplas e padronizadas, como provas nacionais e em outros, não); (d) que o foco (culturas) sobre o qual se fundamentam as avaliações (práticas) ainda é predominantemente clínico (culturas), centralizado no sujeito como sendo/tendo um "problema", e não em relações sistêmicas, humanas e institucionais que acontecem na escola e que tanto constroem quanto podem desconstruir os "problemas".
Dado que as observações acima, se compreendidas em uma perspectiva omnilética, não são passíveis de um "julgamento" (desejável ou não) e sim de uma constatação, é possível, além de enxergar o quanto todas estão dialética e complexamente intrincadas, afirmar que nada do observado tem caráter finalístico. Ou seja: tratam-se de "retratos" dos momentos culturais, políticos e práticos em que as escolas e sujeitos participantes se encontravam ao longo da investigação. Como se tratou de uma investigação colaborativa, em que o caráter formativo da mesma se faz presente como uma importante variável, é bem possível dizer que a mesma pesquisa feita hoje poderia gerar "retratos" diferenciados, apontando para sucessos e mesmo retrocessos.
O leitor poderá contestar: se é para admitir que poderá haver retrocessos, onde fica a importância da pesquisa? Ao que respondemos: a "pesquisa omnilética", por assim dizer, não se preocupa com resultados, e sim com processos, entendendo-se estes como sempre mutantes, e que o sentido valorativo atribuído às "mutações" são convenções fundamentadas em um referencial de ciência que segue uma filosofia positivista. A perspectiva omnilética, partindo de uma fundamentação mais fenomenológica – ainda que também materialista – considera o sucesso tão somente na medida em que seja assim importante de ser determinado pelos sujeitos da investigação, a partir de discussões coletivas e acordos sempre provisórios sobre o que seja "certo" e "desejável", "errado" e "indesejável"; "sucesso" e "insucesso".
Isto significa aceitar a ideia – deixando de lado a angústia positivista pela busca da "verdade" – de que a "verdade" é a própria incerteza e mutabilidade das coisas e pessoas. E que em assim o sendo, todo e qualquer parâmetro, norma, média ou medida comparativa só tem sentido se for provisório e estiver pronto para ser "derrubado" tão logo as culturas, políticas e práticas humanas e sociais, porque dialéticas e complexas, o façam necessário. E isto pode ser agora, a qualquer hora, sempre e/ou nunca.

Finalizando (provisoriamente)...
Este artigo apresentou uma breve discussão sobre como está sendo realizada a avaliação da aprendizagem dos alunos que frequentam as Salas de Recursos Multifuncionais no Estado do Rio de Janeiro, mais especificamente nos municípios de Niterói, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro e Petrópolis, em uma perspectiva que denominamos Omnilética de análise.
Observamos, por meio dos dados, que as tensões encontradas fazem parte de um processo omnilético e infindável de luta pela minimização das barreiras à aprendizagem e à participação. Um processo não finalístico que contempla o entrelaçamento complexo e dialético das expressões da vida humana e social por meio de suas três grandes dimensões: culturais, políticas e práticas. Neste processo, posturas (culturas) convergentes e divergentes se encontram, produzindo reflexões e decisões (políticas) que terão diferentes repercussões nas práticas. Do mesmo modo, as políticas refletidas, decididas e acordadas provocam o revisar de aspectos culturais que se incidirão em outras e diferentes (nem melhor, nem pior) práticas. Ou ainda: políticas, mesmo que contraditórias às culturas presentes na instituição, podem influenciar práticas, o que por sua vez ajuda a rever culturas. Também as próprias práticas inspiram o revisar incessante de valores, crenças e posicionamentos (culturas), promovendo seus impactos nas negociações políticas e regras de convivência (políticas). Ou pressionam à construção de políticas que, ulteriormente, poderão contribuir para a mudança nas culturas, nestes incessantes movimentos exponenciais de transformação.
Por fim, vale uma reflexão: é bem provável que as mentes positivistas que nos leiam nos critiquem com a velha ideia do relativismo: se tudo é provisório, então vamos cruzar os braços e deixar que as coisas tomem seu próprio rumo. Afirmamos que esta não é a postura que defendemos, pelo contrário! Potenciamos todo e cada "retrato" da vida como uma "verdade provisória"! Assim, justamente porque as coisas são provisórias e a incerteza é certa, devemos, sim, nos engajar ativamente em práticas de pesquisa e outras práticas sociais, mas desde que não pressuponham a neutralidade, a separação sujeito-objeto, que sejam propositivas e interventivas, ao mesmo tempo em que completamente abertas a revisões e retomadas de caminhos.

Referências
AGAMBEN, Giorgio. A potência do pensamento. Rev. Dep. Psicol., UFF, Niterói, v. 18, n. 1, June 2006. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-80232006000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 11 ago. de 2013.
CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ed Ática, 2000.
JARDILINO, J. R, L, A pesquisa e o cotidiano escolar: uma ação colaborativa? EccoS revista científica, vol. 7, n.2, São Paulo, jul/dez, pp. 239-249, 2005.
LIEBERMAN, A. (1986). Collaborative research: Working with, not working on... Educational Leadership, 43 (5), 29-32.
MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2011.
SANTOS, M. P. dos. Dialogando sobre inclusão em educação: contando casos (e descasos). Curitiba: CRV, 2013.
SANTOS, M. P dos.; FONSECA, M. P. S.; MELO, S. C. (org.). Inclusão em Educação: diferentes Interfaces. Curitiba: Editora CRV, 2009.

SANTOS, M. P. e SEPÚLVEDA, D. Desenvolvendo Culturas, Políticas e Práticas Inclusivas de Avaliação na Formação Docente Inicial. Anais do I Congresso Nacional de Avaliação em Educação: I CONAVE. Bauru: CECEMCA/UNESP, 2010, pp. 1 - 12.


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